sexta-feira, 22 de junho de 2012
Porque destituiram o Presidente Lugo
http://www.cubadebate.cu/opinion/2012/06/22/por-que-derrocaron-al-presidente-fernando-lugo/
Países sulamericanos não reconhecem governo golpista
Países sudamericanos desconocen Gobierno paraguayo
22 Junio 2012
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En un proceso sumarísimo, Lugo fue hallado culpable de incumplir sus funciones al dejar que creciera la conflictividad social en Paraguay. Pocos minutos después de la destitución, juró en su reemplazo el vicepresidente Federico Franco.
Los cuatro países se hicieron eco por separado de la posición de la Unión de Naciones Suramericanas (Unasur), que antes de la decisión del Congreso habían advertido que la democracia peligraba en Paraguay y que podría aplicar sanciones.
“Convoco a los gobiernos de América, a los pueblos indígenas y a los movimientos sociales de América Latina a hacer un solo frente y unirse para defender la democracia en Paraguay y al presidente Lugo”, dijo Evo Morales en una declaración publicada en la agencia oficial ABI.
Hugo Chávez, presidente de Venezuela, calificó en un acto público en Caracas el cambio de Gobierno como “un golpe de la burguesía paraguaya”.
En una inesperada aparición ante periodistas en la Casa de Gobierno, la presidenta argentina, Cristina Fernández, calificó la remoción de Lugo como un “golpe de Estado” y afirmó que los Gobiernos que integran el bloque aduanero del Mercosur tomarán una acción mancomunada sobre la situación.
“Vamos a tomar un curso de acción que delinearán nuestras cancillerías y actuaremos mancomunadamente tanto con Uruguay como con Brasil”, dijo la mandataria argentina.
En ese sentido, el presidente ecuatoriano, Rafael Correa, dijo a un canal de televisión local que la próxima semana podría haber una reunión de Unasur para tratar la situación.
Tras conocer la noticia de la destitución de Lugo, el canciller chileno, Alfredo Moreno, aseguro que el proceso llevado contra el ex gobernante paraguayo “claramente no cumple con los estándares mínimos que requiere la defensa de cualquier persona”.
Sin embargo, al ser consultado por el canal TVN sobre si Chile reconocerá al nuevo jefe de Gobierno de Asunción, Moreno dijo que “estamos a la espera” de revisar los antecedentes y aseguró que el país esperará a los próximos días para pronunciarse.
(Con información de Reuters)
Dilma Rousseff sugiere expulsión de Paraguay de Mercosur y Unasur
22 Junio 2012
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La presidenta del Brasil Dilma Rousseff sugirió expulsar a Paraguay del Mercado Común del Sur (Mercosur) y la Unión de Naciones Suramericanas (Unasur) a raíz de la destitución de Fernando Lugo, la cual calificó de antidemocrática.Rousseff recordó que tanto Mercosur como Unasur disponen de cláusulas para preservar la democracia en sus países integrantes y que podría considerarse que Paraguay transgredió una de ellas con los últimos hechos acontecidos, informó la agencia de noticias Télam.
Dilma brindó estas declaraciones en una conferencia de prensa en la cumbre de Rio+20, según la mandataria brasileña, Paraguay está experimentando una situación a la que calificó de “complicada”.
La expulsión de Paraguay de estos organismos podría tener graves consecuencias económicas y dejaría al país prácticamente aislado en materia comercial.
Fernando Lugo fue destituido este viernes luego de un juicio político express llevado a cabo por el Congreso Nacional, donde legisladores votaron de forma mayoritaria por la destitución del ahora ex mandarario de la República del Paraguay.
(Tomado de Última Hora)
Defesa de nosso (dos brasileiros) patrimônio
24 de Maio de 2012 - 13h50
A senadora Vanessa Grazziotin destacou que, sozinho, nenhum dos países conseguirá um resultado tão bom para este desafio quanto conseguiria em grupo. Daí a importância de se fortalecer a organização.
O tratado, celebrado em julho de 1978 por Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, é o instrumento jurídico que reconhece a natureza transfronteiriça da Amazônia. E tem como objetivo central a promoção do desenvolvimento harmônico e a incorporação de seus territórios às respectivas economias nacionais, o que é fundamental para a manutenção do equilíbrio entre crescimento econômico e preservação do meio ambiente.
Em 1995, os países signatários resolveram fortalecer o Tratado de Cooperação Amazônica, instituindo oficialmente, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), e sua Secretaria Permanente, com sede em Brasília.
Visibilidade ao trabalho
O diretor do Departamento da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores, Clemente Baena Soares, explicou que a OTCA ainda é desconhecida mesmo dentro da Amazônia. Por isso, a entidade quer aproveitar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho, no Rio de Janeiro, para dar mais visibilidade a seu trabalho.
“Estamos esperando a assinatura, durante a Rio +20, do primeiro grande projeto da OTCA, que abarcará todos os países amazônicos. O projeto, custeado pelo Fundo da Amazônia, do BNDES (Banco nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), fará o monitoramento do desmatamento na região e o compartilhará com as oito nações interessadas”, contou Baena.
Competência para cuidar
Ele destacou que o interesse é provar à comunidade internacional que a entidade têm competência para manter a Amazônia preservada. Para isso, em 2010, eles assinaram um documento em Lima, no Peru, com o compromisso de revigorar a organização.
O presidente da Comissão de Coordenação do Conselho de Cooperação Amazônica (CCOOR), Horácio Sevilla Borja, explicou que, além de provar que são capazes de cuidar da Amazônia, os países da OTCA têm dois outros desafios.
Um deles é investir em conhecimento científico na região. Segundo ele, a maior parte das pesquisas sobre a riqueza da biodiversidade amazônica é realizada hoje pelas nações desenvolvidas. É necessário que os países da OTCA se preparem para explorar a riqueza da região. A organização tem duas propostas nesse sentido: a implantação do Observatório Amazônico, fórum que reunirá instituições e autoridades para estudo da biodiversidade amazônica, e a criação da Universidade Regional Amazônica, uma espécie de centro acadêmico e de pesquisa de caráter intergovernamental.
O outro desafio é promover o desenvolvimento sustentável da região. Horácio Borja afirmou que os países devem cuidar da questão econômica, social, ambiental e cultural da Amazônia, tendo cuidado especial com a população que vive no local, em geral pobre, e também com os povos ancestrais, como os indígenas, que sobrevivem na floresta, muitos ainda em isolamento. É fundamental também respeitar a delicadeza ambiental da floresta ao escolher os sistemas econômicos a serem adotados na região.
De Brasília
Márcia Xavier
Com Agência Senado
Do portal Vermelho www.vermelho.org.br
Senado discute meios de enfrentar internacionalização da Amazônia
O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) foi tema de debate no Senado, nesta quarta-feira (23), a pedido da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). A parlamentar reuniu especialista na área para discutir meios do Congresso Nacional ajudar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), criada para fortalecer o tratado. Os participantes da audiência foram unânimes: oferecendo respaldo político à organização e ajudando-a a conquistar autonomia financeira.
Além de provar que são capazes de cuidar da Amazônia, os países da OTCA têm outros desafios.
Composta pelos oito países que compõem o bioma amazônico – Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela –, a organização ganhou força no início dos anos 2000, quando surgiu um movimento, vindo de países desenvolvidos, para internacionalização da floresta. O argumento era de que as nações que integravam a Amazônia não teriam condições de conservá-la.A senadora Vanessa Grazziotin destacou que, sozinho, nenhum dos países conseguirá um resultado tão bom para este desafio quanto conseguiria em grupo. Daí a importância de se fortalecer a organização.
O tratado, celebrado em julho de 1978 por Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, é o instrumento jurídico que reconhece a natureza transfronteiriça da Amazônia. E tem como objetivo central a promoção do desenvolvimento harmônico e a incorporação de seus territórios às respectivas economias nacionais, o que é fundamental para a manutenção do equilíbrio entre crescimento econômico e preservação do meio ambiente.
Em 1995, os países signatários resolveram fortalecer o Tratado de Cooperação Amazônica, instituindo oficialmente, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), e sua Secretaria Permanente, com sede em Brasília.
Visibilidade ao trabalho
O diretor do Departamento da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores, Clemente Baena Soares, explicou que a OTCA ainda é desconhecida mesmo dentro da Amazônia. Por isso, a entidade quer aproveitar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho, no Rio de Janeiro, para dar mais visibilidade a seu trabalho.
“Estamos esperando a assinatura, durante a Rio +20, do primeiro grande projeto da OTCA, que abarcará todos os países amazônicos. O projeto, custeado pelo Fundo da Amazônia, do BNDES (Banco nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), fará o monitoramento do desmatamento na região e o compartilhará com as oito nações interessadas”, contou Baena.
