quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Poder Judiciário tem atuado como 'máquina de exceção' na América Latina, diz jurista brasileiro IMPORTANTÍSSIMO!


Poder Judiciário tem atuado como 'máquina de exceção' na América Latina, diz jurista brasileiro


Em livro, Pedro Serrano, professor de Direito da PUC-SP, traz estudo sobre papel do sistema judicial de diferentes países em golpes de Estado na região
No livro “Autoritarismo e golpes na América Latina - Breve ensaio sobre jurisdição e exceção”, o jurista Pedro Estevam Alves Pinto Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, apresenta um estudo sobre o Estado de exceção e os diferentes papeis que o Poder Judiciário assume para controlar, de forma autoritária, os cidadãos e a vida social em diferentes países e que conduziram, em alguns casos, a golpes de Estado.
Na publicação, que será lançada nesta quinta-feira (25/08) e tem como base os estudos de Serrano durante seu pós-doutorado na Universidade de Lisboa, traz um panorama sobre as diferenças de “modelagem” do Estado de exceção do século 20 até a atualidade.
O jurista, que é professor de Direito Constitucional da PUC-SP, disse a Opera Mundi que a publicação ajuda a “entender esse mecanismo punitivista que tem tomado conta da jurisprudência e da vida social” e “que tem tornado a vida mais incivilizada em todo o mundo”.
De acordo com ele, o Estado de exceção surge a partir da suposta existência de um “inimigo”, que adquire diferentes contornos dependendo de sua localização.  Enquanto na Europa ele se identifica com “o estrangeiro inserido na rotina daqueles países” (seja na figura do não-europeu ou de muçulmanos), na América Latina o inimigo é o “bandido”, que é associado com uma condição social de pobreza.
Antonio Cruz / Agência Brasil

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A consequência, segundo ele, é a suspensão de direitos fundamentais, como o princípio da presunção da inocência e o do direito à vida.  
“O sistema judicial latino-americano trata o cidadão pobre como bandido, não como cidadão que erra”, disse Serrano. “Se não é morto, é preso sem ter direito a se defender”, completa.
América Latina e golpes
O enfoque da publicação é a América Latina, onde o Poder Judiciário, segundo ele, vem atuando como “máquina de exceção” em diversos âmbitos, desde o controle policial sobre as periferias até a destruição de lideranças de esquerda e ataques a líderes de oposição.
 

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Serrano debruçou-se sobre os golpes ocorridos em Honduras em 2009 e no Paraguai em 2012, quando os presidentes Manuel Zelaya e Fernando Lugo, respectivamente, foram destituídos de seus cargos.
“Há uma conexão íntima entre as medidas de exceção em Honduras e Paraguai e os governos que aprisionam a população pobre que comete um ato ilícito”, afirmou.
Para o autor, há semelhanças também entre os dois casos e o processo de impeachment da presidente brasileira afastada, Dilma Rousseff. Em todas as situações, há uma “fraude no Direito”, onde o Judiciário atua de forma “política”.
“Descumpro a lei querendo dar a aparência de que estou cumprindo a lei”, explica Serrano, que acrescenta que as medidas autoritárias do Judiciário, com apoio da mídia, “tem conteúdo agressivo ao Estado Democrático”.
Serviço
"Autoritarismo e golpes na América Latina - Breve ensaio sobre jurisdição e exceção"
Editora Alameda
Lançamento: quinta-feira, 25 de agosto
Horário: 18h30
Local: Livraria da Vila – Lorena
Endereço: Alameda Lorena, 1.737, Jardim Paulista, São Paulo-SP

Justiça argentina condena 28 militares à prisão perpétua por operações durante última ditadura


Justiça argentina condena 28 militares à prisão perpétua por operações durante última ditadura


