quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Eles agem como se não houvesse amanhã: é hora de construí-lo


Eles agem como se não houvesse amanhã: é hora de construí-lo

Há uma bomba social a caminho; a resistência passa por fazer o caminho de volta às lutas populares e aí construir a frente ampla.

por: Saul Leblon

Lula Marques
A ordem unida na votação da PEC 241 passa um sinal de coesão inoxidável, que pode induzir à prostração diante do golpe. 
 
Seria um erro.
 
Há ferrugem política sob o brilho metálico lustrado pelos mercados.
E corrosão nos pilares econômicos, dissimulada pelo endosso midiático. 
 





A vitória em primeiro turno na Câmara --graúda, de fato-- aprofunda, em vez de equacionar a crise que despedaça o tecido econômico e estreita o horizonte da população brasileira.
 
Há uma bomba social a caminho.
 
A hora de organizá-la é agora. 
 
Isso significa muitas coisas. 
 
Retificar conceitos e rever estratégias que vestiram a camisa de força dos mercados na política, quando ela deveria comandá-los, repactuando o desenvolvimento, é uma delas.
 
Nada fará sentido, porém, sem convergir para o principal.
 
O principal é romper o isolamento progressista decorrente desse erro e fazer o caminho de volta às lutas populares para organizar a resistência ao arrocho.
 
Não é pouco o que está em jogo. 
 
Só os ingênuos acreditam ser possível fazer política hoje no Brasil sem ‘nacionalizar’ o debate.
 
O golpe quer redesenhar o país numa prensa abastecida de libras de carne humana.
 
Subverte para isso uma prudência clássica na macroeconomia.
 
A cautela recomenda nunca endossar os ímpetos irrefletidos dos mercados com o peso de iniciativas públicas na mesma direção.
 
A PEC 241 é um criminoso pé de chumbo no acelerador da crise vivida pela nação brasileira.
 
Em seu interior fervilha o agravamento do conflito distributivo --num horizonte de desemprego, recessão e urgência ela responde com mais privação. 
 
Um criterioso alerta à nação, ‘Austeridade e Retrocesso’, lançado esta semana pelo Fórum 21, com a participação de alguns dos melhores economistas do país (leiahttp://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Golpe-quer-impor-arrocho-social-por-20-anos-tempo-que-durou-a-ditadura/4/36984) denuncia a rudimentar aposta na contração das políticas e estruturas públicas, quando mais se precisa delas.
 
Em nome de um eldorado mítico do neoliberalismo –a ‘contração expansiva’--   providencia-se o Estado mínimo, à espera de uma expansão privada desmentida pela experiência corrente em várias latitudes do planeta.
 
Europa, por exemplo, onde nações patinam num limbo de desemprego elevado, baixo investimento, receitas anêmicas e déficits robustos.
 
‘Sociedade fulminada por asfixia rentista e inação pública’.
 
A lápide mais comum no cemitério de nações em nosso tempo denuncia o lacto purga que o golpe quer replicar no Brasil, com a adoção tardia de um neoliberalismo em decomposição.
 
O que se votou no reduto antissocial e antinacional no qual se transformou o parlamento brasileiro foi o gatilho dessa restauração anacrônica.
 
Postergar seu epicentro para o depois das eleições de 2018 , e confiar na retribuição antecipada dos mercados, precificada em uma onda imediata de investimentos, é a aposta da esperteza delirante. 
 
Nisso se fiam colunistas que copidescam relatórios de bancos.
 
A precificação que avança é de outra natureza.
 
Os bancos, claro, já suspendem o crédito a pensionistas pobres e doentes, marcados para morrer de inanição pela PEC aprovada com o júbilo da escória parlamentar.
 
Não só.
 
Ignora-se, antes de mais nada, os ares do mundo.
 
O esgotamento da ordem neoliberal acirrou desequilíbrios sistêmicos conhecidos.
 
A  concentração da renda, a desigualdade entre as nações e dentro delas, a atrofia do aparato público de desenvolvimento, o desmonte industrial...
 
E criou outros novos.
 
O mais grave deles: a anemia da sua principal fonte de legitimação e dinamismo, o crescimento do comércio mundial.
 
Sob a égide dos acordos de livre comércio e cortes tarifários as trocas globais avançaram a taxas duas vezes superiores às do PIB entre 1985 e 2003.
 
Esse mundo acabou.
 
