quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Destaque da semana: Direita francesa vai definir seu candidato. Sarkozy está fora.

1/11/2016 11:43 - Copyleft

Destaque da semana: Direita francesa vai definir seu candidato. Sarkozy está fora.

Nicolás Sarkozy ficou num melancólico terceiro lugar, com 21% dos votos. Este resultado significará, provavelmente, o fim de sua carreira política.


Flavio Aguiar, de Berlim.
Moritz Hager/ World Economic Forum
Pela primeira vez a direita francesa realizou uma eleição primária, no estilo norte-americano, para definir sua candidatura à presidência no próximo ano. O primeiro turno se realizou no domingo passado, 20.11. Como nenhum pré-candidato alcançou 50% 1 dos votos, haverá um segundo turno no próximo domingo, 27.
 
O primeiro turno trouxe algumas surpresas. Nicolás Sarkozy, o ex-presidente, ficou num melancólico terceiro lugar, com 21% dos votos, e está fora do segundo turno. Este resultado significará, provavelmente, o fim de sua carreira política.
 
Alain Juppé, que foi ministro de Sarkozy, e era o favorito, ficou em segundo lugar, com 28% dos votos. E François Fillon, o azarão, que foi primeiro-ministro de Sarkozy (apesar do regime presidencialista, a França tem um primeiro-ministro), ficou em primeiro, com 44% da votação. É agora o novo favorito, tendo já ganho o apoio do próprio Sarkozy. A votação era aberta a quem quisesse participar, bastando pagar a quantia de dois euros. 
 
Fillon representa um setor mais à direita do que Juppé, dentro do espectro político do partido Les Republicais, novo nome da antiga Union pour un Mouvement Populaire. A pergunta que se coloca agora é se a eliminação de Sarkozy, no plano geral da futura eleição, favorece ou não a candidata Marine Le Pen, da Front Nationale, de extrema-direita, fortalecida e animada pela vitória de Trump nos Estados Unidos e do Brexit no Reino Unido. Se dependesse das pesquisas de opinião de hoje, Marine Le Pen estaria seguramente no segundo turno. Provavelmente Fillon será seu adversário a, caso confirme sua candidatura no segundo turno.




 
A esquerda parece ser carta fora do baralho. O Partido Socialista está dividido e desacreditado. François Hollande, o atual presidente, nem definiu ainda se vai se candidatar à reeleição, tamanho é seu desprestígio. Os partidos mais à esquerda não têm candidaturas relevantes, pelo menos de momento, em termos de passar a um segundo turno. O quadro atual, bastante desanimador para a esquerda, é mesmo de ascensão eleitoral das forças de direita em quase toda a Europa e no mundo, do Japão ao Alasca e à Patagônia.
 
P. S. - Na Alemanha, durante o fim de semana, a chanceler Angela Merkel confirmou que pretende concorrer a um quarto mandato no ano que vem, em setembro. Seu partido, a União Democrata Cristã, nano tem outro nome de peso para disputar o cargo. Durante algum tempo falou-se na candidatura de Horst Seehofer, chanceler do estado da Baviera, pela União Social Cristã, homóloga da CDU (esta é a sigla em alemão) de Merkel. Apesar de manter um prestígio forte no país, Merkel viu seu declínio em função das críticas à sua política de abertura em relação aos refugiados, o que favoreceria Seehofer, mais conservador neste e em outros temas. Mas na verdade ele não tem carisma nacional.
 
A atual coalizão de governo (CDU CSU SPD, o Partido Social-Democrata) definiu a candidatura do atual ministro de Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier como candidato à presidência, para suceder a Joachim Gauck. Steinmeier terá o apoio dos Verdes, enquanto a Linke deverá lançar candidatura própria, de caráter simbólico. O presidente é eleito numa sessão conjunta do Parlamento Federal, o Bundestag, e do Bundesrat, Conselho Federal, um corpo de delegados de cada província ou cidade-estado do país, cujo número é definido pelo número de eleitores de casa seção, num mínimo de três e máximo de seis.
 
Se a eleição nacional fosse hoje, segundo as pesquisas de opinião, a CDU/CSU teria algo entre 30 e 35% dos votos. O SPD ganharia em torno de 23%, e o novo partido de extrema-direita, Alternative für Deutschland (AfD) ficaria com cerca de 12%, integrando o Bundestag pela primeira vez e podendo se tornar a terceira força na política alemã.
Créditos da foto: Moritz Hager/ World Economic Forum

Dos ricos, pelos ricos e para os ricos

21/11/2016 12:04 - Copyleft

Dos ricos, pelos ricos e para os ricos

Mais de 60% dos argentinos consideram que a economia vai mal: uma maioria que sente que os únicos beneficiados pelas políticas de Macri são os mais ricos.


Raúl Kollmann, para o Página/12
reprodução
A economia em seu pior momento e uma raiva cresce cada vez mais entre grande parte dos argentinos. Esta é a síntese do quadro mostrado pelas últimas pesquisas de medição da opinião pública, e que se refletiu na mobilização dos trabalhadores nesta última sexta-feira (18/11), quando boa parte dos dirigentes sindicais tomou distância do governo de Mauricio Macri.
 
Os números da última pesquisa do Centro de Estudos de Opinião Pública (CEOP) são eloquentes: nada menos que sete de cada dez pessoas avaliam que a situação econômica atual vai “mal” ou “muito mal”. São 70,6% dos argentinos, a maioria considera que o atual governo é o responsável por essa realidade, e são cada vez menos os que atribuem os problemas ao governo anterior.
 
Assim, vai se estabelecendo uma tendência de mudança na opinião dos argentinos, embora algumas percepções venham sendo uma constante: dois de cada três argentinos acredita que o governo atual favorece os mais ricos e a porcentagem dos que pensam que governa para todos por igual é mínima.
 
Esta tem sido tendência os onze meses da atual gestão. Contudo, as medições publicadas em novembro mostram uma maior consolidação dessa percepção. Na questão em que os cidadãos qualificam a gestão do governo com uma nota de 1 a 10, a média das mesmas é de 3,98 – não seria suficiente para passar de ano, se levássemos a lógica universitária a sério. E a média é ainda mais baixa quando se leva em conta apenas a questão econômica.





 
As conclusões do CEOP foram tiradas de uma pesquisa muito mais ampla realizada no começo deste mês pelo instituto dirigido pelo sociólogo Roberto Bacman. Em total, foram entrevistados 1,2 mil cidadãos em todo o país, respeitando as proporções de idade, sexo, nível socioeconômico e lugar de residência. As entrevistas foram realizadas por telefone, numa mediação que o centro realiza todos os meses, enfatizando sempre os temas políticos e econômicos mais relevantes.
 
Raiva
 
Como era de esperar, as opiniões que pesam mais fortemente contra o governo dizem respeito à queda do poder de compra dos salários, à inflação e os cortes que grande parte da população teve que fazer em seus gastos devido ao aumento do custo de vida, à recessão e ao desemprego – ou o medo de perder o emprego. Para Bacman, esses fatores têm um impacto grande nas sensibilidades do cidadão comum, e isso se vêm notando há vários meses, com um agravamento em novembro.
 
“Se tomamos como exemplo os dados obtidos nesta última medição, é possível afirmar que a economia voltou a ocupar o centro das atenções, de tal forma que a inquietação por causa da inflação e do andar da economia cresceram novamente, e hoje são um problema grave para cerca de 46% das pessoas. Se somamos isso à percepção sobre o desemprego, é possível concluir que as preocupações estritamente relacionadas com os temas econômicos impactam a três de cada quatro argentinos. Nas duas pesquisas anteriores, a economia parecia haver dado um respiro aos argentinos e ao governo, mas foi só um descanso: tudo parece indicar que sua importância continua vigente”.
 
“É um tema que devemos continuar observando com cuidado, para ver sua evolução ao longo do tempo, especialmente nestes dois últimos meses do ano. A insegurança, que vinha em crescimento, mostrou uma queda neste último mês. Igualmente, se mantém como outra das principais preocupações dos argentinos, com 46,6%. A corrupção também se mantém presente na lista das principais reclamações dos argentinos, com 35,9% das citações – não é algo casual, já que os grandes meios se dedicam primordialmente às denúncias contra o governo anterior, deixando em segundo plano as notícias relacionadas aos problemas sobre o trabalho e o salário dos argentinos. Ainda assim, os números mostram o clima de preocupações que se instala no país nestes últimos meses, deixando em evidência uma sociedade marcada pela questão da economia. Outro semáforo amarelo (ou quase laranja) que se acende é o seguinte: cerca de oito em cada dez jovens manifesta sua raiva contra a realidade econômica destes tempos atuais”.
 
Herança
 
Um elemento que vem afetando desfavoravelmente o governo macrista é que entre os que consideram que a situação vai “mal” ou “muito mal”, o conceito de que o cenário é fruto de uma “herança maldita” do governo anterior está se diluindo. “Não me surpreende concluir que esse argumento vai perdendo peso e consistência perante a opinião pública, como o passar dos meses. Um dado que já observávamos nas últimas sondagens. Neste mês, quase seis de cada dez pessoas (57,3% para ser exatos) que avaliaram a atual situação econômica como negativa dizem que o atual governo é o principal responsável por essa realidade”.
 
Evidentemente, os onze meses de denúncias mediáticas e o quase permanente espetáculo judiciário montado em torno dos casos envolvendo Cristina Kirchner serviram para tentar conter o impacto dos resultados da política econômica na opinião pública. Foram meses nos quais se tentou instalar a ideia de que a inflação, ou a queda no consumo, ou as demissões não foram produzidas pela desvalorização do peso ou pelas altas taxas de juros, nem pelo aumento nos preços dos serviços básicos, como o gás e a eletricidade, e sim um suposto efeito gerado pela corrupção da época kirchnerista. Os números demonstram que, pouco a pouco, foi aumentando a porcentagem de entrevistados que percebe que sua situação está piorando, e que já não podem culpar aqueles que já deixaram o governo há quase um ano, no dia 10 de dezembro de 2015. Ainda assim, ainda há uma boa porcentagem de pessoas que atribui os problemas atuais à gestão de Cristina.
 
Ricos
 
Uma pregunta vem se repetindo, cada vez com maior insistência: Macri governa para os ricos? Para 65% dos argentinos a resposta é: sim. Entre agosto e novembro, essa sensação aumentou em cinco pontos percentuais. Poderíamos questionar se a pergunta foi bem formulada ou mal intencionada. No formulário de pesquisa, ela aparece da seguinte forma: “qual é o setor da sociedade que mais se beneficiou durante a gestão de Mauricio Macri?”. As opções para responder foram quatro: “a classe alta”, “a classe média”, “a classe baixa” e “todos por igual”. As respostas mostram um quadro bastante claro: somente 9,6% respondeu que foram “todas por igual”, enquanto as classes média e baixa somadas reúnem 16,3% das respostas. Para o sociólogo Bacman “os números são tão contundentes que qualquer outro comentário não adiciona nada de mais importante”.
 
Expectativa
 
O número que dá maiores esperanças ao governo de Macri, do ponto de vista econômico, é que boa parte da cidadania acredita que as coisas vão melhorar. A partir desse ponto de vista, se expressa uma polarização, já que metade das pessoas consultadas (50% exato) acreditam que a economia vai melhorar nos próximos seis meses, e quase toda a outra metade (46,8%) acha que a situação vai piorar. Essa leve supremacia da percepção otimista vem diminuindo: os esperançados são menos a cada nova consulta, mas ainda são maioria.
 
“Como explicar esta outra divisão da opinião pública dos argentinos?” – se pergunta Bacman. “É claro que há um núcleo que está mais claramente do lado do governo, e também um núcleo duro da oposição. Depois, observamos algo que também é muito simples: o segmento que mantém as sensações favoráveis é o dos trabalhadores independentes, que são mais resistentes a perder as esperanças. Por esse motivo, seis de cada dez independentes apoiam a ideia de uma melhora da economia para os próximos meses e desta perspectiva de esperança nasce um núcleo periférico de sustentação da atual gestão. Mas não é um grupo que garante uma tranquilidade ao governo, por conforme o tempo passa as opiniões vão mudando, logo virá um fim de ano e depois um 2017 que terá eleições (legislativas), que poderão marcar uma mudança mais brusca nessa opinião”.
 
A estreita avenida do meio
 
Os que se declaram opositores ao governo superam em quantidade os que se dizem apoiadores do governo. Entre os entrevistados, 42,8% se considera contrário ao governo, enquanto 30,4% são governistas. Esta é outra brecha que se mostrou maior nos resultados de novembro, superando os 12 pontos percentuais. O quadro mostra um panorama que tem a ver diretamente com a política, pois o CEOP separa as respostas entre os que são apoiadores ou opositores mais decididos, os do chamado “núcleo duro” de um lado e do outro, e os que se inclinam apenas levemente para um dos setores. Neste sentido, a Casa Rosada conta hoje com cerca de 23,5% de pessoal ferreamente contrárias ao seu governo (19,3 de oposição periférica), enquanto o seu apoio mais fiel é muito menos consistente: 13,3% (17,1% de apoio periférico).
 
“A segmentação com respeito às atitudes políticas é outro dos indicadores que expressa de forma contundente o clima de época. Através desta variável, é possível detectar a profunda divisão da sociedade argentina. Nesta última pesquisa se detecta também 26,9% de independentes pragmáticos, que são aqueles que não se definem nem como governistas, nem como opositores. A onze meses da chegada ao poder da coalizão Cambiemos (`Mudemos´, o nome da aliança partidária macrista), o quadro político do país ainda mostra dois segmentos antagônicos e um terceiro grupo mais orientado por seu pragmatismo, que se transforma numa espécie de ponto de equilíbrio”, analisa Roberto Bacman, diretor do CEOP.
 
O sociólogo também comenta que “se observamos detalhadamente a evolução deste quesito no último trimestre, a tendência é clara: aquela que alguma vez foi definida como `a larga avenida do centro´ parece ser uma rua cada vez mais estreita. Com o passar dos meses, a sociedade vem mostrando um maior nível de polarização, e vão diminuindo os espaços para um meio termo. Em geral, os independentes estão se dividindo em partes iguais com respeito a diferentes questões quando consultados, e isso tende a se acentuar no futuro”.
 
Mauricio Macri mantém uma imagem pessoal positiva para pouco mais de 45% dos entrevistados, especialmente graças aos chamados “independentes pragmáticos” que têm uma expectativa de que as coisas melhorem. Do outro lado, os que se dizem opositores sustentam uma opinião também favorável à ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner (40,6%), além de outras figuras destacáveis do peronismo e da esquerda. Contudo, também vai surgindo um outro setor entre os independentes, que é bastante crítico com respeito à situação econômica.
 
Este panorama é o que vai pesar nas eleições legislativas de 2017, especialmente na Província de Buenos Aires, o maior colégio eleitoral do país onde votam quatro de cada dez argentinos. Uma região cujos setores mais eleitoralmente disputados são os da região metropolitana bonaerense – lembrando que a Cidade Autônoma de Buenos Aires é considerada como um distrito federal, com representantes a parte, e portanto essa região metropolitana considera somente as muitas cidades ao redor da capital argentina – que agrupa uma parte importante dos setores independentes mais socialmente críticos. Se o diagnóstico de Bacman for correto com respeito à tendência de polarização, quem poderia se beneficiar é o ex-presidenciável Sergio Massa, que tentou se impor com a terceira via nas últimas eleições, quando foi o terceiro mais votado no primeiro turno (com 21,4% dos votos).
 
A insatisfação é geral
 
A pesquisa do CEOP traz um elemento chamado Índice de Satisfação da Cidadania (ISC), que pede aos entrevistados que classifiquem com uma nota a administração com uma nota de 1 a 10, especificamente em três aspectos: político, econômico e social. Com essas notas, os pesquisadores calculam uma média ISC de cada um dos quesitos, e também um ISC geral. Pela primeira vez desde o início dessa medição, o ISC do governo de Macri mostrou cifra abaixo de 4, sendo este o segundo mês consecutivo de queda. A nota baixa mais destacável é a do quesito econômico.
 