Competência para cuidar
Ele destacou que o interesse é provar à comunidade internacional que a entidade têm competência para manter a Amazônia preservada. Para isso, em 2010, eles assinaram um documento em Lima, no Peru, com o compromisso de revigorar a organização.
O presidente da Comissão de Coordenação do Conselho de Cooperação Amazônica (CCOOR), Horácio Sevilla Borja, explicou que, além de provar que são capazes de cuidar da Amazônia, os países da OTCA têm dois outros desafios.
Um deles é investir em conhecimento científico na região. Segundo ele, a maior parte das pesquisas sobre a riqueza da biodiversidade amazônica é realizada hoje pelas nações desenvolvidas. É necessário que os países da OTCA se preparem para explorar a riqueza da região. A organização tem duas propostas nesse sentido: a implantação do Observatório Amazônico, fórum que reunirá instituições e autoridades para estudo da biodiversidade amazônica, e a criação da Universidade Regional Amazônica, uma espécie de centro acadêmico e de pesquisa de caráter intergovernamental.
O outro desafio é promover o desenvolvimento sustentável da região. Horácio Borja afirmou que os países devem cuidar da questão econômica, social, ambiental e cultural da Amazônia, tendo cuidado especial com a população que vive no local, em geral pobre, e também com os povos ancestrais, como os indígenas, que sobrevivem na floresta, muitos ainda em isolamento. É fundamental também respeitar a delicadeza ambiental da floresta ao escolher os sistemas econômicos a serem adotados na região.
De Brasília
Márcia Xavier
Com Agência Senado
Do portal Vermelho www.vermelho.org.br
A Comissão da Verdade e a luta democrática
Por Augusto C. Buonicore
O que o passado pode nos ensinar? Esta é uma pergunta que perturba o sono da humanidade desde os seus primórdios. Todas as comunidades procuraram de alguma forma estabelecer laços com seu passado. Ora para aceitá-lo e transformá-lo numa referência para a atuação no presente. Ora para rejeitá-lo, como algo a não ser seguido. Portanto, é uma das características dos homens e das mulheres vivendo em sociedade fazer comparações entre o seu passado e o presente e, a partir daí, tentar projetar como seria o futuro: um futuro melhor.
As pessoas comuns – o senso comum – tendem, na maioria dos casos, a jogar a culpa pelos erros cometidos pela humanidade nas costas da própria ignorância, da incapacidade dos homens e mulheres em extrair lições dos acontecimentos ocorridos no passado. Afirmam: “Se tivéssemos aprendido com os nossos erros, não os teríamos cometido de novo”. Esta conclusão pode até valer na vida privada, mas não serve para o entendimento da história das sociedades humanas divididas em classes sociais.
Aqui, infelizmente, ao contrário do que diz o senso comum, os fatos históricos não falam e nem ensinam por si mesmos, pois eles são “lidos” por homens e mulheres portadores de interesses contraditórios e, por vezes, antagônicos. Assim, não é possível ver a história de um mesmo jeito e extrair dela sempre as mesmas lições, independentemente do lugar social em que se esteja.Um ditado, talvez, nos seja muito útil neste debate: “Se os teoremas da geometria, hoje universalmente aceitos, entrassem em conflito com os interesses das classes sociais, com certeza, eles também seriam objetos de questionamentos e de conflitos acirrados”. Lembramos, por exemplo, quantos livres pensadores foram aprisionados, supliciados e até executados por afirmarem simplesmente que a Terra não era plana e, pior, não era o centro de um universo criado por Deus.
Por que houve tantas e sangrentas polêmicas em torno de coisas que hoje nos parecem tão evidentes? É que essas verdades, na época, atingiam em cheio interesses poderosos da alta nobreza e da hierarquia da Igreja católica. Muitos crentes, inclusive, recusavam-se a olhar pelo telescópio para não serem tentados pela ciência demoníaca que era a astronomia.
Aonde quero chegar? Em todas as sociedades existe um combate surdo pela memória. Este combate faz parte de uma luta ainda maior que é a luta pela conquista da hegemonia. Em outras palavras, a história e a memória são espaços nos quais grupos sociais se enfrentam para decidir quem dirigirá os destinos da nação ou mesmo do Planeta. Contudo, na maioria das vezes, não nos damos conta disso.
Um povo sem memória, sem uma identidade que se funda num determinado passado e num projeto de futuro, estará sempre fragilizado diante de seus inimigos. Cada vez que uma classe se coloca na condição de se tornar hegemônica, ela (re)constrói a história sob sua perspectiva, em geral mais avançada. Portanto, a vitória desta ou daquela escolha não é gratuita, e sim o resultado das lutas sociais numa determinada dimensão: a da representação social.
Por isso, as classes dominantes sempre procuraram reconstruir o passado para, no presente, justificar sua própria dominação. Buscaram sempre obscurecer e mesmo apagar a memória e a identidade das classes subalternas e das nações subjugadas.
Aqui já estamos entrando no campo minado do processo de construção da anistia e da Comissão da Verdade no Brasil. O que é aparentemente algo simples e tranquilo – pois envolve duas palavras quase mágicas: justiça e verdade – se torna algo complexo e explosivo.
As vicissitudes do processo de democratização
Voltemos um pouco ao nosso passado recente. As ditaduras militares da América do Sul foram derrotadas por amplos movimentos que ganharam as ruas e as praças públicas das principais cidades. Contudo, não foram derrubadas por ações insurrecionais – ou revolucionárias. Em todos esses casos, em níveis diferentes, houve algum tipo de negociação com setores ligados ao antigo regime. Isto explica uma série de limitações dos nossos processos de democratização. Grosso modo, foram transições e não rupturas. E, aqui, não cabe passar descomposturas na história.
Como o rompimento com os aspectos negativos do passado não foi radical, ou melhor, não teve a radicalidade necessária, a ideologia (conservadora) que sustentava o sistema opressivo anterior não foi suficientemente extirpada entre nós. Ela ainda nos cerca e contamina nossas instituições privadas e públicas.
Sabemos que as ideologias mudam mais vagarosamente que a base econômica e os regimes políticos. Mesmo após uma revolução, as ideologias antigas permanecem e em alguns casos se fortalecem junto àqueles setores sociais que foram seus portadores no período anterior – numa forma de autodefesa contra o novo que surge e vai se impondo. Os preconceitos mais vis – até então soterrados no subconsciente – vêm à tona. Vide a campanha presidencial passada, quando o tema “terrorismo” da esquerda durante a ditadura veio à baila com certa força entre os setores médios.
Se essas ideologias conservadoras e reacionárias permanecem por algum tempo até quando ocorrem revoluções, imaginem quando não as há. E, ao contrário, muito menos quando ocorre uma transição lenta, gradual – e nem sempre segura –, como ocorreu entre nós.
Vejamos, então, o caso brasileiro. Vamos resumir e nos referir apenas ao período final do regime militar. Depois da grande campanha pelas “diretas já!”, a saída encontrada – e, possivelmente, a única viável naquele momento – foi a participação da oposição no Colégio Eleitoral, criado pelo próprio regime visando à sua perpetuação.
O candidato das oposições era o governador Tancredo Neves – representante dos setores conciliadores do PMDB. O aspirante a vice-presidente, por sua vez, havia saído recentemente do partido oficial, a Arena/PDS. Devido à trágica morte de Tancredo, a presidência caiu nas mãos de Sarney que, apesar das medidas democráticas adotadas nos primeiros anos de governo, sucumbiu à pressão conservadora e militar. Outros próceres da Nova República tiveram a mesma trajetória, como Antônio Carlos Magalhães e Marco Maciel. A maioria dessas pessoas havia apoiado o golpe de 1964 e a ditadura militar, inclusive em seus períodos mais repressivos. Desprenderam-se do regime apenas na crise sucessória de 1984.
Outro detalhe importante: a quase totalidade dos grandes meios de comunicações e dos empresários também havia sido favorável à ditadura, pelo menos até o início da crise econômica de 1974-1975. Neste período alguns fizeram um leve movimento para o campo da oposição, tendo como bandeira o liberalismo contra o excesso de intervencionismo estatal.
Vamos nos deter apenas no exemplo do apoio do nosso empresariado ao regime discricionário durante sua fase mais tenebrosa. No livro Ditadura Escancarada de Elio Gaspari, lemos: “A reestruturação da PE paulista e a Operação OBAN foram socorridas por uma ‘caixinha’ a que compareceu o empresariado paulista. A banca achegou-se no segundo semestre de 1969, reunida com Delfim Neto num almoço no palacete do Clube São Paulo (...). O encontro foi organizado por Gastão Vidigal, dono do Mercantil de São Paulo (...). Sentaram-se à mesa cerca de quinze pessoas. Representavam os grandes bancos brasileiros. Delfim explicou que as Forças Armadas não tinham equipamentos nem verbas para enfrentar a subversão. Precisavam de bastante dinheiro. Vidigal fixou a contribuição em algo como 500 mil cruzeiros da época, equivalente a 110 mil dólares”. Vidigal afirmaria: “Dei dinheiro para o combate ao terrorismo. Éramos nós ou eles”.
Continua Gaspari: “Na Federação das Indústrias de São Paulo, convidavam-se empresários para reuniões em cujo término passava-se o quepe. A Ford e a Volkswagen forneciam os carros, a Ultragás emprestava os caminhões (para serem usados em operações de cobertura para a ação da repressão política) e a Supergel abastecia a carceragem da rua Tutóia com refeições congeladas. Segundo Paulo Egydio Martins, que em 1974 assumiria o governo de São Paulo, ‘àquela época (...) pode-se dizer que todos os grandes grupos comerciais e industriais do estado contribuíram para o início da OBAN’”. Embora só cite duas multinacionais, podemos dizer que o conjunto dessas empresas no país foi muito generoso nas doações aos órgãos de repressão.
Os meios de comunicação privados – jornais, revistas, rádios e TVs, que também são empresas capitalistas – na sua grande maioria deram seu apoio ao golpe e ao regime discricionário. As exceções ficaram por conta do jornal Última Hora e Correio da Manhã. Este apoiou o golpe, mas recuou de suas posições mais conservadoras quando a ditadura se implantou e mostrou suas garras. O grupo Folhas, por exemplo, chegou ao extremo de emprestar suas caminhonetes para o DOI, que as usava para transportar presos políticos na busca de “pontos” com outros militantes. Por isso mesmo essas viaturas foram atacadas por grupos guerrilheiros.
No entanto, a melhor ajuda que davam ao regime era reforçar a tese de que os opositores, especialmente os da esquerda armada, eram perigosos terroristas e encobrir seus assassinatos – a maioria das vezes sob torturas – com mirabolantes versões sobre mortes em tiroteios, atropelamentos durante fugas e mesmo suicídios. É certo que o governo militar impunha censura a certas matérias e certos assuntos, mas não obrigava que suas notas mentirosas fossem inseridas na íntegra, como matéria do próprio jornal.
Os proprietários e editores tinham a liberalidade de colocar entre aspas e citar as fontes da “informação”. Coisas que, em geral, não faziam. Em 6 de janeiro de 1973 A Folha de São Paulo estampava a notícia “Prisões eliminam focos terroristas”. Nela afirmava que os dirigentes do PCdoB Lincoln Oest, Luiz Guilhardini e Lincoln Bicalho Roque tinham sido baleados ao fugirem ou resistirem à prisão. Mas todos eles foram mortos sob bárbaras torturas.
A rede Globo abria sua grade para programas de louvação ao regime militar, especialmente sobre o Milagre Econômico e o clima de “ordem e tranquilidade” reinante no país. Destaco lixos ideológicos, como “Amaral Neto: o Repórter”. Mais à frente, em plena “abertura política”, temos o caso do primeiro grande comício das diretas já! – anunciado como festa de aniversário de São Paulo.
No Brasil, ao contrário de outros países, grande parte dos poderes Judiciário e Legislativo subordinou-se àquela situação. O Congresso Nacional – articulado com os militares golpistas – votou ilegalmente o impedimento de João Goulart, argumentando que ele havia abandonado o governo. O Parlamento – apesar de desfalcado dos setores mais combativos – continuou votando com o regime e – a não ser por curtos períodos – não foi fechado. O Judiciário, grosso modo, se portou da mesma maneira. Pactuou – ainda que através do seu silêncio – com o golpe e o arbítrio. É claro, tanto no Parlamento, como no Judiciário e até nas Forças Armadas houve exceções, mas as instituições se portaram de maneira conservadora.
A visão que esses setores poderosos buscaram passar foi que o golpe se constituiu num mal necessário, diante da desordem que vivia o país sob o governo populista e irresponsável de Jango. Contudo, a “revolução de 1964”, no início denominada de “redentora”, misteriosamente se desviou de seus objetivos e desembocou numa férrea ditadura nas mãos exclusivas de militares sedentos de poder. Pior: de militares que perderam o controle sobre os porões do regime. As torturas e mortes – de autoria de alguns maníacos – teriam sido frutos desse descontrole governamental.
Toda a responsabilidade pelo acirramento do arbítrio foi colocada nas costas da “linha dura” militar e de alguns maus policiais (como Fleury), incrustados no interior do aparelho estatal brasileiro. Assim, um manto de silêncio desceu sobre o papel ativo desempenhado pelos grandes empresários, pela mídia brasileira e pela diplomacia de guerra de potências ocidentais, como os Estados Unidos.
Creio que isso explica, em grande parte, as vicissitudes da nossa chamada transição democrática e do nosso processo de anistia, pois nos faz entender as razões dos inumeráveis entraves colocados à instituição da Comissão da Verdade. Muitos temem que ela possa jogar luzes sobre acontecimentos e estabelecer responsabilidades que prefeririam ver esquecidos.
Os ideólogos do antigo regime, como o coronel Jarbas Passarinho, acuados pelas crescentes denúncias de abuso e de desrespeito aos direitos humanos, inventaram o mito da guerra suja dos dois lados. Este é o outro mote dos ex-agentes da repressão e seus “advogados”, que não podem mais negar as torturas e os assassinatos. Dizem: “Cometemos abusos, é verdade, mas o outro lado também os cometeu. Como somos todos, de alguma maneira, culpados, nada melhor que esqueçamos o passado”. E concluem com ares de superiores: “Anistia é esquecimento!”.
Uma argumentação falaciosa, pois sabemos que a quase totalidade dos opositores ativos ao regime militar teve de responder por suas ações e pagou muito caro por sua ousadia libertária. Foram demitidos, presos, banidos, torturados e assassinados. Os corpos de muito deles ainda estão desaparecidos. Portanto, quando foram anistiados já tinham pagado todas as suas penas – muito além do que determinava as leis de exceção do período, que não prescreviam tortura, execução sumária e desaparecimento de corpos. Não só nada devem como a eles é devido.
Vamos aos números: calcula-se em 500 mil o número de cidadãos brasileiros investigados pelos órgãos de segurança; 200 mil detidos por suspeita de subversão; 11 mil acusados nos inquéritos das auditorias militares, 5 mil deles condenados, e a grande maioria torturada; 10 mil exilados; 4.862 mandatos cassados; 1.202 sindicatos sob intervenção; 245 estudantes expulsos das universidades apenas através do Decreto 477; 49 juízes expurgados; 3 ministros do Supremo afastados, o Congresso Nacional fechado por três vezes; censura prévia à imprensa e às artes; 400 mortos, com 144 desaparecidos até hoje. Muitos consideram estes números irrisórios. Bem, esta não deixa de ser uma maneira (reacionária) de ver as coisas.
E o que ocorreu àqueles agentes do Estado que, desrespeitando as leis da própria ditadura, torturaram, mataram e desapareceram com os corpos dos prisioneiros políticos? Estes foram anistiados – incluídos nos “crimes anexos” – sem terem tido qualquer julgamento, sem sofrerem nenhuma sanção legal, nem mesmo administrativa. Seus nomes e as condições de seus atos continuam na penumbra. Dizem que é preciso virar esta pagina da história. O juiz espanhol Baltazar Garzon, respondendo a isto, afirmou: “sim é preciso virar esta página do livro, mas não antes de lê-la”.
Outra falácia: dizem que, como os militares, a esquerda também deve abrir seus arquivos. No entanto, os nomes e feitos dos resistentes são conhecidos através dos depoimentos prestados à polícia, à imprensa e aos pesquisadores; através de inúmeras biografias e artigos publicados. Lembremos também que grande parte dos arquivos da esquerda foi apreendida pela polícia. Apenas dois exemplos: os documentos que estavam na casa onde ocorreu a Chacina da Lapa, inclusive os relatórios de avaliação sobre a Guerrilha do Araguaia foram levados pelo exército; o Diário do comandante guerrilheiro Maurício Grabois também caiu nas mãos da repressão. Até hoje não se sabe onde estão.
Outra coisa: a maioria dos sobreviventes daqueles anos sombrios se orgulha de sua atuação contra o regime, embora reconheça os muitos erros que foram cometidos. Mostra a cara e assume suas responsabilidades perante o povo e a nação. Nada tem a esconder. Quanto aos torturadores e seus comandantes acontece justamente o inverso. Escondem seus rostos e feitos. Temem que a verdade apareça e a justiça se faça.
Uma palavra sobre a Lei de Anistia e a Comissão da Verdade
A força desses setores conservadores tem moldado negativamente a transição e a construção da democracia entre nós. Quando da aprovação da Lei de Anistia, em 1979, eles conseguiram impedir que as mãos da justiça alcançassem os criminosos incrustados no interior do aparelho de Estado.
Em torno disso um novo mito conservador foi se constituindo. Um mito que, de certa forma, foi expresso na decisão de Supremo Tribunal Federal quando este se recusou a invalidar os aspectos daquela lei que contrariavam a atual Constituição Brasileira, e leis internacionais que tratavam dos direitos humanos. Estas consideram a tortura como crime imprescritível e, portanto, impossível de ser incluído em qualquer processo de anistia.
O procurador-geral da República, Roberto Rangel, chegou a afirmar que a Lei da Anistia “foi o resultado de um longo debate nacional”. De fato, o debate sobre a anistia ocorreu, mas a lei não foi resultado deste debate ou mesmo de um acordo nacional entre oposição e governo. Ela foi uma imposição do poder Executivo ainda ditatorial. A quase totalidade de emendas apresentadas pelo MDB foi rejeitada.
E há um fato que os conservadores parecem esquecer: a Lei foi aprovada por 206 votos da Arena contra 201 votos do MDB; uma diferença de apenas 5 votos – 1% do Congresso. Um Congresso contaminado pela presença de senadores biônicos (32%); instituído pelo pacote de abril de 1977, por graves distorções nas representações estaduais; e inúmeras outras limitações democráticas. Um Parlamento que, sob um regime discricionário, não podia representar plenamente os interesses da nação e do povo brasileiro. Só com muito cinismo poderíamos considerar que um Congresso cerceado – com maioria arenista – pudesse ser a expressão dos interesses nacionais e populares.
Ao contrário da vontade da oposição, a Lei não garantiu anistia para vários prisioneiros e banidos – acusados de “crimes de sangue” –, e estendeu este direito aos agentes do Estado que cometeram crimes contra presos. A tortura e os assassinatos políticos, malandramente, foram incluídos no item “crimes conexos”.
Na ocasião, o senador Pedro Simon chegou a afirmar: “Sem biônicos, o resultado seria outro; a lei 6683/79 é o resultado da imposição e controle do executivo sobre o Legislativo (...) e através do termo crimes conexos, cuja definição não é clara (...) deixou impunes os torturadores e excluiu centenas de militantes de esquerda que resistiram contra o regime militar, evidenciando o caráter de autoanistia contido na lei”. As leis de autoanistia dos torturadores já foram revogadas na maioria dos países que conquistaram a democracia. Neste campo, o Brasil está bastante atrasado quando comparado com seus vizinhos da América do Sul.
A Câmara de Cassação Penal da Argentina – em junho de 2006 – declarou a inconstitucionalidade do indulto concedido por Carlos Menem a alguns generais argentinos. Decisão confirmada pela Corte Suprema o que criou as condições para que se avançasse no processo de julgamento dos criminosos fardados, inclusive os generais-presidentes. Em abril deste ano a justiça argentina condenou o último presidente militar, general Reynaldo Bignone – de 83 anos – à prisão perpétua em cárcere comum. Não foi o primeiro. Rafael Videla – de 85 anos – continua atrás das grades – condenado em dezembro do ano passado. Na Argentina há 480 pessoas presas envolvidas com a repressão política. A metade deles é composta de altos oficiais das forças armadas.
O Uruguai conseguiu condenar à prisão dois ex-ditadores, Gregório Alvarez e Juan Maria Bordaberry e outros 16. E o senado uruguaio invalidou a lei de anistia e iniciou processo contra mais 50 pessoas. Entre 1985 e 2005, quando o país esteve sob o comando de Colorados e nacionais, não foi encaminhada nenhuma ação contra os agentes da repressão. Inclusive em dois plebiscitos a lei de anistia não foi alterada. Apenas sob o governo da Frente Ampla com Tabaré Vasquez, e agora com Pepe Mojica, as coisas começaram a mudar.
Comissões da Verdade já existem em mais de 40 países que fizeram a transição de regimes ditatoriais para regimes democráticos – embora nem todas as experiências tenham sido positivas. Bolívia (1982-1984), Argentina (1983-1984), Uruguai (1985), Chile (1990-1991), Peru (2000-2001). Apenas no final do segundo governo Lula – mais de 25 anos após o fim do regime militar – é que uma lei como essa, criando a Comissão da Verdade, pôde ser encaminhada ao Congresso. Mesmo assim foi preciso muita negociação e concessões para que ela fosse aprovada nas duas casas legislativas.
O objetivo, expresso na lei, será, entre outros, esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988; esclarecer de maneira circunstanciada os casos de torturas, mortes e desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria; identificar e tornar públicas as estruturas locais, as instituições envolvidas naqueles crimes, incluindo suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade; recomendar adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violações de direitos humanos e assegurar sua não repetição, promovendo a efetiva reconciliação nacional.
Mesmo que não possa punir ou mesmo indicar punições, se bem conduzida, a Comissão da Verdade apurará as responsabilidades pelas prisões arbitrárias, torturas, pelos assassinatos e desaparecimentos de militantes políticos brasileiros. Identificará e exporá à opinião pública os nomes dos autores materiais e intelectuais de todos esses crimes hediondos. O resultado inicial possivelmente será a mera condenação moral de seus autores. Contudo, futuramente, conforme as dimensões dos crimes forem mensuradas, poderá haver um clamor cívico nacional que conduzirá o Parlamento e a justiça brasileira a reinterpretarem ou reverem a lei da autoanistia aprovada durante o regime militar e, finalmente, levarem os acusados ao banco dos réus.
O resultado dependerá da nossa capacidade de nos manter atentos e mobilizados. Sem apoio político e social, este esforço para constituir uma Comissão da Verdade poderá ser frustrado. Como vimos, as forças contrárias à verdade são muito poderosas e ainda persistem na grande mídia, no mundo empresarial, nas forças armadas, no Judiciário e em outros aparatos estatais. Elas não cansam de repetir que anistia deveria significar esquecimento. Temendo por sua sorte, buscam confundir verdade e justiça com revanchismo. Os brasileiros não cairão neste engodo.____________
Texto apresentado no Congresso Internacional História, Memória e Justiça – mesa Lições do passado para a História e o Direito, promovido na PUC-RS em parceria com o Ministério da Justiça e Comissão de Anistia.
Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois e autor de Marxismo, história e revolução burguesa: Encontros e desencontros
Crime contra as crianças.
ATENÇÃO : É ASSIM QUE A GLOOB (já começa pelo nome) PRETENDE FAZER OS ALIENADOS E ENTREGUISTAS DE AMANHÃ. 80% DE PRODUÇÃO ESTRANGEIRA!!!!!! AONDE ESTÃO AS AUTORIDADES CONSTITUÍDAS? AONDE ESTÁ O MINISTÉRIO PÚBLICO? PARA QUE SERVEM OS JUIZADOS DE MENORES E OS CONSELHOS TUTELARES?
TEMOS QUE CANCELAR A CONCESSÃO DA REDE GLOBO ENQUANTO É TEMPO!!!!!
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Gloob estreia com 80% de produção estrangeira
Novo canal a cabo é a primeira aposta da Globosat voltada ao segmento infantil. Programação vai ao ar 24 horas por dia a partir desta sexta-feira
Televisão
Veja os destaques da programação do Gloob, novo canal infantil da Globosat
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Detetives do Prédio Azul é a única produção original do Gloob - Divulgação
Para atender a essa demanda, o novo canal estreia nesta sexta com 80% de sua programação formada por produtos estrangeiros e apenas uma série produzida no Brasil, Os Detetives do Prédio Azul, parceria com a Conspiração Filmes. Segundo Marinho, outras duas produções nacionais estão em andamento e devem estrear no canal no segundo semestre.
Nostalgia - Além disso, a grade de 24 horas do Gloob vai ser preenchida, na faixa noturna, por desenhos retrô, que acompanharam a infância dos pais dos pequenos telespectadores. Está prevista a exibição de títulos como Popeye, She-Ha, He-Man, Smurfs e O Sítio do Picapau Amarelo (na versão exibida pela TV Globo entre 2001 e 2007). “Identificamos o desejo dos pais de apresentarem histórias que fizeram parte das suas vidas para os filhos e acreditamos que os conteúdos que selecionamos ainda são capazes de se comunicar com as crianças de hoje”, diz o diretor do canal.
A caminho da verdade
15.junho.2012 22:01:04
Secretário nacional de Justiça ataca conservadorismo do Poder Judiciário, durante palestra sobre justiça de transição
Ao abrir, na noite de quinta-feira, 14, o seminário Direito à Verdade, Informação, Memória e Cidadania, em São Paulo, o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão criticou duramente o Poder Judiciário. Na avaliação do advogado, que também preside a Comissão de Anistia, enquanto o Legislativo e o Executivo se empenham em levar adiante tarefas destinadas a facilitar o processo de justiça de transição, o Judiciário se omite.