Só o ‘chanceler’ Serra, algo balbuciante, continua a apostar que o futuro do Brasil consiste em engatar a economia ao passado.
 
Em 2016, pela primeira vez em 15 anos, as trocas internacionais vão crescer abaixo da expansão do PIB global (1,7% contra 2%)
 
É o pior resultado desde 2008.
 
Fica quase à metade do desempenho de 2012 e muito aquém dos 2,8% previstos em abril pela OMC.
 
A debilidade da demanda global, sobretudo nos mercados de commodities, por conta da transição chinesa, explica uma parte da reversão.
 
A outra é a paralisia dos investimentos, responsável por 75% da desaceleração nas trocas internacionais.
 
O ambiente global associa elevadas taxas de endividamento das empresas, de um lado –caso do Brasil inclusive, o que desautoriza expectativas golpistas de retomada ‘puxada’ pelo setor privado--; sobras de capitais especulativos, de outro, e uma epidemia de juros negativos que se espraia e se prolonga.
 
A precarização do trabalho e o corner de Estados endividados num ambiente recessivo engessado por receita anêmica, fecham o garrote no pescoço da engrenagem produtiva  --indissociável do investimento público e privado.
 
A Unctad prevê que o fluxo global do investimento externo deve cair entre 10% e 15% este ano.
 
A saturação acionou anticorpos à panaceia do livre comércio, refletindo-se na queda de novos acordos de liberação alfandegária.
 
A média de trinta por ano, da década de 90, segundo o Wall Street Journal, recuou para um terço agora e a redução média de tarifas (um ponto percentual ao ano entre 1985/96 e 0,5 entre 1996 e 2008) estancou.
 
Disso para o ressurgimento da xenofobia e o renascimento do protecionismo era um pulo. E ele ensaia se tornar um salto no escuro.
 
O extraordinário bate à porta: um consenso contra o acordo Transpacífico uniu as candidaturas democrata e republicana nas eleições presidenciais dos EUA este ano.
 
Esse é o vagalhão em curso.
 
Ele potencializa perdas e danos embutidos na opção golpista de recuar o interesse público e entregar o país –literalmente, como mostra a blitzkrieg sobre as reservas do pré-sal--  aos impulsos dos livres mercados globais. 
 
A operação equivale a engatar um carro sem gasolina a um trem descarrilado.
 
A alternativa de elevar o nível do tanque com maior justiça tributária, para, paulatinamente recuperar velocidade em uma repactuação negociada desenvolvimento, é a opção progressista e democrática.
 
Contra ela se fez o golpe. 
 
Omiti-la é a lei de ferro nas redações. Onde a pauta tergiversa para não admitir: o pior está por vir.
 
O Brasil acumula um exército de 12 milhões de desempregados. 
 
Um milhão e meio de vagas foram fechadas em 2015 pela associação entre o cerco golpista e o erro do governo Dilma ao buscar indulgência do mercado, adotando a panaceia contracionista. 
 
Os otimistas acreditam que se tudo der certo o nível de emprego de 2014 (41,2 milhões de vagas formais) será recuperado em 2020...
 
Abstrai-se o crescimento da população economicamente ativa do período.
 
Num cenário de capacidade ociosa nas fábricas e demanda se arrastando pelo chão, parece temerário atribuir à  ‘reversão das expectativas’ dos mercados, protegidos do PT e da Carta Cidadã de 1988, a  drenagem desse oceano de braços.
 
Há variáveis de incerteza institucional que também contam. 
 
Fundos de investimento estão preferindo a Colômbia e o Peru ao Brasil. 
 
Gestores de carteiras não especulativas querem distancia da instabilidade política criada por Moro e sua central de confissões pré-fabricadas. 
 
Só os vulgarizadores da ortodoxia acreditam da viabilidade de planos de infraestrutura sem financiamento e garantias do BNDES –agora, de novo, uma usina de privatizações.
 
Sem falar de faturas estruturais submersas, que o colunismo de banco declimna.
 
A industrialização brasileira necessita de um salto de renovação e produtividade para sobreviver no espaço encolhido pela estagnação global.
 
Como agir sobre esse relevo escarpado sem as cordas, ganchos e redes de estabilização do investimento público?                                                                                
 
O déficit fiscal de 10,5% no ano passado (10% este ano) continuará alto.
 
Mantido o peso de 80% dos juros na sua composição, mesmo espremendo-se a goela das despesas com a escola e o SUS, ou enterrando antes os velhinhos do LOAS, a alavanca do setor público persistirá manca.
 
O champanhe de fim de ano na firma Golpe & Cia, como se vê, borbulha  ilusão.
 
A crise vai azedar logo o clima de festa na aliança da mídia com a escória, o dinheiro e o judiciário partidarizado.
 
O arrocho progressivo reduzirá ministros, governadores e prefeitos a síndicos de  estruturas públicas falidas, que vão piorar o cotidiano já difícil da população na hora mais vulnerável das famílias assalariadas. 
 
O seguro desemprego é um dos alvos imediatos do facão autorizado por 366 ‘representantes do povo’.
 
Gestores locais serão obrigados a baixar a guilhotina em obras e serviços, na linha de frente do embate com as sobras humanas expelidas pela retração de empregos, leitos, vagas, merendas, remédios, programas, professores, médicos, enfermeiros.
 
Haverá defecções. 
 
Mesmo dentro do conservadorismo, administradores dignos irão se rebelar.
 
Nem todos aceitarão o papel de proxenetas de sua gente, para servir à cupidez rentista no plano federal.
 
A montanha desordenada de ideologia e realidade apita alertas à prostração induzida pelo brilho falso de um comboio sem trilhos.
 
A ordem neoliberal está exaurida. Com ela, as bases do crescimento pro-cíclico associado à alta nos preços das matérias-primas.
 
O pacto distributivo não conta mais com esse lubrificante da engrenagem.
 
Não basta saciar ‘as expectativas’ do mercado para iniciar um outro ciclo.
 
É preciso redesenhar o mercado.
 
Inclui-se aí o papel da indústria, as bases da produtividade, o crescimento do emprego, do investimento público e privado, o financiamento fiscal. 
 
O Brasil perdeu o bonde da história para fazer disso uma tarefa da democracia, diz a mensagem subliminar dos que tomaram de assalto o país para fatiá-lo.
 
Contrariar esse vaticínio é a prova crucial da esquerda, dos democratas, dos nacionalistas e dos liberais sinceros.
 
É o que de mais importante eles podem fazer hoje pelo Brasil. 
 
Não com lamúrias.
 
Com a construção de uma frente ampla que fale às urgências e esperanças da população, para romper o isolamento refletido nas urnas de 2 de outubro.
 
À moda uruguaia, ele deve ser ‘progressista-ecumênica’ e híbrida o suficiente para incorporar partidos, centrais, movimentos sociais, juventude, personalidades etc.
 
Seu ventre são os conflitos do presente e a resistência à bomba social em curso. 
 
Disputas do segundo turno das eleições municipais como a do Rio de Janeiro, com Freixo; a de Recife, com a arrancada de João Paulo e a de Belém, com Edmilson Rodrigues –um arquiteto e geógrafo de longa trajetória socialista, que já dirigiu a capital paraense por dois mandatos, compõem as oficinas históricas dessa construção.
 
Seria um erro monumental descolar a questão municipal da política brasileira, como se o ano não fosse 2016 e o país não vivesse uma encruzilhada cujo desfecho condicionará o destino público e privado em todas as dimensões.
 
A estratégia adotada nos últimos anos de despolitizar os conflitos e conquistas do desenvolvimento desarmou a sociedade, atrofiou a participação popular e confundiu o discernimento social.
 
Nesse vácuo Moro age como se não houvesse amanhã.
 
É hora de construí-lo. 
 
E a PEC do arrocho abre uma avenida enorme para quem quiser caminhar. 

Prisão de Lula é o clímax do regime de exceção

13/10/2016 10:36 - Copyleft

Prisão de Lula é o clímax do regime de exceção

Os golpistas se sentem autorizados a avançar o ataque aos direitos sociais, à democracia e à principal liderança popular do país.


Jeferson Miola
Ricardo Stuckert
A coluna Painel da Folha de São Paulo de 10/10/2016 publicou: “Um policial explica assim a multiplicação de investigações contra o ex-presidente: ‘Perdemos o medo’”.
 
A justificativa para caçar Lula não é a existência de provas concretas contra ele, mas a perda de temor e de pudor, pelos procuradores, juízes e policiais da Lava Jato, de condená-lo à revelia. Nada mais explícito sobre o regime de exceção jurídica, midiática e policial que se vive no Brasil.
 
