terça-feira, 6 de setembro de 2016

Apertem os cintos. O bom senso sumiu.

06/09/2016 10:33 - Copyleft

Apertem os cintos. O bom senso sumiu.

Os fascistas não aceitam que tenham voto aqueles que não pensam como eles e que resistem, bravamente, à sua constante pressão e provocação.


Mauro Santayana Senadora Vanessa Grazziotin, agredida por fascistas em um avião. Foto: Edilson Rodrigues
Vanessa Grazziotin foi agredida, na última semana, em um vôo de carreira da LATAM, entre Brasília e Curitiba, pelo advogado paranaense Paulo Henrique Rocha Loures Demchuk, que tentou arrancar de sua mão o telefone celular com o qual a Senadora filmava as provocações que  lhe eram dirigidas por ele.

Se a Senadora não se feriu seriamente, isso não vem ao caso, para usar uma expressão muito em voga na capital paranaense.

O que importa é a intenção por trás  do fato, que, aliás, tem se repetido insistentamente, com outros personagens e vôos, desde 2013.

"Quero ver se essa senadora vai ter coragem de pegar outro avião de novo - rsrsrsrsrs", comentou, sobre o fato, apoiando o primeiro, um energúmeno, em uma rede social,   evidenciando que o verdadeiro propósito por trás desses episódios - que estão longe de ser espontâneos ou descoordenados - é pressionar, constranger,  chantagear, engessar, representantes eleitos de milhares de eleitores brasileiros, impedindo seu livre exercício de direitos básicos do texto constitucional, como o de opinião e de o de ir e vir.






Ora, esse tipo de atitude, covarde, irresponsável, temerária, pode, se não for firmemente combatida pelas autoridades, ter um efeito diametralmente oposto.

Não será de estranhar que  políticos e parlamentares como Vanessa Grazziotin, encontrem, entre seus apoiadores - a senadora teve 672.920 votos nas últimas eleições - 10, 20, ou 30 bem fornidos eleitores para cuidar de sua segurança em seus deslocamentos, e numerosos outros eleitores dispostos a financiar, por meio de doações, o salário ou a ajuda de custo desses guarda-costas  e o seu transporte, para preservar a dignidade e incolumidade pessoal de quem mereceu seus votos no último pleito.

O sujeito que provoca uma figura pública - não interessando a que orientação política ou partido pertença - precisa entender que quem está ali não é um cidadão comum, mas milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares de brasileiros, portadores de um documento chamado título eleitoral, que o escolheram, entre muitos outros, e que a ele transmitiram, pelas urnas, a inquestionável autoridade e o poder intransferível de seu voto.

Da mesma forma, devem agir todos os funcionários do Estado diante de um representante eleito.

Atrás de cada deputado, prefeito, senador, governador, presidente, existem milhares, dezenas de milhares, milhões de outros brasileiros que exigem que sua vontade seja respeitada, e  que se estivessem ali, no caso de Vanessa Grazziotin, teriam linchado o advogado do episódio em  segundos, em reação ao desrespeito e à agressão sofrida pela pessoa que elegeram para representá-los e defender seus interesses no Congresso Nacional.

É contra isso, o contrato social do voto - o único que pode garantir um mínimo de paz e liberdade em um país com 206 milhões de habitantes e as proporções do Brasil - estabelecido pelo reconhecimento do poder da maioria, que se levanta e se insurge, da forma mais tosca e imbecil, o incipiente e ridículo fascismo tupiniquim.

Em nota, depois do ocorrido, o agressor, invertendo os papéis, tentou se fazer de vítima (de filmagem não autorizada), e aproveitou para fazer profissão de fé do fascismo rasteiro e desinformado e do "achincalhe" como arma política, dizendo que "no momento em que o estado brasileiro e seus funcionários de alto escalão são responsáveis pelos maiores crimes da história do Brasil" (errado, o "estado", como a ele se refere Demchuk, dando ao termo ares ideológicos, não pode ser responsabilizado por crimes de bandidos antigos, como Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, este já liberado outra vez pelo Juiz Sérgio Moro) e os maiores crimes já cometidos no Brasil foram os de tortura e assassinato cometidos pela corja reunida à sombra da ditadura militar; "é fundamental que o cidadão os antagonize (hostilize), é fundamental que o cidadão se oponha à autoridade (do voto), (normalmente ilegítima e irracional) (qual seria, para o advogado,  a autoridade "legítima e racional" então? A do estado, que ele parece odiar e desprezar?

"Nesses momentos - prossegue o agressor - o ato de achincalhar não apenas intregra o movimento político (sic) (que "movimento" político? o fascista?) como é inerente a ele...

Para a população (que população, a fascista? ) que não detêm poder instituído (detêm sim, por meio do voto) o ato de achincalhar (irritar, insultar, agredir?) é uma bela (para o fascismo, toda violência desatada e estúpida é bonita) forma de demonstrar seu descontentamento contra os parasitas (que parasitas? os banqueiros, que levam 14% do dinheiro dos impostos, certos funcionários públicos que ganham muito acima que o teto constitucional, ou os grandes sonegadores, que desviam 500 bilhões de reais por ano ?)        

Ora, está explicado porque ele e outros imbecis do movimento a que, parece, pertence, odeiam a "política" e a autoridade advinda da soberania da vontade popular.

Porque - pelo menos até agora - eles não têm votos.

E não aceitam que tenham voto aqueles que não pensam exatamente como eles e que resistem, bravamente, à sua constante pressão e provocação, sem se acovardar.

Porque eles não têm mais força do que a da provocação rasteira, chula, de um bando de  idiotas se esforçando para aparecer, repetindo paradigmas hipócritas e informações falsas, tentando insultar quem está sentado, em frente, em outra poltroina do avião.

A pseudo força de três ou quatro sujeitos que acham - como ocorre no caso do próprio país - que representam a maioria dos passageiros, quando os eleitores que apoiam e votaram na mulher que estão tentando atacar covardemente encheriam tranquilamente 5.000 aviões do mesmo modelo daquele em que essa estúpida e miserável agressão aconteceu.

Resta saber o que vai ocorrer quando "políticos", artistas, intelectuais e lideranças de movimentos sociais que estão sendo atacados optarem por andar com 10 ou 20 seguranças como escolta.

Quando os que tiverem opinião contrária a eles passarem a fazer o mesmo.

E quando dois desses grupos se encontrarem em  plena viagem e qualquer um dos lados - normalmente o mais estúpido, arrogante e ignorante -  partir para a provocação e a violência.    

Haverá uma batalha campal em pleno ar, colocando em risco a segurança de toda a aeronave?

Começaremos a jogar aviões no solo porque estamos nos recusando a enfrentar, desde o primeiro indício, esse alegado direito à agressão e à imbecilidade?

Será que não haverá dentro desse avião algum parente, ou um ente querido, de um dos exemplares da malta odienta e ignara que apoiou a atitude fascista desse indivíduo na internet?    

É por isso que, independente de sua opinião política, caro leitor - seja você petista ou antipetista, de direita ou de centro, vira-latista ou nacionalista ou um funcionário da Infraero ou da Polícia Federal - que é preciso assegurar que esses agressores sejam exemplarmente punidos e processados - como não ocorreu depois do vôo para Curitiba - a cada vez que eles provoquem ou agridam alguém durante um vôo, antes que haja uma reação à altura, e em cadeia, e ocorra uma tragédia de grandes proporções.

Porque, agindo como estão agindo, eles não estão colocando em risco apenas a segurança de quem  eventualmente estejam insultando e agredindo, mas a sobrevivência de toda a aeronave, de todos os passageiros, de toda a tripulação.

Será que haverá um maluco fascista nesse avião? Será que ele vai surtar e agredir alguém ? Será que esse alguém - ou a sua segurança - vai reagir ? Será que mais alguém vai entrar na briga ? Será que alguém pode estar armado nesse vôo? Será que ele vai disparar um ou dois tiros ? Será que o avião vai cair?

Pense nessas possibilidades - que não estão no manual de instruções que se encontra na bolsa da poltrona à sua frente - antes de iniciar uma discussão política a bordo de uma aeronave comum de passageiros.

Ou da próxima vez que você estiver entrando, ou  embarcando seu filho, sua filha, sua mãe, em um avião de carreira, neste absurdo Brasil em que estamos vivendo hoje.

Nunca é demais lembrar - recorrendo ao bom senso no lugar do senso comum  sórdido, hipócrita e tosco que está se espalhando como um vírus pelo país - que um avião lotado em pleno vôo não é o melhor lugar para a prática desse tipo de babaquice.

Ou é ?



Créditos da foto: Senadora Vanessa Grazziotin, agredida por fascistas em um avião. Foto: Edilson Rodrigues

Contragolpes: para resistir e avançar

06/09/2016 10:40 - Copyleft

Contragolpes: para resistir e avançar

A forma agressiva como se tem avançado sobre os interesses da classe trabalhadora já é suficiente para que se consiga perceber o funcionamento do sistema.


Jorge Luiz Souto Maior Roberto Parizotti/ CUT





    1. O que não foi









O primeiro aspecto a ser ressaltado é que só a Janaína acha que a Presidenta Dilma caiu por causa de pedaladas fiscais, que as razões de sua peça jurídica, ditadas por Deus, foram as motivações dos votos dos congressistas e que a partir da condenação de uma pessoa, a quem nunca se acusou de ter praticado qualquer ato de enriquecimento ilícito, se terá livrado o Brasil da corrupção e da imoralidade. Aliás, bem ao contrário, a punição de uma pessoa sem acusação de desvio moral, realizada por tantas outras às quais não faltam tais acusações, acaba sendo um elogio à imoralidade.

E só algumas pessoas tendenciosas e outras desinformadas, pensando a realidade total apenas a partir de seus interesses particulares imediatos, consideram que o “impeachment” se deu por razões econômicas, mais propriamente por conta de uma “crise”. Neste aspecto econômico, ademais, sobressai a contradição de utilizar o “impeachment” como forma de recuperar a economia, pois, como gostam de falar os economistas, os investidores confiam em ambientes onde há segurança jurídica, e como se pode fazer propaganda neste sentido sobre um lugar em que se promoveu uma quebra institucional motivada por interesses obscuros? Além disso, muito mais grave para a economia nacional é a postura de sonegação de impostos assumida como prática por tantas empresas que “patrocinaram” o “impeachment”, sendo bem interessante verificar como os “erros” dessas empresas são tão facilmente perdoados pelo senso comum construído midiaticamente...

Há, por certo, aqueles que pensam que a Presidenta caiu porque era “dura demais” ou porque o Eduardo Cunha, todo poderoso, quis; ou, ainda, porque a classe média brasileira não queria mais ver pobres em aeroportos, sendo que, por isso, o “impeachment” teria sido uma reação aos avanços sociais protagonizados pelos governos petistas.




    1. O que pode ter sido: a efervescência social




Poder ser que o impeachment, como em tantas outras ocasiões na história recente do Brasil, iniciado para simplesmente tentar desestabilizar o governo e desse modo favorecer a obtenção de vantagens políticas e a satisfação de interesses particulares, tenha fugido do controle, como se deu, aliás, com a própria Lava Jato, e aí a “brincadeira” acabou indo longe demais, entrando em um caminho sem volta, o que seria demonstrado, inclusive, pelo fatiamento realizado ao final da votação do impeachment no Senado.

Talvez tenha sido o efeito da somatória de tudo isso, além de outros aspectos menos difundidos.

Mas a situação, posta em perspectiva histórica, nos conduz a outra hipótese, bem mais plausível.

De fato, o “impeachment”, construído como elemento de pressão, acabou crescendo diante do aumento da fragilidade do governo, o que se intensificou de 2013 em diante.

Concretamente, uma mobilização social progrediu sensivelmente no Brasil nos últimos anos, podendo-se lembrar, dentre inúmeros eventos, as greves estudantis de 2011 na Universidade de São Paulo e a ocupação do Pinheirinho em 2012. Essa tensão, provocada, sobretudo, pela ausência de ressonância nas vias democráticas institucionalizadas, vai explodir em 2013, principalmente por conta da percepção das violências que se vinham cometendo nas periferias das cidades, com as remoções, para a execução das obras de preparação para a Copa, evento que incomodava, igualmente, a classe média por causa das notícias dos favorecimentos desmedidos do setor público a segmentos empresariais específicos e da difusão do “jogo sujo” das tratativas político-partidárias para manter o projeto de poder.

O fato é que em junho de 2013 uma gama enorme de insatisfações vai parar nas ruas e quando, novamente, tenta se impor o Estado Policial ao Estado Social e à democracia, a mobilização cresce exponencialmente, atingindo os mais variados setores da sociedade. Esse, ademais, é um aspecto que não pode ser esquecido nas análises, sobretudo por quem se coloca na questão do impeachment em defesa da democracia: o que impulsionou as mobilizações de junho de 2013 foi, precisamente, a falência democrática e a persistência de entulhos autoritários e ditatoriais nas instituições brasileiras.

O governo petista possuía unicamente um projeto de poder e naquele instante realizar a Copa e, posteriormente, as Olimpíadas, era uma questão de honra. Por isso, virou as costas, de forma muito explícita, aos movimentos sociais, à juventude e à classe trabalhadora, patrocinando, inclusive, a aprovação da lei do terrorismo para conter as mobilizações contra os eventos. Além disso, fez-se de surdo às reivindicações que vinham das mobilizações por direitos sociais, chantageando as forças de esquerda para que se retirassem das ruas.

Do ponto de vista trabalhista, incentivou a terceirização e estabeleceu uma política de favorecimento das empreiteiras, sem conseguir, no entanto, alianças nos setores dominantes da sociedade.

Ao contrário do pretendido, o governo se fragilizou e essa fragilidade aumentou quando, para tentar ganhar as eleições de 2014, buscou uma aproximação com a classe trabalhadora e os movimentos sociais dizendo que não mexeria em direitos trabalhistas, mas logo no primeiro ato, após eleito, fez exatamente o contrário por meio de duas Medidas Provisórias: MPs 664 e 665.

A consciência e as mobilizações sociais, até por conta dessa traição explícita, caracterizada também pela utilização dos aparelhos repressivos do Estado, continuaram crescendo, atingindo de forma mais intensa as periferias das principais cidades do país e também a diversas categorias de trabalhadores, que se manifestavam por meio de um número cada vez maior de greves, muitas delas deflagradas por fora das estruturas sindicais, onde, também, a falência democrática, em muitas entidades, ainda subsiste.

Como ato de coragem e até de audácia as pessoas permaneceram expressando os seus “desejos reprimidos”. Impulsionada pela percepção de que seria possível, por meio da luta social, satisfazer essa insatisfação historicamente reprimida, uma onda quase revolucionária percorreu o país buscando a efetividade de direitos sociais e uma maior democratização das instituições.

Neste aspecto é importante destacar que a progressividade se verificava – e ainda se faz presente, de forma cada vez mais intensa –, igualmente, na linha da tolerância, do acolhimento das diversidades, do desenvolvimento da solidariedade e da busca da igualdade, que são sentimentos essenciais para a evolução da condição humana. Por isso, na perspectiva reacionária a quebra institucional se faz necessária para conter os movimentos que buscam a efetiva superação da discriminação nas questões de gênero, raça, etnia e orientação sexual. No imaginário da reação conservadora haveria de se fazer algo para conter o avanço do “comunismo” no país e o aprofundamento da lógica do Estado de exceção poderia ser bastante útil para essa atuação repressiva.




    1. A reação da classe dominante




Fato é que setores dominantes se sentiram efetivamente ameaçados pela dinâmica social e diante da constatação da fragilidade do governo perceberam que este não seria capaz de conter as mobilizações.

A fragilização do governo, portanto, foi a oportunidade, determinada pela necessidade, para o conservadorismo atuar por meio do aprofundamento dos mecanismos do Estado de exceção para conter o avanço das mobilizações sociais, que, em certa medida, já influenciavam muitas instituições, como o próprio Poder Judiciário, onde decisões “progressistas” se intensificavam. É por isso, aliás, que a reação conservadora tem como um dos pontos principais a reforma do Judiciário, com instauração da “disciplina judiciária”, vinculando as decisões dos juízes ao direcionamento dado pelas cortes “superiores”; e é por isso também que se tenta fazer do Supremo Tribunal Federal um elemento proeminente dessa reação.

O que se busca, então, por meio da quebra institucional, é colocar no poder um governo que não possua compromissos eleitorais e que assuma, sem qualquer lastro em um debate publicamente estabelecido, a postura de reprimir, com toda força policial e policialesca que tiver à disposição, os movimentos sociais, trabalhistas e da juventude, e ainda desenvolver uma política direcionada explicitamente a favorecer ainda mais aos interesses dos setores econômicos dominantes. A composição e as manifestações do novo governo não deixam margem à dúvida quanto aos seus objetivos.




    1. Dividindo e fragilizando a classe trabalhadora e os movimentos sociais




Há de se perceber, ademais, qual é a estratégia utilizada, que visa a inverter o direcionamento dos fatos: impor retrocessos para colocar os movimentos sociais na defensiva, tomando como certo que a ação defensiva constitui, em si, um obstáculo para a ação reivindicatória, progressiva e até, de certo modo, revolucionária, que se vinha verificando.

Do ponto de vista restrito dos trabalhadores, a estratégia de impor retrocessos tem também o “benefício” de dividir a classe trabalhadora e isso repercute em dois aspectos altamente relevantes da consciência de classe: dificultar a ação coletiva e, como consequência, estimular a ação individua, egoísta; e introduzir na visão de mundo dos trabalhadores o sentimento básico da lógica econômica, que é a concorrência.

Mesmo já dividida em categorias, agindo setorialmente, a classe trabalhadora ainda assim se mobiliza coletivamente, em uma única direção, da melhoria das condições sociais, o que contribui para a consciência de classe e a formação política.

Com a divisão indiscriminada e convencida das inexorabilidades determinadas pela crise econômica, o que se produz são buscas individuais pela sobrevivência, vendo-se no outro trabalhador um concorrente a ser vencido.




    1. O papel da grande mídia




No sentido de se colocarem os trabalhadores uns contra os outros, sobretudo os que não têm emprego contra os que estão empregados, a grande mídia possui posição de relevo, atuando como porta-voz da classe econômica dominante, sendo que também fala por si, na qualidade de entidade empregadora, deixando completamente de lado, por isso, alguma qualquer funcionalidade de veículo de informação que pudesse ter.

O papel assumido pela grande mídia é o de convencer os trabalhadores de que a legislação trabalhista é velha, que ela é culpada pelo desemprego e que a única forma de resolver o problema do desemprego é realizar uma reforma trabalhista que retire direitos. Assim os trabalhadores não são apenas colocados uns contra os outros como são também colocados contra os seus próprios direitos, que passam a ser vistos como privilégios.

Insistir na pauta de reduzir direitos como forma de resolver problemas econômicos é uma estratégia de divisão da classe trabalhadora também no aspecto de que alguns trabalhadores – ou entidades representativas de trabalhadores – se convencem disso e outros não, instaurando-se uma disputa muitas vezes fratricida.

E tudo isso a partir do argumento da existência de uma crise econômica, que não precisa ser explicada ou comprovada. Faz-se parecer que o capitalismo é um modelo de sociedade perfeito, no qual tudo funciona em uma harmonia glorificada, e que se apresenta problemas ou é por erros dos governantes ou dos próprios trabalhadores, que, afinal, querem melhorar de vida por meio de direitos. A economia se desajusta e as vítimas imediatas são os trabalhadores. No entanto, os trabalhadores são apontados como os culpados da situação.

O sistema confessa que não há espaço para uma efetiva melhora da classe trabalhadora no plano trabalhista, pois não consegue sequer garantir a efetividade de direitos sem que a economia entre em crise, mas isso não se consegue perceber porque a crise, de forma tautológica, se explica pelos direitos que não consegue cumprir; e os trabalhadores são colocados para correr atrás do próprio “rabo”, já que não vislumbram como de fato se organizam e se processam as mágicas do capital.

É importante perceber que só a difusão midiática da necessidade emergencial dessas reformas profundas para “salvar a economia” e “gerar empregos” já é por si eficiente para produzir esses efeitos todos, aos quais, inclusive, deve-se acrescentar a postura de desrespeito aos direitos que muitos empregadores passam a adotar de forma mais assumida e despudorada, com reflexos, igualmente, nos próprios trabalhadores que não possuem força individual para exigir o cumprimento de seus direitos ou que até mesmo passam a considerar que tais direitos são impróprios.

Desde que a quebra institucional se consolidou não há um só dia em que notícias de reformas trabalhistas não invadam a grande mídia por meio de “especialistas”, editoriais e, sobretudo, como repercussão de falas de membros do novo “governo”, tendo estado presente inclusive na primeira manifestação oficial do novo chefe do Executivo.

A classe trabalhadora é submetida a um processo incessante de ameaças, para lhe impor medo e destruir a sua consciência. Expressam o mais nítido ódio de classe e o fazem como se estivessem protegendo os “tadinhos” dos trabalhadores que foram enganados pelos oportunistas e populistas que lhes deram a esperança de que poderiam ter direitos.

Assim, independente de alterações legislativas, a reforma trabalhista (rectius, retirada de direitos) já está em curso e, de fato, não se trata de algo novo na história do Brasil, representando, apenas, o aprofundamento do que há muito já se vinha realizando nessa área da relação capital-trabalho em nossa realidade.

Aliás, é interessante perceber que essa campanha incansável, desesperada mesmo, da grande mídia sobre o assunto é demonstração mais que suficiente de que a própria classe dominante já se deu conta de que a ilegitimidade do novo “governo", expressa também na sua total ausência de base política e de apoio popular, não lhe permitirá realizar as tais reformas trabalhistas pretendidas a não ser que o faça muito rapidamente, enquanto a força repressiva e o medo surtirem efeito e enquanto também problemas maiores do novo “governo” não venham à tona, cabendo lembrar, a propósito, as três baixas ministeriais havidas e as revelações da Lava Jato que não param de surgir.




    1. O empecilho da Constituição




Mas é claro que a oportunidade dada pela quebra institucional não será perdida e se tentará, enfim, consagrar o sonho dourado de parte da classe dominante empresarial que é acabar com os direitos trabalhistas trazidos na Constituição de 1988, pois, afinal, as normas constitucionais, em situações concretas, podem ser invocadas para impedir retrocessos sociais.

Lembre-se que a Constituição e as normas internacionais de Direitos Humanos, atraídas pela Constituição para o ordenamento jurídico nacional, consagram o princípio da melhoria progressiva da condição social dos trabalhadores, trazendo consigo, obviamente, a cláusula do não retrocesso. Assim, a mera estratégia da imposição de retrocessos é uma afronta à Constituição, daí porque a mudança constitucional tem-se apresentado, desde 1989, como uma pauta reacionária.

O que muita gente não percebe é que se for possível alterar a Constituição para um aspecto específico – ou simplesmente se deixar de aplicarem alguns de seus dispositivos – estará aberta a porta para que todas as garantias nela existentes sejam afastadas, favorecendo o advento de um regime ditatorial.




    1. A defesa de reforma trabalhista precarizante como estratégia




Vale perceber que as reformas que se defendem insistentemente inserem-se na mesma estratégia da divisão e fragilização da classe trabalhadora. A reforma trabalhista quando pauta a terceirização não está buscando maior eficiência produtiva ou redução de custos, está, isto sim, estimulando a divisão da classe trabalhadora, pois com a possibilidade de intermediação sem limites permite que em um mesmo local de trabalho se tenha vários trabalhadores de categorias distintas atuando para empregadores diferentes, os quais, no fundo, nem são representantes do capital, mas meros intermediários.

Assim, nem os trabalhadores se identificam uns com outros, diante da dificuldade de socialização pelo trabalho, vez que também podem ser transferidos para outro tomador de serviços caso comecem a “criar vínculos”, e também porque, não raro, estão concorrendo entre si pela possibilidade de uma efetivação no tomador de serviço, quanto eventual conflito que se estabeleça no local não se dá entre o trabalho e o capital e sim entre o trabalho e um intermediário do capital, às vezes tão descapitalizado quanto o próprio trabalhador. Dessa forma, o trabalhador terceirizado, porque se insere em uma relação intermediada, é jurídica, social e politicamente fragilizado e ainda possui uma dificuldade intransponível de extrair, pela força negocial, um maior ganho de seu formal empregador.

E, acoplado à terceirização, a reforma traz a proposição do “negociado sobre o legislado”, dentro da mesma lógica de divisão. Ora, quando se diz que os trabalhadores, coletivamente organizados, podem renunciar a direitos que foram historicamente conquistados e consagrados em leis, o que se está estabelecendo é que a fragilidade que os trabalhadores individualmente considerados sentem diante do poder do capital não se altera quando se organizam coletivamente. Nesse sentido, há um desestímulo à atuação coletiva, até porque pouco resultado positivo projeta.

A implementação de reformas prejudiciais à classe trabalhadora pela via da negociação coletiva – valendo lembrar que negociar para mais nunca foi proibido e se insere na lógica própria do Direito do Trabalho – remove do capital qualquer peso pela retirada de direitos, vez que se transfere para os próprios trabalhadores, coletivamente organizados essa responsabilidade, sendo certo que em um ambiente no qual os trabalhadores já foram fragilizados pela terceirização e pelo massacre midiático em torno da existência de uma crise econômica provocada pelo custo do trabalho, fica praticamente impossível estabelecer qualquer tipo de resistência e isso provoca nova divisão entre os trabalhadores e o sindicato (e sua direção).

Neste contexto não perder direitos ou perder poucos aparece como uma grande vitória. Esse processo, de todo modo, é desagregador da classe, provocando mais e mais conflitos internos, enquanto o capital – sobretudo o capital estrangeiro – assiste a tudo de camarote, tendo como único cuidado o de evitar uma intervenção do Judiciário trabalhista em defesa dos trabalhadores, vindo daí os ataques recorrentes à Justiça do Trabalho e as tentativas, inclusive, de influenciar a atuação do STF no sentido de uma autêntica intervenção autoritária, para garantia da “segurança dos negócios”, em matéria trabalhista.

A coisa é tão maldosamente articulada que já sabendo que nenhuma dessas reformas tem de fato algum peso para a melhoria da economia, muitos economistas de plantão tratam logo de difundir a ideia de que mesmo com todas as reformas a economia não vai melhorar de uma hora para outra, prevendo-se alguma melhora, pequena, para daqui a quatro/cinco anos... Ou seja, o capitalismo brasileiro teria, por assim dizer, uma insígnia à lá 007: uma licença para matar!




    1. Resistir e avançar




Surge a necessidade de avaliar se essa estratégia terá alguma chance concreta de se efetivar. Mas, se já é bastante difícil ler o passado recente e quase impossível falar do presente, imagine, então, projetar o futuro, até porque os elementos são muito complexos e se interligam historicamente.

De todo modo, uma boa pista se tem: é que se há uma impossibilidade de prever o futuro, parece certo dizer que as estratégias imaginadas pela classe dominante empresarial também não têm a garantia de que produzirão os efeitos almejados, pois o  pêndulo da história está sempre em movimento.

Falando em termos jurídicos, as tentativas de impor retrocessos e sofrimentos à classe trabalhadora terão enormes dificuldades para se efetivarem. Ora, se já não se conseguiu realizar essa obra na década de 90, quando o Direito do Trabalho estava em baixa e a Justiça do Trabalho estava à beira do caos, muito mais difícil – e, por que não dizer, impossível mesmo – fazê-lo agora, quando o Direito do Trabalho se tornou o ramo mais proeminente do Direito, com multiplicação dos profissionais habilitados e competentes para atuarem na área, sendo a maior parte deles voltada ao compromisso, explicitamente firmado, de fazer valer o preceito constitucional, inscrito no caput do artigo 7º, inciso I, que estabelece a obrigatoriedade da melhoria da condição social dos trabalhadores. Além disso, é cada vez maior a parcela da sociedade que não pretende ceder aos anseios de um capitalismo depredatório.

Os mecanismos jurídicos de resistência e mesmo de imposição de prevalência dos valores humanos e sociais sobre os do capital irresponsável são inúmeros e, de fato, enquanto não se assumirem a relevância e a essencialidade dos direitos humanos e sociais, não haverá segurança jurídica para os transgressores dos direitos constitucionais.

A introdução no Direito do Trabalho de elementos jurídicos que buscam privilegiar interesses obscuros, mascarados de bem comum, para dividir, fragilizar e, finalmente, destruir a classe trabalhadora, é uma tarefa irrealizável ou que ao menos tende a não encontrar vida fácil no âmbito da prática trabalhista.

Do ponto de vista do próprio sistema econômico, ademais, a destruição da classe trabalhadora é uma ação autofágica, afinal, o capital só se reproduz pela exploração do trabalho e no sentido conceitual o trabalho é o capital vivo. Para haver capitalismo, portanto, é essencial que exista uma classe trabalhadora e que esta, politicamente considerada, não esteja completamente descontente com o modelo de sociedade que lhe é imposto.

Nesse sentido, a precarização generalizada da classe trabalhadora pode favorecer por certo aos interesses imediatos de alguns setores econômicos mais diretamente, mas tende a provocar, na mesma proporção, um descontentamento geral dos trabalhadores, além de poder prejudicar, inclusive, outros segmentos econômicos.

Aliás, a forma agressiva como se tem avançado sobre os interesses da classe trabalhadora já é por si suficiente para que se consiga perceber o funcionamento do sistema, permitindo que se ponha em questão a utilidade mesma do uso da inteligência para ficar tentando salvar um modelo de sociedade cujos maiores beneficiados, que são a minoria da população, não se contentam em ser “VIPS”. Querem mais: querem fazer sofrer aqueles cujo trabalho lhes proporciona a riqueza e com isso acabam projetando a destruição de toda a sociedade.

Assim, apresenta-se a contradição entre perceber a perversidade de um sistema que preconiza a derrocada de direitos trabalhistas e sair em defesa desse sistema por meio da resistência a essa mesma derrocada. Concretamente, a busca da melhoria da condição social dos trabalhadores por meio do direito serve à preservação do modelo de sociedade capitalista e esse modelo é essencialmente perverso e injusto, conforme vêm declarando expressamente os seus mais diretos representantes.

O problema é que o que esses capitalistas irresponsáveis apenas querem é colocar dinheiro no bolso para comprar carro blindado, morar em condomínios com segurança 24 horas e só saírem às ruas em passeio no exterior. Se o efeito da satisfação do seu interesse é o aumento da miséria, da violência urbana, inclusive doméstica, instaurando-se um clima de barbárie, pouco lhes importa.

Então, mesmo percebendo a contradição, é preciso emprestar nossa inteligência para servir à lutar pela melhoria das condições sociais da classe trabalhadora, sem deixar de consignar o registro de que essas melhorias jamais serão nunca suficientes para se atingir um patamar de efetiva justiça social, sendo que a prova concreta disso é o retrocesso que a classe dominante tenta lhe impor sempre que os direitos sociais e trabalhistas avançam um pouco.

Fato é que o efeito da generalização da precarização, que se projeta para a ampliação dos proveitos do capital, pode significar uma reação unificada a partir de uma percepção comum, reconstituindo-se, para fora das amarras jurídicas, o sentido da classe trabalhadora e aí as lutas não se farão mais para melhorar o salário desta ou daquela categoria, podendo-se, pois, projetar o advento de greves gerais para ampliar a participação integral da classe trabalhadora na produção da riqueza nacional.

Se as meras propostas recorrentes de reformas trabalhistas que almejam o aprofundamento das formas perversas de exploração do trabalho já provocam um grande mal à classe trabalhadora, essas mesmas falas, uma vez percebidas em suas violências e no seu caráter ideológico, constituem elemento suficiente para uma unificação da classe trabalhadora e mesmo para a produção de um novo ciclo de reais avanços sociais.

Aliás, em termos reais se está muito mais próximo desses avanços do que dos retrocessos, pois como as reformas trabalhistas, se implementadas, não trarão, como se sabe, qualquer melhoria na economia e, pior, acabarão favorecendo a acumulação do capital nas mãos de poucas empresas que promovem uma recorrente evasão de divisas, o efeito da sua implementação tende a promover uma insatisfação também generalizada, que pode ser “capitalizada” em proveito da coletividade, para uma ação ordenada por melhorias sociais, mas que também pode resultar em uma situação de violências gratuitas, da qual todos são vítimas.




    1. A porta aberta para o futuro




A situação imediata será muito dura para a classe trabalhadora, por certo, mas não é desesperadora. Não se está “no fim da história” e muito menos o momento dialeticamente considerado é aquele que se imaginou atingir quando se projetou a quebra institucional para conter as reivindicações sociais.

Contrariamente ao que se imaginou, superado o aprisionamento no qual o argumento do mal menor mantinha a classe trabalhadora, vez que impedia mobilizações populares à esquerda para não “desestabilizar” o governo e não “fazer o jogo da direita”, eliminada a cegueira do “fla-flu” partidário (PTxPSDB - ambos derrotados), abriu-se a porta para que o caminho, iniciado em 2013, da reivindicação da aplicação concreta dos direitos sociais, constitucionalmente consagrados, fosse retomado ainda com mais força, já que se percebeu, também, os equívocos de uma postura de conciliação cujo resultado é sempre o de perdas para a classe trabalhadora.

Se muitos não quiseram ir às ruas contra o impeachment, porque não pretendiam se aliar a uma suposta defesa do petismo ou para não serem tomados por “petralhas”, como eram chamados todos que se punham contra o impeachment, agora esse obstáculo não mais se coloca.

O elevado número de pessoas que tomaram as ruas de muitas capitais brasileiras, no último de 04 de setembro, sobretudo, em São Paulo, em manifestações contra o novo “governo”[5], é uma prova de que o movimento de mobilização social no Brasil não foi sufocado, fazendo com que o projeto de retração democrática não tenha nenhuma chance de vingar.

A resistência às derrocadas de direitos trabalhistas (e previdenciários), a denúncia da ilegitimidade do atual governo e a militância para alcançar avanços sociais concretos nada têm a ver com a defesa do governo Dilma ou do PT. Possui, ademais, uma função desmobilizadora a tentativa da grande mídia de nominar os atos anti-Temer como atos a favor de Dilma, ainda que a própria ex-Presidenta, em seu discurso final (apresentado com atraso melancólico de 03 anos), tenha dito que a sua oposição ao novo governo não se faria para uma redenção de natureza pessoal.

Aliás, uma grande contribuição que o petismo podia dar à renovação da esquerda no Brasil é não querer tirar proveito político partidário dos atos de resistência e muito menos utilizá-los como forma de ressaltar os méritos de seus governos, buscando, inclusive, difundir o saudosismo de um passado que não existiu.

Do ponto de vista estritamente jurídico, parece-me uma grande ilusão considerar que um retrocesso que pode gerar enorme sofrimento a milhões de pessoas venha se consolidar sem maiores resistências, mesmo que acompanhado de brutal, ilegal e absurda força repressora, até porque a humanidade está condenada a evoluir e no aspecto da consagração de Direitos Humanos e Sociais há muito se está trilhando um caminho sem volta.

Assim, sempre se terão os fundamentos extraídos do conjunto de regras e princípios (legais, constitucionais e supraconstitucionais) para implementar uma eficaz resistência à derrocada de direitos, e não faltarão profissionais habilitados e comprometidos para a realização dessa tarefa.

A propósito, no contexto em que as coisas se colocam de forma mais clara, a tendência é que a atuação jurisdicional e a mobilização dos trabalhadores não se limitem a coibir as perdas, até porque bem se tem bem o conhecimento das tantas derrotas já experimentadas nos últimos anos com a lei de recuperação judicial, o aumento da terceirização (sobretudo no setor público, com destaque para a ADIn 1923, que possibilitou a terceirização da própria administração pública nas áreas da saúde, desporto, lazer, ciência e tecnologia) e a preservação do permissivo da dispensa arbitrária.

Até como forma de verificar a seriedade e o real comprometimento da mobilização contra as propostas precarizantes do atual governo, porque ferem preceitos jurídicos trabalhistas, impõe-se que o movimento de resistência se direcione também para: superar a Súmula 331 do TST, eliminando a terceirização nas relações de trabalho, sobretudo no setor público; coibir a dispensa contra a dispensa arbitrária, tanto coletiva quanto individual, nos termos do art. 7º, I, da CF, e Convenção 158 da OIT; não aplicar a lei de recuperação judicial para dívidas trabalhistas de empregados que tenham sido dispensados da empresa; conferir igualdade de direitos entre as empregadas domésticas e os demais empregados; não homologar acordos que representem renúncias a direitos; aplicar a responsabilidade objetiva do empregador nos acidentes do trabalho; coibir toda forma de discriminação e todo tipo de revista no ambiente de trabalho; obstar as políticas de gestão degradantes da condição humana dos trabalhadores; punir aquele que explora trabalhadores em condições análogas à de escravo; punir o empregador contumaz no desrespeito aos direitos trabalhistas; declarar a inconstitucionalidade do banco de horas e das horas extras ordinariamente prestadas etc., vez que, igualmente, agridem a Constituição Federal, as leis do trabalho e os princípios jurídicos trabalhistas.

Quando se fala em resistência ao golpe, entendende-se este como uma forma de eliminar direitos trabalhistas (e previdenciários), é essencial que se adote a postura acima referida, afinal em se tratando de direitos da classe trabalhadora os golpes vêm se renovando há mais de 50 anos.



Créditos da foto: Roberto Parizotti/ CUT

Por que Obama evitou uma foto com Temer? É simbólico que Temer, o golpista, esteja na extrema direita....

06/09/2016 17:19 - Copyleft

Por que Obama evitou uma foto com Temer?

Uma hipótese é que Obama talvez duvide do poder real de Temer, e até de sua continuidade no poder até dezembro de 2018.


Darío Pignotti
AFP
Não houve foto, nem reunião, nem encontro casual entre Barack Obama e Michel Temer na China, apesar das gestões reservadas para que isso ocorresse. O encontro era tudo o que o flamante presidente desejava em sua primeira viagem internacional, e concedeu a essa possibilidade uma extraordinária prioridade: no dia 31 de agosto, duas horas e meia depois de jurar no Congresso, já havia embarcado rumo à Cúpula do G20.

Ninguém supõe que a pressa de Temer era para poder dialogar com o espanhol Mariano Rajoy, um dos poucos governantes que aceitaram cumprimentá-lo diante das câmeras – outro dos que ousaram foi o príncipe Mohammed Bin Salman Al Saud, vice-primeiro-ministro da Arábia Saudita, governada pela dinastia mais obscurantista do mundo árabe.

Era tal a importância dada por Temer a esse possível encontro com Obama, no qual esperava conquistar credenciais perante a comunidade internacional, que não dissimulou a pressão sobre o Senado para acelerar impeachment.

Coreografia






Se sabe que os Estados costumam enviar mensagens através das  “nuances” da coreografia diplomática.

Não há dúvidas de que os Estados Unidos apoiou o processo que desembocou na queda de Dilma Rousseff e na ascensão do ex-presidente ao poder. Uma série de acontecimentos confirmam essa posição.

Em março passado, Barack Obama demonstrou seu desinteresse em visitar uma Dilma entrincheirada diante da ofensiva desestabilizadora. O presidente estadunidense viajou de Havana a Buenos Aires, sem passar pelo Palácio do Planalto.

Políticos, empresários, editores, banqueiros e membros do serviço exterior entenderam o recado cifrado dessa “não escala” em Brasília: Washington evitou dar uma mão a um governo e uma democracia agonizantes.

Além disso, os porta-vozes da Casa Branca, o Departamento de Estado e a missão norte-americana na OEA (Organização dos Estados Americanos) repetiam que no Brasil imperava a lei e a “institucionalidade”.

Porém, apesar do claro apoio dado ao golpe, o que se viu nos últimos dias foi uma demostração de reservas (genuínas ou oportunistas) sobre a gestão pós-democrática.

Repassemos alguns gestos, coreografias que traduzem essa distância discreta de Obama para com um presidente sem votos, que enfrenta uma governabilidade incerta e é caracterizado como parcial ou totalmente golpista pelos diários New York Times, Le Monde, El País, The Guardian e Der Spiegel – inclusive pelo Washington Post, que qualificou como “brutal” a repressão policial contra as dezenas de milhares de manifestantes que exigiam “Diretas Já” nas recentes marchas.

Na mesma quarta-feira da derrubada de Rousseff (31/8), quando Temer assumiu após uma cerimônia de 9 minutos no Congresso Nacional, o porta-voz do Departamento de Estado, John Kirby, se limitou a dizer que o impeachment “foi uma decisão do povo brasileiro, que obviamente respeitamos”. Consultado sobre o envio de algum telegrama de felicitações ao novo mandatário, Kirby disse que não tinha informação a esse respeito, e quando perguntaram se Obama se encontraria com seu colega sul-americano na China, a resposta foi evasiva.

Traduzindo: já naquele dia, Washington reconheceu de imediato a nova administração, mas não a incluiu entre as que gozam da sua amizade preferencial. Ou seja, por enquanto, as novas autoridades de Brasília não estão entre as mais aplaudidas.

Posteriormente, durante sua última visita à Ásia como presidente, Obama impulsou uma intensa agenda de compromissos, que não se limitou às sessões multilaterais do G20 em Hangzough, visto que manteve reuniões bilaterais com seus colegas Xi Xiping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia.

Também tirou fotos junto com alguns líderes de países emergentes, como o mexicano Enrique Peña Nieto, o hindú Amendra Modi e o argentino Mauricio Macri. Nem uma palavra, nem uma imagem junto com Michel Temer.

Alguém imagina que Obama evitaria se encontrar com Temer se este chegasse à China poucos dias depois de ser eleito com 54,5 milhões de votos? Formulemos a pergunta a partir de outro ângulo Que razões tão importantes teve Obama para não se encontrar com o recém-assumido presidente da maior potência latino-americana, um governante que vem demostrando sua disposição de se alinhar com os Estados Unidos, inclusive de se aliar à Aliança do Pacífico e romper com chamados governos bolivarianos?

A partir dessas indagações, a propaganda oficial poderá responder que Obama teve uma agenda cheia no G20, e que a Casa Branca ainda não teve tempo de dirigir uma nota de congratulações à Brasília. Seriam argumentos falsos, já que quando o império está interessado em expor suas simpatias a um governo de fato, o faz de imediato.

Assim ocorreu em abril de 2002, quando George W. Bush manifestou seu apoio a Pedro Carmona, após o golpe contra Hugo Chávez, algumas horas depois do ocorrido, no mesmo dia 11 de abril – dias depois, a pressão das ruas levou a uma reviravolta e ao retorno de Chávez ao poder.

Diplomacia fotografada

Desde a histórica foto de Rossevelt, Churchill e Stalin, em 1945 – ou da que registrou Getúlio Vargas e o mesmo Rossevelt em Natal, vestidos com trajes brancos, em 1943 – a diplomacia presidencial foi contada através das imagens carregadas de conotações diplomáticas. Nixon e Médici posaram para fotos em Washington, em 1971, após uma reunião na Casa Branca. Aquela reunião, para muitos selou, uma nova fase da ofensiva anticomunista, precedente do que seria, anos depois, a chamada Operação Condor.

Em geral, as fotos “de Estado” reportam a boa relação entre sócios políticos, mas essa lei tem suas exceções.

A de Barack Obama e Vladimir Putin, tomada nesta segunda (5/9), na China, retrata dos estadistas sérios, olhando nos olhos um do outro, depois do fracasso da reunião sobre a guerra na Síria. Se diz que o norte-americano, com esse gesto severo, está lançando uma advertência ao dirigente russo, que por sua vez parece disposto a lhe dar um golpe de judô (Putin foi campeão desse esporte). É a imagem de dois adversários obrigados a negociar, não há simpatia nos rostos do estadunidense e do russo, como tampouco há entre o presidente colombiano Juan Manuel Santos e o chefe guerrilheiro Timochenko, das FARC, no aperto de mãos ocorrido no mês passado, que selou a paz entre dois inimigos, em encontro mediado pelo presidente cubano Raúl Castro, os três com camisas brancas.

Em 1973, após sofrer a primeira derrota militar da história dos Estados Unidos, Henry Kissinger não teve outro remédio senão sorrir diante dos repórteres que registravam seu aperto de mãos com o negociador vietnamita Le Duc Tho, em Paris. Ambos receberiam o Nobel da paz, prêmio que o vietnamita rechaçou.

São exemplos de inimigos que, depois de décadas de batalhas e centenas de milhares de mortos, se viram obrigados a reconhecer o outro por seu poder, sua legitimidade ou sua capacidade militar.

Obama, Temer e o legado

No caso da “não foto” entre Obama e Temer, é impossível formular ou estabelecer com precisão os motivos que explicam essa decisão. Até porque ainda não há suficiente informação para construir um cenário definitivo.

Uma hipótese é que Obama, realista e pragmático como foi Kissinger e Santos, talvez duvide do poder real de Temer, e até de sua continuidade no poder até dezembro de 2018.

Outra hipótese é que, estando a meses de abandonar el poder – e sendo, assim como foi Kissinger, um vencedor do Nobel de la Paz –, eles esteja mais preocupado com sua biografia que com as questões imediatas da administração.

Foi pensando na posteridade que Obama viajou a Cuba, para ser o protagonista da retomada das relações, além de apoiar paralelamente, através do secretário de Estado John Kerry, os acordos de paz entre o Estado colombiano e a guerrilha.

Nesse contexto, que poderia explicar a sua distância – que não se trata de uma ruptura, está claro – com Michel Temer, um presidente que, estando no poder já há quase uma semana só foi reconhecido por um punhado colegas sul-americanos, e quase sempre com mensagens protocolares. Outros vizinhos da região, como Venezuela, Bolívia, Equador e Cuba, repudiaram o “golpe”, enquanto o Uruguai não dissimulou sua preocupação com a injustiça do processo contra Dilma. Peru e México, cujos governos comungam com o livre mercado e são parte da Aliança do Pacífico – da qual Brasília começou a se aproximar desde maio – tampouco mostraram grande entusiasmo para com os novos ocupantes do Palácio do Planalto.

Em suma: certamente, em algum momento, Obama acabará se encontrando com seu homólogo brasileiro, pois as relações bilaterais tendem a se aprofundar. Mas mesmo que isso ocorra no futuro, a “não foto” na China permite sustentar que o primeiro presidente negro estadunidense pretende deixar o poder pensando em seu “legado” para o hemisfério.

Acolher a Temer de forma calorosa e imediata poderia levar a críticas, explícitas ou dissimuladas, dos presidentes eleitos da América Latina. Quase nenhum mandatário eleito parece respaldar a receita dos governos de fato, mesmo os que são representados por civis.

Tradução: Victor Farinelli



Créditos da foto: AFP

Não vem ao caso

06/09/2016 10:47 - Copyleft

Não vem ao caso

Grande parte da conquista social havida nos governos petistas anteriores junto aos ganhos obtidos pelos mais pobres foi descartada.


José Carlos Peliano
Beto Barata/PR
O caso é o seguinte: os escravos, os servos e os trabalhadores foram usados sempre como bucha de canhão. Ao longo de toda a história os reis, aristocratas, tiranos, governantes, enfim toda a turma do mando e do desmando, mandaram e desmandaram sobre os sem mando e desmando.

Assim, só vieram ao caso os casos levantados pelos que mandavam e desmandavam. O resto, ah! o resto, não vinha ao caso. Como a situação dos escravos, dos perseguidos, dos presos, dos fugitivos, dos condenados, dos servos, dos pobres, dos mendigos, dos trabalhadores. De todos aqueles excluídos que viveram na base da pirâmide social de todos os períodos da história.

Na vida industrial, quando se assentam os pilares da nova construção econômica moderna, o panorama visto das fábricas e indústrias não mudou muito. Os fabricantes e donos das indústrias usaram o argumento do aumento da produção, a reboque da produtividade, para garantir seus ganhos de mercado e da mais valia para produzirem o suficiente para a população urbana que avolumava.

As condições de trabalho nos albores da revolução industrial não eram nada satisfatórias. Jornadas de trabalho de 12 a 14 horas diárias, pagamentos irrisórios ao trabalho, juntos homens, mulheres e até mesmo crianças, sem qualquer proteção social. Esse desnível entre o trabalho e o capital, entre outros mandos e desmandos, ajudou à preparação do que se chamou acumulação primitiva. Dinheiro suficiente para os empresários produzirem mais e mais.






Trabalhar muito, ganhar pouco, sem descanso, membros de muitas famílias, até mesmo famílias inteiras, para sustentar a produção com produtividade crescente e geração de uma acumulação que garantisse vida longa ao capital. Os livros de história contam essas aberrações em detalhes e circunstâncias.

Graças aos flagrantes e gritantes mandos e desmandos do capital sobre o trabalho, gerando pressões, greves, revoltas e até mesmo quebra de máquinas, foi sendo arregimentada ao mesmo tempo uma intensa insatisfação social na Inglaterra e em seguida na média Europa, no que redundou na onda socialista. A Revolução Russa contribuiu para esse conjunto diverso de forças sociais, trabalhistas e políticas.

Pois a conversa desde tempo imemoriais muda de interlocutores, de discursos, de justificativas, mas no fundo, bem lá no fundo, continua sempre a mesma. As crises econômicas, ou as saídas da estagnação da economia, só podem ser superadas, segundo os que mandam e desmandam, reativando os investimentos para o aumento da produção e da produtividade.

E para que haja aumento da produção total e por operário (produtividade) ou se aumenta a jornada de trabalho ou se aumenta a produção por trabalhador. Nas duas maneiras, o trabalhador ganha relativamente menos e produz relativamente mais, ficando a produção adicional, convertida em dinheiro, nas mãos dos empresários. Todos os livros de economia tratam desse assunto de um jeito ou de outro. Este o resultado visível  da desigualdade de renda crescente em toda a sociedade.

Hoje em dia a bandeira dessa conversa para boi dormir está nas mãos dos neoliberais. Liberdade para o capital manipular por seus mandos e desmandos toda a espécie de trabalho. Por que? Porque as condições do chamado contrato entre capital e trabalho, tendo de um lado o poder e de outro a fragilidade e a submissão, estão sempre favoráveis aos que mandam e desmandam.

Daí cortar todas as salvaguardas trabalhistas e sociais conquistadas ao longo da história. No Brasil do Fora Temer o mesmo se passa. Propostas de limitações sociais, direitos trabalhistas e cortes de gastos públicos para áreas sociais. A contrapartida é a reserva e a liberação de recursos orçamentários para projetos ancorados em investimentos privados. Seguem junto taxas de juros elevadas e sobrevalorização cambial.

Na mesa o aumento do limite de idade de aposentadoria para 65 anos, terceirização dos contratos públicos e privados de trabalho, liberação da negociação dos contratos de trabalho (não mais regulados pela CLT), entre outros.

O que significa? Obrigar os trabalhadores a continuarem no mercado mais tempo até diminuir sua sobrevida na aposentadoria. Fragilizar as condições de negociação com os empresários provocando queda nos níveis salariais e aumentando a desigualdade social e de rendas.

Dirá a turma golpista no poder usurpado que isso não vem ao caso. Numa situação de crise econômica, o capital precisa de mais espaço para crescer e se multiplicar desde que o trabalho colabore. No futuro, completará o blá-blá-blá, todos sairão ganhando e felizes.

Esse é o mesmo discurso usado há tempos por outros tantos governos e países. Na Europa de hoje, ainda em crise há uns bons 5 anos, ele dominou e domina os cenários de Espanha, Portugal, Grécia, Itália, Irlanda, entre outros. No Brasil, os governos militares usaram argumentos semelhantes e mais tarde a turma de FHC. Os anos passam, os anos voam, e as conversas fiadas continuam rolando numas boas!

Não que toda essa turma neoliberal esteja blefando em seus próprios termos. Não. Ocorre que na visão ideológica dela só cabe mesmo esse tipo de solução contra o trabalho e o trabalhador. Como o capitalismo está nas mãos, mandos e desmandos deles, cabe a eles a solução que melhor lhes beneficiem. O resto não vem ao caso.

Tomei emprestado de Paulo Henrique Amorim a expressão “não vem ao caso” por ser oportuna, criativa e talhada para o que pensa e faz a turma usurpadora hoje no poder.

E para comandar na prática econômica e financeira o velho discurso neoliberal de sempre estão, pelo menos dois brasileiros com igual cidadania americana, o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central. O Brasil volta de novo ao velho atrelamento aos interesses americanos como as áreas de energia e petróleo. Já se fala inclusive em levar o país a pedir empréstimo ao FMI.

