domingo, 15 de outubro de 2017

"A política não é dolorosa para quem gosta dela"

Cultura

Entrevista

"A política não é dolorosa para quem gosta dela"

por Jotabê Medeiros — publicado 08/10/2017 00h16, última modificação 06/10/2017 10h12
Ex-guerrilheiro, o escritor angolano Pepetela firma-se como uma das grandes vozes da língua portuguesa
Ana Brígida
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Para Pepetela, é preciso sentir o apelo do poder para estar na política
O escritor e sociólogo angolano Pepetela, de 75 anos, ocupa-se primordialmente de romances nos quais examina o passado e as encruzilhadas de seu país por meio de protagonistas ou a partir de situações literárias quase fabulísticas. Pepetela, ou Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, foi guerrilheiro do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) entre 1963 e 1975.
Ao final da guerra, chegou a reunir a família para ver se não tinha eliminado algum primo ou parente, que lutavam do outro lado. Convocado pelos vencedores, foi ministro da Educação e criou o Centro de Estudos Angolanos. Mas abandonou a política, porque queria mesmo era voltar à literatura, que iniciou ainda guerrilheiro, num dia em que lhe pediram para escrever um comunicado da guerrilha à máquina de escrever. Ele escreveu o comunicado, jogou por cima da cabeça e iniciou uma descrição da vida no combate, que resultou no premiado Mayombe (1980), híbrido de romance e reportagem.
Em 1997, recebeu o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa. Este mês foi indicado ao Prêmio Oceanos, realizado pelo Itaú Cultural (único angolano entre 51 autores, 31 brasileiros e 19 portugueses).
O livro que lhe valeu a indicação é Se o Passado Não Tivesse Asas, de 2016, no qual as duas personagens principais são mulheres, Himba e Sofia. Ao falar com exclusividade a CartaCapital, Pepetela evita comentar a situação no Brasil (“Como amigo de seu país, por medo de errar por desconhecimento da situação real, nunca me pronuncio em público sobre as minhas impressões”).
CartaCapital: Muitos escritores latino-americanos, como Gabriel García Márquez e Vargas Llosa, saíram da literatura para a política. O senhor saiu da guerrilha para a literatura e largou a política pela literatura. A política é mais dolorosa do que as musas e a sistemática da literatura?
Pepetela: Sempre quis fazer literatura. O curso que estudei, sociologia, as experiências de vida que tive, a minha atividade política, militar, tudo isso no fundo era vontade de escrever sobre o meu país. É óbvio que havia uma razão de fundo, de querer participar na libertação, no desenvolvimento da nação, na criação de uma sociedade mais justa.
A partir de certo momento, quis dedicar-me apenas, ou quase, à escrita. Já tinha cumprido uma parte da minha missão militante, ou achava ter cumprido. Foi sem problemas que me dediquei a sério ao que gostava de fazer, inventar histórias, ajudando a contar a história desconhecida de Angola. A política não é dolorosa para quem gosta dela, compreendo até que é viciante. Mas é preciso sentir o apelo do poder. Prefiro a graça das musas.
CC: As personagens do seu romance, Himba e Sofia, são mulheres. Uma cresceu entre a dureza da guerra e a solidão das ruas. A outra é cheia do espírito empreendedor da mulher independente moderna. O senhor escolheu deliberadamente falar do feminino nesse romance?
Pepetela: Não é a primeira vez que o faço. Tenho um romance, Lueji, que conta como o Império Lunda, na parte nordeste de Angola e sul do Congo, foi fundado por uma mulher, a heroína que dá o título ao livro.
É baseado em mitos do oriente de Angola, existentes muito antes de portugueses ou belgas porem os pés nessas paragens. Um dos principais heróis da resistência à ocupação colonial é Nzinga Mbandi, rainha do Ndongo e Matamba.
Os grandes produtores de bens, particularmente comida, são mulheres. Por que não tentar colocar em romance a voz das mulheres? Felizmente, começam a afirmar-se algumas escritoras, sobretudo mais novas. Mas ainda há poucas, por isso acho bom dar voz a personagens fortes, femininas.
CC: Há muita reverência, aqui no Brasil, aos escritores africanos contemporâneos. O senhor acha que a literatura brasileira contemporânea encontra também algum eco nos países africanos?
Pepetela: No meu país, as coisas sempre foram muito desequilibradas, tendo nós muito mais conhecimento e reverência pelos brasileiros do que o contrário. Há uma elite conhecedora dos clássicos como Castro Alves ou Machado (de Assis), chegando até Luis Fernando Verissimo e João Ubaldo.
Será que existe alguma elite brasileira conhecedora de Cordeiro da Matta ou Assis Júnior, escritores angolanos do século XIX e princípio do XX? Agora, alguns poucos autores africanos começam a ser conhecidos no Brasil, por um público bastante restrito. 
Considero natural, porque a África só há pouco tempo começou a romper a teia de preconceitos que a escondiam do resto do mundo, sendo terra boa apenas para ir buscar escravos. Temos ainda muito trabalho para repor os equilíbrios desejáveis. Com isso, os brasileiros com alguma ascendência africana se beneficiarão, creio.
CC: O senhor acredita que a crença numa solução democrática é ilusória, nos tempos em que vivemos?
Pepetela: Cada país tem uma história própria e as soluções podem não ser semelhantes para situações aparentemente próximas. É difícil comparar situações decorridas com 40 anos de diferença, sobretudo com a transformação do equilíbrio de poderes a partir do fim da Guerra Fria.
Ao falar em soluções democráticas, nem sequer se tem a certeza de falar da mesma coisa. O que é democracia para uns não o é para outros. São os povos respectivos que têm de encontrar as estruturas e os métodos adequados para atingir o seu objetivo.
CC: Tivemos, aqui no Brasil, progressos no combate às desigualdades sociais, avanços científicos, educacionais. Isso regrediu totalmente. Muitos acham que é uma síndrome latino-americana essa coisa de os ciclos autoritários retornarem de tempos em tempos. Que explicação o senhor daria para isso?
Pepetela: Quem sou eu para ter uma explicação? Posso simplesmente dizer que, do pouco que conheço da história da humanidade, é que ela nunca avança em linha reta. Há progressos e retrocessos. Tem havido tentativas de criar tipos novos de sociedades, muitas vezes temporários, regredindo depois.
Mas nunca se regride até o ponto de partida. E um dia se avança de novo rapidamente. Quando estou pessimista, digo que a humanidade avança até construir uma arma com que se autodestrói, para depois recomeçar a partir do quase nada. Normalmente sou otimista. As derrotas são pequenas, a guerra, sim, é grande, e essa venceremos. Um dia.
CC: No Brasil, debatemos muito o esforço de globalização das empreiteiras e da Petrobras. Acusa-se Angola de beneficiar o governo de Lula, e até mesmo familiares de Lula. Gostaria de saber como analisa a atuação do ex-presidente nos países africanos.
Pepetela: Para nós, há um antes de Lula e um depois de Lula. Foi no seu governo que se sentiu maior empenho do Brasil oficial em criar laços com países africanos. Angola foi uma das primeiras apostas mais fortes. Já antes havia negócios e as grandes empresas de construção vieram do Brasil bem antes.
Mas, com a chegada do PT ao poder, surgiu outro interesse, coincidindo também com o fim da guerra em Angola e com a alta do preço do petróleo. Sentiu-se um interesse maior no Brasil pelo conhecimento do continente africano, de onde era originária uma parte significativa de sua população e que era totalmente desconhecido.