O resultado da eleição de 2 de outubro encorajou os golpistas. O revés eleitoral do PT e da esquerda foi traduzido como sendo o fracasso da narrativa do golpe. O usurpador Michel Temer apressou-se em caracterizar o resultado da eleição como uma derrota da tese de golpe.
 
A leitura de que a urna diminuiu o tamanho da resistência democrática, turbinou a execução selvagem do plano golpista, de implodir o capítulo dos direitos sociais da Constituição, alienar a riqueza nacional e hipotecar o país.





 
Os golpistas têm pressa; não desperdiçam tempo político. Sabem que a ilegitimidade do governo usurpador encurta o prazo para conseguirem impor os retrocessos anti-povo e anti-nação. Precisam consolidar rapidamente a restauração neoliberal e o regresso da influência perniciosa do FMI e do Banco Mundial no Brasil.
 
Por isso, aceleram a agenda regressiva em matéria de direitos sociais e criam amarras institucionais, econômicas e financeiras de longo prazo, que convertem a eleição em mera formalidade. Com o aprofundamento do golpe, nas próximas décadas a sociedade não será governada por governos eleitos, mas sim pelo deus-mercado, cujos interesses estão sendo gravados e protegidos na Constituição, acima da soberania e dos direitos do povo.
 
Em uma semana, a oligarquia golpista inviabilizou a Petrobrás e entregou a exploração do petróleo de águas ultra-profundas para petroleiras estrangeiras. A riqueza do pré-sal, estimada em mais de 30 trilhões de dólares, é quase duas vezes o PIB dos EUA. A subtração desta renda interdita o futuro do Brasil, lesa o lucro da Petrobrás e seqüestra os recursos previstos para ampliar o SUS [25%], a educação pública [75%] e o avanço civilizatório ao longo do século.
 
Os deputados da base golpista também aprovaram, em primeira votação, a PEC 241, que congela por 20 anos os gastos sociais para engordar sobremaneira os juros e a dívida, hoje equivalente a R$ 900 bilhões ao ano. Em 10 anos de vigência da emenda constitucional da morte e do atraso, como é chamada esta PEC, mais de 1,5 trilhões de reais serão desviados do SUS, da educação e dos programas sociais, para serem transferidos à especulação financeira.
 
Inebriado com este sucesso parlamentar momentâneo, o governo usurpador decidiu antecipar o ajuste neoliberal da Previdência. E, além disso, prioriza a aprovação o Projeto de Lei nº 257/16, que condiciona a ajuda financeira a Estados e Municípios à eliminação de direitos do funcionalismo público, à promoção de arrocho salarial e ao desmonte de políticas públicas.
 
Com as medidas impopulares e cujos efeitos serão sentidos imediatamente, esta oligarquia colonizada dificilmente conseguirá vencer a eleição de 2018. Apesar disso, todavia, poderá continuar exercendo o poder real, porque já terá aprisionado o Estado com as reformas liberais-conservadoras do Estado de Direito e da Constituição.
 
As políticas que fazem o Brasil retroceder mais de 50 anos são operadas por um governo ilegítimo, reprovado por mais de 150 milhões de brasileiros, porém sustentado pela tropa montada no Congresso por Temer em sociedade com o gângster psicopata Eduardo Cunha.
 
Ao lado da modelagem neoliberal do Estado brasileiro, o regime de exceção aperta o passo para prender o ex-presidente Lula, à revelia do devido processo legal – afinal, admitem que “perderam o medo”. Os justiceiros já revelaram que na caçada do ex-presidente, provas são dispensáveis, bastam “convicções”.
 
A força-tarefa da Lava Jato e a mídia nem dissimulam: invalidam as delações que citam políticos do PMDB, PSDB, PP, PTB, PSD [Temer, Cunha, Aécio, Serra, Padilha, Gedel, Jucá etc] e induzem os delatores a incriminarem falsamente o Lula e políticos petistas.
 
A prisão do Lula será o clímax do regime de exceção. Com o resultado da eleição municipal, os golpistas se sentem autorizados a avançar o ataque aos direitos sociais, à democracia e à principal liderança popular do país.
 
Esta realidade fascista somente é viável com o posicionamento homogêneo da mídia – Globo à frente – para legitimar a atuação de procuradores, juízes e policiais que capturam o Estado e partidarizam o cargo e a função pública para perseguir e liquidar os adversários políticos.


Créditos da foto: Ricardo Stuckert




PEC 241 e o desmonte do Brasil

13/10/2016 17:04 - Copyleft

PEC 241 e o desmonte do Brasil

O maior risco atual à democracia brasileira é que instituamos uma ditadura de tecnocratas que legitimam mudanças no pacto social inscrito na Constituição.


Tatiana Carlotti
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os vendilhões do país comemoram: com 366 votos a favor, 111 contra e 2 abstenções, a PEC 241 passou pela primeira votação na Câmara dos Deputados. Caso seja aprovada em mais três votações (duas no Senado), as bases do Estado mínimo se fincam no país. 
 
A campanha foi agressiva. Quem abriu os jornalões no último domingo viu o tamanho dos anúncios pagos pelo setor privado. É preciso muita convicção ideológica ou descaramento para incensar uma excrescência constitucional, como a PEC 241, enquanto única “saída” para driblarmos a crise econômica.
 
Nos noticiários, onlines e jornalões do PIG – o Partido da Mídia Golpista - a proposta de congelar investimentos do Estado, ao longo de vinte anos, vem sendo apresentada com uma naturalidade digna de Oscar. Trata-se de uma “necessidade”, afirmam comentaristas, colunistas e selecionados “especialistas”.
 
Nenhum aprofundamento sobre as graves consequências da PEC 241 em áreas vitais como saúde, educação, saneamento básico ou cortes dos programas sociais. Nenhum debate efetivo sobre o impacto da PEC 241 no salário mínimo, que passará a ser reajustado apenas pela inflação (saiba mais). 





 
São tempos de golpe, impera o vale tudo. O que estamos vivendo é um ataque, sem precedentes, contra direitos garantidos pela Constituição de 1988.  
 
“Mãos ao alto”
 
A inconstitucionalidade da PEC 241 foi denunciada até mesmo pela Procuradoria Geral da República (PGR). No mesmo dia em que o decorativo Michel Temer lançava a campanha “Vamos tirar o Brasil do vermelho”, em clara provocação à esquerda, a PGR afirmava: 
 
“As alterações por ela [PEC 241] pretendidas são flagrantemente inconstitucionais, por ofenderem a independência e a autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário e por ofenderem a autonomia do Ministério Público e demais instituições constitucionais do Sistema de Justiça (...) e, por consequência, o princípio constitucional da separação dos poderes, o que justifica seu arquivamento” (leia a íntegra do documento).
 
A ofensa vai além. A PEC 241 traz mudanças efetivas na Constituição brasileira, sem qualquer consulta popular, passando por cima de direitos fundamentais e dos interesses da maioria da população. Diga-se de passagem, isso efetivamente mereceria um impeachment. 
 
Mas, em tempos de golpe, em plena ilegalidade, os parasitas da nação – leia-se toda a corja a serviço das elites financeiras e econômicas – se preparam para assaltar o Brasil. Como? Com a imposição de uma dura agenda de austeridade que já mostrou sua eficácia: a de quebrar países no mundo inteiro. Viveremos mais vinte anos de desmonte? Não bastaram os vinte anos de ditadura militar? 
 
Não sem resistência.
 
PEC do fim do mundo
 
Tuitaços, ocupações de escolas, manifestações de rua. A resistência popular contra a “PEC do fim do mundo”, como é chamada a PEC 241, está acontecendo em todo o país. Nas redes sociais, é possível encontrar uma série de vídeos explicativos, como o vídeo abaixo, produzido pela frente Povo Sem Medo:
 

 
Em nota técnica (confira aqui), o DIAP chegou a estimar como seria o Brasil caso a PEC 241 estivesse em vigor desde 2003. O salário mínimo, por exemplo, estaria hoje em R$ 509,00 e não nos atuais R$ 880,00 (saiba mais). Confira abaixo o quadro comparativo, nesta situação hipotética, dos investimentos em educação e saúde:

 
Na última segunda-feira (10.10.2016), um documento intitulado “Austeridade e Retrocesso” (leia a íntegra), organizado pela Sociedade Brasileira de Economia e Política, Fórum 21, Friedrich Ebert Stiftung e Plataforma Política Social foi entregue, antes da votação, aos congressistas. 
 