Julgamento demorou quase quatro anos e condenou outros sete ex-militares a penas menores; ONGs como Avós da Praça de Maio comemoram condenações
Um tribunal federal na cidade de Córdoba, na Argentina, condenou 28 militares aposentados à prisão perpétua nesta quinta-feira (25/08) por atuação nos centros clandestinos de tortura e detenção de La Perla, La Ribera e no Departamento de Informações da Polícia de Córdoba durante a última ditadura militar argentina (1976-1983).
O julgamento teve início em dezembro de 2012, envolveu 716 vítimas — das quais 279 ainda estão desaparecidas —, ouviu 581 testemunhos e analisou os casos de 40 pessoas. Nesta quinta, além das prisões perpétuas, o tribunal condenou outros sete militares aposentados a penas menores e absolveu cinco dos réus.

Agência Efe

Grupos de direitos humanos se reuniram em frente a tribunal para ouvir sentenças
Entre os 28 condenados a prisão perpétua está Luciano Benjamín Menendéz, ex-chefe do Terceiro Corpo do Exército. Ele foi considerado culpado pelo desaparecimento de 282 pessoas — incluindo bebês — somente nos campos de concentração de La Perla e La Ribera, por 311 homicídios, 260 sequestros e 655 casos de tortura.
Com a pena determinada hoje, esta se torna a 12ª condenação perpétua de Menéndez por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura militar. Ele também recebeu outras duas penas menores.
 

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Outros dos condenados a prisão perpétua são Ernesto “Nabo” Barreiro, chefe dos torturadores de La Perla, e Héctor Pedro Vergez, ex-torturador do centro e companheiro de Barreiro.
Grupos de direitos humanos comemoram decisão de Tribunal
Diversos grupos de direitos humanos, estudantes, entidades políticas e sindicatos se reuniram na porta do tribunal para acompanhar o resultado do julgamento.
Entre eles estava o governador da província de Córdoba, Juan Schiaretti, Estela de Carlotto, presidente da organização Avós da Praça de Maio, e Sonia Torres, presidente da organização em Córdoba.
“[A condenação de Menéndez] é histórica porque ele também foi julgado pelo roubo de bebês”, disse Torres.

Artistas e intelectuais estrangeiros divulgam manifesto contra impeachment de Dilma Rousseff


Artistas e intelectuais estrangeiros divulgam manifesto contra impeachment de Dilma Rousseff


Entre signatários estão Tariq Ali, Danny Glover, Arundhati Roy, Susan Sarandon e Ken Loach, que alertam para consequências de impeachment para América Latina
Artistas e intelectuais estrangeiros divulgaram, nesta quarta-feira (24/08), um manifesto em que condenam o impeachment da presidente brasileira, Dilma Rousseff, e defendem a democracia no país.
Entre os 22 signatários do manifesto estão os escritores e ativistas Noam Chomsky (EUA), Naomi Klein (Canadá), Eve Ensler (EUA), Arundhati Roy (Índia); os atores Danny Glover (EUA), Viggo Mortensen (EUA), Susan Sarandon (EUA), Stephen Fry (Reino Unido); os cineastas Ken Loach (Reino Unido) e Oliver Stone (EUA); e os músicos Tom Morello (EUA) e Brian Eno (Reino Unido), entre outros.

Roberto Stuckert / Agência PT

A presidente Dilma Rousseff e o ator norte-americano Danny Glover, um dos signatários do manifesto divulgado nesta quarta-feira
Eles dizem estar “preocupados com o impeachment de motivação política” de Dilma, que instaurou um governo “não eleito”.
“A base jurídica para o impeachment em curso é amplamente questionável e existem evidências convincentes mostrando que os principais promotores da campanha do impeachment estão tentando remover a presidenta com o objetivo de parar investigações de corrupção nas quais eles próprios estão implicados”, diz o manifesto.
O documento também aborda a questão da falta de representatividade do gabinete do vice-presidente exercendo a Presidência interinamente, Michel Temer. “Lamentamos que o governo interino no Brasil tenha substituído um Ministério diversificado, dirigido pela primeira presidente mulher [do Brasil], por um Ministério composto por homens brancos, em um país onde a maioria se identifica como negros ou pardos”.

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“Visto que o Brasil é o quinto país mais populoso do mundo, estes acontecimentos são de grande importância para todos os que se preocupam com igualdade e direitos civis”, afirma o texto.
O manifesto pede que os senadores brasileiros, que votarão no processo de impeachment a partir desta quinta-feira (25/08), "respeitem o processo eleitoral de 2014, quando mais de 100 milhões de pessoas votaram". "O Brasil emergiu de uma ditadura há apenas 30 anos, e esses eventos podem atrasar o progresso do país em termos de inclusão social e econômica por décadas", diz o texto.
Os signatários finalizam a declaração alertando para as consequências que o impedimento de Dilma pode ter para a América Latina. “O Brasil é uma grande potência regional e tem a maior economia da América Latina. Se este ataque contra suas instituições democráticas for bem sucedido, as ondas de choque negativas irão reverberar em toda a região”, afirmam.
Na quinta-feira (25/08), o Senado brasileiro retomará as discussões e julgará o impeachment da presidenta. Caso o Senado aprove o impedimento, Dilma será destituída oficialmente do cargo e ficará inelegível por oito anos.
Leia o manifesto na íntegra:
Nos solidarizamos com nossos colegas artistas e com todos aqueles que lutam pela democracia e justiça em todo o Brasil.
Estamos preocupados com o impeachment de motivação política da presidenta, o qual instalou um governo provisório não eleito. A base jurídica para o impeachment em curso é amplamente questionável e existem evidências convincentes mostrando que os principais promotores da campanha do impeachment estão tentando remover a presidenta com o objetivo de parar investigações de corrupção nas quais eles próprios estão implicados.
Lamentamos que o governo interino no Brasil tenha substituído um ministério diversificado, dirigido pela primeira presidente mulher, por um ministério compostos por homens brancos, em um país onde a maioria se identifica como negros ou pardos. Tal governo também eliminou o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Visto que o Brasil é o quinto país mais populoso do mundo, estes acontecimentos são de grande importância para todos os que se preocupam com igualdade e direitos civis.
Esperamos que os senadores brasileiros respeitem o processo eleitoral de 2014, quando mais de 100 milhões de pessoas votaram. O Brasil emergiu de uma ditadura há apenas 30 anos, e esses eventos podem atrasar o progresso do país em termos de inclusão social e econômica por décadas. O Brasil é uma grande potência regional e tem a maior economia da América Latina. Se este ataque contra suas instituições democráticas for bem sucedido, as ondas de choque negativas irão reverberar em toda a região.
Tariq Ali - escrtor, jornalista e cineasta
Harry Belafonte - ativista, cantor e ator
Noam Chomsky - linguista
Alan Cumming - ator
Frances de la Tour - atriz
Deborah Eisenberg - escritora, atriz e professora
Brian Eno - compositor, cantor e produtor
Eve Ensler - dramaturga
Stephen Fry - ator e diretor
Danny Glover - ator e diretor
Daniel Hunt - produtor musical e cineasta
Naomi Klein - jornalista e escritora
Ken Loach - cineasta
Tom Morello - músico
Viggo Mortensen - ator
Michael Ondaatje - novelista e poeta
Arundhati Roy - escritor e ativista
Susan Sarandon - atriz
John Sayles - roteirista e director
Wallace Shawn - ator, dramaturgo e comediante
Oliver Stone - cineasta
Vivienne Westwood - estilista

Democracia ou demoniocracia?

24/08/2016 11:31 - Copyleft

Democracia ou demoniocracia?

A vampiragem interina, ou desinterina, está completa: um sem número de delatados, indiciados e pendurados em falcatruas citadas aqui e ali.


José Carlos Peliano
Antonio Cruz / Agência Brasil
Com certeza e certamente nossos mestres clássicos vêm se revirando em seus túmulos há tempos. Nós, os alunos, não temos captado suas mensagens, multo menos aprendido na prática diária como conviver honestamente entre nós em sociedade, praticando ou não a política como profissão. Afinal, nós todos somos animais políticos.
 