Grande parte da conquista social havida nos governos petistas anteriores junto aos ganhos obtidos pelos mais pobres foi descartada. Foi fechada a porta para a melhoria de trabalho e renda dos mais pobres e necessitados. Perderam a vez e a voz.

Sob a arquitetura capitalista dominante a solução econômica é sempre ideológica. O sistema precisa ser mantido a qualquer custo. Paga a população, muito os mais pobres, quase nada os que mandam e desmandam. Tudo é feito para salvar o capital, o resto, ah! o resto, não vem ao caso.

*colaborador da Carta Maior



Créditos da foto: Beto Barata/PR

Ação orquestrada contra os manifestantes em São Paulo

06/09/2016 15:47 - Copyleft

Ação orquestrada contra os manifestantes em São Paulo

Há uma escalada de violência com o objetivo de convencer as pessoas a não irem às manifestações contra Michel Temer.


Tatiana Carlotti Mídia Ninja
Em coletiva de imprensa, nesta segunda-feira (05.09.2016), parlamentares e lideranças sociais denunciaram a violência policial no final do protesto contra o golpe, que reuniu mais de cem mil pessoas na capital paulista, no último domingo (04.09.2016). Eles alertaram, também, sobre o recrudescimento da repressão e a ação orquestrada dos golpistas contra os manifestantes.

A coletiva aconteceu no Sindicato dos Jornalistas, em São Paulo. Participaram o senador Lindberg Farias (PT-RJ), o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), Kelli Mafort do MST, Raimundo Bonfim da Frente Brasil Popular, Edson Carneiro Índio da Frente Povo Sem Medo e Rogério Nunes da CTB. 

 

“Não dá para encarar isso como uma coisa normal”, apontou o senador Lindberg Farias: “o objetivo disso tudo é passar para a população a imagem do confronto para assustar”. Ele contou que será feita uma denúncia internacional sobre o que está acontecendo no Brasil, a partir de uma representação na Corte Interamericana da OEA.

 

“Nós não podemos aceitar essa escalada autoritária. Se a gente perder o nosso direito de se manifestar livremente, aonde nós vamos? Qual será o próximo passo deles?” questionou. Nas próximas manifestações, destacou, será realizada “um corredor de artistas, personalidades, parlamentares”, para ficar até o fim do ato, no intuito de garantir a segurança dos manifestantes.

 

Em sua avaliação, a repressão é parte de uma “ação orientada”, vide a escalada de repressão em todo o país. “Aqui em São Paulo, a gente sabe que é a mesma direção. É Alexandre de Moraes que era secretário, agora é ministro da Justiça, que está tentando impor a sua narrativa. Tentando assustar as pessoas”, afirmou. 

 

Prisões arbitrárias

 

O deputado Paulo Teixeira, por sua vez, detalhou vários episódios de violência policial ocorridos no último domingo, inclusive a prisão de 26 jovens no Centro Cultural de São Paulo às três horas da tarde, antes do início da manifestação. Ele, o ex-senador Eduardo Suplicy e o vereador Nabil Bonduki (PT-SP) - também presentes na coletiva - chegaram ao DEIC, onde se encontravam os jovens, por volta das onze horas da noite.

 

Uma série de violações foram cometidas. Para começar, os advogados foram impedidos de entrar em contato com os jovens: “a Polícia não deixava”, apesar do “Código de Ética da OAB e toda a legislação do exercício da democracia garantirem a presença de um advogado nesse momento do depoimento diante do delegado”. 

 

Tampouco havia crime ou queixa que justificassem as prisões. “Eles não tinham nenhuma vítima, nenhum público atacado, nenhum lugar privado atacado ou alguém que teria feito uma queixa para a polícia”, apontou Teixeira. Os policiais, por sua vez, sustentavam terem encontrado pedras em uma bolsa e material de primeiros socorros em outra.Os parlamentares ponderaram que o material de primeiros socorros indicava auxílio caso houvesse a repressão policial, porém o delegado se disse “convicto”: “eu vou enquadrá-los nos crimes de formação de quadrilha, corrupção de menores”.  Afirmou, também, que há um ano estudava esse “tema”.

 

Os jovens sequer tinham antecedentes criminais. Ainda presos – eles foram soltos nesta segunda-feira (05.09.2016) – eles contaram terem ido a um ato político, preparados para um possível confronto, daí o material de primeiros socorros: “nós somos contrários à violência” (confira aqui o depoimento de uma das jovens presas). 
Escalada de violência

 

“Há uma escalada de violência com o objetivo de dissuadir os jovens a irem nas passeatas. Isso está acontecendo há algum tempo, eles levam à delegacia”, apontou Teixeira, destacando que o “enquadramento pesado em relação a quem não praticou qualquer crime” não é um fato isolado.

 

Reforçando que a equipe de Segurança Pública foi constituída pelo atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, Teixeira ponderou que “um policial para fazer uma violência, ou a pratica isoladamente ou responde ao seu comando. E esse comando responde ao governador de São Paulo”. E cobrou: “o governador de São Paulo tem que responder por que a Polícia está fazendo isso”.

 

Além do governador, Teixeira também chamou à responsabilidade o Ministério Público do Estado de São Paulo: “O MP-SP precisa exercer o controle externo da Polícia, tem que parar essa violação que está sendo praticada em relação ao direito de manifestação”. E complementou: “queremos a proteção ao direito sagrado de manifestação do pensamento e não a repressão orquestrada contra os movimentos sociais e as manifestações”.
 
Ação premeditada 




 
Durante a coletiva, Edson Carneiro Índio, da Frente Povo Sem Medo, contou que foram tomados “todos os cuidados para que não houvesse nenhuma provocação e também para que os manifestantes não aceitassem nenhuma provocação”.
 
Em sua avaliação, o que aconteceu no Largo da Batata foi uma ação premeditada da polícia: “eles foram para lá para jogar bomba em algum momento, sem que houvesse nenhuma manifestação que não fosse claramente democrática. Foi uma ação premeditada para tentar desestimular a participação popular”. 
 
“O governador Geraldo Alckmin e o governo federal, particularmente através do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, não têm compromisso com a Constituição, com as liberdades democráticas. Não têm compromisso com a vida das pessoas. E é um acinte à população brasileira e aos setores democráticos do nosso país”, complementou.
 
Raimundo Bonfim, da Frente Brasil Popular, também mencionou os cuidados em relação à segurança do evento, relatando a presença de militantes no sentido de ajudar na segurança e impedir conflitos durante a marcha. “Fizemos de tudo da nossa parte para que isso não ocorresse [violência]”. 
 
Sobre a PM, Bonfim foi categórico: “não é uma polícia de governo, é uma polícia de Estado, de um partido. A PM de São Paulo age de forma velada, descarada, de forma a tomar lado na disputa política do país. Isso é escandaloso e precisa ser denunciado”.
 
Já Kelli Mafort, do MST, reiterou a necessidade de fortalecer as manifestações de rua. Ela citou vários casos de violações, em especial, o desespero dos manifestantes Sem Terra no último domingo, entre eles, crianças e idosos que estavam no Largo da Batata no momento em que começaram as bombas. 
 
“E o tempo todo o helicóptero da polícia militar acompanhando todo o nosso descolamento. Viaturas da polícia passando a 100 km/h, 120km/h pela Cardeal Arco Verde e criando um verdadeiro clima de terror”, destacou.
 
Ela também apontou que a Polícia de São Paulo age em total acordo com o Ministro da Justiça e não tem nada de despreparada, pelo contrário: “age em uma atitude arquitetada e planejada porque as manifestações vão crescer”. 
 
Para Rogério Nunes, da CTB, a violência policial “foi inexplicável, sem justificativas”, destacando que não houve, absolutamente, nenhum argumento para a atuação da polícia no último domingo. Ele também reforçou a pauta das mobilizações citando as reformas da previdência e trabalhistas e a ameaça aos investimentos em Educação.

Elementos infiltrados

Durante a coletiva também foi mencionada suspeita de infiltração de elementos na promoção de atos de vandalismo, o que completaria a farsa da PM em sua justificativa de reprimir as manifestações. Teixeira, inclusive, mencionou ter ouvido dos jovens presos no Centro Cultural que havia um outro garoto que havia sido preso, mas sumiu depois.

“Nós ficamos achando que podia ser alguém infiltrado entre eles. Portanto, queremos questionar se essa tática está sendo aplicada aqui no Brasil”, apontou. Ele lembrou, ainda, que entre os jovens detidos, havia participantes de ocupações nas ETECs paulistas.

Já o senador Lindberg apontou que o Brasil conta com um outro Ministério da Justiça: “há uma mudança clara na lógica”, afirmou. Ao participar da sabatina do diretor da ABIN, ele chegou inclusive a questionar sobre os movimentos sociais. A resposta? “Fiquem tranquilos, nós estamos de olho só nos sujeitos mais radicalizados”.

