terça-feira, 14 de junho de 2016

A perigosa abertura do setor nuclear




Tereza Cruvinel
Usina Nuclear Angra dos Reis
Com a volta das privatizações à agenda do governo interino de Michel Temer, até mesmo o monopólio do Estado na construção e operação de reatores para a produção de energia nuclear está ameaçado. Uma emenda constitucional apresentada em 2007 dormiu nos escaninhos da Câmara estes anos todos e reapareceu agora, com chances de ser aprovada em breve.

A denúncia do conselheiro do Clube de Engenharia Paulo Metri, que explica melhor o assunto na entrevista abaixo. Ele informa que a emenda do deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), de 2007, foi apensada a outra, de 2011, do deputado também tucano Calos Sampaio (PSDB-SP). No último dia 12 de junho foram aprovadas pela Comissão de Constituiçãoe Justiça da Câmara e agora estão prontas para ir a plenário. Se aprovada, diz ele, a mudança na Constituição abrirá o setor à participação estrangeira, com graves reflexos no desenvolvimento nacional. As empresas nacionais, diz Metri, não teriam tecnologia nem capitais para entrar em área tão sensível e estratégica. Tanto os dois autores como o relator são expoentes da base governista de Temer.

Veja a entrevista de Paulo Metri.

247 - O que a PEC 122 representa de fato para o setor nuclear nacional?

Paulo Metri - O deputado federal Alfredo Kaefer, do PSDB do Paraná, apresentou em 2007 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 122, que visa modificar os artigos 21 e 177 da nossa Constituição para excluir do monopólio da União a construção, operação e, implicitamente, a posse de reatores nucleares para fins de geração de energia elétrica. Hoje, só a empresa estatal Eletronuclear possui, constrói e opera no setor. Salvo engano, esta proposta será submetida brevemente à votação do plenário e pode ser aprovada sem grande debate.  Na verdade, está se falando da permissão de entrada de empresas estrangeiras na geração nucleoelétrica no país.

247 - Mas o texto da PEC determina a atuação de empresas nacionais no setor...

Metri - Não existe a possibilidade de uma empresa privada genuinamente nacional vir a ter esta atividade, por causa do porte e experiência requeridos. Podem até camuflar a entrada das empresas estrangeiras no setor, colocando empresas privadas nacionais genuínas na fachada, mas estas serão somente testas-de-ferro. É preciso diferenciar a assistência técnica externa dada a empresa brasileira, como é o caso da Areva, que assiste a Eletronuclear, do uso de uma empresa brasileira sem competência no setor como testa-de-ferro. Então, na prática, o modelo do setor proposto nesta PEC é o do convívio de subsidiárias das empresas nucleares estrangeiras com a única brasileira de porte e tradição: a Eletronuclear, que já possui Angra I, II e III.

247 - Por que é importante preservar a construção, a manutenção e a operação de usinas nucleares na mão do Estado, como hoje determina a Constituição?

Metri - As empresas estrangeiras não irão querer ter no Brasil todas as atividades de projeto, construção, fabricação de equipamentos e montagem das usinas. Seguramente, vão trazer o projeto e os equipamentos do exterior. A construção e a montagem podem vir a ser contratadas com empresas brasileiras, mas elas poderão também forçar para que construtoras e montadoras estrangeiras entrem aqui. Quanto ao ciclo do combustível, a proposta do deputado não menciona nada, mas elas irão importar, certamente, elementos combustíveis, o que maximizará a operação de suas unidades industriais no exterior. Não se pode esquecer que, além da obrigação de oferecer energia elétrica, a mais segura e barata possível, para a sociedade, outros objetivos do Estado são o de maximizar a geração de emprego e renda no Brasil, que estão incluídos na maximização das compras locais. Assim, este critério é muito melhor satisfeito pela Eletronuclear.

247 - Há um mercado de produtos e serviços nucleares no mundo no qual o Brasil poderia se inserir em um futuro próximo. As mudanças propostas pela PEC podem impactar essa participação?
Metri - Com a introdução do novo modelo no Brasil, o país fica impedido de participar da parcela do mercado de produtos e serviços nucleares no mundo, permitida pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Isso porque as subsidiárias estrangeiras aqui sediadas não irão participar de concorrências em outros países, por falta de interesse das matrizes de usar suas subsidiárias. Além disso, o lucro de uma eventual exportação não ficaria no país. O Brasil poderia tentar entrar, no futuro, com o consórcio Eletronuclear, Nuclep e INB, assistido pela Areva. Esta possibilidade futura está sendo negada com a introdução, hoje, do novo modelo, além do nível de desenvolvimento tecnológico dominado pelo país no setor vir a regredir.

247 - Ainda em relação aos interesses e às práticas de matrizes e subsidiárias, há outras perdas?
Metri - Sim. O total das remessas de lucros e valores de assistência técnica para o exterior é superior no caso da adoção do modelo alienígena. A diferença entre os valores do modelo estatal e nacional e do modelo estrangeiro representa o montante que não será remetido para o exterior e será reinvestido no país.

247 - Um ponto que sempre vem à tona em debates sobre a geração energética nuclear é a segurança. A abertura à iniciativa privada colabora com a segurança no setor?

Metri - Na verdade, a construção e a operação privada de uma usina nuclear traz à tona o célebre conflito entre lucratividade e segurança. Sabe-se que, com o acréscimo de medidas de segurança, mais caro fica o investimento da usina. A iniciativa privada visa ter o máximo lucro, dentro de uma atuação segura da sua atividade. Contudo, é omitido que existem diferentes graus de segurança para qualquer empreendimento e, a cada aumento da segurança, existe um investimento adicional, que aumenta o investimento total. Também a escolha do grau de segurança a ser adotado em um empreendimento é uma decisão que leva em conta o impacto na lucratividade, e ninguém pode dizer, com certeza, qual é o grau mínimo de segurança suficiente. Desta forma, pode-se dizer que a construção e a operação de usinas nucleares diretamente pelo Estado podem resultar em usinas mais seguras, à medida que o Estado não procura a maximização do lucro.

247 - A PEC prevê a criação de uma agência que regularia o setor. Essa agência não seria suficiente para garantir que as empresas privadas atendessem não só aos critérios de segurança, como também aos interesses da população?

Metri -Esse é um contra-argumento bastante utilizado. Há quem diga que existindo o ente do Estado fiscalizador da segurança nuclear, atualmente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a segurança estará garantida. Entretanto, algumas das maiores agências reguladoras do país, a ANP, a ANEEL e a ANATEL, que fiscalizam setores abertos ao capital externo, são exemplos de agências dominadas pelas próprias empresas reguladas. A ANP já colocou mais de 1.000 blocos do território nacional em leilão para a busca de petróleo, atividade esta de pouco valor para a sociedade e de grande valor para as empresas estrangeiras. A ANEEL deixou as concessionárias cobrarem a mais dos consumidores por cerca de 10 anos. A ANATEL deixa o Brasil ter uma das maiores tarifas de telefonia do mundo, em flagrante ação de cartel das operadoras.

247 - Caso a PEC passe, qual será a última trincheira de resistência?

Metri - Se passar, conto com a direção e o corpo técnico da CNEN, ou da Agência que venha a ser criada, para oferecer resistência aos assédios de cooptação do setor privado, que com certeza irão existir, uma vez que virão junto com este novo modelo.

Relatório detalha como golpe desencadeou onda de abusos em Honduras

Relatório detalha como golpe desencadeou onda de abusos em Honduras

Pesquisa feita por 54 organizações da sociedade civil e movimentos sociais foi apresentada à ONU como alternativa a relatório oficial de Estado


Lauren McCauley, Common Dreams

O golpe hondurenho apoiado pelos Estados Unidos desencadeou uma onda de políticas neoliberais que têm sistematicamente violado os direitos sociais, econômicos e culturais do povo indígena da nação, das mulheres e dos fazendeiros enquanto têm deixado os ativistas e defensores dos direitos humanos – como a falecida Berta Cáceres – vulneráveis à criminalização e violência.

Essas foram as descobertas de um novo relatório, preparado por uma aliança de 54 movimentos sociais e organizações hondurenhos, e apresentado como uma alternativa ao relatório oficial do governo entregue ao Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais da ONU, que iniciou sua 58a sessão em Geneva na segunda-feira.

“O golpe de estado em 2009 significou um retrocesso dos direitos humanos e um baque sério nas instituições do país”, declara o relatório, que está disponível em espanhol aqui.

Enquanto o estudo não destaca governos internacionais que apoiaram a deposição do presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya, ele aparece no momento em que a ex-secretária de Estado Hillary Clinton se prepara para assumir o papel de nomeação Democrata para a presidência, o papel de Clinton no golpe foi objeto de escrutínio desde o assassinato de Cáceres, uma ativista hondurenha dos direitos dos indígenas e ambientais, em março.


A pesquisa feita pela sociedade civil e organizações regionais descobriu que a agenda econômica da direita ajudou a avançar projetos de desenvolvimento de extração enquanto ignorava os direitos daqueles que detinham a terra.

De acordo com o relatório, muitas concessões foram garantidas a projetos de mineração e hidroelétricas em áreas consideradas sagradas pelos povos indígenas ou vitais para assegurar a subsistência de comunidades locais”, disse o grupo global contra a fome FIAN Internacional, que publicou o estudo.

Como resultado, comunidades campesinas estão “lidando cada vez mais com despejos forçados” enquanto os indivíduos e organizações em oposição ao golpe encontram “violência, intimidação e criminalização”, descobriu o estudo – como no caso de Cáceres, que foi assassinada por oficiais do exército hondurenho e empregados do projeto de represa hidroelétrica ao qual ela fazia oposição.

“Isso demonstra que os mecanismos disponíveis em Honduras para sua proteção não são suficientes. A grande maioria dos casos acaba sem punição”,  segundo o relatório.

E ainda mais, essa violência tem atingido especificamente as mulheres – incluindo a violência estrutural como os direitos culturais, civis, políticos, econômicos e sociais. “O clima de medo em ambas esferas pública e privada, e a falta de responsabilização pelas violações aos direitos humanos contras as mulheres são a regra, não a exceção”, diz o relatório.

Tudo isso acontece em um contexto de extrema pobreza e distribuição de renda não balanceada que leva muitos à subnutrição”, continua o relatório. De acordo com o FIAN, 12.1% da população hondurenha é desnutrida enquanto um total de 95% de crianças indígenas abaixo dos 14 sofrem de subnutrição.

Completando o ciclo, o relatório nota que esse ciclo de violência e pobreza extrema está levando migrantes a procurarem asilo nos Estados Unidos, onde eles geralmente encontram a deportação e a cadeia.








Créditos da foto: reprodução

14/06/2016 - Clipping Internacional

14/06/2016 - Clipping Internacional

Os sindicatos franceses convocaram mais uma jornada de manifestações contra a reforma trabalhista nesta terça-feira (14).


Carta Maior


DW Brasil, Alemanha
Em entrevista à DW, astrofísica brasileira Duília de Mello, que trabalha na Nasa, critica fusão das pastas de Ciência e Comunicações pelo governo interino: "É um retrocesso de décadas que prejudica a imagem do país".
http://www.dw.com/pt/brasil-vai-perder-muitos-c%C3%A9rebros-com-fim-do-minist%C3%A9rio-da-ci%C3%AAncia/a-19327205

Página 12, Argentina
Do correspondente do jornal, Eric Nepomuceno. Cercado, Cunha adverte que não cairá sozinho. O procurador geral pediu sua prisão. Cunha ameaça complicar a vida de 150 deputados, um ministro e um senador próximos a Temer. 

http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-301678-2016-06-14.html

Diário de Notícias, Portugal
Dilma descobre o online como arma contra Temer. Antes moderada no uso das redes sociais, a presidente suspensa, privada da máquina de comunicação institucional, recorre à internet para fazer oposição diária ao sucessor. [privada também da grande imprensa que lhe faz cerrada oposição]
http://www.dn.pt/mundo/interior/dilma-descobre-o-online-como-arma-contra-temer-5225927.html

The Intercept, EUA
Trump acusa Obama de cumplicidade no massacre de Orlando numa escalada  na retórica anti-muçulmana.
https://theintercept.com/2016/06/13/donald-trump-calls-obama-complicit-in-orlando-shooting-escalating-years-of-anti-muslim-rhetoric/



MUNDO

Huffington Post, EUA
A guerra de Trump: norte-americanos vs norte americanos. Ele quer que norte-americanos que não denunciarem vizinhos suspeitos devem ser levados à justiça. “Esse pessoal deve arcar com as consequência, pesadas consequências.” [Soam as trombetas do macartismo, a pior tradição desse país]
http://www.huffingtonpost.com/entry/donald-trump-orlando-san-bernardino_us_575f1802e4b0e4fe51435eb2

The Guardian, Inglaterra
Julgamento do acusado por torturar e matar o cantor Vitor Jara começou na Vara Federal de Orlando, Florida. Hoje, sua viúva será ouvida como testemunha.
https://www.theguardian.com/world/2016/jun/13/victor-jara-trial-former-chile-military-The Nofficer-florida

The Nation, EUA
O massacre de Orlando foi um crime de ódio, pouco importa o que Trump diz. Ele prova que é o coração do partido republicano à medida em que nenhum lider sobre o episódio fez qualquer menção a gays ou armas.
http://www.thenation.com/article/orlando-is-a-hate-crime-no-matter-what-donald-trump-says/

The Independent, Inglaterra
Holandesa estuprada é condenada em Catar por..... “adultério”.
http://www.independent.co.uk/news/world/middle-east/dutch-tourist-allegedly-raped-in-qatar-convicted-of-adultery-a7079536.html

The New York Times, EUA
Trump: ataque em Orlando justifica banimento do islamismo. 
http://www.nytimes.com/2016/06/14/us/politics/donald-trump-hillary-clinton-speeches.html?action=click&pgtype=Homepage&clickSource=story-heading&module=span-abc-region&region=span-abc-region&WT.nav=span-abc-region&_r=0

RFI, França
Os sindicatos franceses convocaram mais uma jornada de manifestações contra a reforma trabalhista nesta terça-feira (14). Além de passeatas nas ruas, perturbações são previstas no espaço aéreo e no transporte ferroviário. Manifestantes identificados como arruaceiros foram proibidos pela polícia de participar do protesto.
http://br.rfi.fr/franca/20160613-franca-se-prepara-para-manifestacao-nacional-contra-reforma-trabalhista



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A República de Weimar, Trump e o desencanto com as democracias

A República de Weimar, Trump e o desencanto com as democracias

Nos EUA e na Europa, a ascensão de movimentos políticos de ruptura é um sintoma de mudança cultural que se enfrenta com a pós-modernidade globalizada


Jochen Bittner * - NY Times

Nós alemães nunca poderemos nos liberar do trauma de nossa história recente. E isso não poderia ser mais atual, tomando em conta o estado do nosso continente e o que acontece do outro lado do Atlântico. Há muitas diferenças entre o que sucedeu aqui nos Anos 30 do século passado e o que sucede agora.

Está claro que presidenciável estadunidense Donald Trump e o líder extremista austríaco Norbert Hofer não são Adolf Hitler.

Apesar disso, a forma na qual a Alemanha enveredou, naqueles anos entre guerras, rumo a um estilo peculiar de autoritarismo, mostra como as democracias liberais podem girar, de repente, na direção de posições totalmente contrárias ao liberalismo.

Deixando de lado o já conhecido debate sobre a ascensão do nazismo como um fenômeno que os alemães já levavam marcado em sua idiossincrasia, é possível identificar quatro fatores que fizeram o país a rechaçar a República de Weimar, a democracia parlamentarista e constitucional posterior ao Tratado de Versalhes e à I Guerra Mundial: crise econômica, perda de confiança nas instituições, uma sensação de humilhação na sociedade e uma série de erros políticos.


De certo modo, tudo isso está presente nas atuais democracias ocidentais.

O colapso da bolsa em 1929, conhecido como Black Friday, produziu uma depressão econômica global. As coisas iam mal nos Estados Unidos, mas na Alemanha estavam pior. A produção industrial caiu pela metade em três anos, a bolsa perdeu dois terços do seu valor, a inflação e o desemprego subiram até as nuvens e o governo de Weimar, que já não contava com a aprovação dos alemães, parecia não oferecer uma alternativa.

Tudo isso sucedeu enquanto os valores e tradições mudavam, fruto da modernização produzida nos Anos 20. As mulheres começaram a trabalhar, a estudar, a votar e a dormir com quem quisessem.

Isso aumentou a brecha cultural entre os trabalhadores e a classe média mais conservadora, e despertou uma vanguarda cosmopolita na política, economia e nas artes, que chegou ao seu ponto máximo no momento do desastre econômico. A população culpou as elites pelo caos provocado, e as massas clamaram por uma mão de ferro que pudesse voltar a impor a ordem.

Há quem acredite que Hitler foi somente um oportunista, que quase ninguém compreendia a ameaça que ele significava. Aliás, muitos políticos de partidos tradicionais reconheceram que era um perigo, mas supostamente não souberam como detê-lo.

Alguns não queriam fazê-lo: os conservadores e a nobreza pensaram que podia ser seu inocente útil e que, como chanceler, estaria limitado pelos ministros mais sensatos. Franz von Papen, um nobre que se ofereceu para ser seu assistente mais direto, chegou a dizer, em tom de deboche: “nós já o contratamos”.

Ao mesmo tempo, nem mesmo o risco iminente de uma ditadura fascista foi capaz de convencer a esquerda da necessidade de unidade. Em vez de buscar a conciliação para defender o interesse nacional, Ernst Thälmann, líder do partido comunista da Alemanha naquela época, chamou os social-democratas de “a ala moderada do fascismo”. Fica claro porque não foi difícil para Hitler unir os amplos setores da sociedade alemã em torno ao seu projeto.

Estamos num momento similar ao da República de Weimar?

A crise econômica de 2008 e a recessão global que ela produziu não foram, nem de perto, tão dolorosas como a depressão daquela época. Porém, suas consequências são sim similares.

O crescimento econômico, no começo deste século, permitiu que estadunidenses e europeus acreditassem de tal forma na fortaleza de suas economias que levou também a uma gigantesca desilusão: a crise dos bancos, a bolha do mercado imobiliário e a ação dos governos deixara milhões de pessoas furiosas, pensavam que as instituições, e sobretudo os políticos que manejaram a situação, os traíram.

Os eleitores se perguntaram porque os governos permitiram que os banqueiros se comportassem como criminosos. Também se perguntaram porque salvaram os bancos em vez de resgatar as fábricas de automóveis. Questionaram o que levou os governantes a aceitar a chegada de milhões de imigrantes. A grande pergunta é se existe uma legislação diferente para a elite, regida por uma cosmovisão hipermoderna e liberal, e que olha para a classe trabalhadora com desdém, desprezando seus valores e qualificando-a como um conglomerado de pessoas sem capacidades.

Nos Estados Unidos e na Europa, a ascensão de movimentos políticos de ruptura é um sintoma de mudança cultural que se enfrenta com a pós-modernidade globalizada – assim como, no período entre guerras, houve um sentimento de rechaço à modernidade.

A acusação mais comum das massas é que a democracia liberal foi longe demais, que se tornou uma ideologia, que só serve para a elite, e os demais pagam o pato. Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (a extrema-direita da França), usa o termo les invisibles et les oubliés (os invisíveis e os esquecidos) para se referir ao cidadão comum de classe média ou baixa.

Claro que não estamos em 1933. Agora, as instituições democráticas são muito mais sólidas e estáveis. Mas o poder da nostalgia não depende da época. Por isso, e apesar das diferenças, vivemos um momento similar nas democracias ocidentais.

É fácil dizer que as pessoas devem aceitar a realidade e se esforçar para conseguir reformas práticas, mas os partidos tradicionais não fizeram nem mesmo isso – ao menos não de uma forma convincente. Preferem o enfrentamento entre si, e isso permite que a ascensão de líderes demagogos seja vista como uma solução e não como um problema.

Trump não é Hitler, mas isso não é o que importa. Hoje, assim como no período entre guerras, vemos que o liberalismo não é capaz de dar respostas aos problemas que a sociedade aponta.

Nem sequer aos que questionam sua própria existência.

* Jochen Bittner é editor do semanário alemão Die Zeit.

Tradução: Victor Farinelli


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O impeachment e o plebiscito



O impeachment e o plebiscito

É essencial que os movimentos empunhem a agenda do plebiscito: o povo deve ser consultado sobre a antecipação de eleições presidenciais e legislativas.

Pedro Paulo Zahluth Bastos*
A hipótese de que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi um evento jurídico perfeito, ou seja, que não foi um golpe, não é mais defendida por nenhum observador desinteressado, ou pelo menos capaz de mudar de opinião à luz de evidências.

Duas evidências recentes destruíram os últimos argumentos quanto à legalidade do impeachment. Primeiro, as gravações em que líderes do PMDB como Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney tramavam contra a operação Lava-Jato e admitiam a necessidade, com o impeachment, de “parar a sangria” do sistema político corrupto.

Os corruptos admitiram que Dilma precisavade ser afastada porque não admitia um acordo para barrar as investigações sobre a corrupção. A legislação brasileira, contudo, não prevê a revogação de mandato por causa da perda de apoio parlamentar do presidente, e muito menos porque este resista a um acordo para proteger parlamentares corruptos, como Dilma resistiu (ver, na Carta Maior, o artigo “Quais os objetivos políticos do golpe?”).

Não há melhor indicação do primeiro objetivo político ilegítimo do impeachment – salvar a pele de corruptos - do que o fato que nenhuma das conversas gravadas tratou do motivo declarado para o impeachment: as chamadas “pedaladas” fiscais (ver, na Carta Maior, o artigo “Por que o impeachment é um golpe?”).

O pretexto do impeachment e a inação do Supremo Tribunal Federal

Quanto às “pedaladas”, seu uso como pretexto foi inteiramente desmascarado, quando as duas principais testemunhas de acusação escaladas pelo governo interino de Temer, na primeira oitiva da Comissão de Impeachment do Senado Federal em 08 de junho, admitiram que não há ilegalidade nos decretos orçamentários nem no Plano Safra de 2015. Os atos administrativos não passaram pela presidenta e não se confundem com um crime de responsabilidade.

As testemunhas de acusação realçaram o absurdo da declaração um pouco anterior do ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF), que em palestra na UNB, no mesmo dia, afirmou que "Não é papel do Supremo jogar o jogo político quando ele chega nesse estágio. Essa deixa de ser uma questão de certo ou errado e passa a ser uma questão de escolhas políticas. Não é papel do Supremo fazer escolhas políticas".

O argumento de Barroso que o STF não pode julgar o processo do impeachment é absurdo: primeiro, porque a disputa política em uma democracia segue regras cujo desrespeito deve ser avaliado pelo STF, que não pode admitir o vale-tudo. Segundo, porque o STF estaria agindo politicamente e assumindo o papel do Legislativo ao reinterpretar a lei do impeachment a ponto de admitir que prescinda de crime de responsabilidade (considerando que nem toda infração significa tal crime).
Na prática, o STF modifica a lei caso se recuse a avaliar se os decretos orçamentários significam crime de responsabilidade. Ao fazê-lo sob o pretexto que não pode intervir na luta política, admite que a luta política pode ser feita em um vale-tudo, como se não houvesse leis que a limitem e que devam ser resguardadas pelo próprio STF. Seria chancelar qualquer golpe político sob o argumento de que um poder não pode interferir em outro, mesmo que a inação do STF tenha o efeito prático de proteger a manobra política de corruptos para defender um sistema político corrupto.

Se o STF se recusa a intervir para defender a soberania popular e as leis diante do ataque de políticos corruptos, o que pode garantir a soberania popular senão ela mesma?

A urgência de um plebiscito popular

Todo poder emana do povo. Dilma Rousseff foi eleita popularmente, mas perdeu popularidade por causa dos escândalos de corrupção e, principalmente, porque implementou o programa econômico de seu adversário e jogou uma economia estagnada em uma recessão profunda. Assim, ficou vulnerável ao ataque de políticos que nunca disfarçaram bem o golpismo.

Hipocritamente, seus adversários a acusaram de estelionato eleitoral, mas passaram a defender e, no governo interino, implementar um programa neoliberal radical de corte de direitos sociais, já anunciado no programa Uma ponte para o futuro do PMDB em novembro de 2015, mas inteiramente desconhecido da população que foi às urnas em 2014.

Para dar uma ideia de a quem o programa atende, Temer e Meirelles anunciaram uma regra fiscal que limita a ampliação de gastos à taxa de inflação, ou seja, veta aumentos reais de despesa, independentemente do aumento da população, do PIB ou da vontade popular. Se a regra fosse seguida, em 2005 quando Pallocci e Delfim Neto defendiam limites para o gasto público, o gasto em saúde seria 30% menor e em educação, 70% menor, em 2015, mas a “poupança fiscal” seria ampliada para permitir pagar uma conta de juros ainda maior.

O Banco Central estaria livre para colocar os juros nas alturas sem provocar uma explosão do endividamento público, porque o Estado brasileiro se transformaria gradualmente em um mero repassador de tributos e patrimônio público para portadores de títulos públicos. O sentido econômico e social do golpe é transformar o Estado em um Robin-Hood às avessas.

Não surpreende que até o principal redator do programa Uma ponte para o futuro, o ex-ministro da Previdência Social de FHC, Roberto Brandt, admita seu caráter antidemocrático:

“O desequilíbrio fiscal brasileiro está contratado nas leis, na Constituição, que precisam ser alteradas. Esse documento não foi feito para enfrentar o voto popular. Com um programa desses não se vai para uma eleição. E as pessoas querem mais. Elas não querem menos. Lula vai chorar em praça pública. Precisa desvincular benefício social do salário mínimo. Vai ser um Deus nos acuda. Agora, o sistema político brasileiro está preparado para fazer as mudanças?Não. Nem sei se a sociedade está. Vai ser preciso ser rápido no Congresso. Dar um tranco. Vai ser preciso agir muito rápido. E sem mandato da sociedade. Vai ter de ser meio na marra”.

Quando parlamentares se unem para barrar uma presidenta porque veta acordos pró-corrupção; quando ministros do STF anulam sua prerrogativa de limitar o vale-tudo político comandado por corruptos; quando um governo interino, produto de um golpe, admite realizar um programa econômico cujos efeitos distributivos não passariam pelo crivo de uma consulta democrática; quando parlamentares prometem paralisar o governo no caso do retorno de Dilma, só parece restar uma solução pacífica para o dilema: a consulta à fonte do poder em uma democracia, o povo.

É fundamental barrar o impeachment e, para superar o impasse político de um modo realista, é vital realizar um plebiscito popular. Os golpistas vão chegar ao absurdo de dizer que a proposta de um plebiscito popular é um golpe. Isso é um bom sinal. Mas mesmo os políticos contrários ao impeachment tenderão a um acordo mínimo para barrar o impeachment, ou seja, limitar o plebiscito à consulta sobre a antecipação de eleições presidenciais.

É essencial que os movimentos sociais empunhem e empurrem a agenda do plebiscito. O povo deve ser consultado: 1) sobre a antecipação de eleições presidenciais e para o Congresso Nacional; 2) sobre eleições para uma Constituinte Exclusiva para a Reforma Política.

Os políticos vão tentar limitar a consulta à revogação do mandato da presidenta e seu vice, o que de todo modo é melhor do que a revogação ilegítima apenas de seu mandato, mantendo seu vice pelo impeachment-golpe. Cabe à sociedade civil exigir que a totalidade do sistema político se curve à vontade popular.

* Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor associado (Livre-Docente) do Instituto de Economia da Unicamp