Sob o esplêndido solo grego, beneficiado pelas artes e dons da natureza, Platão, o artífice da filosofia, e Aristóteles, seu discípulo, não descansam mais em paz diante dos séculos de conflitos, invasões, guerras e corrosão política e social de toda ordem que rondaram e ainda rondam o desfile histórico de nossa civilização.
 
Platão via a democracia como o estado ideal onde predominasse o exercício e a vivência da liberdade, sem a mão pesada do poder real ou religioso, da tirania ou do comando de grupos oligarcas. O estado serviria à comunidade em seus mais diversos objetivos, expressões e interesses sempre em busca do bem estar de todos.
 
Já Aristóteles deixou seu legado para a antiguidade clássica e a Idade Média na perspectiva de priorizar objetivos e meios de alcançar o bem comum. Substituiu o estado ideal de Platão pelo exercício do equilíbrio e da moderação na prática política e no exercício do poder.  





 
Defendeu a participação de ricos e pobres no governo de maneira paritária, indicando que a maioria deveria estar com os mais pobres porque eram eles a massa mais numerosa da comunidade. Assim, todos os cidadãos seriam admitidos nos cargos públicos sob o princípio geral de que soberana é a massa e não a lei.
 
Aprimora Platão o francês Rousseau no século 17 ao defender a democracia como a forma mais legítima de governo. Ressalta a soberania popular expressa no poder de legislar de todos, no exercício do consenso e no enfrentamento da desigualdade social. E, por extensão, política.
 
Sob essa ótica, o governante, seus administradores e demais agentes e representantes de toda a ordem social e política são comandados pelos direitos e interesses soberanos do povo.
 
Encurtando as citações dos filósofos aparece o grande presidente americano Abraham Lincoln que define democracia de forma lapidar, na verdade juntando as contribuições anteriores numa frase definitiva: governo do povo, pelo povo e para o povo.
 
A soberania do povo, consubstanciada no governo do povo, pelo povo e para o povo, é a cara da democracia. Tudo o mais é imitação barata, máscara, farsa, pantomima, tirania, ditadura. 
 
Todo o governo que se utiliza de subterfúgios regimentais, atropelamentos legais, indiciamentos falsos, desvios de funções, acobertamentos de injustiças e corrupção, não é parte e nunca assim o será de uma república, soberana, justa e participativa.
 
Na verdade, toda a democracia que se preze não pode ser unicamente ao fim e ao cabo representativa. Deve ser ao mesmo tempo direta também, onde for possível exercê-la. Daí a solução substantiva da democracia participativa. Nela o povo soberano pode intervir na manutenção, condução, monitoramento e aprimoramento da república.
 
O perigo e o castigo de não ser participativa são o de conviver com a corja de corruptos, usurpadores, golpistas e vampiros. Demônios que trazem a vida democrática ao inferno da injustiça, do arbítrio, da mentira, da desigualdade e do fundamentalismo.
 
Da democracia à demoniocracia, portanto, é um pulo. Basta apostar todas as fichas na democracia representativa que conta apenas com um Parlamento de maioria de juízes, um Judiciário com predomínio de políticos, uma procuradoria geral mas seletiva e parcial e uma Presidência sujeita a golpes, contragolpes, chuvas e trovoadas.
 
E ainda viver sob um período longo de uma farsa grotesca: um processo de impedimento anticonstitucional, um Supremo faz-de-contas, um Congresso de pelo menos 300 picaretas, como já lembrado por Lula, uma mídia que é verdadeira comídia, porém nefasta e imbecilizante, uma procuradoria que muito procura e pouco acha.
 
E uma maioria dos eleitores que foram chamados a votar e elegeram uma representante ser substituída fraudulentamente pelos 300, não os de Esparta, mas de Espertos.  Sobra a democracia direta: botar a boca no trombone das ruas, praças, esplanadas, corredores, auditórios, salas, refeitórios e elevadores.
 
Não é, portanto, governo do povo, mas de bandidos; nem pelo povo, mas para eles mesmos, amigos, apaniguados e corruptos; tampouco para o povo, mas para as empresas, especialmente as multinacionais, que começam a comprar o Brasil da forma mais deslavada e entreguista possível.
 
Vivemos uma demoniocracia. Na presidência, atua um mordomo com cara de filme de terror, um vampiro portanto, como já dizia outro que não era santo, Antônio Carlos Magalhães; secundado por outro de semelhante papel nas relações exteriores, cantado em vários cantos por humoristas, chargistas e comediantes.
 
Aliás, José Simão já alcunhou também o mordomo de Frankstemer, o que o torna ao mesmo tempo um vampiro e um remendado, ao final uma caricatura grotesca dele mesmo. Enquanto o secundado mais parece uma moto serra com a infeliz função de retalhar o país para vende-lo a granel. 
 
Completa a vampiragem interina, ou desinterina, oficial mas não legítima,  um sem número de delatados, indiciados e pendurados em falcatruas citadas aqui e ali. Se Deus é brasileiro, como sempre se disse, acho que ele se cansou e foi proteger outras repúblicas mais próximas à democracia do que a nossa.
 
Seria cômico não fosse sério. Não fosse constrangedor, não fosse desastroso, não fosse insuportável. Afinal saímos de um longo e duro período de ditadura, lutando pela volta de nossa incipiente democracia, para cairmos novamente numa roubada, arquitetada por ilustríssimos desrepresentantes do povo que desastradamente elegemos para o Parlamento.
 
Além de continuarmos na luta pela democracia participativa, nem que seja aos berros pelos logradouros públicos, quem sabe mais alguém nos ouça e se junte a nós!, devemos nos preocupar pela educação e formação de nossas crianças. A construção de uma verdadeira república começa com elas, pois as versões falsas nós infelizmente já conhecemos.
 
Ou pela invenção de uma nova civilização como bem sentenciou nosso amigo latino-americano Pepe Mujica, um verdadeiro democrata e republicano. Pelo menos o sonho é livre e faz bem à luta e à esperança.
 
*colaborador da Carta Maior
 


Créditos da foto: Antonio Cruz / Agência Brasil




Quem investiga e julga os que investigam e julgam?

23/08/2016 16:30 - Copyleft

Quem investiga e julga os que investigam e julgam?

As arbitrariedades e os abusos da Lava Jato não somente violentam o sistema jurídico nacional, como colocam em risco a democracia e o Estado de Direito.


Jeferson Miola
Lula Marques
Na análise O xadrez de Toffoli e o fruto da árvore envenenada, Luis Nassif explora a hipótese de que o vazamento da delação do presidente da OAS pela revista Veja seja parte, na realidade, de uma armação maquiavélica para anular provas que incriminam os tucanos José Serra e Aécio Neves.
 
Com a jogada, a Lava Jato continua focada no objetivo fundamental, que não é apurar de verdade a corrupção na Petrobrás, mas somente incriminar políticos petistas para ferir de morte o PT.
 
A explicação fajuta do Rodrigo Janot, Procurador-Chefe do MP, de que o rompimento do acordo de delação premiada com o empreiteiro deveu-se a tal vazamento [sic], faz exalar mais cheiro podre da controvertida Operação Lava Jato.
 
Chama atenção que pela primeira vez Janot reagiu a vazamentos feitos pelos próprios colegas da força-tarefa. A escolha de episódio aparentemente irrelevante para o vazamento – envolvendo sem provas o juiz do STF Dias Toffoli – é o álibi mais inteligente que Janot poderia usar para sua inédita decisão. Em relação às centenas de outros vazamentos seletivos em dois anos da Operação, Janot foi leniente, quando não autor.





 
A negociação para os acordos de delação premiada com a OAS e com a Odebrecht foi uma novela longa, com capítulos intrigantes; para não dizer escandalosos. Os justiceiros da Lava Jato patrocinaram um leilão entre a OAS e a Odebrecht, prometendo premiar com o acordo de delação a empresa que se dispusesse a incriminar Lula. Por outro lado, outras delações que atenderam de pronto aos requisitos da força-tarefa, foram homologadas a jato.
 
Um episódio é marcante. Em maio, procuradores ameaçaram encerrar a negociação do acordo com a OAS porque Léo Pinheiro inocentou o ex-presidente Lula nos depoimentos!
 
Dilma, Lula e o PT são a obsessão doentia dos justiceiros. O resto, ou seja, os políticos e agentes que receberam milhões de propina desde a época de FHC, não estão no escopo da Lava Jato. O discurso da corrupção, segundo o pensador italiano Norberto Bobbio, é apenas uma arma do fascista para usurpar o Poder: “Ele acusa, insulta, agride como se fosse puro e honesto. Mas o fascista é apenas um criminoso, um sociopata que persegue carreira política.Mais que corrupção, o fascista pratica a maldade”.
 
Os policiais, juízes e procuradores que praticam arbítrios em nome do combate à corrupção, são incensados por uma imprensa canalha.
 
A Lava Jato está em suspeição, porque é conduzida com critérios obscurantistas e discricionários, que atentam contra a Constituição e a Lei, com o objetivo de atacar e condenar injustamente segmentos específicos.
 
É urgente abrir a caixa preta da Lava Jato e submeter a Operação a uma rigorosa auditoria, sob a vigilância de instituições nacionais confiáveis e de organismos jurídicos internacionais.
 
É passada a hora de se dar acesso público a todos os inquéritos policiais, processos judiciais e a todas as delações e depoimentos dos bandidos que operavam para o PMDB e PSDB a corrupção na Petrobrás, em Furnas e em outras estatais.
 
As arbitrariedades e os abusos da Lava Jato não somente violentam o sistema jurídico nacional, como colocam em risco a democracia e o Estado de Direito no Brasil.
 
O absurdo déficit de transparência da Lava Jato já se configura como uma ameaça totalitária real.
 
O sistema jurídico brasileiro está sendo subvertido por autoridades que exorbitam do poder e instalam o arbítrio em lugar da Lei. É urgente interromper esta realidade esdrúxula, em que juízes acumulam os papeis de investigadores, acusadores e julgadores, e procuradores perseguem fascistamente adversários políticos!
 
Os justiceiros não estão acima e à margem da Lei e da Constituição. Recai, sobre eles, uma enorme desconfiança. É imperativo, por isso, investigar e julgar os que investigam e julgam.


Créditos da foto: Lula Marques

Uma governanta inocente condenada por um bando de corruptos

25/08/2016 10:13 - Copyleft

Uma governanta inocente condenada por um bando de corruptos

A cegueira e os interesses corporativos prevalecem sobre os interesses de todo um povo. Artigo de Leonardo Boff.


Leonardo Boff*
Paulo Pinto
Era uma vez uma nação grande por sua extensão e por seu povo alegre embora injustiçado. Em sua maioria sofria na miséria, nas grandes periferias das cidades e no interior profundo. Por séculos era governado por uma pequena elite do dinheiro que nunca se interessou pelo destino do povo pobre. No dizer de um historiador mulato, ele foi socialmente “capado e recapado, sangrado e ressangrado”.
 
Mas lentamente esses pobres foram se organizando em movimentos de todo tipo, acumulando poder social e alimentando um sonho de outro Brasil. Conseguiram transformar o poder social num poder político. Ajudaram a fundar o Partido dos Trabalhadores. Um de seus membros, sobrevivente da grande tribulação e torneiro mecânico, chegou a ser presidente. Apesar das pressões e concessões que sofreu dos endinheirados nacionais e transnacionais, conseguiu abrir uma significativa brecha no sistema de dominação permitindo-lhe fazer políticas socias humanizadoras. Uma Argentina inteira saíu da miséria e da fome. Milhares conseguiram sua casinha, com luz e energia. Negros e pobres tiveram  acesso, antes impossível, ao ensino técnico e superior. Mais que tudo, porém, sentiram resgatada sua dignidade sempre negada. Viram-se parte da sociedade. Até podiam, em prestações, comprar um carrinho e tomar até o avião para visitar parentes distantes. Isso irritou a classe media, pois via seus espaços ocupados. Daí nasceu a discriminação e o ódio contra eles.
 
