sábado, 16 de dezembro de 2017

O sangue negro de Noémia de Sousa, poeta da revolução

Literatura africana

O sangue negro de Noémia de Sousa, poeta da revolução

por Clarissa Wolff — publicado 02/12/2017 03h00, última modificação 15/12/2017 23h45
Mia Couto, Marcelino Freire e Emicida são alguns dos fãs de sua poesia crua e poderosa
Reprodução
sangue negro
Noémia de Souza, finalmente editada no Brasil
O vaso chinês quebrou.
Muito se fala sobre qual seria (e qual deve ser) a função da literatura, mas arrisco dizer que o vaso chinês realmente quebrou: a arte não vive mais só pela arte e o parnasianismo já era. Em cima de seu caixão recheado de descrições longas em versos com o mesmo número de sílabas e estrofes de rimas regulares, Noémia de Sousa dança.
Seus poemas são assim, corporais, dinâmicos. Dá até pra fantasiar que ela criava como Jackson Pollock, com impulsos do próprio corpo, jogando palavras no lugar de tinta no papel e criando coisa atrás de coisa de tirar o fôlego. Claro que não era assim, mas sobretudo a mensagem poderosa e assustadora, que te seduz entre imagens fortes em palavras bonitas, faz tudo parecer natural ao seguir o ritmo até o soco no estômago.
Noémia nasceu em 1926, e viveu por bastante tempo na capital de Moçambique, que na época ainda não era Maputo. Ela viveu a revolução, foi um de seus expoentes, e gravou na história do mundo o que aconteceu em forma de poesia. Moçambique – e a África como um todo – é um personagem de seus versos, que se constroem em cima de dicotomias de “nós” versus “os outros”. “Nós” são os africanos, e “outros” os colonizadores, e seus poemas se desenrolam em denúncias contra esse povo intruso e em exaltação do povo negro.
Noémia é totalmente #BlackIsBeauty, Beyoncé e Nina Simone. E a comparação não cai ao acaso: sua poesia é viva. Não nasceu para ser lida em silêncio na intimidade da casa, para ser dissecada por acadêmicos que não pegam sol há diversos dias, para ser marinada em solidão. Sua poesia é viva e, tal qual no caso das cantoras, precisa ser performada. São versos criados para serem gritados, chorados, sentidos, muito mais do que pensados.
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SANGUE NEGRO, Noémia de Sousa
Editora: Kapulana 
Páginas: 198 
Preço: R$44,90   
Sua obra chegou pela primeira vez no Brasil no ano passado, pela editora Kapulana. À sua antologia poética se juntam um prefácio de Carmen Lucia Tindó, professora de literaturas africanas de língua portuguesa na UFRJ, textos de edições anteriores moçambicanas e mensagens de seus pares, artistas lusófonos como Marcelino Freire e Mia Couto, que declaram sem medo que a publicação desse livro foi a maior dádiva do ano. Seus fãs não acabam aí: o poema Súplica, em que ela diz “tirem-nos tudo, mas deixem-nos a música”, foi recitado várias vezes em shows por Emicida
Revolucionária, ela declarou que não queria seus poemas vendidos em livro enquanto seu povo não tivesse dinheiro para comprar comida. A importância da publicação para a literatura e para a história é inegável, entretanto. E me faz lembrar um vídeo que vi há muito tempo no qual a escritora Lierre Keith fala que deveria se ensinar revolução na escola. É claro que isso jamais acontecerá.
 Mas, no lugar, temos Noémia. Ainda bem. Uma aula muito mais gostosa.

Protestos interrompem votação de reforma da Previdência na Argentina

Protestos interrompem votação de reforma da Previdência na Argentina

por Redação* — publicado 14/12/2017 19h40, última modificação 14/12/2017 20h03
Enfurecidos, dezenas de milhares de trabalhadores saíram às ruas contra o projeto de Macri. O Congresso teve de suspender a sessão
Daniel Vides/Noticias Argentinas/AFP
Argentina
Os argentinos viveram um dia de fúria nesta quinta-feira 14
Nesta quinta-feira 14, os aliados do presidente da Argentina, Maurício Macri, tiveram de recuar e suspender a votação do projeto de reforma da Previdência enviado pelo Executivo. Após violentos confrontos entre manifestantes e policiais do lado de fora do Parlamento, o presidente da Câmara, Emilio Monzó, optou por encerrar a sessão, apesar de contar com quórum suficiente, de 129 deputados.
Os incidentes aconteceram nos arredores do Congresso, quando dezenas de milhares de argentinos se reuniam para pedir aos legisladores a rejeição da proposta da Casa Rosada para reduzir o déficit fiscal.
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Alguns deputados da oposição, como Facundo Moyano e Victoria Donda, deixaram o prédio do Congresso e se uniram aos participantes, convocados por centrais sindicais. Os oficiais da Gendarmeria (a Guarda Nacional argentina) tentaram dispersar a multidão com balas de borracha e jatos de água, enquanto os manifestantes reagiam com pedras e garrafas. Em meio à confusão, parlamentares e jornalistas foram feridos.
Repressão
Policiais tentaram dispersar a multidão com balas de borracha e jatos de água (Damian Dopacio/AFP)
A proposta de Macri modifica a metodologia de cálculo das aposentadorias. O texto altera a chamada "fórmula de mobilidade", que atualmente beneficia mais de 17 milhões de aposentados e pensionistas. Em vez do ajuste semestral, calculado com base em 50% da evolução dos salários e 50% da arrecadação, a reforma propõe ajustes de 70% pela variação da inflação e 30% pela variação de um indicador do Ministério do Trabalho, que mede a evolução dos salários dos servidores públicos.
De acordo com opositores, a medida implicará, no longo prazo, na desvalorização dos benefícios. Ao indexar o reajuste à inflação, e não mais à arrecadação, o governo prevê uma economia de até 100 bilhões de pesos argentinos (cerca de 19 bilhões de reais), pois as aposentadorias não aumentarão mais no mesmo ritmo das receitas.
Com o novo cálculo, o próximo reajuste, em março, seria de 5,7%, contra 12%, segundo a oposição. O governo insiste que a reforma é fundamental para reduzir o déficit fiscal.
* Com informações da AFP.

Na África do Sul, cães servem de antídoto à violência


Na África do Sul, cães servem de antídoto à violência

por AFP — publicado 16/12/2017 00h26, última modificação 15/12/2017 09h57
Um projeto de adestramento de animais ajuda crianças a contornarem o passado violento
Fotos: Tadeu André / AFP
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Em Mpophomeni, os cachorros são alternativa ao ambiente violento
Quando Thobani Gasa foi pela primeira vez a um curso de adestramento, a intenção era se divertir. Mas, com o passar dos anos, o jovem encontrou um ambiente que o tirou da cultura de violência na qual vivia mergulhado na África do Sul.
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Em muitos municípios em todo o país, as gangues reinam supremas. Em Mpophomeni, perto da cidade de Howick (sudeste), um projeto tenta, por meio dos cães, driblar as leis do crime.
Numa sexta-feira ensolarada, dezenas de crianças estão perfeitamente alinhadas, cada uma com seu cachorro, segurando-o pela coleira, na quadra da Escola Primária de Zamuthule, para a sessão de adestramento semanal. "Eu pertenci a uma gangue, mas esse curso mudou minha vida", diz Thobani Gasa, de 20 anos, adestrador. "Quando comecei a me interessar por cães, desisti da vida do crime".
Há oito anos, uma professora aposentada, adestradora de cães em seu tempo livre, lançou este programa para ensinar as crianças a se comportar com um cachorro. Hoje, Adrienne Oliver reúne todas as semanas uma centena de estudantes de 8 a 15 anos.
Nomeado "Funda Nenja", "Aprenda com seu cão" em língua zulu, este projeto se baseia no aprendizado das afinidades e do respeito entre homem e animal. O curso é gratuito para as crianças acompanhadas por seu animal, muitas vezes um cachorro abandonado resgatado pela família e usado para guardar a casa.
"Quando vim para cá, aprendi a tratar os cães com respeito", conta Sihle Dubazane, de 13 anos, com orgulho, acariciando seu vira-lata chamado Lion. "Um cão deve ser tratado adequadamente, é feito de carne e sangue, pode sentir as coisas".
Segundo os responsáveis pelo projeto, compreender o comportamento dos cães permite que as crianças os controlem melhor.
A violência sofrida pelas crianças atinge níveis alarmantes na África do Sul. Em 2016, um estudo revelou que mais da metade dos menores de idade era vítima de violência, seja por parte da família ou dos professores.
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Garotos com seus cachorros na escola Zamuthule
Longe da rua 
O risco de esses jovens reproduzirem o comportamento violento é muito alto, de acordo com uma pesquisa publicada em junho pelo Children's Institute of Cape Town.
De acordo com sua família, a atitude de Vuyani Dube, de apenas 11 anos, mudou nos últimos três meses, desde que começou as aulas no "Funda Nenja".
"Ele não era muito disciplinado e nem muito responsável", admite seu tio Sipesihle Dube. "Este projeto é particularmente bem adaptado ao passado violento dessas crianças", acrescenta, "ele os mantém longe da rua, onde todos acabam fumando".
Embora nenhum trabalho científico tenha chegado a avaliar o impacto psicológico nas crianças do trabalho com seus cães, as impressões são em grande parte muito positivas. "Acredito que é precisamente porque educamos crianças (...) que eles passam então a se comunicar com o animal sem recorrer a violência ou força", comemora Adrienne Olivier. 
"Isso afeta suas interações diárias com as pessoas", acrescenta. "Se você consegue controlar um cachorro sem agredi-lo, então você certamente pode conseguir que um homem coopere graças apenas ao diálogo", insiste o ex-professor.
Nas escolas de Mpophomeni, o curso de treinamento para cães tornou-se muito popular. Toda sexta-feira, as crianças se aglomeram em frente ao portão da escola Zamuthule para participar do curso.
Neste município da província de KwaZulu-Natal, os cães são tradicionalmente usados ​​para proteger propriedades ou para caça, observa a representante do município que acompanha o projeto, Winnie Sangcosi. "As pessoas me dizem que a violência está recuando. As crianças se distanciaram do 'wunga'", afirma ela, citando uma droga de rua. "Agora elas preferem brincar com seu cão ou estudar".

Fonte: Carta Capital

Relatório da Volkswagen não satisfaz vítimas da Ditadura no Brasil

Repressão

Relatório da Volkswagen não satisfaz vítimas da Ditadura no Brasil

por Deutsche Welle — publicado 16/12/2017 00h30, última modificação 15/12/2017 13h19
Ex-operários boicotam divulgação de estudo encomendado por montadora, que aponta colaboração, mas conclui que comportamento não era institucional
Rovena Rosa/Agência Brasil
O historiador Christopher Kopper
Para ex-funcionários perseguidos, pesquisa do historiador alemão Christopher Kopper foi 'golpe de relações públicas'
A Volkswagen divulgou nesta quinta-feira 14 um relatório que detalha a colaboração da filial brasileira da empresa com o aparato repressivo do regime militar, que governou o país de 1964 a 1985.
Elaborado por um historiador independente contratado pela empresa, o documento de 114 páginas aponta que a montadora foi "irrestritamente leal" aos militares e que seu próprio aparato de segurança patrimonial facilitou a identificação e prisão de funcionários "subversivos" – sendo ao menos um deles torturado em uma unidade da empresa.
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A filial também demitiu trabalhadores envolvidos com sindicatos e alimentou e compartilhou com outras empresas "listas negras" com nomes de funcionários.
O texto, no entanto, aponta que não foram encontradas provas de uma colaboração institucionalizada da montadora com a repressão estatal. De acordo com o documento, os membros da segurança patrimonial – vários deles eram militares da reserva – agiram por iniciativa própria ao espionar e entregar funcionários ao regime.
Não há documentos que indiquem que a diretoria no Brasil deu ordens nesse sentido.
Uma boa parte do conteúdo do relatório já era conhecida. Em agosto, o próprio autor, o historiador Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld, já havia adiantado à imprensa suas conclusões preliminares.
Comissão Nacional da Verdade (CNV) também já havia descrito em 2014 vários dos episódios de repressão relatados no documento. Restava observar como a Volkswagen e os trabalhadores perseguidos pelo regime iriam lidar com o resultado final.
Durante a cerimônia de divulgação, na fábrica da Volks em São Bernardo do Campo, o presidente do grupo no Brasil, Pablo Di Si, ressaltou que foi a primeira vez que uma montadora no país examinou sua história durante o regime.
"Lamentamos profundamente os episódios que possam ter ocorrido naquele momento histórico em desacordo com os valores da empresa", disse.
A companhia também descerrou na fábrica uma placa com uma homenagem genérica "a todas as vítimas da ditadura militar" e anunciou parcerias com ONGs.
Só que o relatório e o evento não agradaram aos maiores interessados: as vítimas. O episódio sinalizou que ex-trabalhadores perseguidos e a montadora ainda estão longe de uma reconciliação.
"Golpe de relações públicas"
Um dos insatisfeitos é o ferramenteiro e ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Lúcio Bellentani, de 73 anos, que foi torturado em 1972 por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em uma sala da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP) – sob o olhar de seguranças da empresa.
Para ele, o relatório não passou de um golpe de relações públicas que indica que a montadora quer controlar exclusivamente a narrativa sobre seu passado e não está sendo honesta quando se trata de tomar medidas concretas.
"O relatório é fraco, tem pouca documentação. Não acredito que a empresa tenha aberto todos os seus arquivos para o historiador. O documento não vai além daquilo que já tinham aparecido na perícia do Ministério Público Federal (MPF), que, aliás, era mais contundente", disse.
Bellentani foi convidado pela Volkswagen junto com outros ex-operários perseguidos pelo regime para comparecer a cerimônia de divulgação do relatório. 
Todos decidiram boicotar o evento e protestaram com placas e faixas do lado de fora da fábrica. "Não iria querer posar para um foto com o presidente da Volkswagen, que vai ser usada por eles como um sinal de 'pronto, resolvemos o passado'", disse o ex-funcionário.
Segundo Bellentani, o principal problema da Volkswagen é que a empresa assumiu isoladamente a tarefa de analisar seu passado, passando ao largo do inquérito aberto pelo Ministério Público em 2015, e sem dialogar com as vítimas sobre qual seria uma compensação adequada.
"Sempre achamos que o melhor canal para o diálogo deveria ter sido feito com a participação do MPF, mas a empresa decidiu fazer tudo por conta própria", disse.
"No convite para o evento, a Volks disse que pretende fazer doações para ONGs, mas nós não fomos consultados sobre isso. Acho que esse apoio poderia ser feito, mas queremos voz ativa no processo", concluiu.
O ex-operário afirmou que recebeu o convite para o evento antes de ter acesso ao relatório. "Queriam que fossemos lá sem saber o que estava na versão final. Isso não é algo sério", disse. Ele conta que os trabalhadores tiveram que exigir da Volkswagen acesso ao relatório antes da cerimônia.
Nada de concreto
O procurador do MPF Pedro Machado, que é responsável pelo inquérito aberto em 2015, disse que ainda não leu o relatório, mas indica que a divulgação não encerra o assunto e que a empresa deveria se empenhar mais em chegar a um acordo negociado.
"Um pedido de desculpas e eventuais compensações deveriam contar com a participação dos trabalhadores e do MPF, que representa a sociedade. A matriz alemã da Volkswagen já tem experiência no diálogo quando se trata de examinar seu passado e fazer compensações – basta ver o que aconteceu em relação ao papel da Volks no Holocausto. Infelizmente, essas lições não parecem estar sendo aplicadas no Brasil", disse.
Segundo Machado, apesar de rotineiramente a imprensa publicar notícias de que a Volkswagen está negociando compensações, nenhuma proposta foi apresentada pela empresa ao MPF.
"Inicialmente, a postura da empresa, quando o inquérito foi aberto, foi de 'nós não fizemos nada de errado, que nenhum problema havia ocorrido'. Aos poucos, essa postura parece ter mudado, mas eles ainda não apresentaram nada de concreto", disse.

De acordo com o procurador, as compensações, no caso, não seriam em valores individuais para as vítimas, mas algo coletivo, como a criação de uma fundação ou memorial com a participação dos ex-funcionários.
O procurador pretende agora juntar o relatório ao inquérito. "O Brasil fez muito pelo crescimento da Volkswagen, a empresa precisa se empenhar mais no inquérito”, concluiu.
Durante a cerimônia, Di Si, o presidente da Volkswagen no Brasil, indicou que a empresa já abraçou a tese sobre a ignorância da direção em relação à colaboração da sua segurança patrimonial com a repressão. Ele evitou mencionar o inquérito.
"Reconhecemos que o processo da ditadura foi muito difícil e que pessoas da empresa colaboravam com os militares. Mas isso não configura, como explica o relatório, uma atitude institucionalizada por parte da empresa", disse.
As conclusões
Após ser preso na linha de produção e espancado em uma sala da montadora, o ex-operário Bellentani foi levado para a sede do Dops em São Paulo. Ele só saiu da prisão um ano e meio depois. Seu caso é o mais chamativo do relatório.
Segundo o historiador Kopper, a segurança industrial monitorava atividades de oposição e facilitou a prisão de no mínimo sete empregados. Outras cem pessoas que participaram de greves foram prejudicadas ao terem seus nomes colocados em "listas negras", que eram então compartilhadas com outras empresas. Demitidas, elas dificilmente arrumavam outro emprego.
A pesquisa apontou que em 1969 a colaboração da empresa com os militares se deu por meio da atuação do então chefe do departamento de segurança patrimonial da empresa, Ademar Rudge, um ex-oficial das Forças Armadas.
Já a lealdade da direção com o regime se deu no campo econômico e no entusiasmo com as políticas do governo. O documento aponta como a empresa se beneficiou de medidas autoritárias, como a repressão a greves e o controle sobre salários.
"A Volkswagen do Brasil e, em última instância também a Volkswagen AG (matriz), aproveitaram a suspensão dos direitos trabalhistas elementares", apontou o texto.
Segundo Kopper, a matriz não se interessava no que acontecia no Brasil durante a maior parte do regime militar. Mas isso mudou em 1979, quando um grupo de operários brasileiros foi até Wolfsburg durante um congresso para confrontar o então presidente da empresa, Toni Schmücker, sobre as prisões e demissões.

Fonte: Carta Capital

O Lula que eles temem. Assista

O Lula que eles temem. Assista

Há 36 anos, uma querida amiga, a escritora, deputada  e líder feminista Heloneida Studart, ainda no PMDB “autêntico”, inconformada com o fato de eu estar apoiando a candidatura de Leonel Brizola ao Governo do Estado, disse-me:
-Fernando, eu estive no Morro da Formiga e uma senhora me disse que não ia poder votar em mim porque votaria no Brizola para Governador (o voto era vinculado, então). E que ia votar porque Brizola ia tirar dos ricos para dar aos pobres. Fernando, você sabe que ele não pode fazer isso, não tem como…
E eu respondi que sabia que isso só poderia acontecer timidamente, com políticas públicas, mas que achava muito mais importante e transformador que um mulher pobre, de uma favela carioca, fosse capaz de sentir, pensar, falar e agir para que a renda não fosse tão escandalosamente concentrada no Brasil.
Lula, de certa maneira, sempre teve este significado: por ser quem é, por ter vindo de onde veio e por ter, nos limites da governabilidade, orientado muitas – e não todas – políticas públicas neste sentido. Embora estivesse longe de “tirar dos ricos para dar aos pobres”, deu ao povão uma fatia maior do crescimento econômico, maior que as migalhas que sempre lhe couberam.
O seu discurso, na noite de ontem, em Piracicaba (SP) mostra que o Lula de 2018 – e Lula, com sentença ou não, é o principal personagem da eleição de 2018 – é o Lula capaz de falar, com todas as letras, o que aquela senhora disse a Heloneida.
Acompanhe o seu discurso de ontem à noite, do qual não destaco um trecho porque, mais que qualquer argumento, é o sentimento o que tem, nele, a força irresistível. É um vulcão, que expõe as entranhas de um país coberto por uma crosta que a sufoca. A fria racionalidade dos tecnocratas, dos homens “práticos” sempre diz que é preciso mante-la assim. Mas, sob a capa endurecida das elites, ela teima em rugir.
Veja porque é tão importante não apenas evitar que Lula seja candidato e, mais ainda, que ele seja presidente.

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