terça-feira, 24 de abril de 2018

AUDÁCIA E ILEGALIDADE: Juíza barra inspeção de deputados à área em que Lula está preso


CERCO

Juíza barra inspeção de deputados à área em que Lula está preso

Parlamentares vão pedir ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que o STF seja acionado. “O Poder Legislativo foi desrespeitado”, afirma Paulo Pimenta
por Redação RBA publicado 24/04/2018 16h07, última modificação 24/04/2018 16h56
EDUARDO MATYSIAK
Deputados barrados
Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira: teria sido cometida "violação a uma prerrogativa constitucional dos legisladores"
São Paulo – Uma comissão externa da Câmara Federal foi impedida de vistoriar as dependências da carceragem da Polícia Federal em Curitiba onde se encontra preso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tarde desta terça-feira (24). De acordo com o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), não houve pedido de autorização judicial prévia porque a ação é uma prerrogativa legal do Legislativo. A juíza Carolina Lebbos, no entanto, não permitiu a entrada dos parlamentares. “O Poder Legislativo foi desrespeitado”, afirmou Pimenta.
"Vamos representar no CNJ, isso é uma violação", disse Pimenta referindo-se ao Conselho Nacional de Justiça, para onde pretende encaminhar denúncia contra a juíza. Pimenta lembrou também que o Legislativo tem autonomia estabelecida pela Constituição Federal e que o ato da juíza em proibir a inspeção é algo que não ocorria nem mesmo durante a ditadura civil-militar no país (1964-1985). "As prerrogativas da Constituição são rasgadas, e isso agrava ainda mais a situação", disse.
Os parlamentares afirmam que cobrarão o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que tome providências contra essa violação a uma prerrogativa constitucional dos legisladores. Eles requerem que Maia acione o Supremo Tribunal Federal (STF) para que os juízes de primeiro grau sejam notificados e deles se exija o cumprimento da lei.
O deputado Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em seu estado e recém-ingressado na equipe de defesa de Lula, também teve seu acesso negado mesmo na condição de advogado. “Eu não vou nem criticar a PF por impedir nossa entrada, porque os agentes estão cumprindo uma ordem, ainda que uma ordem de natureza ilegal”, disse Damous. “Se essa juíza de primeira instância que briga com a igreja, quer briga com a OAB, vai ter. Mas é preciso ficar claro que esse tipo de conduta marcada por abuso de autoridade só é possível por fazer parte de um processo todo ele marcados por abusos e ilegalidades”, afirmou.
Ele se refere tanto à condenação sem crime e baseada num processo “mentiroso” conduzido pelo juiz Sérgio Moro, quanto ao acesso também já negado a um Prêmio Nobel da Paz em missão humanitária (Adolfo Pérez Esquivel), a um religioso em visita de consulta espiritual (Leonardo Boff), a uma ex-presidenta da República (Dilma Rousseff) e a 11 governadores de quatro diferentes partidos (PT, PCdoB, PDT e PSB).
A juíza Carolina Lebbos será também denunciada aos órgãos de controle do Judiciário por abuso de autoridade, segundo Damous.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), também advogado, afirmou que a tolerância das instâncias superiores aos abusos cometidos na primeira está fazendo com que Moro e Lebbos ajam como “deuses”. “Estão rasgando a Constituição para dar continuidade a um processo mentiroso e viciado. Até mesmo na ditadura parlamentares como Teotônio Vilela visitavam presos políticos, como é o caso do presidente Lula.”

Instalações precárias

A pressa com que o juiz Sérgio Moro tomou a decisão de determinar a prisão de Lula pode ter submetido o ex-presidente a condições carcerárias incompatíveis com as exigências mínimas necessárias para mantê-lo sob custódia. Essa seria uma das razões pelas quais a Superintendência da Polícia Federal tem requisitado sua transferência.
Delegados afirmam que a mobilização social em torno da prisão de Lula e a proximidade das manifestações de 1º de Maio afetam em demasia a rotina de funcionamento da corporação. Argumentam que a região teve rotina alterada, e alertam, especialmente, que as instalações da PF não são adequadas para um preso nas condições do ex-presidente. A sala em que ele se encontra foi improvisada e não seria apropriada para uma longa permanência.
“Não viemos fazer uma visita pessoal. Viemos fiscalizar as condições do ambiente carcerário”, disse Damous.

Após juíza impedir vistoria de deputados na PF de Curitiba, Maia defende 'diálogo'


AUTORITARISMO

Após juíza impedir vistoria de deputados na PF de Curitiba, Maia defende 'diálogo'

Carolina Lebbos vem impedindo que autoridades entrem nas dependências da Superintendência da Polícia Federal, onde ex-presidente Lula está detido. Oposição denuncia interferência entre poderes
por Redação RBA publicado 24/04/2018 19h21, última modificação 24/04/2018 19h26
VINICIUS LOURES/CÂMARA DOS DEPUTADOS
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'Vamos construir uma solução para esse problema, para manter a independência e harmonia'
São Paulo – O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se manifestou após a juíza da 12ª Vara Federal do Paraná, Carolina Lebbos, impedir a entrada de parlamentares no local de cárcere da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O parlamentar disse que deve “construir uma solução para esse problema, para manter a independência e harmonia”. Os deputados pretendiam vistoriar as dependências das celas onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está detido.
Maia defendeu o diálogo entre os poderes “para respeitar as prerrogativas parlamentares e as prerrogativas da juíza”. Por sua vez, o líder do PT e coordenador da comissão externa destinada à vistoria, Paulo Pimenta (RS), afirmou que há uma interferência ilegítima da juíza na função legislativa. “A atitude da magistrada em querer embaraçar diligência da comissão representa uma afronta ao pleno exercício das funções do Congresso”, disse.
Para Pimenta, a atitude da juíza resulta em “interferência na função ínsita da Câmara de representar o povo brasileiro por meio da atuação de parlamentares e das comissões”. O parlamentar ainda anunciou uma representação contra a magistrada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O PT também disse que deve denunciar a atitude da juíza em diferentes órgãos de controle do Judiciário por abuso de autoridade.
Além dos deputados, a juíza já impediu a visita do vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1980, o ativista Adolfo Pérez Esquivel, do teólogo Leonardo Boff, de 11 governadores de diferentes partidos e da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Por que destroem a Unasul?

Opinião

Por que destroem a Unasul?

por Maria do Rosário* — publicado 24/04/2018 19h01
O que Temer e o chanceler operam é a destruição de um instrumento de integração regional histórico
Wilson Dias / Agência Brasil
Unasul
Em 2015, Dilma recebeu o Secretário-Geral da Unasul, Ernesto Samper
Na última semana, os governos do Brasil, da Argentina, Peru, Colômbia, Chile e Paraguai, todos da nova onda de inspiração conservadora na América do Sul, resolveram bombardear a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
No caso brasileiro, o objetivo é praticar mais livremente a diplomacia submissa que governantes que chegaram pelo golpe parlamentar ao poder, praticam desde o momento em que pisaram no Itamaraty. 
Preservado o reconhecimento justo à competência e dedicação aos interesses do Brasil, de quadros de carreira da instituição, o chanceler atual age exatamente no sentido contrário à diplomacia com autonomia - como Chico Buarque referiu-se certa vez, esbraveja com a Bolívia, enquanto fala fino a linguagem que agrada a Washington.
O que Temer e o chanceler agressivo com nossos vizinhos de continente operam é a destruição de um instrumento de integração regional histórico, com grande contribuição já prestada ao continente e muito por fazer.
O primeiro aspecto a ser relembrado, é que a Unasul, construída após longo processo de diálogo regional, diferente de outros blocos que iniciaram sua agenda por interesses econômicos, foi firmada a partir da orientação política de fortalecer o sentido de uma cidadania regional no continente.
Entre seus objetivos primordiais, encontra-se desenvolver uma cooperação voltada a construir relações solidárias para o desenvolvimento comum de seus integrantes, superando assimetrias econômicas e sociais, e fortalecendo soluções democráticas, sustentáveis e soberanas a serem tomadas como parte da adesão das nações ao pacto regional.
A formação da Unasul partiu do reconhecimento de que o conjunto dos estados nacionais mantém relações econômicas e político-culturais prioritárias em movimentos extracontinentais ao longo da história.
Estudos indicam que barreiras geográficas naturais, demandam iniciativas planejadas de superação, estabelecendo conexões terrestres mesmo em regiões como a Cordilheira dos Andes e a Amazônia. Temas como a preservação ambiental, populações fronteiriças, validação da educação, uso racional das riquezas naturais e planejamento do enfrentamento a crimes internacionais, são questões que melhor se desenvolvem com uma integração permanente.
A Unasul também é essencial na relação com a economia regional e o Mercosul, sendo bastante claro seu papel, pois todos os países que a compõe, mesmo não participantes do mercado comum, foram considerados por ele como associados e colaboradores.
O significado dessa integração é fundamental para o Brasil, mesmo sendo o parceiro econômico mais forte da região. Sem vínculos e liderança regionalmente reconhecida, nosso país ficará mais vulnerável a especulações financeiras e protecionismos que o norte global realiza sobre sua economia - arvorando-se, porém, de uma autoridade (que não deveria ter) que impede que façamos entre nós mesmos, protegendo cada nação e a região.
O equilíbrio regional e o planejamento conjunto estão entre as principais ferramentas para superação da miséria extrema no nosso continente. Historicamente marcado pela explicação de suas riquezas, simbolizadas por Eduardo Galeano como veias abertas a irrigar com o sangue de nossos povos originários os padrões de riqueza e consumo dos países ricos, novamente nos vemos submetidos a líderes ilegítimos que entregam a força vital de nossa terra e nossa gente.
O fruto mais amargo do enfraquecimento da democracia que nos é muito cara, construída por gente que lutou contra ditaduras e enfrentou ontem o Plano Condor, e não mudou de lado hoje, é o aviltamento das liberdades democráticas e da soberania nacional no Brasil e na região.
Para os governos de Macri e outros, acabar com a Unasul é o cumprimento de mais um item na agenda de retrocessos. Se no plano nacional eles abrem o caminho para privatização das riquezas e do patrimônio público, desregulamentando relações de trabalho para assegurar a ampliação de taxas de lucros aos conglomerados financeiros internacionais que lucram com o ajuste fiscal na Argentina e no Brasil, comprometer a integração latino-americana é parte de seu projeto.
Já entregaram seus próprios povos à exploração, e agora entregam os povos e as nações mais pobres da região novamente à superexploração norte-americana, ao destruírem os pactos construídos na Unasul.
São uns vendilhões. Vão pra história como lacaios.
(Em memória de Marco Aurélio Garcia)
*Maria do Rosário é deputada federal pelo PT do Rio Grande do Sul

Como a privatização da Petrobras pode afetar a sua vida?

COLUNA

Como a privatização da Petrobras pode afetar a sua vida?

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O petróleo atualmente é o principal responsável pela geração energética no mundo / Divulgação
Se o preço da gasolina sobe, tudo que é “transportado” sobe de preço também
Na semana passada, a direção da Petrobras anunciou a venda de 60% das refinarias Presidente Getúlio Vargas (Repar-Paraná), Abreu e Lima (RNEST-Pernambuco), Landulpho Alves (RLAM-Bahia) e Alberto Pasqualini (Refap-Rio Grande do Sul). Se você não é petroleiro e nem vive nenhum desses estados, talvez ache que essa notícia pouco impactará a sua vida que segue. Só que se essa venda se confirmar sua vida será fortemente afetada. 
Te explico em três pontos os possíveis impactos dessa tentativa de privatização da Petrobras na sua vida!
1. A venda dessas refinarias implica que a Petrobras passará para a  iniciativa privada – talvez estrangeira – o controle de 40% do refino de petróleo e do transporte de derivados.  
Fazendo essa operação, a Petrobras deixa de ser uma empresa “integrada” - que atua desde a extração do Petróleo, passa pelo refino e chega até o posto de gasolina - e será  “fatiada”. 
Pois bem, se o refino e o transporte de derivados passarem para a iniciativa privada, o governo brasileiro perde a possibilidade de controlar o preço do combustível que chega nas bombas dos postos. 
Com a Petrobras estatal e integrada, ela pode eventualmente ter “deficit” no refino (ou seja, vender a gasolina por um preço abaixo do custo para o consumidor brasileiro) e mesmo assim não ter prejuízo, porque ela pode ter um “superavit” nos custos de produção, por exemplo. Ela também pode operar a política de controle do preço interno da gasolina sem ficar refém da dinâmica flutuante do preço do barril no mercado internacional.
Como estatal ela tem como meta prioritária a busca do atendimento aos interesses nacionais, acima da lógica da maximização do lucro. Com o refino nas mãos das empresas privadas findam-se as possibilidades de garantir desenvolvimento nacional e preços baixos aos consumidores, já que a lógica deixa de ser o bem estar social e passa a ser a do mercado.
Você também pode não ter carro e dizer que não se importa com a subida do preço do combustível. Acontece se o preço da gasolina sobe, tudo que é “transportado” por rodovias terá seu preço acrescido: a carne que a gente come, as roupas que a gente veste… e isso tudo impactará fortemente na inflação do país, porque todos os preços subirão rapidamente, diminuindo o seu poder de compra.
2. Antes de anunciar a privatização dessas refinarias, elas já estavam operando com capacidade ociosa, ou seja, produzindo menos do que é possível. A RLAM, na Bahia está operando com sua carga reduzida em 43%1 por exemplo! Porque será que produzem menos do que são capazes enquanto nossa demanda por petróleo refinado só vem aumentado? Assim, o único jeito de suprir nossas necessidades internas é importando petróleo. Com uma política dessas a Petrobras cria concorrentes para ela mesma e sinaliza para a sociedade que não tem capacidade de ser a provedora de petróleo refinado no Brasil, o que não é verdade!
Para comprar petróleo no mercado internacional é preciso pagar em dólares (divisas). Assim, o Estado gasta os nossos dólares para importar gasolina, utiliza uma reserva que poderia ser gasta em outra coisa que de fato não produzimos internamente e que é necessário importar, como equipamentos que utilizam tecnologia que não detemos internamente. E isso ainda interfere na nossa balança comercial: se a gente importa mais do que exporta, ficamos com deficit de “dólares”.
3. A privatização da Petrobras passará para o mercado controlar um ativo extremamente estratégico. O petróleo atualmente é o principal responsável pela geração energética no mundo, é um produto barato em comparação com os demais e está – comprovadamente – no centro dos principais conflitos mundiais, uma vez que quem tem petróleo hoje tem poder e segurança energética. A entrega desse produto compromete nossa soberania nacional, nossa capacidade de desenvolvimento e a segurança de que teremos abastecimento em quantidade suficiente e a preços muitos parecidos do Oiapoque ao Chuí.
Edição: Daniela Stefano

Leonardo Melgarejo fala sobre os riscos da retirada da etiqueta dos transgênicos

ALIMENTAÇÃO

Leonardo Melgarejo fala sobre os riscos da retirada da etiqueta dos transgênicos

É uma temeridade sob o ponto de vista ambiental e um crime contra direitos constitucionais

A aprovação que aconteceu na comissão do Meio Ambiente é uma afronta aos direitos constitucionais / IHU On-line
A decisão da Comissão de Meio Ambiente do Senado, de aprovar a retirada do símbolo de identificação de transgênico em rótulos de produtos alimentícios, atende aos interesses do mercado e é “uma temeridade sob o ponto de vista ambiental” e “um crime contra direitos constitucionais, uma afronta à legislação, no que tange a direitos dos consumidores”, diz o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo à IHU On-Line.
Para ele, a argumentação da Comissão de Meio Ambiente do Senado se baseia em uma “mitologia criada pelas indústrias beneficiadas pela ocultação de danos e riscos associados aos transgênicos. Afirmam que ‘inexistem evidências de danos’, quando há farta bibliografia apontando problemas. Afirmam que há farta bibliografia apontando inexistência de riscos, quando a maior parte destes estudos são elaborados, patrocinados ou associados às empresas beneficiadas. Afirmam que tais estudos são robustos, quando existem evidências de fragilidade no prazo de análise, no tamanho e na representatividade das amostras”.
Segundo ele, se a medida for aprovada definitivamente, “facilitará alocação de recursos públicos para as lavouras transgênicas, bem como a rolagem e o perdão de dívidas do agronegócio a elas associado”. A decisão, frisa, também “beneficiará o mercado de agrotóxicos, especialmente de herbicidas, com as implicações conhecidas”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Melgarejo diz que a tendência de aprovação da medida “é enorme” e “a única possibilidade de reversão neste processo de degradação das normas e contratos sociais reside na reação da população, o que depende de acesso a informações que não circulam na grande mídia”.
Leonardo Melgarejo é engenheiro agrônomo e doutor em Engenharia de Produção. É vice-presidente regional Sul da Associação Brasileira de Agroecologia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como avalia a decisão da Comissão de Meio Ambiente do Senado, de aprovar a retirada da identificação de transgênicos em rótulos de produtos alimentícios?
Leonardo Melgarejo - Uma temeridade sob o ponto de vista ambiental, já que estimulará o consumo e, portanto, o cultivo de lavouras transgênicas, potencializadoras do uso de agrotóxicos a elas associados. Um crime contra direitos constitucionais, uma afronta à legislação, no que tange a direitos dos consumidores. Encaminhamento de retrocesso desta natureza, com origem na comissão de meio ambiente só pode ser entendido como sinal de contaminação das decisões daquela comissão, em benefício de interesses contrários a seus compromissos com a precaução e a proteção ambiental.
IHU On-Line - O que está em jogo na disputa de manter ou não o símbolo de transgênico nos rótulos dos alimentos?
Leonardo Melgarejo - Interesses de mercado e expansão do domínio da mídia corporativa sobre a consciência coletiva. De um lado, os consumidores não poderão optar pela rejeição aos produtos transgênicos, significando que não poderão sinalizar ao governo, quanto a suas preferências por políticas públicas para a agricultura. Isto facilitará alocação de recursos públicos para as lavouras transgênicas, bem como a rolagem e o perdão de dívidas do agronegócio a elas associado. Da mesma forma, beneficiará o mercado de agrotóxicos, especialmente de herbicidas, com as implicações conhecidas.
Pulverizações aéreas, contaminação de lavouras vizinhas, de aquíferos, de áreas de proteção, passeio e lazer, com ampliação de danos à saúde da população e aos serviços ambientais, serão alguns dos aspectos negativos. Com o agravante de que não será possível estabelecer nexo causal entre aquelas lavouras e os danos para a saúde da população, desresponsabilizando as empresas e seus agentes, quanto aos problemas futuros.
IHU On-Line - Por que razões tem se proposto a retirada da identificação de transgênicos dos rótulos de produtos alimentícios e quais foram os argumentos apresentados pela Comissão para justificar a retirada do símbolo de identificação dos rótulos de alimentos?
Leonardo Melgarejo - Os proponentes se baseiam em mitologia criada pelas indústrias beneficiadas pela ocultação de danos e riscos associados aos transgênicos. Afirmam que “inexistem evidências de danos”, quando há farta bibliografia apontando problemas. Afirmam que há farta bibliografia apontando inexistência de riscos, quando a maior parte destes estudos são elaborados, patrocinados ou associados às empresas beneficiadas. Afirmam que tais estudos são robustos, quando existem evidências de fragilidade no prazo de análise, no tamanho e na representatividade das amostras. Afirmam que são cultivados em todo o planeta, quando na verdade as lavouras se concentram nos EUA, Brasil, Argentina e Canadá.
A mitologia que sustenta a decisão da Comissão se escora numa prática simples, que combina a ocultação de informações contrárias, a desqualificação de estudos contrários e justificação enganosa (como a de que não seria possível alimentar o mundo sem os transgênicos, ou de que eles estariam contribuindo para redução no uso de agrotóxicos, proteção ambiental e dos consumidores/trabalhadores), com apoio da grande mídia e formadores de opinião seletivamente recrutados a opinar.
Com agroecologia e reforma agrária, a sociedade pode fazer mais e melhor, em termos de produção de alimentos, geração de empregos e proteção à saúde e ao ambiente. É impressionante o fato de a Comissão de Meio Ambiente não apenas fechar os olhos a isto como ainda propor avanços, na contramão, em rumo oposto.
IHU On-Line - Na sua avaliação, o símbolo de identificação de transgênico deve ou não permanecer nos rótulos de alimentos? Por quê?
Leonardo Melgarejo - Deve permanecer. Pelos motivos já referidos. Trata-se de direito constitucional e de necessidade comum a toda dona de casa que frequenta mercados, onde compra itens para alimentar sua família. O direito de acesso a informações para tomada de decisões responsáveis, no momento da opção pela aquisição de alimentos, não pode ser destruído por vontade de grupo golpista, em fim de mandato e claramente desinteressado em preservar direitos fundamentais da população.
A ocultação desta informação, a retirada do “T”, implicará em retrocesso inaceitável, que servirá aos interesses comerciais em desprezo aos direitos republicanos, e que deve ser denunciada: estamos perto de engolir mais uma afronta ao contrato social que nos mantém como sociedade organizada.
IHU On-Line - O que as pesquisas que têm sido feitas demonstram sobre a segurança dos transgênicos para a saúde?
Leonardo Melgarejo - As pesquisas patrocinadas pelas empresas e interesses associados têm se relevado comprometidas. A bibliografia internacional mostra isso. Estudo recente, avaliando mais de mil artigos, apontava que em 70% dos casos avaliados havia indícios de conflitos de interesse, levando a resultados sistematicamente favoráveis aos desejos corporativos. Além disso, os dados básicos destas pesquisas, onde os interesses empresariais afetam resultados, costumam ser ocultados, de forma a impedir sua revisão crítica.
De outro lado, em estudos independentes, via de regra negligenciados pelas agências avaliadoras de risco, os resultados são opostos. Na maioria destes casos são apontados indícios de problemas, falhas de metodologia, ocultação ou subvalorização de achados indicativos de problemas, entre outros elementos contrários ao que se divulga nas campanhas de marketing.
Como regra, deve-se afirmar que faltam pesquisas e falta transparência para as pesquisas disponíveis. As agências reguladoras carecem de recursos, de mecanismos e talvez inclusive de interesse em qualificar suas atividades para melhor defender a saúde humana e ambiental. Como agravante, temos o fato de que a sociedade vem sendo enganada por campanhas de marketing e manipulação de informações, o que em conjunto acaba levando à apatia e à formação de uma consciência coletiva ingênua e equivocada, sobre os riscos inerentes ao que ocorre neste campo.
IHU On-Line - Qual é a probabilidade de que a decisão da Comissão seja aprovada definitivamente? Como essa questão possivelmente será vista pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor?
Leonardo Melgarejo - A tendência de aprovaçãoO que as pesquisas que têm sido feitas demonstram sobre a segurança dos transgênicos para a saúde? é enorme. A única possibilidade de reversão neste processo de degradação das normas e contratos sociais reside na reação da população, o que depende de acesso a informações que não circulam na grande mídia. Iniciativas como esta, do IHU, contribuem de forma expressiva, mas são insuficientes para dar conta do problema. Precisamos de uma Voz do Brasil, uma cadeia de mídia verdadeira preocupada e comprometida com os interesses nacionais.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o Projeto de Lei do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), PLC 34/2015, sobre o uso do símbolo dos transgênicos, que será votado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado possivelmente na próxima semana?
Leonardo Melgarejo - Todos os comentários acima sustentam a necessidade de uma posição de rejeição a esta proposta. Ela implica em ofensa a direitos constitucionais. Ela trará/agravará ameaças à saúde humana e ambiental. Ela simplesmente não atende aos interesses nacionais.
Espero, sinceramente, que deputados como este sejam percebidos e interpretados com clareza, em função das implicações de seus esforços e iniciativas, tanto pela sociedade, no presente, como por seus filhos e netos, no futuro.
Edição: Redação

Conversão forçada e intolerância religiosa são retratadas em 'Ex-Pajé'



CINEMA NACIONAL

Conversão forçada e intolerância religiosa são retratadas em 'Ex-Pajé'

Etnocídio indígena: documentário de Luiz Bolognesi acompanha Perpera, da etnia Paiter Suruí que, com a chegada da igreja evangélica na floresta, foi obrigado a abrir mão da pajelância
por Xandra Stefanel, especial para RBA publicado 23/04/2018 08h55
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Perpera
'Depois que pastor disse que pajé é coisa do diabo, viravam o rosto pra mim. Só voltaram a falar comigo quando fui pra igreja'
Perpera já foi a pessoa mais importante e respeitada de sua aldeia. Até completar 20 anos, em 1969, seu povo nunca tinha tido contato com o homem branco. Mas, com a chegada dos brancos na terra indígena Sete de Setembro, em Rondônia, chegou também a opressão religiosa que vem cada vez mais exterminando a cultura indígena e seus saberes tradicionais. Quando o pastor evangélico disseminou que o xamanismo era coisa do diabo, Perpera foi excluído pelos seus até que aceitasse abandonar a prática ancestral da pajelância.
É esta a história que conta o documentário Ex-Pajé, de Luiz Bolognesi, exibido na última semana no Festival É Tudo Verdade e com estreia nas salas de cinema prevista para o dia 26 de abril. O filme é uma espécie de poema visual e sonoro que, em 1 hora e 21 minutos, desenha um sensível retrato do etnocício que vem sendo praticado há mais de cinco séculos no Brasil.
Em tempos de tanta intolerância religiosa, o longa de Bolognesi consegue fazer uma crítica contundente sendo respeitoso com os indígenas convertidos e também com a igreja evangélica em si, mesmo evidenciando na tela a pressão social e espiritual imposta pela religião. Uma das maneiras que os missionários usam para conquistar a população local é a distribuição de medicamentos.
Antigamente se consultava o pajé. Hoje só tomam aspirina”, afirma Perpera, que explica na língua Paiter Suruí que nunca poderia voltar a ser a ser pajé. “Não é possível. Depois que pastor disse que pajé é coisa do diabo, ninguém mais falou comigo, viravam o rosto pra mim. Só voltaram a falar comigo depois que eu fui pra igreja.”
Mesmo que ele não verbalize a profundidade de seus conflitos internos, fica claro para o espectador que seus poderes ancestrais e conhecimentos não desapareceram apenas porque um pastor exigiu. Ao contrário: por mais que diga que já não é pajé, quando alguém está à beira da morte na aldeia, o poder de falar com os espíritos volta a ser necessário. E é essa a maior beleza de Ex-pajé: a resistência silenciosa captada com tanta delicadeza e beleza.
Por mais que diga que já não é pajé, quando alguém está à beira da morte, o poder de falar com os espíritos volta a ser necessário
Fábula de um extermínio cultural
O etnocídio não é a destruição física dos homens, mas a destruição de seus modos de vida e pensamento. Enquanto o genocídio assassina os povos em seu corpo, o etnocídio os mata em seu espírito.” A frase do antropólogo e etnólogo francês Pierre Clastres abre o filme seguida de cenas da chegada dos homens brancos na aldeia. O canto que acompanha as imagens por si só já passa a mensagem de lamento que permeia todo o documentário.
Os sons que invadem a tela durante a exibição permitem uma imensão tanto na floresta quanto nos sentimentos que parecem povoar Perpera. O barulho das árvores, dos insetos, pássaros e do vento parece representar as mensagens que os espíritos continuam enviando ao pajé. As cenas mais intensas são as que Perpera acompanha as missas com o olhar perdido na exuberante natureza que cerca a igreja.
PajéEu não consigo dormir no escuro. Os espíritos da floresta me batem a noite toda, estão bravos por causa da igreja”, diz Perpera, quase implorando que o ajudem a resolver um problema elétrico da sua casa. “Ao mesmo tempo em que me disse que era um ex-pajé, ele me contou que só dormia de luz acesa porque os espíritos da floresta estavam bravos com ele e, se ficasse no escuro, os espíritos batiam nele. Na hora, pensei: ele nunca deixou de ser pajé. Ele está vivendo de outra forma, constrangido pela igreja evangélica a se declarar um ex-pajé, mas ainda vê o mundo com os olhos mágicos”, declara Luiz Bolognesi.
Para o diretor, era importante mostrar esta tragédia social por meio da história pessoal de alguém como Perpera. “Eu quis mostrar esse conflito – que é épico, porque são 500 anos de história do Brasil, desde a vinda dos jesuítas – de dentro para fora. Quis ver essa tragédia do ponto de vista lírico, do ponto de vista de uma personagem que está vivendo na intimidade o conflito. Perpera não abandonou a pajelança porque quis: foi constrangido a isso, e se sente violentado. Apesar de trabalhar muito como roteirista, eu não quis, neste caso, ir com o roteiro pronto. Eu tinha um arcabouço, mas a dramaturgia foi construída no dia a dia, no convívio com eles. À noite eu decidia o que ia filmar no dia seguinte”, afirma no material de divulgação do longa.
O documentário não deixa de lado a exploração extrativista que também vitima a população indígena. Apesar de não ser o tema central, a obra apresenta as ameaças ligadas à terra nesta região de Rondônia, na fronteira com Mato Grosso, onde nativos enfrentam extrativistas que, diariamente, invadem o território em busca de madeira, ouro e diamantes.
O filme passeia pelos limites entre o documentário e a ficção. “Ao longo do processo, entendi que o que eu estava fazendo era cinema direto. Acho que meu filme se insere nessa tradição de um cinema que fica na fronteira entre documentário e ficção, um cinema no qual os atores são os próprios personagens. Esse tipo de cinema é um mergulho muito profundo: você quebra a distância, você vira um pouco o outro. Mas a única coisa que eu sabia, de saída, é que ia escrever a dramaturgia com eles e que tinha de trabalhar com uma equipe pequena. Éramos apenas cinco pessoas”, detalha Bolognesi.
Ex-pajé recebeu o prêmio especial do Júri Oficial de Documentários da Mostra Panorama, no Festival de Berlim 2018. Durante a apresentação, Luiz Bolognese divulgou o Manifesto de Povos e Lideranças Indígenas do Brasil assinado por 28 lideranças e 15 organizações indígenas. O documento propunha um país com mais tolerância e respeito e criticava o etnocídio. Um dos trechos afirmava "Hoje atravessamos muitas crises, ecológica, econômica, política, a nossa frágil democracia foi atacada e os territórios indígenas estão sendo invadidos e saqueados".
CartazEx-pajéDireção e roteiro: Luiz Bolognesi
Direção de fotografia: Pedro J. Márquez
Elenco: Perpera Suruí, Kabena Cinta Larga, Agamenon Saruí, Kennedy Suruí (Caciquinho), Ubiratan Suruí (Bira), Mopidmore Suruí (Rone) e Arildo Gapamé Suruí.
Produtores: Caio Gullane, Fabiano Gullane, Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi
Produção: Buriti Filmes e Gullane
Distribuição: Gullane