Ocorreu que nos13 anos de governo Lula-Dilma o Brasil ganhou respeitabilidade mundial. Mas a crise da economia e das financias, por ser sistêmica, nos atingiu, provocando dificuldades econômicas e desemprego que obrigou o governo a tomar medidas severas. A corrupção endêmica no país densificou-se na Petrobrás, envolvendo altos estratos do PT mas também dos principais partidos. Um juiz parcial, com traços de justiceiro, focou, praticamente, apenas o PT. Especialmente a mídia empressarial conservadora conseguiu criar o esteriótipo do PT como sinônimo de  corrupção. O que não é verdade, pois confunde a pequena parcela com o todo correto. Mas a corrupção condenável serviu de pretexto às elites endinheiras e seus aliados históricos, para tramar  um golpe parlamentar, pois mediante as eleições jamais trinfariam. Temendo que esse curso voltado aos mais pobres se consolidasse, decidiram liquidá-lo. O método usado antes, com Vargas e Jango, foi agora retomado com o mesmo pretexto “de combater a corrupção”, na verdade, para ocultar a própria corrupção. Os golpistas usaram o Parlamento no qual 60% estão sob acusações criminais e desrespeitaram os 54 milhões de votos que elegeram Dilma Rousseff.
 
Importa deixar claro que atrás desse golpe parlamentar se aninham os interesses mesquinhos e anti-sociais dos donos do poder, mancomunados com a imprensa que distorce os fatos e sempre se fez sócia de todos os golpes, juntamente com os partidos conservadores, com parte do Ministério Público e  da Polícia Militar (que substitui os tanques) e  uma parcela da Corte Suprema que, indignamente, não guarda imparcialidade. O golpe não é só contra a governanta, mas contra a democracia com viés participativo e social. Intenta-se voltar ao neoliberalismo mais descarado, atribuindo quase tudo ao mercado que é sempre competitivo e nada cooperativo (por isso conflitivo e anti-social). Para isso decidiu-se demolir as políticas sociais, privatizar a saúde e  educação e o petróleo e atacar as conquistas sociais dos trabalhadores.





 
Contra a Presidenta não se identificou nenhum crime. De erros administrativos toleráveis, também feitos pelos governos anteriores, derivou-se a irresponsabilidade  governamental contra a qual aplicou-se um impeachment. Por um pequeno acidente de bicicleta, se condena a Presidenta à morte, castigo totalmente desproporcional. Dos 81 senadores que vão julgá-la mais de 40 são réus ou investigados por outros crimes. Obrigam-na a sentar-se no banco dos réus, onde seus algozes deveriam estar. Entre eles se encontram 5 ex-ministros.
 
A corrupção não é só monetária. A pior é a corrupção das mentes e dos corações, cheios de ódio. Os senadores pro impeachment têm a mente corrompida, pois sabem que estão justificiando uma inocente. Mas a cegueira e os interesses corporativos prevalecem sobre os interesses de todo um povo.       
 
Aqui vale a dura sentença do Apóstolo Paulo:”eles aprisionam a verdade na injustiça. É o que atrái a ira de Deus”(Romanos 1,18). Os golpistas levarão na testa, pela vida afora, o sinal de Caim que assaninou seu irmão Abel. Eles assassinaram a democracia. Sua memória será maldita pelo crime que cometeram. E a ira divina pesará sobre eles.
 
Leonardo Boff é ex-professor de Ética da UERJ e escritor.


Créditos da foto: Paulo Pinto