domingo, 7 de janeiro de 2018

Outro 24

Outro 24

Minha geração, a nascida nos anos 50, cresceu tendo a ditadura como realidade e Getúlio Vargas como um fantasma, misterioso, cujo nome era vilipendiado com prazer pela classe média mas sussurrado em silêncio nos retratos das casas do subúrbio, nos IAPs, avós do Minha Casa, Minha Vida.
Ouvíamos tudo de mal sobre este homem, à direita e à esquerda. “Mar de Lama” foi a expressão que entrou para a história. Que a Constituição que promulgara era  “a polaca”, uma referencia à de Josef Piłsudski , o pré-nazista polonês, que no seu governo  roubava por toda parte, que havia um ambiente de devassidão no poder. Que o “populismo varguista” era o atraso e que o Brasil do golpe, com seus Roberto Campos e Simonsen  nos libertaram da inflação.
Havia, porém, algo contra o qual nada podiam dizer ou fazer : o 24 de agosto de 1954.
É correto dizer que Getúlio Vargas não se matou, mas que lhe ofereceram a escolha: a vida ou a honra.
Temos agora outro 24. Não de agosto, mas o de um janeiro apressado pela ânsia da UDN togada, não fardada, quando Lula será levado à inquisição do TRF-4.
Também não um suicídio, mas uma execução.
Diferente também na questão da honra, que está tão evidentemente fora de discussão que nem a direita ousa repetir o que sentenciou Moro, ao dizer que é de Lula algo que nunca o foi.
De qualquer forma, há um assassinato agendado para 24.
E, como no outro, um condenado que, por inocente, não se conforma com a execução.
Talvez o país não trema, como diz o “coveiro da Era Vargas”, Fernando Henrique Cardoso. Mas o Brasil profundo sentirá a dor de uma facada igualmente funda. Nesse Brasil, ao contrário do Brasil da classe média, Lula não morreu, está sendo morto.
Os analistas da direita e os da esquerda de punhos de renda se ocupam de discutir o pós-Lula, depois de 24 de janeiro.
Engano. A execução de Lula, se houver, será a chave do processo eleitoral.  Fará dele não mais um personagem real, humano, com defeitos e qualidades, mas um espectro contra o qual, como o do outro 24, tudo se pode dizer, mas algo não se pode explicar: se é tudo verdade, porque o mataram?
E desta vez, ao contrário daquela, o morto estará vivo. Muito vivo e forte.