“O que significa que o ISC geral tenha se mantido dentro da casa dos 4 pontos de agosto a outubro, e que agora esteja pela primeira vez abaixo desse nível (com 3,98)?” se pergunta Bacman. “A resposta é simples, e ao mesmo tempo contundente: até o momento, a coalizão Cambiemos não mostrou, aos olhos da cidadania, sua excelência na gestão. A realidade supera o desejo, e a insatisfação é significativa. Se vamos aos detalhes, os dados são lapidários: 63,4% das pessoas deram notas negativas, mostrando estar abertamente insatisfeitas com o governo, enquanto 18,2% parecem estar mais satisfeitas, e deram notas positivas. O saldo entre as duas categorias é bastante negativo, são 45,2 pontos porcentuais de diferença. Uma luz vermelha intermitente. Por isso insisto em destacar que esses índices de insatisfação são ainda mais eloquentes entre os jovens. É algo muito sério”, comenta Bacman.
 
“Numa leitura rigorosamente sociodemográfica, os que expressam de sua inconformidade de forma mais determinante, além dos mais jovens, são os de nível socioeconômico baixo. Os independentes, que não se declaram nem a favor do governo nem da oposição, também se dividem nesse aspecto. Isso já não é estranho. Porém, segundo i ISC, já são 54,5% os integrantes desse segmento dando notas negativas ao governo, manifestando uma postura mais crítica”, finaliza o diretor do CEOP.
 
À primeira vista, tudo vai depender de como evoluirá a economia. Se a redução do poder de compra real dos salários continuar, e diminuir ainda mais o consumo, e se o desemprego também continuar aumentando, as notas ruim se acentuarão.
 
O que o verão pode trazer
 
“A realidade é mais forte que as esperanças”, define Roberto Bacman. Ele considera que “se sete de cada dez argentinos dizem que têm dificuldades em chegar no fim do mês, podemos prever um dezembro com incertezas para o comércio e um janeiro no qual as classes média e baixa perceberão graves dificuldades para viajar nas férias. Também temos que ficar atentos aos possíveis cortes de luz. De uma forma geral, se a cifra de pessoas insatisfeitas com a economia se mantém acima dos 70%, se consolidaria um clima que deve ser visto com muita atenção. A situação dos setores que estão abaixo da linha da pobreza é realmente grave. Nos aproximamos do fim do ano e o ambiente vai ficando mais tenso, com os fantasmas da quebra da paz social se fazendo presentes”.
 
Para Bacman, “a Lei de Emergência Social e Alimentária, que já tem seu trâmite adiantado no Senado, e sua sanção poderia aliviar os problemas socioeconômicos que a Argentina está atravessando. Porém, para os funcionários do governo, esta lei é `pouco clara e incompleta´, superficial demais. Tudo parece indicar que, mesmo que ela chegue a ser alterada na Câmara dos Deputados, o mais provável é que o Executivo a vete. As cartas já estão na mesa: será um final de ano com previsão de tormentas”.
 
“Para as classes sociais mais acomodadas tampouco se apresenta um panorama realmente alentador: de certa forma, o verão parece que não trará boas notícias. Em primeiro lugar, porque a redução do consumo nas festas poderia significar também uma redução nas férias de janeiro. Por exemplo, o município de Mar del Plata – um dos mais conhecidos balneários da Argentina – não esconde que estão se preparando para uma temporada de números abaixo da média dos últimos anos. O empregado que sente que sua empresa vende menos vê uma luz de alerta se acender, começa a ter incertezas sobre sua estabilidade e pensa que ele pode ser a vítima de uma próxima redução de pessoal. Além disso, também há o temor de uma queda do salário real. Tudo isso se torna as pessoas mais conservadoras e as férias são os primeiros gastos a serem cortados nessas situações. Além disso, também se deve considerar que o calor do verão também pode trazer mais cortes de energia, o que por sua vez pode se traduzir em maior nervosismo social. Eu diria que a nossa pesquisa mostra um cenário complexo, que deveremos ver como se desenvolve os fatos concretos. Os meses de dezembro e janeiro foram difíceis para todos os governos, nas últimas décadas”.
 
Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: reprodução




De santos e de juízes

21/11/2016 12:31 - Copyleft

De santos e de juízes

A 'Lava Jato' não apenas provocou 140 bilhões de reais de prejuízo, ela também representou a consolidação de uma Jurisprudência da Destruição.


Mauro Santayana
Pedro de Oliveira/ ALEP
A estúpida invasão do Parlamento, com a tomada do plenário da Câmara dos Deputados por um bando de imbecis - que davam vivas ao Juiz Sérgio Moro  e pediam uma “intervenção” militar - não é um absurdo isolado no crescente cerco à Democracia e às instituições nacionais.
 
A cerrada pressão corporativa do Judiciário e do Ministério Público sobre deputados e senadores para consolidar o controle de um grupo de plutocratas sobre a República, o Legislativo e o Executivo, e, direta e indiretamente, sobre o eleitorado e os cidadãos comuns, representa uma outra face da ascensão de um fenômeno perverso, antidemocrático e fascista - a Antipolítica.
 
Não interessa se o legislativo que aí está aprovou,  majoritariamente, um golpe que tirou do poder um governo que, venhamos e convenhamos, havia se tornado de certa forma insustentável, por sua própria incapacidade em recusar uma agenda neoliberal recessiva - criada também para facilitar a sua derrocada - e de resistir a uma campanha tenaz, mentirosa e fascista que se desenvolvia claramente desde 2013 e que iria - só os imbecis e os ingênuos não acreditavam nisso - chegar, inexoravelmente, à derrubada da Presidente da República.
 