Indiretamente, ele se referia a duas questões: a aceitação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da Lei da Anistia de 1979; e a recusa sistemática de juízes a pedidos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) para processar agentes de Estado envolvidos com violações de direitos humanos no regime militar. O Judiciário tem uma dívida política com a sociedade brasileira, segundo Abrão, por sua atuação na ditadura.
“Onde estavam os juízes quando ocorriam prisões arbitrárias? Quem foram os juízes que negaram habeas corpus aos presos políticos criminalizados pela ditadura? A acusação e o enquadramento na LSN dos perseguidos políticos eram feitas por promotores civis, não militares. Esse poder também tem que promover um acerto de contas com a sociedade”, afirmou.
Abrão conclamou a sociedade a se mobilizar pela revisão da Lei da Anistia de 1979 e disse que a Comissão da Verdade não será o último passo na justiça de transição. Na avaliação dele, o resultado do trabalho iniciado agora para esclarecer fatos ocorridos na ditadura vai estimular ações judiciais contra agentes de Estado.
Ao final de sua longa exposição, no auditório Franco Montoro, na Assembleia, o secretário foi aplaudido de pé. O seminário, que se prolonga pelo fim de semana, é promovido com o apoio da Comissão Estadual da Verdade, presidida pelo deputado Adriano Diogo.
A seguir, alguns dos principais trechos da palestra do titular da Secretaria Nacional de Justiça, que é subordinada ao Ministério da Justiça.
AÇÕES JUDICIAIS. “A Comissão da Verdade não veio para botar uma pedra em cima da história. Muito pelo contrário. A Comissão da Verdade poderá gerar novos efeitos no campo da reparação, novas memórias e, quem sabe, potencializar os mecanismos de Justiça. Ninguém poderá impedir que o Ministério Público Federal, no exercício de suas funções, tenha acesso à documentação produzida pela comissão para ingressar com ações.”
CULTURA DO SILÊNCIO. Vivemos um novo momento histórico, que chamo da terceira fase da luta pela anistia. Ele é demarcado por duas leis, a de acesso à informação e a que cria a Comissão da Verdade. As duas atingem o âmago de uma cultura instalada há muito tempo, a cultura do silêncio e do sigilo. Nunca sistematizamos informações sobre a escravidão, a dizimação dos povos indígenas, a guerra do Paraguai. É a primeira vez na história que é criado um órgão de estado para sistematizar um conjunto de violações. Isso rompe com a cultura de não enfrentamento e projeta para o futuro a imagem de uma sociedade que sabe se organizar e resistir contra a opressão.”
VIOLÊNCIA. A ditadura brasileira foi muito violenta ao impor uma cultura do medo. É por causa disso que, tardiamente, quase trinta anos após iniciado o processo de redemocratização, só agora temos condições de instalar uma Comissão da Verdade.
SOB CONTROLE. Vivemos no Brasil uma transição pactuada, controlada, distinta da Argentina, onde a transição se deu por ruptura, onde as forças militares saíram desmoralizadas diante de uma crise econômica e, depois, pelo episódio das Malvinas. No Brasil não houve essa ruptura. Nossa característica é a dita transição lenta, gradual e segura, que está posta até hoje. E o marco jurídico fundante dessa transição controlada é a Lei de Anistia de 1979. É por isso que toda e qualquer vez que quisermos discutir justiça de transição, reparações, comissão da verdade, será inafastável discutir a dimensão da anistia.”
ROMPIMENTO. “A ruptura com a transição controlada é uma tarefa da sociedade do presente.”
PACTO. “O Congresso que aprovou a Lei da Anistia de 1979 era um congresso controlado. Um terço de seus senadores eram biônicos (indicados diretamente pelo Executivo) . O conceito deles de anistia não era o mesmo conceito de liberdade que existia na sociedade. O propósito deles era o esquecimento e a impunidade. Discordo da ideia de que foi um momento de pacto da sociedade brasileira. O projeto apresentado pelo governo foi aprovado por 212 votos a 206. E vem me dizer que houve pacto? Que pacto?”
BATALHA JURÍDICA. No campo da cultura jurídica a expansão do pensamento conservador é mais hegemônica que nos outros dois poderes. O Judiciário é concebido para ser mais conservador, ter menos mutação que outros poderes. Mas não é possível que, nesse momento de grande mobilização em favor da memória, da verdade, da justiça, de defesa e disseminação dos valores democráticos, enquanto o Poder Executivo e o Legislativo cumprem suas funções, não haja também a participação do Poder Judiciário. Não apenas pela concepção do papel do Estado, mas, fundamentalmente, pelo reconhecimento de que também esse poder precisa se democratizar lá dentro. Até porque ele também tem uma dívida política com a sociedade, pelo papel que cumpriu na ditadura militar. Onde estavam os juízes quando ocorriam prisões arbitrárias? Quem foram os juízes que negaram habeas corpus aos presos políticos criminalizados pela ditadura? A acusação e o enquadramento na LSN dos perseguidos políticos eram feitas por promotores civis, não militares. Esse poder também tem que promover um acerto de contas com a sociedade.”
RECADO AOS GENOCIDAS. Os nossos juristas não conhecem, não aplicam, não fundamentam suas decisões no direito internacional. Isso é péssimo, porque deixamos de fazer parte de um processo civilizatório inaugurado no pós-guerra, com os tribunais internacionais. Foi quando compreendemos que, se deixarmos os genocídios, as torturas, as execuções sumárias e os desaparecimentos de pessoas se generalizarem, estamos pondo em risco a espécie humana. Houve um pacto pós segunda guerra, com novas bases éticas, o reconhecimento dos crimes de lesa humanidade. O contrário dessa tese é a formulação da regra de ouro do autoritarismo, com a seguinte mensagem: ditadores do futuro, genocidas do futuro, algozes das democracias, façam o que quiserem, quando tiverem o poder. Só não esqueçam de, antes de sair, aprovarem uma lei perdoando a vocês mesmos. Se fizerem isso, podem dormir tranquilos.”
A íntegra da palestra do presidente da Comissão da Anistia pode ser vista pelo YouTube. Para a primeira parte basta clicar aqui. A segunda pode ser obtida neste novo clique.
Acompanhe o blog pelo Twitter – @Roarruda
Extraído de: blogs.estadao.com.br
Indiretamente, ele se referia a duas questões: a aceitação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da Lei da Anistia de 1979; e a recusa sistemática de juízes a pedidos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) para processar agentes de Estado envolvidos com violações de direitos humanos no regime militar. O Judiciário tem uma dívida política com a sociedade brasileira, segundo Abrão, por sua atuação na ditadura.
“Onde estavam os juízes quando ocorriam prisões arbitrárias? Quem foram os juízes que negaram habeas corpus aos presos políticos criminalizados pela ditadura? A acusação e o enquadramento na LSN dos perseguidos políticos eram feitas por promotores civis, não militares. Esse poder também tem que promover um acerto de contas com a sociedade”, afirmou.
Abrão conclamou a sociedade a se mobilizar pela revisão da Lei da Anistia de 1979 e disse que a Comissão da Verdade não será o último passo na justiça de transição. Na avaliação dele, o resultado do trabalho iniciado agora para esclarecer fatos ocorridos na ditadura vai estimular ações judiciais contra agentes de Estado.
Ao final de sua longa exposição, no auditório Franco Montoro, na Assembleia, o secretário foi aplaudido de pé. O seminário, que se prolonga pelo fim de semana, é promovido com o apoio da Comissão Estadual da Verdade, presidida pelo deputado Adriano Diogo.
A seguir, alguns dos principais trechos da palestra do titular da Secretaria Nacional de Justiça, que é subordinada ao Ministério da Justiça.
AÇÕES JUDICIAIS. “A Comissão da Verdade não veio para botar uma pedra em cima da história. Muito pelo contrário. A Comissão da Verdade poderá gerar novos efeitos no campo da reparação, novas memórias e, quem sabe, potencializar os mecanismos de Justiça. Ninguém poderá impedir que o Ministério Público Federal, no exercício de suas funções, tenha acesso à documentação produzida pela comissão para ingressar com ações.”
CULTURA DO SILÊNCIO. Vivemos um novo momento histórico, que chamo da terceira fase da luta pela anistia. Ele é demarcado por duas leis, a de acesso à informação e a que cria a Comissão da Verdade. As duas atingem o âmago de uma cultura instalada há muito tempo, a cultura do silêncio e do sigilo. Nunca sistematizamos informações sobre a escravidão, a dizimação dos povos indígenas, a guerra do Paraguai. É a primeira vez na história que é criado um órgão de estado para sistematizar um conjunto de violações. Isso rompe com a cultura de não enfrentamento e projeta para o futuro a imagem de uma sociedade que sabe se organizar e resistir contra a opressão.”
VIOLÊNCIA. A ditadura brasileira foi muito violenta ao impor uma cultura do medo. É por causa disso que, tardiamente, quase trinta anos após iniciado o processo de redemocratização, só agora temos condições de instalar uma Comissão da Verdade.
SOB CONTROLE. Vivemos no Brasil uma transição pactuada, controlada, distinta da Argentina, onde a transição se deu por ruptura, onde as forças militares saíram desmoralizadas diante de uma crise econômica e, depois, pelo episódio das Malvinas. No Brasil não houve essa ruptura. Nossa característica é a dita transição lenta, gradual e segura, que está posta até hoje. E o marco jurídico fundante dessa transição controlada é a Lei de Anistia de 1979. É por isso que toda e qualquer vez que quisermos discutir justiça de transição, reparações, comissão da verdade, será inafastável discutir a dimensão da anistia.”
ROMPIMENTO. “A ruptura com a transição controlada é uma tarefa da sociedade do presente.”
PACTO. “O Congresso que aprovou a Lei da Anistia de 1979 era um congresso controlado. Um terço de seus senadores eram biônicos (indicados diretamente pelo Executivo) . O conceito deles de anistia não era o mesmo conceito de liberdade que existia na sociedade. O propósito deles era o esquecimento e a impunidade. Discordo da ideia de que foi um momento de pacto da sociedade brasileira. O projeto apresentado pelo governo foi aprovado por 212 votos a 206. E vem me dizer que houve pacto? Que pacto?”
BATALHA JURÍDICA. No campo da cultura jurídica a expansão do pensamento conservador é mais hegemônica que nos outros dois poderes. O Judiciário é concebido para ser mais conservador, ter menos mutação que outros poderes. Mas não é possível que, nesse momento de grande mobilização em favor da memória, da verdade, da justiça, de defesa e disseminação dos valores democráticos, enquanto o Poder Executivo e o Legislativo cumprem suas funções, não haja também a participação do Poder Judiciário. Não apenas pela concepção do papel do Estado, mas, fundamentalmente, pelo reconhecimento de que também esse poder precisa se democratizar lá dentro. Até porque ele também tem uma dívida política com a sociedade, pelo papel que cumpriu na ditadura militar. Onde estavam os juízes quando ocorriam prisões arbitrárias? Quem foram os juízes que negaram habeas corpus aos presos políticos criminalizados pela ditadura? A acusação e o enquadramento na LSN dos perseguidos políticos eram feitas por promotores civis, não militares. Esse poder também tem que promover um acerto de contas com a sociedade.”
RECADO AOS GENOCIDAS. Os nossos juristas não conhecem, não aplicam, não fundamentam suas decisões no direito internacional. Isso é péssimo, porque deixamos de fazer parte de um processo civilizatório inaugurado no pós-guerra, com os tribunais internacionais. Foi quando compreendemos que, se deixarmos os genocídios, as torturas, as execuções sumárias e os desaparecimentos de pessoas se generalizarem, estamos pondo em risco a espécie humana. Houve um pacto pós segunda guerra, com novas bases éticas, o reconhecimento dos crimes de lesa humanidade. O contrário dessa tese é a formulação da regra de ouro do autoritarismo, com a seguinte mensagem: ditadores do futuro, genocidas do futuro, algozes das democracias, façam o que quiserem, quando tiverem o poder. Só não esqueçam de, antes de sair, aprovarem uma lei perdoando a vocês mesmos. Se fizerem isso, podem dormir tranquilos.”
A íntegra da palestra do presidente da Comissão da Anistia pode ser vista pelo YouTube. Para a primeira parte basta clicar aqui. A segunda pode ser obtida neste novo clique.
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Extraído de: blogs.estadao.com.br
DESAFIOS À RIO+20
18.06.12- Mundo
Desafios à Rio+20
Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital
Iniciada há poucos dias, Rio+20 abriga chefes de Estado, e ambientalistas e movimentos sociais na Cúpula dos Povos. O evento corre o risco de frustrar expectativas caso não tenha, como ponto de partida, compromissos assumidos na Agenda 21 e acordos firmados na Eco-92 e reiterados na Conferência de Johanesburgo, em 2010.
Há verdadeira conspiração de bastidores para, na Rio+20, escantear os princípios do desenvolvimento sustentável e os Objetivos do Milênio, e impor as novas teses da "economia verde”, sofisma para encobrir a privatização dos recursos naturais, como a água, e a mercantilização da natureza.
O enfoque dos trabalhos deverá estar centrado não nos direitos do capital, e sim na urgência de definir instrumentos normativos internacionais que assegurem a defesa dos direitos universais de 7 bilhões de habitantes do planeta e a preservação ambiental.
Cabe aos governos reunidos no Rio priorizar os direitos de sustentabilidade, bem-estar e progresso da sociedade, entendidos como dever de garantir a todos os cidadãos serviços essenciais à melhor qualidade de vida. Faz-se necessário modificar os indicadores de desenvolvimento, de modo a levarem em conta os custos ambientais, a equidade social e o desenvolvimento humano (IDH).
A humanidade não terá futuro sem que se mudem os padrões de produção, consumo e distribuição de renda. O atual paradigma capitalista, de acumulação crescente da riqueza e produção em função do mercado, e não das necessidades sociais, jamais haverá de erradicar a miséria, a desigualdade, a destruição do meio ambiente. Migrar para tecnologias não poluentes e fontes energéticas alternativas à fóssil e à nuclear é imperativo prioritário.
Nada mais cínico que as propostas "limpas” dos países ricos do hemisfério Norte. Empenham-se em culpar os países do hemisfério Sul quanto à degradação ambiental, no esforço de ocultar sua responsabilidade histórica nas atividades de suas transnacionais em países emergentes e pobres. Há que desconfiar de todas as patentes e marcas qualificadas de "verdes”. Eis aí um novo mecanismo de reafirmar a dominação globocolonialista.
O momento requer uma convenção mundial para controle das novas tecnologias, baseada nos princípios da precaução e da avaliação participativa. Urge denunciar a obsolescência programada, de modo a dispormos de tecnologias que assegurem o máximo de vida útil aos produtos e beneficiem a reciclagem, tendo em vista a satisfação das necessidades humanas com o menor custo ambiental.
À Rio+20 se impõe também o desafio de condenar o controle do comércio mundial pelas empresas transnacionais e o papel da OMC (Organização Mundial do Comércio) na imposição de acordos que legitimam a desigualdade e a exclusão sociais, impedindo o exercício de políticas soberanas. Temos direito a um comércio internacional mais justo e em consonância com a preservação ambiental.
Sem medidas concretas para frear a volatilidade dos preços dos alimentos e a especulação nos mercados de produtos básicos, não haverá erradicação da fome e da pobreza, como preveem, até 2015, os Objetivos do Milênio.
Devido à crise financeira, parcela considerável do capital especulativo se dirige, agora, à compra de terras em países do Sul, fomentando projetos de exploração de recursos naturais prejudiciais ao meio ambiente e ao equilíbrio dos ecossistemas.
A Rio+20 terá dado um passo importante se admitir que, hoje, as maiores ameaças à preservação da espécie humana e da natureza são as guerras, a corrida armamentista, as políticas neocolonialistas. O uso da energia nuclear para fins pacíficos ou bélicos deveria ser considerado crime de lesa-humanidade.
Enfim, que se faça uma reavaliação completa do sistema atual de governança ambiental, hoje incapaz de frear a catástrofe ecológica. Um novo sistema, democrático e participativo, deve atacar as causas profundas da crise e ser capaz de apresentar soluções reais que façam da Terra um lar promissor para as futuras gerações.
[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de "O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros livros. www.freibetto.org
Há verdadeira conspiração de bastidores para, na Rio+20, escantear os princípios do desenvolvimento sustentável e os Objetivos do Milênio, e impor as novas teses da "economia verde”, sofisma para encobrir a privatização dos recursos naturais, como a água, e a mercantilização da natureza.
O enfoque dos trabalhos deverá estar centrado não nos direitos do capital, e sim na urgência de definir instrumentos normativos internacionais que assegurem a defesa dos direitos universais de 7 bilhões de habitantes do planeta e a preservação ambiental.
Cabe aos governos reunidos no Rio priorizar os direitos de sustentabilidade, bem-estar e progresso da sociedade, entendidos como dever de garantir a todos os cidadãos serviços essenciais à melhor qualidade de vida. Faz-se necessário modificar os indicadores de desenvolvimento, de modo a levarem em conta os custos ambientais, a equidade social e o desenvolvimento humano (IDH).
A humanidade não terá futuro sem que se mudem os padrões de produção, consumo e distribuição de renda. O atual paradigma capitalista, de acumulação crescente da riqueza e produção em função do mercado, e não das necessidades sociais, jamais haverá de erradicar a miséria, a desigualdade, a destruição do meio ambiente. Migrar para tecnologias não poluentes e fontes energéticas alternativas à fóssil e à nuclear é imperativo prioritário.
Nada mais cínico que as propostas "limpas” dos países ricos do hemisfério Norte. Empenham-se em culpar os países do hemisfério Sul quanto à degradação ambiental, no esforço de ocultar sua responsabilidade histórica nas atividades de suas transnacionais em países emergentes e pobres. Há que desconfiar de todas as patentes e marcas qualificadas de "verdes”. Eis aí um novo mecanismo de reafirmar a dominação globocolonialista.
O momento requer uma convenção mundial para controle das novas tecnologias, baseada nos princípios da precaução e da avaliação participativa. Urge denunciar a obsolescência programada, de modo a dispormos de tecnologias que assegurem o máximo de vida útil aos produtos e beneficiem a reciclagem, tendo em vista a satisfação das necessidades humanas com o menor custo ambiental.
À Rio+20 se impõe também o desafio de condenar o controle do comércio mundial pelas empresas transnacionais e o papel da OMC (Organização Mundial do Comércio) na imposição de acordos que legitimam a desigualdade e a exclusão sociais, impedindo o exercício de políticas soberanas. Temos direito a um comércio internacional mais justo e em consonância com a preservação ambiental.
Sem medidas concretas para frear a volatilidade dos preços dos alimentos e a especulação nos mercados de produtos básicos, não haverá erradicação da fome e da pobreza, como preveem, até 2015, os Objetivos do Milênio.
Devido à crise financeira, parcela considerável do capital especulativo se dirige, agora, à compra de terras em países do Sul, fomentando projetos de exploração de recursos naturais prejudiciais ao meio ambiente e ao equilíbrio dos ecossistemas.
A Rio+20 terá dado um passo importante se admitir que, hoje, as maiores ameaças à preservação da espécie humana e da natureza são as guerras, a corrida armamentista, as políticas neocolonialistas. O uso da energia nuclear para fins pacíficos ou bélicos deveria ser considerado crime de lesa-humanidade.
Participarei da Cúpula dos Povos para reforçar a proposta de maior controle da publicidade comercial, da incitação ao consumismo desmedido, da criação de falsas necessidades, em especial quando dirigidas a crianças e jovens.
Educação e ciência precisam estar a serviço do desenvolvimento humano e não do mercado. Uma nova ética do consumo deve rejeitar produtos decorrentes de práticas ecologicamente agressivas, trabalho escravo e outras formas de exploração.Enfim, que se faça uma reavaliação completa do sistema atual de governança ambiental, hoje incapaz de frear a catástrofe ecológica. Um novo sistema, democrático e participativo, deve atacar as causas profundas da crise e ser capaz de apresentar soluções reais que façam da Terra um lar promissor para as futuras gerações.
[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de "O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros livros. www.freibetto.org
Desmontar a mentira para combater a alienaçãoe dinamizar a luta
Desmontar
a mentira para combater a alienação e dinamizar a luta
Miguel Urbano Rodrigues
Repetir
evidências passou a ser uma necessidade no combate à alienação das grandes
maiorias, confundidas e manipuladas pelos responsáveis da crise de civilização que
atinge a humanidade.
Talvez
nunca antes a insistência em iluminar o óbvio oculto tenha sido tão importante
e urgente porque a falsificação da História e a manipulação das massas empurra
a humanidade para o abismo.
Essa
tarefa assume um caráter revolucionário porque as forças que controlam o
capitalismo utilizam as engrenagens do sistema mediático para criar uma
realidade virtual que atua como arma decisiva para a formação de uma
consciência social passiva, para a robotização do homem.
A
compreensão pelos povos da estratégia exterminadora do imperialismo que os
ameaça é extremamente dificultada pela ignorância sobre o funcionamento do
sistema de poder dos Estados Unidos e a imagem falsa que prevalece a respeito
da sociedade norte-americana não apenas na Europa mas em muitos países
subdesenvolvidos.
UM
MITO ROMÂNTICO
Não
obstante serem inocultáveis os crimes cometidos pelos EUA nas últimas décadas
em guerras de agressão contra diferentes povos, uma grande parte da humanidade
continua a ver na pátria de Jefferson e Lincoln uma terra de liberdade e
progresso. O mito romântico dos pioneiros do Mayflower é difundido por uma
propaganda perversa que insiste em apresentar o povo e o governo dos EUA como
vocacionados para defender e liderar a humanidade. Os males do capitalismo
seriam circunstanciais e a grande república, presidida agora por um humanista,
estaria prestes a superar a crise que a partir dela alastrou pelo mundo.
Não
basta afirmar que estamos perante uma perigosa mentira. Desmontar o mito estadunidense
é, repito, uma tarefa prioritária na luta contra a alienação das maiorias. O
político negro cuja eleição desencadeou uma vaga de esperança entre oprimidos
da Terra engavetou os compromissos assumidos com o povo e ao longo do seu
mandato deu continuidade a uma estratégia de dominação mundial, ampliando-a
perigosamente.
Diferentemente
de Bush, Obama soube construir uma mascara de estadista sereno e progressista.
A sua reeleição, não tenhamos dúvidas, será facilitada porque o candidato
republicano que o enfrentará, Mitt Romney, é um político ultra reacionário, sem
carisma.
AS GUERRAS IMPERIAIS
No
Iraque a violência tornou-se endêmica, milhares de mercenários substituíram as
tropas de combate e um governo fantoche atua como instrumento das
transnacionais do petróleo.
No
Afeganistão a guerra está perdida. Após onze anos de ocupação, as forças da OTAN
e as dos EUA somente controlam Cabul e algumas capitais de província. Todas as
ofensivas contra a Resistência (que vai muito alem dos Talibãs) fracassaram e
nos quartéis e nos Ministérios os recrutas matam com frequência os instrutores
estrangeiros, americanos e europeus.
A
retirada antecipada das tropas francesas do país colocou um problema inesperado
ao Pentágono. Em Washington poucos acreditam que o presidente cumpra o acordo
sobre a evacuação do exército de ocupação antes do final de 1014.
Em
declarações recentes, Obama, já em campanha eleitoral, retomou o tema da defesa
dos «interesses dos EUA no mundo». Essa política implica a existência de
centenas de bases militares em mais de uma dezena de países. Na Colômbia, por
exemplo, foram instaladas mais oito.
Numa
inflexão estratégica, o presidente informou que está em curso uma deslocação
para Oriente do poder militar norte-americano. O secretário da Defesa
esclareceu que dois terços da US Navy serão deslocados para o Pacifico. Ficou
transparente que o objetivo inconfessado é cercar por terra e mar a Rússia e a
China.
Vladimir
Putin interpretou corretamente a mensagem. Consciente de que na sua escalada
agressiva os EUA teriam de reforçar a sua hegemonia no Médio Oriente, abatendo
o Irão, antes de definirem aqueles países como «inimigos» potenciais, o
presidente russo num discurso firme advertiu Washington de que está a
ultrapassar a linha vermelha.
Contrariamente
ao que afirmam alguns analistas que cultivam o sensacionalismo, a iminência de
uma terceira guerra mundial é, porém, uma improbabilidade. Mas isso graças à
firmeza da Rússia. Putin não esqueceu Munique. Usou palavras duras, recordando
a agressão ao povo líbio, para lembrar a Obama que já foi longe demais e que
não tolerará uma intervenção militar USA-União Europeia na Síria, qualquer que
seja o pretexto invocado.
ASSASSINAR À DISTÂNCIA
O
belicismo de Obama é, alias, tão ostensivo que até um jornal do establishment,
o New York Times (que o tem apoiado), sentiu a necessidade de revelar que a
lista de «terroristas» e dirigentes políticos a aniquilar pelos aviões sem
piloto (os famosos drone) é submetida à aprovação do chefe da Casa Branca.
Matar a longa distância, numa guerra eletrônica de novo tipo, tornou-se uma
rotina graças aos progressos da ciência. Leon Panetta, o atual secretário da
Defesa, não somente a aprova como a elogia, assim como o general Petraeus, o
diretor da CIA.
O prêmio
Nobel Obama aprova previamente os alvos humanos selecionados cujas biografias
lhe são enviadas. A esse nível se situa hoje o seu conceito de ética.
Os
homens do presidente chegaram à conclusão de que essa modalidade de assassínio
não tem suscitado grandes protestos internacionais e evita a perda de pilotos.
O
principal inconveniente é a imprecisão desses ataques. No Paquistão, dezenas de
aldeões foram mortos em bombardeamentos dos drones nas áreas tribais da
fronteira afegã. O erro (assim lhe chamam no Pentágono) gerou uma crise nas
relações com o Paquistão quando 26 soldados daquele país foram abatidos por um
avião assassino. O governo de Islamabad proibiu a partir de então a travessia
da fronteira pelos caminhões que carregam alimentos e armas para as tropas dos
EUA e da OTAN.
Não
obstante os «inevitáveis danos colaterais», os generais do Pentágono definem
como revolucionária a guerra barata na qual basta carregar num botão, por vezes
a centenas de quilômetros de distância, para atingir alvos humanos selecionados
em gabinetes nos EUA e aprovados pelo Presidente.
A
esmagadora maioria dos estadunidenses tem um conhecimento muito superficial do
que se passa nas guerras asiáticas do seu país. Mas no Exército alastra um
difuso mal-estar. No ano corrente registou- se um recorde de suicídios de
militares.
O FANTASMA DA AL QAEDA
São
qualificados de especialmente satisfatórios os bombardeamentos frequentes a
tribos «terroristas» do Iêmen e da Somália. Se a CIA informa que uma tribo
perdida nas montanhas da outrora chamada Arábia Feliz é acusada de ligações
suspeitas com a Al Qaeda, envia-se um drone da base de Djibuti para liquidar o
seu chefe. Obama dá o seu aval à operação.
O
New York Times, no editorial citado, reconhece com pesar que o atual poder
decisório presidencial de assassinar «terroristas» em regiões remotas «não tem
precedentes na história presidencial». Monstruoso, mas real: Obama comporta-se
como um ciberguerreiro.
Nessa
estratégia criminosa, a invocação da Al Qaeda como a grande ameaça à segurança
dos EUA é permanente, obsessiva.
Somente
em Março pp. o Google registou 183 milhões de entradas em busca de informações
sobre a organização.
OS
EUS planearam e executaram a morte de Ben Laden numa operação obscura de forças
especiais, violadora da soberania do Paquistão. Mataram já ou afirmam ter
assassinado os principais dirigentes da Al Qaeda. Mas o fantasma da Al Qaeda
sobreviveu, e é esse dragão, invisível, medonho, que motiva os bombardeamentos
dos drones, a guerra eletrônica assassina.
O
mito da Al Qaeda, o inimigo número 1, tornou-se um pilar da estratégia «antiterrorismo»
dos EUA.
Quantas
pessoas, mundo afora, sabem que Ben Laden foi um aliado íntimo dos EUA durante
a guerra contra a Revolução Afegã? Poucas.
E
poucas são também as que têm conhecimento das relações estreitas que a CIA e a
inteligência militar dos EUA mantiveram e mantêm com organizações
fundamentalistas islâmicas.
A
necessidade de aniquilar a Al Qaeda foi o argumento básico que Bush filho
brandiu para justificar o Patriot Act e a invasão e ocupação do Afeganistão,
numa cruzada «antiterrorista» em defesa «da liberdade, da democracia, da paz…»
Obama,
usando um discurso diferente, muito mais hábil, aprofundou a estratégia de
poder dos EUA.
Ao
assinar a lei da Autorização da Segurança Nacional, o presidente dos EUA tripudiou
sobre a Constituição, transformando o país num Estado militarizado que exibe
uma fachada democrática. Internamente subsistem algumas liberdades e direitos,
mas a política externa é a de um estado terrorista.
RUSSIA E CHINA AMEAÇADAS
A
engrenagem imperial está em movimento. Primeiro foi o Iraque, depois o
Afeganistão, depois a Líbia. Agora o alvo é a Síria.
A
máquina mediática trituradora das consciências repete o método utilizado na
campanha que precedeu o ataque armado à Líbia. A CIA e o Pentágono prepararam e
financiaram grupos de mercenários que instalaram o caos nas grandes cidades
sírias. O presidente Bachar al Assad foi demonizado e, inventada uma realidade
virtual- uma Síria imaginária – uma campanha massacrante tenta persuadir
centenas de milhões de pessoas de que intervir militarmente naquele pais seria
«uma intervenção humanitária» exigida por aquilo a que chamam «a comunidade
internacional». Mas o projeto de repetir a tragédia líbia está a esbarrar com a
oposição, até hoje inultrapassável, da Rússia.
Insisto:
compreender o funcionamento da monstruosa engrenagem montada pelo imperialismo
para anestesiar a consciência social e criar um tipo de homem robotizado é uma
exigência no combate dos povos em defesa da liberdade, da própria continuidade
da vida.
Não
exagero ao definir como tarefa revolucionária essa luta.
Crise européia
Ganhos privatizados, perdas socializadas
Luiz Gonzaga Belluzzo
Depois de arranjar a grana para salvar seus bancos,
os espanhóis pagam juros mais elevados nos títulos de dívida do governo. Os
mercados torcem o nariz para a forma adotada para o resgate: empréstimo de 100
bilhões de euros vai ser canalizado através de um fundo público e a economia da
Ibéria escorrega para a recessão. Resultado: cresce a relação dívida/PIB,
atiçando mais combustível à fogueira da desconfiança.
Na busca de uma solução a Espanha arrumou uma
encrenca. Pior, a reticência dos mercados já espreita a Itália, também
abalroada nos últimos dias pela subida dos rendimentos exigidos pelos
investidores para adquirir os papéis do senhor Mario Monti.
Os gregos ameaçam a austeridade fracassada e cruel.
Não é improvável a vitória dos inimigos da senhora Merkel nas eleições da
próxima semana . Nas horas vagas, os helenos sacam a grana dos bancos locais e
estocam comida. Assustados com o possível retorno do dracma e no afã de
proteger o valor de suas reservas liquidas e de seu patrimônio, os investidores
– cidadãos e empresas – retiram os depósitos e transferem para outras paragens
as aplicações denominados na moeda única.
O alívio momentâneo proporcionado pela operação de
resgate dos bancos espanhóis transmutou-se rapidamente na deterioração das
expectativas. É difícil escolher o adágio que se aplica a tão dolorosa
situação. Há quem prefira “a emenda é pior do que o soneto”, outros, por certo,
indicarão “ o tiro saiu pela culatra”.
Os meios de comunicação insistem em batizar o
calvário da Eurolândia de “crise das dívidas soberanas”. Não custa repetir
aqui: essa qualificação é tão falsa quanto uma nota de 15 euros. Depois da
introdução da moeda única, a competição entre os bancos alemães, franceses,
suecos, austríacos, ingleses promoveu um caudaloso “movimento de capitais” que
fluía do Centro para a Periferia da Europa. Eliminado o risco cambial pela
adoção da mesma moeda por gregos e troianos, despencaram os spreads entre os
títulos alemães e os custos incorridos na colocação de papéis públicos e
privados dos países da chamada periferia. Não é preciso explicar ao leitor que
a queda dos juros e a ampliação dos prazos deflagraram uma orgia de
endividamento privado na Espanha, Irlanda, Portugal e quejandos.. Esses países
viveram a euforia das bolhas imobiliárias e as delícias do consumo das famílias
“enriquecidas” com a valorização das casas.
Fecundada nas entranhas da desregulamentação e
legitimada pelas patranhas acadêmicas dos mercados eficientes, a organização da
finança contemporânea gerou uma bateria de incentivos perversos. No rol de suas
proezas estão a alavancagem abusiva, a obsessão pelo volume, a concorrência sem
peias e as remunerações generosas para os executivos e assemelhados.
A crise europeia é uma aula sobre a privatização
dos ganhos e socialização das perdas. Diante do colapso dos preços dos ativos,
os bancos centrais foram compelidos a tomar medidas de provimento de liquidez e
de capitalização dos bancos encalacrados em créditos irrecuperáveis. Para curar
a ressaca da bebedeira imobiliária, os governos engoliram o estoque de dívida
privada e expeliram uma montanha de títulos públicos.
O truque de salvar os bancos e evitar a
reestruturação das dívidas soberanas não vai dar certo. Vai, sim, prolongar a
agonia de espanhóis, italianos, portugueses e irlandeses açoitados pela
recessão em marcha forçada e pelo desemprego em alta. Em estado de
perplexidade, o cidadão medianamente informado tem o direito de indagar se a
recessão e o desemprego não vão jogar mais devedores sem renda e sem trabalho
na lista vermelha dos inadimplentes, aumentando o percentual de ativos podres
na carteira dos bancos. Ainda sobrou muito peixe podre debaixo do angu do
endividamento privado.
A Diretora-Gerente do FMI, Cristine Lagarde
concedeu três meses de prazo para a Europa arrumar a casa. O presidente francês
François Hollande proclamou a necessidade de uma ação monetária e fiscal
construída em torno dos objetivos comuns que inspiraram a formação da União Europeia.
Os apelos e advertências morreram na rejeição peremptória da senhora Merkel ao
programa de “coletivização” da dívida (a substituição dos títulos soberanos de
cada país por um título garantido por todos os governos ). A recusa alemã nasce
de uma convicção, pelo menos duvidosa: a Alemanha é a âncora do euro e não pode
sancionar as imprudências dos gastadores. Com essa visão os alemães vão lançar
a Eurolândia e provavelmente o planeta numa crise sem fim. Nada mais parecido
com a marcha da insensatez.
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