“Tem uma estratégia, vocês não se enganem. Hoje, a maior preocupação do governo do Temer e de seus principais auxiliares não é com a crise do PSDB não. É com a mobilização”, afirmou.

Em sua avaliação, “a preocupação com infiltração tem que ter o tempo inteiro”, afinal, “o que eles querem, na verdade, é encontrar alguma coisa pra tentar a velha tática de afastar as pessoas dos atos. Só que nós não vamos deixar isso acontecer”.

Confira a íntegra da coletiva aqui.


Créditos da foto: Mídia Ninja

Brasil: autoritarismo e clamor democrático

06/09/2016 16:24 - Copyleft

Brasil: autoritarismo e clamor democrático

O que o clamor das ruas brasileiras exige agora é o mínimo respeito pela democracia por parte dos grupos de pressão que controlam o Congresso Nacional.


Editorial do diário La Jornada, do México Roberto Parizotti

Desde o dia em que Michel Temer, o chefe de Estado do golpismo, foi investido como presidente do Brasil pelo Senado, diversas manifestações passaram a tomar as ruas das principais cidades do país. Algumas delas, marchas multitudinárias, pautadas pelo repúdio ao novo governo, demandando o restabelecimento da democracia no gigante sul-americano.

Em efeito, na mesma quarta-feira passada (31/8), horas depois do ato farsante da manobra que conduziu Temer ao poder, dezenas de milhares de pessoas saíram já começavam a expressar sua inconformidade com a destituição de Dilma Rousseff e sua substituição por aquele que era o seu vice-presidente. Em São Paulo, as manifestações foram violentamente reprimidas pela polícia.

Embora as mobilizações não tenham cessado, no sábado passado (3/9), o chanceler do novo regime, José Serra – que se encontrava na China, acompanhando a reunião de cúpula do G-20 –, tratou de desqualificar as mesmas, descrevendo-as como muito pequenas, “quase nada”, algo entre cinquenta ou cem pessoas. No dia seguinte, foi desmentido por uma marcha que contou com mais de cem mil participantes, ocupando a principal avenida de São Paulo. Foi uma demostração pacífica e bem organizada da oposição social ao novo governo. Porém, em determinado momento da jornada, a polícia paulista resolveu iniciar uma série de ataques com granadas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, nas proximidades de uma estação de metrô, uma agressão completamente injustificada.






As concentrações foram convocadas por organizações sociais reunidas em duas coalizões: a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. Nenhuma delas pertence ou inclui entre os seus aliados o Partido dos Trabalhadores (PT), da presidenta deposta Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O sentir das mobilizações não é necessariamente pró-Dilma, mas sim contra o golpe de Estado disfarçado, concluído no último dia do mês passado. Suas demandas centrais são a remoção de Temer e a imediata convocação de eleições presidenciais diretas.

Desde uma perspectiva democrática, a razão está a seu favor: como expressou a própria ex-presidenta, em uma entrevista publicada há poucos dias, o fato de um programa de governo que foi aprovado pela sociedade através dos votos seja derrubado à força, e que em seu lugar tenha entrado um programa de sentido oposto, sem que essa decisão seja submetida à consideração da cidadania, é uma situação aberrante. É exatamente isso o que vem acontecendo no Brasil.

Mais grave e inaceitável que as circunstâncias da queda de Rousseff, com base em acusações sem fundamento, e levadas adiante por um Poder Legislativo, é o fato de Temer aplicar políticas públicas do mais descarado neoliberalismo, contrárias às que receberam o voto majoritário em outubro de 2014, e que alguma vez foram representadas por ele mesmo como candidato à vice-presidência na mesma chapa de Rousseff.

Em suma, o que o clamor das ruas brasileiras exige agora é o mínimo respeito pela democracia por parte dos grupos de pressão que controlam o Congresso Nacional brasileiro, e que tomaram por assalto o Poder Executivo.

Tradução: Victor Farinelli




Créditos da foto: Roberto Parizotti

Guardian: Dilma saiu, mas a crise política brasileira certamente não

06/09/2016 15:55 - Copyleft

Guardian: Dilma saiu, mas a crise política brasileira certamente não

A crise política e econômica combinadas estão oferecendo uma oportunidade de ouro para uma aliança ultra-conservadora demolir o legado da democracia.


Paulo Pinheiro - The Guardian Roberto Stuckert Filho/PR
Com o impeachment agora completo, o Brasil está a mercê de seus ultra-conservadores – e liderado por um homem que também está sob investigação por corrupção.

A votação que definiu a instalação de Michel Temer no poder no país aconteceu precisamente uma semana depois do encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio e apenas dias antes da reunião do G20. Grandes perturbações foram evitadas durante os Jogos e o novo presidente foi confirmado em seu posto em tempo de aproveitar uma rodada conveniente de apertos de mãos e fotos com líderes mundiais na China. Tudo foi cuidadosamente planejado para fazer com que a remoção arbitrária da presidente democraticamente eleita parecesse negócios de sempre.

Não estou dizendo que a nova liderança no Brasil não está preocupada sobre sua legitimidade. Nos últimos meses, a aliança forjada para depor Dilma Rousseff rejeitou chamar o processo de impeachment que estava patrocinando de golpe de estado. Alguns ainda ameaçaram tomar ações legais contra aqueles que alegassem isso em debates oficiais. Sua narrativa insistiu que procedimentos constitucionais foram, sim, observados.

É verdade que, diferentemente do impeachment repentino conduzido depois de alguns dias no Paraguai em 2012, ou do claro uso da força em Honduras em 2009, formalidades foram observadas no julgamento surreal de Rousseff. Por mais de cinco meses, supostas irresponsabilidades orçamentárias do governo foram tratadas como um dos mais sérios crimes da história política do Brasil e foram cuidadosamente analisadas por legisladores zelosos, incluindo alguns acusados de muitos crimes, desde corrupção até lavagem de dinheiro. De repente, o mesmo país que foi capaz de lidar silenciosamente com uma rotina de impunidades em casos notórios de violências estatal, como  assassinato em massa de crianças de rua e de trabalhadores sem terra, se tornou aficcionado pela legalidade de ordens orçamentárias administrativas.






O destino de Rousseff foi decidido bem antes da última votação do senado.

Independentemente de tais análises legais bizarras e criativas, o destino de Rousseff foi decidido bem antes da última votação do senado, pelo colapso da coalizão heterogênea que sustentava seu governo e que a transformou em presa fácil de uma legislatura ultra-conservadora abalada por investigações de corrupção incontroláveis.

Essa transição ilumina as fraquezas estruturais da democracia brasileira. Os congressistas conservadores que conduziram o processo de impeachment foram, de fato, apoiadores chave de Rousseff, e de todos os outros presidentes do Brasil desde o final da ditadura em 85. Sem o seu apoio, a maioria do governo no parlamento seria impossível. Com a chegada de Temer ao poder, essa coleção de forças ultra-conservadoras e corruptas finalmente alcançou o controle hegemônico dos braços executivo e legislativo.

Mesmo com o cuidadoso rearranjo de forças no parlamente e o apoio entusiasta da mídia tradicional brasileira (em sua maioria controlada por políticos), é difícil acreditar que Temer irá gozar de um clima calmo como o que deve encontrar na China. Investigações judiciais de corrupção ainda estão em andamento e ameaçam Temer pessoalmente e seus mais diretos aliados, e a polarização política continua alta no Brasil.

O impeachment de Rousseff deixará cicatrizes profundas na vida política e institucional. O país não somente será liderado por uma liderança artificial; a nova coalizão vem ao poder impondo uma mudança radical à direita que foi derrotada em quatro eleições anteriores. Reformas legislativas serão feitas pela nova liderança para prejudicar as leis que protegem os trabalhadores, severamente restringindo gastos obrigatórios da saúde e educação nas próximas décadas como solução mágica para restaurar a confiança global na economia do país. O parlamento também está à beira de concluir um fluxo de medidas prejudicando direitos em áreas críticas como a defesa de terras indígenas e do meio ambiente, bem como ameaçando direitos sexuais e reprodutivos.

A crise brasileira não é única. Talvez como uma consequência do fracasso econômico global de 2008, forças políticas tradicionais de todas as regiões estão agora lidando com altos níveis de insatisfação e batalhando com vozes estridentes e movimentos. Em alguns lugares, essa nova onda está resultando em violência e danos sérios ao estado de direito e à democracia.

No Brasil está claro que a crise política e econômica combinadas estão oferecendo uma oportunidade de ouro para uma aliança ultra-conservadora retomar o controle do poder e demolir parte do legado da breve experiência democrática. Tal fim dramático do que já foi pensado ser uma das poucas experiências positivas de liderança de esquerda no sul global irá certamente ressoar para além das fronteiras, particularmente na América do Sul. As tarefas de promover a democracia e os direitos humanos em uma sociedade extremamente desigual são bem mais complexas do que o Brasil já fez o mundo acreditar.

Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR