segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Depoimento de um assessor do PSDB: LULA É UM PRESO POLÍTICO


Depoimento do cientista social que trabalhou com Antonio Anastasia, César e Rodrigo Maia e que assessorou Aécio Neves em 2014. Marcelo Garcia:

Luiz Inácio Lula da Silva 

O ex presidente está preso há 7 meses. 
Preso sem provas concretas. 
Os delatores estão  soltos e morando em suas mansões. 

Só votei em Lula uma única vez na vida ( segundo turno de 1989 ). 

Mas ontem separei quase 3 horas do meu dia e assisti o depoimento de Lula para a nova Juíza do caso Lava Jato. 

Em nenhum momento foi apresentado uma única prova de que o Sítio de Atibaia era dele. Muito ao contrário as provas mostravam que não era dele. 

Eu repito:  Assisti Atentamente. 
Não foi apresentado uma única prova. Nenhuma prova que o sítio fosse dele. 
Ele frequentava o Sítio como eu já frequentei casa de vários amigos. 

Ontem tive muito respeito por Lula: 
Ex presidente da República que deixou o governo com 90% de aprovação,  que teve um câncer 1 ano depois, 73 anos, viúvo há a quase dois, preso há 7 meses sem uma única prova concreta do triplex do Guarujá e ele buscando por vida e justiça. 

Poderia ter saído do país e estar exilado mas foi se entregar na Polícia Federal do Paraná e cumpre uma pena de 10 anos sem que uma única prova seja real. 

Enquanto isso Temer é Presidente da República e Padilha e Moreira são ministros. 

Podem me vaiar, bloquear ou me expor ao inferno mas Lula é sim um Preso Político. 

O PT cometeu erros enormes mas os demais partidos também mas o troféu que queriam era Lula. 

Fiquei triste em ver o que a Justiça pode fazer com um brasileiro. 

A Justiça pode matar, prender e calar uma voz. 

Lula está preso e em silêncio. Está velho e frágil mas manteve em todo depoimento argumentos sólidos sobre sua situação e sabe que o tempo será cruel com ele. 

Ontem no final do depoimento chorei pelo Brasil e vi que quando a classe média e a elite minoritária desse país se sentem ameaçadas elas usam da legalidade para reverter o jogo e voltar ao poder. 

Tenho 49 anos e ontem tive a sensação que veremos Lula sair no caixão da prisão e aí a história será de fato contada e compreendida.

Aí virão monumentos, homenagens e tudo mais. 

Lula quer a Vida dele de volta. 

Lula não quer ser um herói morto.  Quer ser um Político vivo e com voz. 

Tenho quase certeza que não vai conseguir. 

A Justiça ontem mostrou pra mim que esse país mata com a lei na mão e que a lei é uma interpretação. 

No caso de Lula uma interpretação de pena de morte. 

Lula vai morrer na cadeia. 

E o que mais me assusta é que é justamente isso que a minoria que comanda s desigualdade no Brasil quer. 

Marcelo Reis Garcia

Sobre a Medicina em Cuba

De: Liane Maria Faccio

O jornal Zero Hora me mandou registrar uma das facetas da economia cubana em 1992 e, finda uma semana de trabalho em Havana e arredores, eu retornava para o Brasil em um voo tão estranho que não foi possível aconchegar a cabeça na poltrona e descansar. Adultos trocavam de lugar como se fossem adolescentes, adolescentes choravam como se fossem crianças, crianças se abraçavam como se fossem adultos, e eu, então repórter de ZH, fui ver do que se tratava. Eram 50 vítimas do acidente nuclear com Césio 137, 50 pacientes que, pela primeira vez após cinco anos desde a contaminação, faziam exames capazes de indicar qual o melhor tratamento para combater os efeitos da radiação.
No Brasil, que sob a mordaça da ditadura não havia desenvolvido pesquisas adequadas na área daquele tipo de contaminação, aquelas pessoas só conseguiriam fazer os exames indicados para seu caso se fossem ricas. Mas a cápsula maldita com material radiativo se rompeu na periferia de Goiânia, e lá só havia gente pobre. Então, por cinco anos, elas foram marginalizadas, até que o governo de Goiás, após tentar remédio no Rio de Janeiro, encontrou a solução na Ilha de Fidel: bastava levar e trazer os pacientes que os exames, medicamentos, alimentação e hospedagens lá, então o maior centro especializado em radiação nuclear na América Latina, sairiam de graça.
Íris Rezende não era, nem é, comunista: foi eleito governador de Goiás pelo PMDB. Itamar Franco, que assumia a presidência no lugar do titular, afastado por gastar dinheiro público em reformas nababescas da "casa da dinda", não era comunista: também era do PMDB. Para Donizeth Rodrigues de Oliveira, uma das vítimas do Césio com quem conversei naquela viagem insone, isso não importava. "Não teríamos condições de pagar os testes nem em 20 anos de trabalho", disse.
As crianças que entrevistei naquele avião cubano nem faziam ideia do que era comunismo, mas já sabiam o que era preconceito. Desde o acidente, contou-me a mãe de uma delas, elas perderam amizades e sofriam com um quase que isolamento; lá, foram tratadas 45 dias com abraços e beijos.
Nesta semana, retrocedemos a uma época anterior àquele ano de 1992, por um ideologismo estúpido, um desrespeito inacreditável, uma ignorância inadmissível para o século 21. Mas nós não sofreremos tanto quanto os pacientes dos milhares de médicos que foram embora. Cabe ao Ministério Público Federal garantir - e mostrar - que amanhã mesmo haja médicos substituindo cada um dos que ontem anunciaram que vão embora. E cabe ao MPF, também, e aos MPs estaduais, comparar o quanto vai custar a mais a substituição dos profissionais de saúde que aqui estavam por médicos brasileiros, que ao que parece não queriam ir atender em locais tão distantes, tão inóspitos, tão sem coluna social. E a cada um de nós cabe cobrar a conta da diferença do gasto com o projeto anterior e com o que vem por aí. Sobre o que vem por aí, aliás, também podemos rezar.

(Liane Maria Faccio)

Fonte: 3Setor

Borges e os labirintos do fascismo

Soberania Nacional

Borges e os labirintos do fascismo

 

 
19/11/2018 14:16
Jorge Luis Borges (Reprodução/Youtube)
Créditos da foto: Jorge Luis Borges (Reprodução/Youtube)
 
Jorge Luis Borges (1889-1986) foi um grande escritor e um escritor original. Nem todo o grande escritor é original e grande, como foram Dostoiewski, Shakespeare e Machado. E um grande escritor nem sempre é original, como Philip Roth, Jorge Amado ou Sholokhow. Mas o que vejo de original e genial em Borges é que nem sempre – quando a gente o lê –  sabe-se se estamos perante um conto escrito por ele, um ensaio literário, o prefácio de um livro imaginário ou um pequena lição de filosofia da estética. Borges parece que nos trata como dementes incompletos à espera de uma razão imaginária, mas, se entramos no seu jogo verbal saímos mais lúcidos, pois aprendemos a separar a demência da arte, o desequilíbrio das emoções que ele mesmo nos causa, da forte tensão cultural que revela nos seus textos.

Em conversas “aleatórias” com minhas filhas, irmãos e amigos, às vezes invento frases de Borges, que suponho teria lido em algum livro remoto.  Outras vezes cito-as corretamente, mas nem sempre me recordo de desmentir as que inventei. Na verdade nem sempre sei quais são as minhas e quais as dele, mas certamente pela qualidade da fala, os que me ouvem sabem diferenciar o autor. Borges é inimitável! E o é principalmente porque diz coisas sem sentido em sentenças dotadas de uma serenidade irracional e lírica, que tem uma grandiloquência quase épica. Quando vem a frase, todavia, o leitor cria um sentido: põe uma certa dose de razão nela e passa a se perder – daí conscientemente –  no infinito do seu labirinto.

Esta singular fusão de Borges – da realidade alienada somada à vida empírica dos heróis falsificados – é o que promete ser o Governo Bolsonaro: ultra-liberalismo globalizante e amoralidade fascista, integrada com o uso permanente  da “exceção”. É o que se pode esperar de um economista egresso do pior setor neoliberal da Escola de Chicago (Paulo Guedes), um Ministro de Relações Exteriores alucinado e pós-moderno, que diz que a Europa é um “vazio cultural” (Ernesto Araujo), juntos com o Juiz (Moro), que manipulou como quis nosso Sistema de Justiça em cumplicidade com a mídia oligopólica. No centro de tudo um ensaio de aiatolá possesso, que esbraveja armas e ódios por todos os poros.

Eles promoverão, então, aquele absurdo do convencimento borgiano, sem a sua alma literária, através de  um labirinto barroco com uma saída prevista que nos levará – como paspalhos – a um brutal atoleiro nas relações internacionais. E a um beco sem saída na questão democrática, que é recorrente na nossa história.

Quando esta ameaça se faz visível e o absurdo começa a se tornar  razão falsificada, é melhor buscar metáforas no Borges dos “Textos Cativos”: fugir da circularidade hegeliana da História para, voando dentro do redemoinho borgiano, ver algo de sanidade nesta loucura. Talvez seja impossível, ainda não se sabe, pois o mestre da hipnose fascista pula do ódio aos cubanos às recomendações sobre o trato sexual nas famílias.

Poderá ser vista, tal sanidade?  Talvez sim, pois se Borges saía dos seus labirintos pela literatura em estado “puro” -o que não exige nenhuma coerência com o mundo real- os atuais controladores do país nos colocaram num círculo infernal, cuja saída será não a literatura em estado puro, mas a política que os confronte com o mundo real, em estado puro, no qual a sua retórica do ódio não consegue resolver tudo. É no terreno puro da razão política frentista, composta por convergências essenciais, portanto, que temos que enfrentá-los. Primeiro, compreendendo quais são as “suas” razões imediatas, para respondê-las com um programa de civilidade e grandeza, depois,  analisando os fundamentos econômicos e sociais da sua loucura, para dizer pacientemente ao povo que ele foi enganado pela farsa dos “não políticos”, que são apenas políticos fascistas ou oligarcas politizados.

A indicação de um Ministro de Relações Exteriores que se opõe religiosamente à globalização num mundo já globalizado, apontando-a – na verdade – como um “pecado”; o próprio Presidente eleito – que enunciou um mandato expulsório dos médicos cubanos que prestavam serviços dignos a 24 milhões de brasileiros (que conheceram o que é Estado através destes serviços); a indicação para o Ministério da Justiça do Juiz Moro, que jogou na cadeia (sem provas) um grande Presidente, para que ele não pudesse concorrer e governar; as indicações sobre o republicanismo, feitas por um Temer patético na TV, celebrando a data da República, ele mesmo golpista e quase-réu;  – tudo isso e mais um pouco – mostra que eles terão poucas saídas pela política e pela democracia, o que torna a política mais essencial e a democracia mais exigível.  Entre aspas, coloco algumas frases insanas de Borges, que ajudam a devassar a bruma de exceção que nos legaram.

Estamos atravessando momentos de consolidação de um não-projeto, ainda não testado na América Latina, apoiado por setores da população de renda alta, baixa  e média, pela ampla maioria dos empresários que se fizeram ricos, graças às políticas públicas de indução ao consumo interno e aos financiamentos dos bancos públicos. Sustentam este projeto, não só um grande contingente de políticos – corruptos ou não –  originários de partidos que estavam na situação ou na oposição recentemente, mas também a ampla maioria das mídias tradicionais. Estas – ainda se fazem de desentendidas – fechando seus olhos remunerados para não emitirem juízos negativos sobre as formas fascistas que vem adquirindo o Governo Bolsonaro, criticam alguma coisa no “varejo”, mas preservam o atacado – tornar o Estado impotente para proteger os mais débeis – pois as reformas ainda estão em disputa. É o que lhes faz abrigar o futuro Governo de uma crise terminal precoce.

A tendência ao pensamento único, em construção na sociedade fragmentada da semi-periferia do sistema global, não opera -neste contexto- como consciência totalitária integral, originária da forma estatal. Desenvolve-se fragmentariamente, “de baixo para cima”, impulsionada pelas carências de segurança, escola, saúde, jamais se apresentando como razão política. Nem mesmo como razão de Estado imediata, pois o que pretendem, neste momento, não é um pensamento “único”, mas uma voz “unificada” pelas mensagens do dinheiro que ocupam majoritariamente as redes. Estas – atenção – não formam uma opinião nova, mas reforçam o senso comum já milimetricamente produzido nas mídias tradicionais, que magnificaram o ódio a quem, mal ou bem, não aceita a sua tutela sobre a cultura e a política da vida comum.

Eles, os fascistas, sabem que agora é a hora da consciência – sofrida e manipulada – subtrair do corpo aquilo que ele  tem de humano para serem conduzidos, não à estatolatria esgotada, mas às peripécias ilusórias do mercado: o outro é o inimigo e o diferente é o mais fácil de ser abatido. E as mensagens que as pessoas querem ouvir – nestas circunstâncias históricas – não são as destinadas fomentar o desejo de reforma, mas são as pulsões para a eliminação do outro que lhe concorre, aquele que deve ser retirado do meu horizonte, seja para o medo orientada por mensagens que eles querem ouvir para socializar sua mesquinhez virtual, seja pela expulsão, prisão ou encarceramento moral, de quem quer ser livre para viver e amar do jeito que lhe apraz.

Os adeptos do fascismo adoram tudo que lhes afasta do outro, seja através de ondas planejadas de violência, seja através  do uso de redes sucessivas, cujas malhas  detém os melhores sentimentos humanos, tanto para o reconhecimento do próximo como irmão -que assim deixaria de ser mero objeto na aventura da existência- seja como identidade social e de classe, de passageiros comuns nas naves longínquas do tempo, para a construção da utopia dos iguais. Como se nada fosse “dito” ou “feito”, até a eleição e como se as palavras violentas do Presidente eleito fossem apenas falhas de uma mente ainda em formação, a magna mídia funciona como uma espécie de “órgão múltiplo de uma única consciência” tolerante com o fascismo.

A magna mídia acolhe a sua criatura e os seus delírios em nome das reformas que ele sequer pensava em fazer, mas que agora aceita de bom grado. Com esta mesma disposição, ela tenta controlar seus ímpetos mais violentos -sua pulsão pela morte do “outro”-  como se aquele “dito” e “feito”, fossem acidentes de percurso a serem digeridos na democracia tutelada. Nem que esta perca sua essência libertária e diversa e assim torne-se fixada na tristeza da uniformidade do condutor: “como em certos gigantescos planetas áridos, onde o corpo múltiplo de cada consciência é um enxame ou uma nuvem de insetos”.  De novo, o velho Borges com suas ideias lancinantes: “Há quem tenha negado o presente. Há metafísicos, no Industão, que disseram não existir um momento em que fruta cai. A fruta está para cair ou está no chão, mas não há um momento em que fruta cai.”  Apesar de tudo, por enquanto, só poucos de nós estão chão.

Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

*Publicado originalmente no Sul/21

Defesa de Lula apresenta declaração de Vaccari que rebate Leo Pinheiro sobre triplex

Defesa de Lula apresenta declaração de Vaccari que rebate Leo Pinheiro sobre triplex

Publicado em 19 novembro, 2018 10:07 pm
Do advogado Cristiano Zanin Martins no site A Verdade de Lula.
Em manifestação apresentada hoje (19/11) ao juízo da 13ª. Vara Federal Criminal a defesa do ex-Presidente Luiz Inácio Lula das Silva apresentou declaração manuscrita do Sr. João Vaccari Neto que rebate as afirmações do corréu Leo Pinheiro durante seu interrogatório, ocorrido em 09/11/2018.
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Eis o conteúdo da declaração do Sr. Vaccari apresentada à Justiça:
“(…)
O Sr. Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, novamente faltou com a verdade em seu depoimento prestado em 09.11.2018 perante este juízo, 13a Vara Federal Criminal, no estado do Paraná. Não tenho conhecimento de qualquer conta corrente informal mantida entre o PT e a OAS, provenientes de contratos da Petrobras ou de qualquer outro contrato firmado com a Administração Pública Federal, de modo que jamais gerenciei ou pratiquei qualquer ato relativo a essa espécie de conta.
Reitero que em nenhum momento tratei com o Sr. Léo Pinheiro sobre a destinação de um apartamento triplex no Guarujá em SP, ou, ainda, de gastos com reformas nesse imóvel. Não intermediei o custeio de supostas reformas realizadas apela OAS no chamado ‘sítio de Atibaia’. Refuto enfaticamente que tenha realizado qualquer ‘encontro de contas’ com Sr. Léo Pinheiro, ou com outro executivo da OAS envolvendo valores relativos ao apartamento do Guarujá ou a reformas no ‘sítio de Atibaia’.
Jamais intermediei qualquer tratativa para pagamento de vantagens indevidas em favor do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Na mesma manifestação foram requeridas outras 11 diligências complementares, como autoriza a lei (Código de Processo Penal, art. 402). Dentre as diligências requeridas está a solicitação de informações ao Tribunal Regional Federal da 4ª. Região sobre a existência de juiz(a) previamente designado para julgar processos relativos à chamada “Operação Lava Jato” e, consequentemente, para julgar o processo envolvendo o ex-Presidente Lula.
Segundo levantamento realizado pela Defesa, a Portaria nº 587, de 06 de junho de 2018, editada pelo Corregedor Regional da Justiça Federal da 4ª Região, designou a MMª Juíza Federal Substituta Gabriela Hardt para “sem prejuízo da sua jurisdição, no período de 08 de junho de 2018 a 07 de dezembro de 2018, processar e julgar os processos distribuídos ao Juízo Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, com exceção daqueles relacionados à denominada Operação Lava Jato”.
Também foi pedido que, em atenção às garantais constitucionais do contraditório e da ampla defesa, seja estabelecido pelo juízo prazos diferentes e sucessivos em relação aos corréus delatores para que a Defesa de Lula apresente suas alegações finais no processo.
Zanin

A legitimação da cultura da violência pela pregação de Bolsonaro

A legitimação da cultura da violência pela pregação de Bolsonaro

 

 
19/11/2018 13:40
Ato público contra o abuso sofrido pelas mulheres, promovido pela ONG Rio da Paz, no Rio de Janeiro, em 2016 (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Créditos da foto: Ato público contra o abuso sofrido pelas mulheres, promovido pela ONG Rio da Paz, no Rio de Janeiro, em 2016 (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
 
A campanha eleitoral de Jair Bolsonaro para a presidência de República se caracterizou pela pregação de muito ódio, exaltação da violência a ponto de ter como herói um dos mais perversos torturadores, Brilhante Ustra e admirar a figura de Hitler. Fez ameaças aos opositores que não teriam outra alternativa senão a prisão ou o exílio. Pregou ódio a homoafetivos, aos negros e negras e aos indígenas. O Movimento dos Sem Terra e dos Sem Teto seriam considerados terroristas e como tal tratados. Os quilombolas nem serviriam para reprodução. Foram ofensas sobre ofensas a vários grupos de pessoas e minorias políticas. Talvez a maior desumanidade mostrou quando disse às mães chorosas que procuravam corpos e ossos de seus entes queridos desaparecidos pela repressão por parte dos órgãos de controle e repressão da ditadura militar: “quem procura ossos são os cães”, Bolsonaro disse.

Este foi o discurso da campanha. Outro está sendo o discurso como presidente eleito, dentro de um certo rito oficial. Mesmo assim continua com as distorções e com uma linguagem tosca fora da civilidade democrática. Tudo culminou com a saída de 8.500 médicos cubanos que atendiam as populações mais afastadas de nosso país. Era um protesto do governo cubano face às acusações de Bolsonaro à Cuba, pois é um obsessivo anti-comunista.
A atmosfera tóxica criada pela campanha eleitoral acabou por gestar uma cultura da violência nos seus seguidores, exaltando-o como “mito”. Vários do LGBT especialmente os homoafetivos, negros e indígenas sofreram já violência. Houve até mortes gratuitas aos gritos de “Viva Bolsonaro”.

Que quer sinalisar este fenômeno de violência? Bolsonaro mediante metáforas ponderosas como contra a corrução, o anti-Petismo, o comunismo, o tema da segurança pública e o da família e o lema fundamental “Brasil acima de tudo”(tomado do nazismo “Deutschland über alles”) e Deus acima de todos”, conseguiu desentranhar a dimensão perversa presente na “cordialidade do brasileiro”

Esta expressão “cordialidade do brasileiro”criada pelo escritor Ribeiro Couto e consagrada por Sérgio Buarque de Holanda (cf.V.capítulo de Raizes do Brasil de 1936) é bem explicada por ele e pode significar, por um lado, bondade e polidez e, por outro, também rancor e ódio. Ambas as dimensões provém do mesmo coração donde se deviva “cordialidade”. Sérgio Buarque exemplifica: “a inimizade bem pode ser cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem do coração”(p.107). Bolsonaro e seus mais próximos seguidores habilmente souberam tirar à tona este outro lado sombrio de nossa cordialidade. Recalcou o lado luminoso e deixou que o lado maligno inundasse a consciência de milhares de pessoas.

Esse lado nefasto estava escondido e reprimido na alma do brasileiro. Sempre houve ódio e maldade face aos antigos escravos negros cujos descententes são 55,4% de nossa população atual. Isso o mostrou brilhantemente Jessé Souza no seu livro já famoso “A elite do atraso: da escravidão ao Lava-Jato”(2018). Mas era de parte dos representantes antigos e atuais da Casa Grande. A maioria da imprensa empresarial e conservadora e particularmente as mídias sociais da internet universalizaram essa compreensão negativa.

Aconselho ao leitor/a que volte a reler meu artigo de 5/11/18:”A dimensão perversa da ‘cordialidade’ brasileira”. Ai, com mais recursos teóricos, procuro fazer entender esse lado sombrio de nossa tradição cultural.

Qual é o dado específico da atual hostilidade, o lado negativo de nossa cordialidade? É o fato de que ele, que sempre existia, agora se sente legitimado pela mais alta instância política do país, por Jair Bolsonaro. Ele despertou esse lado dia-bólico e reprimiu o lado sim-bólico em muitos de nosso povo que lhe deram a vitória eleitoral.

Não adianta o futuro presidente condenar os eventuais atos de violência, pois se desmoralizaria totalmente caso os tolerasse. Mas convenhamos: foi ele que criou as condições psico-sociais para que ela irrompesse. Ele está na origem e, historicamente, deve ser responsabilizado, por ter despertado esse ódio e violência. Ela prossegue nas midias sociais, nos twitters, blogs e facebooks.

Nenhuma sociedade se sustenta sobre essa dimensão desumana de nossa humanidade. Para conter esse impulso negativo que está em todos nós, existem a civilização, as religiões, os preceitos éticos, os contratos sociais, a constituição, as leis e o auto-controle. Existem também os órgãos que zelam pela ordem e pela contenção de formas criminosas de cordialidade.

Urgentemente precisamos de pessoas-sínteses, capazes de apaziguar os demônios e fazer prevalecer os anjos bons que nos protejam e nos apontem os caminhos da convivência pacífica. Não será Bolsonaro, a pessoa indicada. Mas as sombras existem porque há luz. E é esta que deve triunfar e fazer ditosa a nossa convivência nesse belo e imenso país.

Leonardo Boff escreveu: O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade,26.ed. Vozes,2015.

*Publicado originalmente no blog do autor

Nota da Abrasco sobre a saída dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos para o Brasil

Nota da Abrasco sobre a saída dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos para o Brasil

 

 
19/11/2018 15:27
(Reprodução/Abrasco)
Créditos da foto: (Reprodução/Abrasco)
 
No dia 14 de novembro, a imprensa nacional e estrangeira veiculou notícias sobre o fim do acordo de cooperação técnica entre Cuba e Brasil, mediado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), no âmbito do Programa Mais Médicos (PMM).

Segundo o Ministério da Saúde de Cuba, trata-se de uma resposta às declarações desrespeitosas aos médicos cubanos do presidente eleito do Brasil e à sua intenção de modificar os parâmetros do Termo de Cooperação, renovado em 2016.

Diante disso, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco vem alertar as autoridades e a população para as repercussões da saída dos médicos cubanos sobre a assistência à saúde de milhões de brasileiros, considerando que os médicos cubanos estavam em 2.800 dos 3.228 municípios participantes do Mais Médicos e que, em 611 municípios, todos os médicos atuantes eram cubanos.

A dificuldade de lotação e fixação de médicos em áreas de difícil acesso ou de alta vulnerabilidade social é um problema histórico e estrutural do sistema de saúde brasileiro. Para enfrentá-lo, desde a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, em 1988, diversas iniciativas foram tomadas, em geral com alcance limitado ou temporário.

A situação começou a melhorar apenas em 1994, com a implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF), que viabilizou a expansão da atenção primária à saúde em todo o território nacional, com base em equipes multidisciplinares, incluindo médicos. Os resultados muito positivos da ESF, contudo, não eliminaram, por completo, as dificuldades de atração e fixação de médicos.

Por isso, foi criado em 2013, o Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB), com os propósitos de lotar médicos em áreas descobertas, expandir cursos de medicina e vagas na graduação e residência e promover mudanças na formação médica.

Junto à ESF, o PMMB é a maior iniciativa do Estado brasileiro direcionada à provisão de médicos para a atenção primária à saúde1,2. O Programa prioriza a inserção de médicos brasileiros formados no país e, no caso do não preenchimento de vagas, busca a participação de médicos brasileiros ou estrangeiros formados no exterior.

Na sua primeira chamada pública, em julho de 2013, houve adesão de 3.511 municípios que necessitavam de 15.460 médicos. Todavia, apenas 1.096 médicos brasileiros se candidataram, tendo sido contratados, juntamente com 522 médicos estrangeiros.

Para atender a demanda dos municípios, firmou-se então o acordo de cooperação internacional com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) visando à vinda de médicos de Cuba, país com reconhecida competência neste tipo de cooperação. Em 12 meses, o programa recrutou 14.462 médicos (79% cubanos, 16% brasileiros e 5% outras nacionalidades), satisfazendo a quase totalidade (93,5%) da necessidade dos municípios inscritos. Assim, o PMMB viabilizou a interiorização das ações de saúde, a melhor distribuição de médicos, incluindo o seu provimento em áreas historicamente desassistidas, onde vivem populações rurais, indígenas, ribeirinhos e quilombolas3.

Acrescente-se que, em chamadas posteriores, ampliou-se a inclusão de médicos brasileiros, mas os cubanos continuaram a exercer um papel essencial em locais em que as vagas não eram preenchidas por brasileiros.

Apesar do curto tempo de implantação, as evidências cientificas expressam um efeito sistêmico notável do PMMB sobre o SUS, com ampliação do acesso e melhoria da qualidade da atenção à saúde. De fato, no período 2012 a 2015, as equipes de saúde que contavam com profissionais do PMMB realizaram, em média, maior número de consultas médicas do que as demais equipes, indicando a efetividade do Programa. Gestantes, crianças e pessoas com diabetes e hipertensão, em especial, tiveram acesso facilitado a consultas médicas.

Ressalte-se que os efeitos positivos do PMMB foram mais pronunciados nos lugares remotos ou habitados por pessoas em situação de vulnerabilidade, nas regiões Norte e Nordeste, nos municípios mais pobres e nas periferias das grandes cidades, superando de modo significativo o desempenho de equipes sem profissionais do PMMB.

De acordo com os estudos avaliativos, os médicos cubanos tiveram desempenho similar ou superior ao dos profissionais brasileiros, apesar das barreiras relacionadas ao idioma e às diferenças culturais, sanitárias e epidemiológicas.

Neste contexto, o PMMB mostrou-se uma contribuição valiosa para a garantia de acesso universal e equitativo a ações de saúde da atenção primária. Tais estudos, como dezenas de outros, confirmam que o PMMB aumentou a efetividade do SUS, garantindo o acesso aos serviços de saúde a expressivas parcelas da população2,4,5. Estimativas apontam que a eventual redução de cobertura da Estratégia Saúde da Família – para a qual o PMMB é fundamental em várias localidades do país, ao assegurar a existência de médicos nas equipes – poderá levar a um aumento de internações e mortes evitáveis, principalmente de crianças.Projeções recentes dos mesmos autores alertam que a eventual redução ou interrupção do PMMB prejudicaria sobretudo os municípios mais pobres.

A saída intempestiva de mais de oito mil médicos cubanos coloca em risco o atendimento a mais de 23 milhões de pessoas, em milhares de municípios, especialmente nos lugares mais pobres, mais distantes ou nas periferias dos grandes centros urbanos. Como manifestado pela Frente Nacional dos Prefeitos e pelo Conselho Nacional dos Secretarias Municipais de Saúde, há risco iminente de desassistência e piora das condições de saúde, com aumento de complicações, hospitalizações e mortes por causas evitáveis, decorrente de problemas de saúde que deixarão ser tratados.

Nesse sentido, a Abrasco propõe ao governo e ao Ministério da Saúde brasileiros a adoção de medidas para evitar prejuízos ao atendimento e à saúde da população, quais sejam:

Em curto prazo (medidas imediatas)

– Negociar com o governo de Cuba, por intermédio da OPAS, um período de transição para a saída dos médicos, com o compromisso de respeito aos termos do Acordo de Cooperação Internacional atualmente vigente durante esse período de transição;

– Desencadear o processo de chamada pública de médicos para provimento de vagas que forem abertas em decorrência da saída dos médicos cubanos, sem interrupção do atendimento;

– Assegurar a continuidade das estratégias de formação e de supervisão no âmbito do PMMB;

– Assegurar as condições de financiamento, seleção, contratação, gestão de equipes e provisão de insumos adequadas à continuidade do PMMB, articulado à Estratégia Saúde da Família;

– Desencadear, em diálogo com as entidades de médicos e de demais categorias de profissionais de saúde, a elaboração de propostas de carreiras públicas com valorização, estabilidade e condições de trabalho adequadas no âmbito do SUS.

Em médio prazo

–  Implantar proposta de carreira pública para os profissionais de saúde que optarem pela dedicação ao SUS, incorporando a valorização de períodos de atuação em áreas de difícil acesso ou alta vulnerabilidade social;

– Adotar estratégias de desenvolvimento regional e territorial, nas áreas rural e urbana, que articulem políticas econômicas e sociais para promover a equidade no acesso e atenção à saúde de qualidade no SUS, com inclusão de populações mais vulneráveis e respeito às singularidades de grupos específicos (populações do campo, indígenas, quilombolas, ribeirinhos; populações em favelas e periferias urbanas);

– Assegurar a adequação da formação de médicos e demais profissionais às necessidades de saúde de todos os brasileiros, com destaque para a valorização da atenção primária à saúde;

– Assegurar a realização de pesquisas estratégicas voltadas para a compreensão da realidade sanitária brasileira e o desenvolvimento de tecnologias de promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a formação de recursos humanos em saúde, que forneçam subsídios para o fortalecimento do SUS e da garantia do direito à saúde.

A Abrasco agradece aos médicos cubanos inseridos no PMMB por sua colaboração, compromisso e dedicação no atendimento à saúde dos brasileiros nos últimos anos. A Abrasco reconhece que esse projeto de cooperação internacional, mediado pela OPAS, não só favoreceu o intercâmbio entre profissionais dos dois países, como produziu resultados sanitários extremamente positivos para milhões de brasileiros.

Por fim, a Abrasco se solidariza com os gestores municipais, com os demais profissionais das equipes de Saúde da Família e, sobretudo, com as populações dos locais onde os médicos cubanos têm atuado, que podem sofrer efeitos dramáticos da desassistência à saúde com a saída desses profissionais, caso a situação não seja adequada e rapidamente equacionada pelo governo brasileiro.

Referências

1 - Facchini LA, Batista SR, Silva Jr AG da, Giovanella L. O Programa Mais Médicos: análises e perspectivas. Cien Saude Colet [Internet]. 2016 Sep;21(9):2652–2652.

2 - Molina J, Tasca R, Suárez J, Kemper ES. More Doctors Programme and the strengtheningof Primary Health Care in Brazil: Reflectionsfrom the monitoring and evaluation of the MoreDoctors Cooperation Project. Qual Prim Care [Internet]. 2017 Apr 29;25(2)

3 - . Pereira LLSantos LMP; Santos W; Oliveira A; Rattner D. Mais Médicos program: provision of medical doctors in rural, remote and socially vulnerable areas of Brazil, 2013 -14. Rural and Remote Health, 2016;16:3616. https://www.rrh.org.au/journal/article/3616

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*Publicado originalmente no site da Abrasco