13 pontos para embasar qualquer análise de conjuntura

CRISE, REFORMAS, FORA TEMER, ELEIÇÕES INDIRETAS

13 pontos para embasar qualquer análise de conjuntura

O complexo financeiro-empresarial não tem opção partidária, não veste nenhuma camisa na política, nem defende pessoas. Sua intenção é tornar as leis e a administração do país totalmente favoráveis para suas metas de maximização dos lucros.
Por: Maurício Abdalla
24 de maio de 2017
Crédito da Imagem: Mídia Ninja/cc
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1 – O foco do poder não está na política, mas na economia. Quem comanda a sociedade é o complexo financeiro-empresarial com dimensões globais e conformações específicas locais.
2 – Os donos do poder não são os políticos. Estes são apenas instrumentos dos verdadeiros donos do poder.
3 – O verdadeiro exercício do poder é invisível. O que vemos, na verdade, é a construção planejada de uma narrativa fantasiosa com aparência de realidade para criar a sensação de participação consciente e cidadã dos que se informam pelos meios de comunicação tradicionais.
4 – Os grandes meios de comunicação não se constituem mais em órgãos de “imprensa”, ou seja, instituições autônomas, cujo objeto é a notícia, e que podem ser independentes ou, eventualmente, compradas ou cooptadas por interesses. Eles são, atualmente, grandes conglomerados econômicos que também compõem o complexo financeiro-empresarial que comanda o poder invisível. Portanto, participam do exercício invisível do poder utilizando seus recursos de formação de consciência e opinião.
5 – Os donos do poder não apoiam partidos ou políticos específicos. Sua tática é apoiar quem lhes convém e destruir quem lhes estorva. Isso muda de acordo com a conjuntura. O exercício real do poder não tem partido e sua única ideologia é a supremacia do mercado e do lucro.
6 – O complexo financeiro-empresarial global pode apostar ora em Lula, ora em um político do PSDB, ora em Temer, ora em um aventureiro qualquer da política. E pode destruir qualquer um desses de acordo com sua conveniência.
7 – Por isso, o exercício do poder no campo subjetivo, responsabilidade da mídia corporativa, em um momento demoniza Lula, em outro Dilma, e logo depois Cunha, Temer, Aécio, etc. Tudo faz parte de um grande jogo estratégico com cuidadosas análises das condições objetivas e subjetivas da conjuntura.
8 – O complexo financeiro-empresarial não tem opção partidária, não veste nenhuma camisa na política, nem defende pessoas. Sua intenção é tornar as leis e a administração do país totalmente favoráveis para suas metas de maximização dos lucros.
9 – Assim, os donos do poder não querem um governo ou outro à toa: eles querem, na conjuntura atual, a reforma na previdência, o fim das leis trabalhistas, a manutenção do congelamento do orçamento primário, os cortes de gastos sociais para o serviço da dívida, as privatizações e o alívio dos tributos para os mais ricos.
10 – Se a conjuntura indicar que Temer não é o melhor para isso, não hesitarão em rifá-lo. A única coisa que não querem é que o povo brasileiro decida sobre o destino de seu país.
11 – Portanto, cada notícia é um lance no jogo. Cada escândalo é um movimento tático. Analisar a conjuntura não é ler notícia. É especular sobre a estratégia que justifica cada movimento tático do complexo financeiro-empresarial (do qual a mídia faz parte), para poder reagir também de maneira estratégica.
12 – A queda de Temer pode ser uma coisa boa. Mas é um movimento tático em uma estratégia mais ampla de quem comanda o poder. O que realmente importa é o que virá depois.
13 – Lembremo-nos: eles são mais espertos. Por isso estão no poder.



Maurício Abdalla é professor de filosofia na Universidade Federal do Espírito Santo

CAMPANHA DE DESQUALIFICAÇÃO DA PETROBRAS TINHA EM VISTA A SUA PRIVATIZAÇÃO

CAMPANHA DE DESQUALIFICAÇÃO DA PETROBRAS TINHA EM VISTA A SUA PRIVATIZAÇÃO


Qual país se desenvolveu exportando petróleo por multinacionais estrangeiras? Qual país, continental e populoso como o Brasil, se desenvolveu exportando petróleo em troca de dólares?

O petróleo brasileiro do pré-sal é um mico, do qual precisamos nos livrar o mais rápido possível? Ou o pré-sal é um passaporte inédito para o futuro?

O petróleo é uma riqueza natural do Brasil.

Desde a chegada dos europeus, nossas riquezas foram exploradas, o mais rapidamente possível, em benefício de interesses estrangeiros. Foram extraídos da forma mais eficiente para um projeto colonial, aos menores custos para as elites de Portugal, Inglaterra e Estados Unidos.

Todos os ciclos beneficiaram uma pequena casta entre os brasileiros, aqueles responsáveis pela gestão do projeto colonial. Dos senhores de engenho e feitores aos executivos das multinacionais, donos dos meios de comunicação e banqueiros. Esses caboclos transitam através de portas giratórias e ocupam cargos públicos na gestão colonial e neocolonial, dos “homens bons” da Colônia aos executivos das agências reguladoras da Nova República.

A cobiça estrangeira em relação ao petróleo brasileiro é acentuada porque não há substituto para o petróleo barato de se produzir, mas ele acabou e a humanidade vive as consequências econômicas e sociais deste fato.

As informações da indústria mundial, o investimento em Exploração e Produção (E&P) e a produção agregada desde 1985 evidenciam o aumento do custo médio de se encontrar e produzir cada barril adicional de petróleo, com severas consequências para a indústria e a sociedade.

Quem pensa que a Petrobras está quebrada, que a produção do pré-sal é lenta, que o pré-sal é um mico e não tem valor ou que a exportação de petróleo por multinacionais pode desenvolver o Brasil, está sendo enganado. É vítima da ignorância promovida pelos empresários da comunicação, políticos e executivos à serviço das multinacionais do petróleo e dos bancos.

O petróleo do pré-sal pode ser como o pau-brasil, a madeira, o ouro e a prata, explorado, esgotado, com prejuízos sociais, ambientais e lucros privados de mais um projeto colonial de sucesso.

Ou não, pode ser uma oportunidade para o aumento da produtividade do trabalho no Brasil, em benefício da maioria. Podemos planejar o uso do petróleo, em atividades industriais produtivas, agregar valor ao petróleo cru, nos apropriar e distribuir a renda petroleira.


O petróleo brasileiro do pré-sal não é mico, tampouco passaporte inédito ou um bilhete premiado. É mais uma oportunidade de desenvolvimento que pode ser aproveitada ou desperdiçada. Pode beneficiar a maioria ou, como sempre até aqui, favorecer a uma minoria à serviço do bem-sucedido projeto colonial.