O Congresso Nacional - e nele há também aqueles que tentaram resistir bravamente a essa farsa - não é perfeito.





 
Mas ninguém chega ali sem voto.
 
E o voto reflete em boa parte a essência, a opinião, a qualidade e o que determina a população brasileira.     
 
Tão ou mais responsáveis pela queda de Dilma, do que os deputados e senadores que votaram pelo seu impeachment foram  certos grupos do Ministério Público e do Judiciário, oriundos majoritariamente de uma classe média reacionária e conservadora, que investiram tenazmente na fabricação de uma longa série de factoides, arbitrariedades e escândalos, destinados a dizimar o PT nos tribunais e - em cumplicidade com uma mídia mendaz, parcial e seletiva - junto à opinião pública.
 
Ou alguém acredita que, se não existisse a Operação Lava Jato, e seu deletério exemplo, com o evidente antipetismo do Juiz e de vários procuradores envolvidos com sua "força-tarefa" - mesmo com a coleção de equívocos táticos e políticos do governo anterior e de seu partido - teria se conseguido derrubar a Presidente da República?
 
A “Lava Jato” não apenas destruiu o país, provocando 140 bilhões de reais de prejuízo e aprofundando os efeitos da política recessiva e da crise internacional - arrebentando com as maiores empresas brasileiras e seus milhares de trabalhadores, acionistas e fornecedores - para recolher menos de dois bilhões, na verdade, apenas algumas dezenas de milhões de reais, se formos considerar dinheiro efetivamente desviado e não de "leniência", "multas” e "bloqueios" bilionários.
 
Ela também representou a consolidação de uma Jurisprudência da Destruição que já vinha de antes, partidária e sabotadora, com a sucessiva paralisação, por centenas de vezes, de dezenas de grandes obras de infraestrutura e de projetos estratégicos de governos petistas, nos últimos anos, como as hidrelétricas de Jirau e Belo Monte, a Refinaria Abreu e Lima e a Transposição do São Francisco, por exemplo, que tiveram entre outras consequências diretas um extraordinário aumento no preço das obras hoje atribuído quase que exclusivamente a supostos casos de corrupção.
 
E se apoiou no descrédito da democracia, por meio da manipulação da opinião pública,  estratégia essa que é a cabeça de ponte de um movimento que pretende, de fato, diminuir o poder de representantes eleitos, para entregá-lo a um estrato privilegiado de funcionários concursados que se vêem como impolutos Cavaleiros da Justiça, e que consideram, temerariamente, que devem tutelar a República, por meio de sucessivas manobras políticas, quando  não têm um reles voto  e  estão proibidos, por lei, de meter-se nesse contexto.
 
Se houvesse um mínimo de respeito à Constituição,  o Movimento das 10 Medidas Contra a Corrupção teria sido coibido dede o início.
 
Juízes, procuradores, desembargadores,  devem fazer cumprir as leis e não criar movimentos de massa, slogans e marcas e sair colhendo assinaturas  para reformulá-las partidariamente - mesmo que não se trate de partido legalmente constituído - em seu próprio benefício profissional ou pessoal.
 
A não ser que queiram abandonar suas togas e seus  confortáveis gabinetes e se candidatar ao Legislativo, disputando, no próximo pleito, com os deputados e senadores aos quais pretendem dar lições éticas, o voto e a preferência do eleitorado.
 
Se não fosse assim, os constituintes de 1988 teriam lhes franqueado o acesso à atividade política, quando o que fizeram, explicitamente, foi exatamente o contrário, como ocorre, aliás, na maioria dos países do mundo.
 
Já imaginaram se as Forças Armadas fizessem um movimento em defesa de seus próprios interesses e do aumento de quinhão de poder, de facto, no conjunto da sociedade brasileira, através de um conjunto de “10 Medidas Pró-defesa”, com soldados da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, colhendo assinaturas em bares e restaurantes?
 
Ou os bombeiros, ou os médicos, ou os fiscais, não interessando qual fosse o motivo, até mesmo porque de discursos demagógicos e de “boas” intenções o inferno está cheio?
 
Poderíamos, tranquilamente, fechar o Congresso, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, e mudar o nome deste país para República Corporativista Brasileira. 
 
É por isso que, tanto do ponto de vista político, quanto do jurídico, os magistrados e procuradores brasileiros deveriam evitar o perigoso caminho - que estão trilhando com a cumplicidade de parte da mídia, que tambe´m aposta na judicialização e na criminalização da política e no enfraquecimento da Democracia - de tentar aumentar de forma incessante o seu poder, o seu ego e sua arrogância, no trato com a população de modo geral e, especificamente, com outras instituições da República.
 
Uma auditoria do Tribunal Superior do Trabalho acaba de constatar que todos os tribunais regionais descumpriram normas legais em relação a férias de juízes e desembargadores entre 2010 e 2014.
 
Nos casos mais graves, segundo a Folha de São Paulo, cinco TRTs pagaram a 335 magistrados o total de R$ 23,7 milhões a título de indenização, ou seja, da "venda" teoricamente ilegal -  a Lei Orgânica da Magistratura Nacional não prevê a possibilidade de conversão de férias não gozadas em remuneração - de descanso remunerado em troca de dinheiro.
 
O TRT de São Paulo lidera a lista, com 872 pagamentos irregulares a 290 magistrados, no total de R$ 21,6 milhões.
 
No Rio de Janeiro, em que se pretende diminuir os salários dos servidores públicos da base da administração, para fazer com que eles dividam com o governo a contribuição para a aposentadoria, um relatório sobre a folha de pagamentos de agosto deste ano informa que só seis dos 861 magistrados do estado ganham abaixo do teto constitucional de R$ 33.763, e que há desembargadores que, com os "penduricalhos", recebem mais de 70.000 por mês.
 
"Apenas em dezembro de 2015, cada magistrado estadual do Paraná recebeu R$ 103,6 mil brutos, em média, de remuneração. Ao todo, o Tribunal de Justiça (TJ) gastou só no último mês do ano passado R$ 94,4 milhões com os vencimentos de juízes e desembargadores. Isso significa praticamente o triplo do que foi gasto, em média, entre os meses de fevereiro e novembro de 2015– R$ 32,2 milhões. No mês de janeiro de 2015, os gastos também foram atípicos: R$ 72,1 milhões."
 
O parágrafo acima é do Jornal "Gazeta do Povo". Por causa dessa matéria, 45 juízes do Estado do Paraná, atingidos em sua "honra", moveram ações cruzadas contra os responsáveis pelo jornal, a ponto de a questão ter chegado ao STF, instância em que a Ministra Rosa Weber suspendeu, liminarmente, a perseguição contra a publicação e cinco profissionais de sua equipe (três jornalistas, um infografista e um webdesigner).
 
No Ministério Público do Paraná - assim como ocorre na maioria das unidades da Federação - a situação também não é diferente.
 
A diferença entre o que foi pago aos membros do órgão e o teto constitucional custou R$ 70 milhões – 74% dos R$ 94,5 milhões ganhos a mais em 2015 com a inclusão do FPE.
 
E no Tribunal de Justiça, os gastos com pagamentos acima do teto constitucional custaram R$ 108 milhões – 49% dos recursos.
 
Se o leitor acha altos esses "proventos", que espere que incida sobre eles o aumento recentemente concedido pelo governo federal ao Judiciário em plena "crise", que será de 47% nos próximos dois anos.
 
Ora, quem acusa e julga deveria ser o primeiro a dar o exemplo, não se afastando, nem por um centímetro, do que determina a lei.
 
A Senadora Kátia Abreu, já lembrou, há alguns dias, com toda clareza, que juiz ou procurador que recebe acima do teto também é corrupto.
 
É nesse contexto que, com a desculpa do combate à corrupção, o MP, apoiado por organizações ligadas ao Judiciário, pretende passar no Congresso  medidas destinadas a diminuir ainda mais o espaço de defesa do réu, diante de um sistema de repressão jurídico-policial-penal dantesco, vergonhoso, na maioria dos aspectos,  que está distante de qualquer nação moderna ou civilizada.
 
E se esforça em impedir, junto com juízes, as tentativas - em que o Congresso não faz mais do que sua obrigação - de se estabelecer  limites para a ação de procuradores e magistrados, que prevejam punições mais drásticas, em caso de abuso de autoridade, que o mero afastamento remunerado de funções - na verdade um prêmio, por meio do qual o sujeito recebe sem trabalhar -  e de se discutir outras questões, como os super-salários dos funcionalismo público, entre os quais se incluem os seus, dos mais altos da República.
 
O jornal Estado de São Paulo informa que entidades de representação do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal reagiram à proposta de mudança da Lei Anticorrupção para instituir o crime de responsabilidade para magistrados, promotores e procuradores, e a anistia em acordos de leniência a executivos de empresas acusadas de corrupção.
 
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos, acusou parlamentares de usar o pacote das dez medidas anticorrupção do Ministério Público Federal (MPF) e um projeto para anistiar crimes de caixa 2, para tentar barrar a Operação Lava Jato.
 
Um grupo autodenominado “Magistrados Independentes” pede a cassação, por “falta de decoro”, do Presidente do Senado, Renan Calheiros, por ter criticado um juiz que tentou ilegalmente investigar o Legislativo sem autorização  da Suprema Corte.
 
O Presidente do Senado Federal, assim como a maioria de seus pares, que espelham, como ele,  a sociedade brasileira, com certeza não é santo e tem inúmeros defeitos mas não está ali por vontade divina.
 
Não podemos ser seletivos, como os fascistas.
 
Da mesma forma que Dilma representava 54 milhões de brasileiros que a elegeram, o Senador Renan Calheiros representa diretamente mais de 840.000 homens e mulheres que votaram nele.
 
Parafraseando Stalin, que teria indagado quantas divisões tem o Papa, perguntamos: quantos votos têm  os magistrados que pretendem cassar Renan Calheiros?
 
Essa falta de respeito, esse manifesto desprezo pela vontade do eleitor e pelas prerrogativas individuais  com relação à sociedade, também está presente, indiretamente, na declaração do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que disse que sua maior preocupação é a falta de “filtro” para quem realizará a denúncia de crime de 
responsabilidade contra as autoridades.
 
“O que o deputado está propondo é que qualquer cidadão acusado de qualquer crime, homicida, traficante, pode entrar com petição e a autoridade terá de responder”, disse , ilustrando quão longe está indo a abordagem fascista da justiça no Brasil de hoje, como se houvesse cidadãos com mais direitos que os outros, em sua presunção de inocência, e a "autoridade" em questão fosse absolutamente infalível e não tivesse que se submeter ao poder de quem vota e lhe paga os régios salários de que falamos há pouco, mesmo que, ou principalmente quando o cidadão for suspeito de qualquer crime, já que, como mero  acusado, ainda não foi condenado e tem direito constitucional a ampla defesa.
 
Quis custodiet ipsos custodes?
 
"Quem guardará os guardiões? já perguntavam, sabiamente, os romanos, há quase 20 séculos, por meio de Décimo Júnio Juvenal - quanto mais poder tem um cidadão a serviço do Estado, maior controle e limites ele tem que ter, maior tem que ser a sua submissão e  obediência à Lei e à comunidade que serve - pois que ele existe apenas para isso mesmo - para meramente servir aos cidadãos e não a si mesmo.
 
O relator da Comissão que estuda a aprovação das “10 medidas  Anticorrupção” já recuou dessa missão, citando a “opinião das ruas” - que na verdade é apenas a opinião dos  procuradores e juízes que foram procurá-lo na Câmara dos Deputados - com relação à imposição de limites para o abuso de autoridade com o estabelecimento de crimes de responsabilidade para juízes e procuradores.
 
O Congresso precisa, em nome da História e de sua própria sobrevivência como instituição, resistir à pressão corporativista de quem pretende agir como uma casta - em nada casta, aliás - que está acima da população.
 
Há quem esteja chamando os políticos de “os donos do mundo”.
 
Mas os homens públicos não são donos do mundo. Eles são donos, apenas, de seus votos, que lhes conferem poder apenas enquanto os têm, e que são obrigados a manter e a reconquistar constantemente - ao contrário dos juízes, procuradores, desembargadores - a cada novo pleito.
Pode-se criticar este ou aquele político, em livre exercício democrático.
 
O que não se pode é generalizar e nivelar, de forma fascista, a todos.
 
Ou tentar retirar ou diminuir a legitimidade do voto para voltar à máxima pelésiana - aquela de que “o brasileiro não sabe votar” - tão em voga durante a ditadura.
 
Se o Judiciário e o Ministério Público brasileiros fossem perfeitos, não viveríamos em um país em que são assassinadas quase 60.000 pessoas por ano, boa parte delas - em situações polêmicas e controversas - por agentes do próprio Estado.
 
Em uma Nação em que, apesar de termos uma das forças de segurança mais violentas do mundo, menos de 6% dos homicídios são elucidados e esclarecidos.
 
Em que, em alguns estados, quase 60% dos presos se encontram ilegalmente  mofando, de forma imoral, há anos, atrás das grades, sem julgamento.
 
Em que o Conselho Nacional de Justiça eximiu, há poucos meses, juízes e procuradores de declararem, antecipadamente, junto com o endereço e a data, o valor das palestras pagas que estão livres para fazer para instituições de qualquer espécie.
 
Ao mesmo tempo em que "pune", com apenas dois anos de suspensão, remunerada, uma juíza que permitiu que uma adolescente ficasse reclusa, durante semanas, com 30 presos do sexo masculino, em uma cadeia do estado do Pará. 
 
A mesma punição reservada pelo CNJ, no caso, de aposentadoria compulsória também remunerada, para um Juiz que vendia sentenças no Tribunal de Justiça do mesmo Estado.
E para outros magistrados, envolvidos com quadrilhas dedicadas ao mesmo crime, em outras  unidades da Federação como o Piauí, a Bahia, Roraima, Pernambuco, etc.
 
Um país em que dezenas de presos desarmados são metralhados, encurralados dentro de celas e corredores de um presídio, e os responsáveis pelo massacre, com equipamentos de proteção e armados até os dentes na ocasião dos fatos, são absolvidos por "legítima defesa".
 
Em que as prisões, como pôde constatar, mais uma vez, a Presidente do STF, Ministra Carmem Lúcia, em visita à Penitenciária da Papuda, em plena capital da República, há alguns dias, são, principalmente pela superlotação, verdadeiras masmorras em que não existe a menor garantia, por parte do Estado, de condições minimamente dignas para o cumprimento, pelo condenado,  de sua sentença.
 
E em que não existe nenhuma possibilidade, e, eventualmente, interesse, de garantir sua incolumidade física durante os longos períodos em que, na maioria dos casos, sem assistência médica ou judiciária, o preso eventualmente “provisório” ficará enclausurado, em condições 
absolutamente animalescas, à mercê de Deus, das facções e do Sistema.
 
Muitas vezes, porque foi apanhado com algumas pedras de "crack", ou  alguns papelotes no bolso, na esquina, produzidos  à base de querosene ou de comprimidos vencidos de anfetamina, sem nenhum vestígio de cocaína.     
 
Isso, em um planeta no qual, em nações como os EUA, a população acaba de aprovar, em plebiscito, em novos estados, incluído o mais populoso deles, a Califórnia, o uso recreativo da maconha, diante da constatação de que a mera repressão e penas implacáveis, até mesmo para usuários,  como ocorre comumente por aqui, não resolvem, de forma alguma, a questão do tráfico de substâncias entorpecentes.
 
Diante de uma "justiça" assim, todo indivíduo tem o direito moral de tentar escapar da "lei".
De não produzir provas contra si mesmo.
 
E de postergar seu julgamento e encarceramento, indefinidamente, porque a justiça que o julga e o condena, com a mão cada vez mais pesada de jovens juízes e procuradores recém-formados que vivem no mundo perfeito de suas gravatas de seda, seus altos salários e seus ternos bem cortados, é a mesma que não consegue garantir que a maioria dos detentos brasileiros passe por julgamento ou possa cumprir sua pena de reclusão em condições de relativa igualdade com apenados de outros países, como já dissemos, minimamente modernos ou civilizados, neste vigésimo-primeiro século da Era Cristã.  
 
Barrar a Operação Lava-Jato?
 
Como?
 
Se, em resposta a uma longa sucessão de desmandos, em que a delação, como nos regimes autoritários mais abjetos da História, tornou-se o maior instrumento de investigação de uma justiça que se mostra incapaz de correr atrás de provas claras, irrefutáveis, incontestáveis, o Judiciário insiste em aumentar o casuísmo ?
 
Se, com o intuito de  institucionalizar-se essa nova nova ordem judiciária, blindando-a contra iniciativas que possam restaurar o direito e possibilitar a defesa de quem está sendo acusado, em mais uma decisão que implica em novo passo rumo à fascistização, de facto, do país, transformando-nos, também no aspecto judicial, em uma ditadura,  a  5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta semana ser inviável que cidadãos delatados por terceiros questionem acordos de delação celebrados por quem os está acusando?
 
Se essa absurda determinação - que precisa ser contestada no STF - mais uma no sentido de restringir os direitos cidadãos que estão teoricamente consubstanciados na Constituição, afirma que as pessoas citadas ou acusadas nas delações, não poderão, doravante, questionar as circunstâncias, as condições em que tal delação foi obtida - se por pressão sobre o réu, eventualmente já aprisionado e sob o arbítrio de seus carcereiros e interrogadores,  se sob tortura ou eventual ameaça ou chantagem, em um país em que todos sabem, existe uma das polícias mais violentas do mundo ?
 
Se poderão, no máximo, os delatados,  que - a partir da declaração de um desafeto, de alguém que está procedendo assim em troca de uma eventual promessa de soltura - correm o risco de ser presos e acusados de qualquer crime, mesmo que não haja provas; contestar o teor das acusações, sem entrar no mérito de como foi obtida a tal "delação" pela "justiça" ?
 
Se o STF acaba de aceitar institucionalizar a prisão após condenação em segunda instância, restringindo ainda mais a possibilidade de defesa do réu, neste perfeito - justo, equilibrado, em nada arbitrário -  sistema judiciário em que vivemos? 
 
Como no caso da possível aprovação da validação de provas "ilícitas", obtidas de "boa fé"  por agentes do Estado, em exame pelo Congresso, estamos vivendo uma fase da vida nacional que só pode ser comparada ao período de ascensão do nazismo, quando, uma após outra, medidas de restrição do Estado de Direito e dos direitos individuais foram aprovadas pelo regime, até que a máscara de uma suposta legalidade caiu, com a imposição do ignominioso arcabouço "jurídico" das Leis de Nuremberg.
 
Nesse contexto, não pode restar, àqueles que defendem a liberdade e a democracia, duramente reconquistadas por nossa geração, mais do que cerrar fileiras e combater, decididamente, até mesmo em benefício da própria consciência, se não do futuro de seus descendentes, em todos os foros, cada casuísmo que possa estar sendo implementado nesse sentido, mesmo que muitas vezes eles  sejam adotados sob o manto hipócrita da defesa de um país mais "honesto" e menos corrupto, até mesmo porque não há regime autoritário, sangrento e assassino da História que tenha chegado ao poder sem essas bandeiras.
 
Por outro lado, a emblemática absolvição de João Vaccari Neto, do fantástico desvio - tão propalado pela mídia - de 100 milhões de reais, quando presidia a Bancoop, pela juíza Cristina Balbone Costa, da Quinta Vara Criminal de São Paulo, mostra que ainda existe justiça neste país, fora do âmbito da Operação Lava-Jato, com suas ilações, sua seletividade, suas arbitrariedades, a pressão sobre os presos para a imposição, dirigida e premeditada de “delaçoes" "premiadas" e uma longa série de acusações que não se sustentam.
 
Mesmo que essa operação viesse a trabalhar com provas absolutamente irrefutáveis e sem pressões e arbitrariedades sobre presos e testemunhas, ainda seria necessário provar à opinião pública que seus principais integrantes não estão apenas se esforçando para encontrar algum prêmio político-eleitoral - em 2018, quem sabe - no fim do arco-íris, ou não têm a intenção de se transformar, de fato, e permanentemente, em um quarto poder oculto dentro da estrutura do Estado Brasileiro.
 
Não se espera que boa parte dos juízes e procuradores que dividem privilégios e vantagens, abandone, como se vê pelo comportamento de suas associações de classe, seu arraigado  corporativismo, ou deixem de buscar - mesmo sem voto - como estão fazendo constante e açodadamente neste momento, aumentar o seu quinhão de poder - cada vez maior, aliás - com relação a outros segmentos, como os representantes eleitos do Executivo e do Legislativo, no contexto da sociedade brasileira.
 
Basta que parem de agir como vestais, e de querer posar de santos, e espetacularmente, de impolutos e messiânicos Cavaleiros da Justiça, porque, como mostram os casos de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Pará, do Paraná, de Roraima, do Piauí, da Bahia, de Pernambuco, do Espírito Santo, e de outros, muitíssimos outros lugares, nas capitais e no interior, eles não o são, como não são, também, nem impecáveis nem perfeitos.
 
Não o são e não estão acima dos Deputados e Senadores que pretendem “exemplar”, nem de nós, comuns mortais, que neles votamos, com nossos muitos defeitos e eventuais qualidades.
 
Essa é uma perspectiva que a Câmara dos Deputados  precisa levar em consideração nesta semana, a não ser que queira cometer mais um suicídio político - como se não bastasse a PEC 241 que retirará poder do Estado e do Congresso - e um novo erro histórico de enormes proporções.
 
E é uma constatação que está começando a ser feita, e a ser melhor entendida, pela população brasileira.


Créditos da foto: Pedro de Oliveira/ ALEP