Apresentando alternativas para o enfrentamento da crise, o documento alerta para as consequências da implantação do Estado mínimo e das políticas de austeridade no país. Demonstra, inclusive, como o congelamento dos investimentos prejudica o crescimento econômico: “no círculo vicioso da austeridade, cortes do gasto público induzem a redução do crescimento que provoca novas quedas de arrecadação que, por sua vez, exige novos cortes de gasto”. 
 
E mais: “para que o teto global da despesa seja cumprido – dado que algumas despesas como os benefícios previdenciários tendem a crescer acima da inflação –, os demais gastos (como Bolsa Família e investimentos em infraestrutura) precisarão encolher de 8% para 4% do PIB em 10 anos e para 3% em 20 anos, o que pode comprometer o funcionamento da máquina pública e o financiamento de atividades estatais básicas”.
 
Após a entrega do documento, o economista Pedro Rossi (Unicamp) apontou “a queda na arrecadação e os juros nominais enormes” como responsáveis pelo crescimento da dívida. “Não foi o gasto primário que é a mira dessa PEC”, complementou. Ele também destacou que “todos os países que tiveram austeridade dura tiveram problemas enormes de crescimento econômico” (confira a coletiva). 
 
“A [PEC 241] não ajusta a questão fiscal do Brasil, não traz o crescimento econômico e, no fundo, traz outro projeto de país que não é o que está colocado na Constituição de 1988", complementou. Não está na Constituição e nem foi eleito nas urnas em 2014.
 
A falácia do crescimento
 
No artigo “Uma crítica aos pressupostos do ajuste econômico” (FSP, 09.10.2016), os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Pedro Paulo Zahluth Bastos rechaçam a agenda da austeridade e o teto para os gastos públicos, demonstrando como as medidas propostas por Temer levam à queda do crescimento, atingindo os trabalhadores e os empresários.
 
“Como não perceber o desastre caso o governo e o Banco Central também sinalizem para uma grande depreciação cambial que, antes de estimular exportações, encarecerá importações e passivos externos? ”, questionam, ao apontar que “uma política que contribui para derrubar o PIB não tem como reduzir a relação dívida/PIB”.
 
Eles também apontaram o papel dos juros na ampliação da dívida pública: “juros elevados e inexplicáveis são o principal determinante da ampliação da dívida pública, gerando custos que a austeridade do gasto social e do investimento público é incapaz de controlar, tanto mais porque os cortes limitam o crescimento do PIB”.
 
Na avaliação de Belluzzo e Bastos, “se há algum momento propício para a austeridade, esse é o boom e não a recessão”. Sobre PEC 241, eles são categóricos: “levará a cortes radicais nas leis que preveem ampliação da cobertura de bens e serviços públicos, inclusive educação e saúde, para poupar recursos para o pagamento da dívida pública”.
 
Avaliam, inclusive, a proposta como uma impostura política, lembrando que “pesquisas de opinião mostram que a imensa maioria da população (até 98%) aprova a universalidade e a gratuidade da saúde e da educação pública”. E complementam:
 
“O maior risco atual à democracia brasileira é que instituamos uma ditadura de tecnocratas que legitimam, com retórica cientificista, mudanças no pacto social inscrito na Constituição Federal com base em argumentos desatualizados empírica e teoricamente”.
 
Desmonte do pacto social
 
Mudanças que têm como objetivo a imposição do Estado mínimo, como destaca o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, para quem o objetivo da PEC 241 “não é o ajuste fiscal, que é necessário”, mas sim “a redução do tamanho do Estado, que nada tem de necessária” (leia mais). 
 
Segundo Bresser-Pereira, o objetivo geral da “luta de classes neoliberal” é reduzir os salários diretos e indiretos dos trabalhadores: “salários diretos através das reformas trabalhistas; e os indiretos através da redução do tamanho do Estado ou a desmontagem do Estado Social”. 
 
Na esteira da ruptura da ordem democrática, consolidada com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, segue a quebra de um pacto social. Um ataque, jamais visto, até então, contra a Carta Magna. 
 
Enquanto isso, a população brasileira segue sob a condução de um governo que não elegeu, sem possibilidade de opinar e sem a necessária informação sobre as consequências da PEC 241 em suas vidas. Eis a obra de um aparato midiático – fortemente ideológico – destinado à instalação do Estado mínimo e da política de austeridade no país. 
 
A batalha não está perdida. A PEC 241 precisa passar por mais três votações: uma na Câmara dos Deputados e duas no Senado Federal. 


Créditos da foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil