quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Assassinatos em massa

Internacional| 15/12/2012 | Copyleft

"Mass Murder" nas escolas: aconteceu...mais uma vez!

A teimosia dos políticos, e dos especialistas americanos, em não discutir a livre venda de armas, a segurança nas escolas e programas de educação que valorizem o trabalho social, os objetivos de equipe e que diminuam as “guerras” entre grupos de “losers” e de “populars” nas escolas é, claramente, parte causal dos massacres. O recuo, durante a campanha eleitoral de 2012, do Presidente Obama em colocar com clareza a questão da livre venda e porte de armas automáticas mostra uma indesculpável rendição perante os mitos da direita conservadora e reacionária norte-americana. O artigo é de Francisco Carlos Teixeira.

As notícias chegadas nas últimas horas ( 14/12/12) nos dão conta de mais um ataque massivo – “mass murder” - de um atirador contra civis inocentes nos Estados Unidos. Desta feita o massacre, atingindo crianças, foi em Sandy Hook, Connecticut. A imprensa norte-americana, notável por seus meios e equipamentos, transmitiu do local desde cedo e assinalou, com um traço vermelho, que era hora de oferecer solidariedade aos familiares e evitar quaisquer debates políticos sobre. A polícia prometeu, por sua vez, “esclarecer todos os fatos”. Será isso mesmo?

Caso de Polícia, saúde mental e fenômeno social
O mais notável no massacre de Sandy Hook, e tristemente notável, é a repetição dos acontecimentos narrados pelas agências internacionais. No caso atual um atirador mata um familiar, possivelmente em casa, e então busca a escola em que ela trabalha – ainda falta apurar detalhes - , e ele mesmo estudara, e inicia um ataque em massa contra os pequenos alunos. O saldo ainda não confirmado aponta para possivelmente mais de trinta pessoas mortas, a maioria crianças. Sandy Hook é uma “elementary school”, sendo seus alunos crianças e pré-adolescentes. O atirador, Adam Lanza, morto no local, tinha 20 anos e estava pesadamente armado com armas automáticas compradas por sua própria mãe.

Os ataques desse tipo, em especial contra escolas, são repetitivos no caso americano, a ponto de contarmos 177 ataques contra “High Schools” (a partir de 1853) e 111 outros contra “Elementary schools”, incluindo o atual ataque contra Sandy Hook. Alguns destes ataques, como Sandy Hook ou Bath School, em 1927, foram verdadeiros banhos de sangue. Outras, poucos, infelizmente, foram frustrados, deixando feridos e mereceram pouco destaque na mídia. Um bom número atingiu apenas um aluno ou um professor, sendo tratado com forte indiferença. A maioria absoluta deles foi cometida por alunos (e/ou funcionários) que estudavam/trabalhavam na mesma escola atacada e, ainda uma vez, a maioria dos atacantes, bem como de suas vítimas, tinha entre 14-18 anos de idade. Grande parte dos perpetradores deixou relatos – como no caso brasileiro da escola de Realengo (RJ) em 2011-, ou colegas relataram, um perfil solitário, inteligência média-alta, dedicação aos estudos e grande dificuldade de estabelecer e/ou manter relacionamentos. A grande maioria dos adolescentes e jovens sofreu alguma forma de assédio e de exclusão social, algumas vezes publicamente e de forma violenta (ainda uma vez como no caso da escola em Realengo, RJ).

Neste contexto – como também dos assassinatos de massa na Noruega e na Alemanha – os “especialistas” trataram de construir, rapidamente, análises e perfis “pessoais”, buscando descobrir o que, na personalidade do perpetrador, originou os ataques. Assim, uma “cliniquização” ( ou uma explicação psicologizante ) do atacante – família desfeita, distúrbios mentais, uso de drogas – é imediatamente aventada. Embora, paradoxalmente, os próprios colegas digam que eram “excêntricos” talvez, mas não mais do que boa parte do alunado – e que não mata colegas!

Assim, a sociedade e suas instituições, em especial as escolas, seriam poupadas de quaisquer responsabilidades na irrupção de um surto psicótico na pessoa do atacante. Em suma, estaríamos verdadeiramente buscando as respostas certas no lugar/pessoas certas? Ou, num movimento rápido de ocultamente do massacre que se passa nas escolas, estaríamos ocultando a dimensão social dos “mass murder” e de seus íntimos imbricamentos com o clima mental e emocional existente nas escolas?

É comum ouvirmos, e depois de 38 anos de magistério pude, eu mesmo, vivenciar e acompanhar casos seguidos de stress coletivo, cólera, mágoas e ira entre alunos e seus colegas, professores e alunos, bem como professores e seus colegas, funcionários e, até mesmo, pais e professores. Algumas vezes, incluindo o Brasil, com desdobramentos de violência física.

Não seria o caso de pensarmos a instituição escolar em seu conjunto? E isso seria muito especialmente verdadeiro para o caso norte-americano.

UM MASSACRE OCULTO
Desde o ataque de Columbine High School (que não foi nem o primeiro e nem o mais letal dos ataques) até o atual ataque em Sandy Hook, as escolas são palco, alvo e/ou causação de súbitas explosões de raiva e ira. Sabemos todos – e isso não é um apanágio dos Estados Unidos – a escola, mesmo com escolas de ensino básico, e particularmente nas escolas para adolescentes – como as chamadas “High school” norte-americnas – são lugares onde o assédio moral, social (e mesmo sexual) pode ser intenso, cruel e, mesmo, levar a uma aniquilação do próprio eu de indivíduos mais fragilizados por sua aparência física, opção de gênero, timidez ou qualquer outro atributo pessoal correlacionado com uma vaga e cruel categoria de “losers”, os perdedores na “corrida” social pelo sucesso.

Nem sempre os professores e os profissionais de apoio e orientação – como pedagogos e psicólogos – tem a chance de acompanhar alunos – ou seus parentes – de forma adequada para prever ataques de “mass murder” como os ocorridos. Da mesma forma, não é possível “cliniquizar” todas a sociedade e manter um psicólogo de plantão dentro de cada sala de aula. Assim, tais ataques – malgrado suas particularidades e do seu desenho – não são, e dificilmente poderiam ser, previstos e, logo, prevenidos. Mas, por outro lado, a determinação da polícia de Newtown, Connecticut, em explicar a razão do ataque seja inútil. Poderão explicar, em detalhes, como seu “deu” o ataque. Mas, sua “explicação” escapa a Sandy Hook, em Newtown, Connectcut – há uma razão maior, mas ampla, insidiosa, que paira sobre todo o sistema educacional norte-americano.

Da mesma forma, nem só escolas são alvos de ataques. Cinemas e shoppings foram alvo de atos de assassinos de massa, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países. No entanto, mesmo nestes casos há um claro elo de ligação: escola, cinema e shopping são locais de reunião de jovens ou, ao menos, há sempre uma maioria de jovens. De certa forma, são continuidades dos grupos de companheirismo que se formam nas escolas. Os ataques representam, mais uma vez reconhecidas as especificidades, um notável acúmulo de frustrações, mágoas e perda que se expressam, então, em violência cega e bruta – em pleno local socialização e entretenimento dos jovens, que o perpetrador pode sentir como recusado a ele mesmo.

Da mesma forma os ataques na Noruega, em 2011, organizado em detalhes por um supremacista branco ou o ataque contra as crianças judias em Toulouse, em 2012, foram atos de terrorismo ideologicamente motivados. Cruéis e brutos tinham uma direção e mostram a face da intolerância de tipo racista e religioso. Os ataques como de Sandy Hook são cruéis e cegos, não visam uma pessoa ou um conjunto de pessoas realmente existentes, concretas. Visam “uma situação” que exaspera, por motivações diversas, o perpetrador.

O GRANDE MASSACRE DOS INOCENTES
Também devemos reconhecer que os Estados Unidos não possuem o monopólio do “mass murder” (cabe diferenciar de “serial killer”, que, em regra, agem durante longo tempo escolhendo vítimas a partir de critérios diversos, conforme cada caso). Nos últimos anos assistimos, como já destacamos, a assassinatos em massa na pacata Noruega e na organizada e politicamente correta França. Mesmo no Brasil tivemos tristes episódios de ataques em cinema (São Paulo) e em uma escola (Rio de Janeiro), com um perfil muito próximo dos casos norte-americanos. Nos últimos anos a autoritária China Popular, com seus critérios draconianos de justiça, tem assistido, para perplexidade de suas autoridades, a vários ataques em escolas, com uso de armas brancas ou utensílios de trabalho transformados em armas.

No entanto, no caso dos Estados Unidos as estatísticas compilados pela Secretaria de Estado de Justiça, reunindo dados completos e pormenorizados dos ataques é, simplesmente, estupeficante. A mais antiga referência a um ataque em escolas norte-americanas data de 1764, antes mesmo da independência do país em 1776. Daí em diante as ocorrências são quase epidêmicas, com o século XIX marcado por ataques sucessivos em 1867, 1868, 1871, 1889, 1891 e 1898, perfazendo neste período pelo menos 19 vítimas infantis. A precisão das armas ainda precária e sua natureza obrigando o recarregamento davam, então, chances aos administradores de deter o atacante.

Com a chegada das armas automáticas e aquelas de fácil, e rápido, recarregamento, os ataques, e número de vítimas, cresceram. No século XX tais ataques tornaram-se, então, verdadeiramente epidêmicos, ocorrendo massacres nas “Elementary School” nos anos de 1902, 1906, 1907, 1909, 1912, 1919 e culminado no terrível massacre de 1927, quando Andrew Kehoe, após matar a esposa, ataca, com bombas caseiras, a Bath Elementary School, causando 45 mortes, no maior massacre escolar da história dos Estados Unidos. Andrew Keohoe era funcionário da escola de longa data.

Os anos seguintes assistiram a continuidade dos ataques: 1933, 1940, 1944, 1959, 1960 e 1961, com pelo menos 16 crianças mortas – lembremo-nos que em média a “Elementary school” americana abriga crianças entre 4 e 11 anos de idade. Mas, se juntarmos às estatísticas de ataques às “Elementary school” os ataques havidos contra as “High school”, que recebem adolescentes na faixa de 12-18 anos, em média, os ataques crescem de forma exponencial: são 24 ataques entre 1903 e 1968, com a morte de 27 adolescentes. Ainda uma vez a qualidade das armas e a prontidão de inspetores e funcionários faz com que a maioria dos ataques tenha em média 1-2 mortos, evitando o caráter cataclísmico do “bombardeamento” de Bath School em 1927.

A MASSIFICAÇÃO DO “SCHOOL MASS MURDER”
A partir dos anos de 1970, contudo, os ataques se multiplicam e as “high school” substituem, apenas parcialmente as “elementary scholl”, como cenário principal dos ataques. Nestes anos temos 7 ataques, com 7 mortes; nos anos de 1980 são 13 ataques, com 15 mortes; nos anos de 1990 já são 60 ataques, com exatos 93 mortes de adolescentes. Entre os ataques da década de 1990 inscreve-se o tristemente célebre ataque de 1999 contra a Columbine High School, no Colorado, matando 15 alunos e professores. Os atiradores, que ensaiaram o massacre repetidas vezes, estavam envoltos – além das condições de frustração e mágoas acumuladas – numa espécie de cultura “dark”, valorizando a morte falsamente “heroica” muito comum nos vídeos games que eles assistiam e verdadeiramente cultuavam, tais como “Dom” e “Wolfstein 3D”. Eric Harris tinha 18 anos e Dylan Klebold 17 anos e relataram, em seus documentos deixados como “memorial” do massacre, casos de “bullying” e exclusão.

Nos anos 2000 até 2012 foram 68 ataques contra High School, com 74 mortes de estudantes. Nesta lista dolorosa encontramos o massacre de 2005 contra a Red Lake High School, em Minissota, atacada pelo jovem Jeffrey Weise, de 17 anos, que após matar os avós, ataca os colegas na escola. Também está nesta relação o ataque do estudante aos colegas da Virgínia Tech, universidade no estado da Virgínia, e formalmente uma faculdade e não uma “escola”, daí o expurgo dos seus 33 mortos das estatísticas do Departamento de Justiça dos Estados Unidos no âmbito de “school´s mass murder”.

Infelizmente os ataques centrados nas “High School” não afastaram o risco das “Elementary school” e no ano de 2010 deram-se 10 ataques, com 31 mortes; em 2011, foram 5 ataques e 16 mortes e em 2012, antes do ataque contra a escola de Sandy Hook (em 14/12/2012), já haviam ocorrido dois ataques, felizmente frustrados.

Embora este quadro seja verdadeiramente assustador, a mídia americana e influentes políticos – e mesmo especialistas universitários – insistiram, no dia de ontem (quando se deu o ataque, 14/12/2012) que não se deveriam “fazer política com o sofrimento das famílias”. Ora, há alguma coisa muito errada aqui.

MASS MURDER E POLÍTICA
Um dos mais importantes, e progressistas, sociólogos dos Estados Unidos –especializado na análise das contradições, projetos e frustrações do homem comum na sociedade de massas americana – Charles Wright Mills (1916-1962), num pequeno manual de sociologia, tornado um clássico introdutório da disciplina – “A Imaginação Sociológica” -, advertia os colegas sobre a diferença entre um “problema social” e uma “questão social”.

Wright Mills, num linguagem precisa, insistia que processos que se repetem no conjunto da sociedade e causam enorme dano e dor, mesmo mal-estar social, não podem, de forma alguma, ser atribuídos a motivos ou causas pessoais do tipo preguiça, baixo esforço ou baixa estima, ausência de talento ou incapacidade social ou distúrbios mentais. Bem ao contrário, o quanto de tais “distúrbios” tem origem em processos sociais cruéis e excludentes? Ao seu tempo, Wright Mills combatia o brutal individualismo liberal e o darwinismo social que explicava sucessos e insucessos das pessoas, num a sociedade altamente competitiva, exclusivamente através da “garra” e vontade de vencer de cada um. Colocando-se na contramão dos mitos americanos do “self made men” e da ideia de que todos vencem, se trabalham o suficiente para isso, na América, Mills vislumbrava uma sociedade já atingida por frustrações e pelo mal-estar que podia rapidamente expressar-se em repentinas explosões de ira.

A divisão popular da sociedade entre “pessoas de sucesso” e “losers”, os perdedores, já se expressa, assim, nos primeiros anos de vida e nas primeiras escolhas de jovens adolescentes, em especial num clima de competição – muitas vezes, vezes demais, desleal e cruel – no interior da própria escola. Eleições e concursos frequentes, mobilizações em torno de competições e torneios, o incentivo a mostrar um perfil de vencedor e de celebridade “popular” criam, no conjunto da sociedade, mas em especial na escola, um clima de verdadeira guerra social. O romance, de terror note-se bem, de Stephen King, chamado “Carrie, a estranha”, ambientado numa “high school”, de 1974, consagrou, de forma alegórica, o clima exacerbado e cruel de exclusão das diferenças no sistema educacional norte-americano, a cegueira de mestres e funcionários e o clima de linchamento moral. Quando tais pessoas tem acesso fácil e livre – como Adam Lanza – a um arsenal de armas automáticas são dadas as condições básicas para o desastre.

Mills, com sua delicadeza incisava – bem ao contrário de Stephen King - afirmava: aquilo que se repete e atinge amplas camadas sociais não é um problema “pessoal” e, sim, uma questão social.

A teimosia dos políticos, e dos especialistas americanos, em não discutir a livre venda de armas, a segurança nas escolas e programas de educação que valorizem o trabalho social, os objetivos de equipe e que diminuam as “guerras” entre grupos de “losers” e de “populars” nas escolas é, claramente, parte causal dos massacres.

O recuo, durante a campanha eleitoral de 2012, do Presidente Obama em colocar com clareza a questão da livre venda e porte de armas automáticas – algumas com capacidade de luta em campos de guerra total -mostra uma tremenda e indesculpável rendição perante os mitos da direita conservadora e reacionária norte-americana. Além, é claro, do lucrativo negócio de armas.

LOBBIES E MITOS DA DIREITA
Para a direita mais reacionária norte-americana, como se expressa, por exemplo, no grupo denominado “Tea Party” – núcleo duro do reacionarismo republicano – as armas, sua livre venda e posse, são uma garantia de liberdade. Voltam-se, todo o tempo, e de forma totalmente inadequada, para uma apropriação ideológica das guerras de Independência dos Estados Unidos, quando milícias de fazendeiros pegavam suas armas, atacavam repentinamente os britânicos – os “Minutmen” – e então retornavam às suas atividades rotineiras de bons fazendeiros. Assim, manter suas armas, treinar pré-adolescentes em tiro – incluindo a caça – seria manter, pura e simplesmente, a tradição dos “Pais Fundadores” da Nação.

Nem a história foi assim – já que George Washington montou exército profissional regular e os colonos americanos receberam forte auxílio do exército real francês – como, é claro, os Estados Unidos de 2012 não são as Treze Colônias de 1776. Talvez resida aqui a melhor definição de fundamentalismo: apegar-se, de forma peremptória, a um traço, narrativa ou fato do passado como uma verdade imutável. Além disso, numa cultura fortemente dividida entre noções de o que é bom e justo e aquilo que é o mal, a frustração e fragilidade identitária apegam-se em armas como muletas psicológicas. Para muitos jovens a arma é um prolongamento, capacitante e potente, de suas próprias fraquezas, substituindo sentimentos de impotência pelo poder absoluto de vida e morte.

Cabe agora às autoridades norte-americanas olhar em perspectiva: examinar esta imensa lista de mortes – em especial de crianças e adolescentes – e se perguntar se estamos, verdadeiramente, em face de atiradores “com problemas pessoais” ou em face de uma “questão social”.

Discutir a política de venda e posse de armas, melhorar a segurança das escolas – como os mesmos conservadores não duvidam em “securitizar” os bancos onde guardam seus bens – e, acima de tudo, rever os parâmetros pedagógicos que criaram uma escola competitivamente extremada, individualista e voltada para a geração contínua de “celebridades” é uma ação que se impõe com urgência.

E que as tragédias alheias, que já nos tocaram, sirvam também de lição para nós brasileiros.

(*) Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro

A "democracia" estadunidense.

Internacional| 15/12/2012 | Copyleft

Bradley Manning relata o inferno que passou nas mãos dos militares dos EUA

O soldado Bradley Manning pode, finalmente, falar publicamente em sua defesa, em uma audiência preliminar ao conselho de guerra a que será submetido no próximo ano. Manning é a suposta fonte do maior vazamento de inteligência na história dos Estados Unidos. Nos últimos dois anos, ele sofreu calvário de encarceramento em confinamento solitário, em condições cruéis e degradantes que muitos sustentam equivaler à tortura. O artigo é de Amy Goodman.

O soldado Bradley Manning pode, finalmente, falar publicamente em sua defesa, em uma audiência preliminar ao conselho de guerra a que será submetido no próximo ano. Manning é a suposta fonte do maior vazamento de inteligência na história dos Estados Unidos. O soldado, que trabalhava como analista de inteligência no Exército dos Estados Unidos e tinha acesso á informação ultra-secreta, foi enviado ao Iraque. Em abril de 2010, Wikileaks publicou um vídeo onde um helicóptero Apache, das Forças Armadas estadunidenses, dispara contra uma dezena de civis, entre eles dois funcionários da Reuters, um câmera e seu chofer, em Bagdá.

Um mês depois da publicação do vídeo, Manning foi preso no Iraque e acusado de ter vazado o vídeo e outras centenas de milhares de documentos. Assim começou seu calvário de encarceramento em confinamento solitário, em condições cruéis e degradantes que muitos sustentam equivaler à tortura, desde sua detenção no Kuwait até os meses de detenção na base militar Quantico, na Virgínia, Estados Unidos. Após a condenação mundial contra suas condições de detenção, as forças armadas estadunidenses transferiram Manning para um centro de detenção em Fort Leavenworth, Kansas, onde as condições não são tão severas.

Enquanto Manning enfrenta 22 acusações em um conselho de guerra que pode condená-lo à prisão perpétua, seu advogado argumentou na audiência preliminar que o caso deveria ser encerrado por causa do castigo ilício aplicado ao soldado antes do julgamento.

O advogado constitucionalista de longa trajetória, Michael Ratner, encontrava-se na sala de audiências em Fort Meade, Maryland, no dia em que Manning prestou seu depoimento. Ratner descreveu a cena: “Foi uma das cenas mais dramáticas que já vi em uma sala de audiências (...)
Quando Bradley começou a falar não estava nervoso. Seu testemunho foi extremamente comovedor, realmente emotivo para todos nós, mas especialmente, como é evidente, para o próprio Bradley pelo que teve que suportar. Foi terrível o que aconteceu em dois anos, mas ele descreveu tudo com riqueza de detalhes, de um modo eloquente, inteligente e consciente”.

Ratner disse que Manning descreveu como ficou detido em uma jaula no Kuwait: “Havia duas jaulas. Disse que eram como jaulas para animais. Estavam sob uma tenda, só estas duas jaulas, uma ao lado da outra. Uma delas continha alguns dos pertences de Manning, na outra, onde ele estava, havia uma pequena cama, uma estante e um vaso sanitário. Ele permaneceu nesta jaula escura durante quase dois meses. Ele foi retirado dela por curto espaço de tempo e depois, sem dar explicações, voltaram a colocá-lo na jaula (...) Bradleuy disse sobre esse período: “Creio que perdi a noção do tempo. Não sabia se era dia ou noite. Meu mundo se tornou muito pequeno. Converteu-se nessas duas jaulas”. Ratner acrescentou: “Isso quase o destruiu”.

Depois de sua detenção no Kuwait, Manning foi transferido para uma base militar em Quantico. Seu advogado, David Coombs, disse este mês: “O modo pelo qual trataram Brad em Quantico ficará gravado para sempre na história de nosso país como um momento lamentável. Não foi somente estúpido e contraproducente. Foi criminoso”.

O advogado Michael Ratner também descreveu o momento no qual Bradley Manning explicou o que ocorreu em Quantico: “Bradley contou como era estar nessa cela, na qual deve dormir em uma pequena cama, com uma luz frontal apontada na sua direção, que deixavam acesa para poder observá-lo. Se ele se movia para evitar a luz iam acordá-lo. Isso acontecia pela noite. Durante o dia, passava de 23 a 23 horas e meia na cela. Às vezes, tinha 20 minutos do que chamavam de “exercício ao sol”, o que não é nada. O que ele podia fazer? Porque supostamente está em serviço, devendo ou estar em péi ou sentado nesta cama de metal com os pés no solo e sem poder apoiar-se em nada. Isso durante 10 ou 15 horas por dia, o que deve se chamar de privação dos sentidos”.

O relator especial das Nações Unidas sobre a tortura, Juan Méndez, tentou visitar Manning, mas acabou se negando quando as forças armadas disseram que iriam vigiar e gravar a visita. Méndez informou: “A detenção em confinamento solitário é uma medida severa que pode provocar grave dano psicológico e fisiológico aos indivíduos, independentemente de sua situação específica”.

Os oficiais do exército descreverem o tratamento cruel aplicado a Manning como necessário, devido ao fato de que, segundo afirmaram, havia risco de que ele tentasse o suicídio. No entanto, o capitão da Marinha, William Hocter, um psiquiatra forense de Quantico, disse que não existia tal risco, mas que não o escutaram. “Sou médico chefe há 24 anos e nunca vi algo igual”, declarou Hocter. “Estava claro que estavam decididos a tomar um determinado curso de ação e pouco importavam minhas recomendações”.

A primeira etapa do conselho de guerra, que Coombs denomina “a etapa das moções de castigo ilícito antes do julgamento”, considerou uma moção da defesa pedindo o fim do caso. Embora seja improvável que isso aconteça, aqueles que seguem o caso sustentam que a defesa solicitou, como alternativa, que o conselho de guerra considere reduzir a pena de Manning resultante do julgamento a uma razão de dez dias por cada dia que teve que suportar o trato cruel e degradante no Kuwait e em Quantico, o que, em tese, poderia significar uma redução de seis anos em sua condenação à prisão.

Bradley Manning é acusado de vazar uma série de documentos para Wikileaks, que incluem o vídeo do massacre de Bagdá, duas grandes séries de documentos relacionados com os registros militares estadunidenses das guerras do Iraque e do Afeganistão e, talvez o mais importante, o vazamento de mais de 250 mil telegramas do Departamento de Estado dos EUA, conhecida como “Cablegate” (em referência a Watergate). Após uma avaliação realizada em agosto de 2010, o então Secretário de Defesa, Robert Gates, sustentou que a publicação dos documentos “não revelou fontes nem métodos de inteligência importantes”.

Manning concordou em se declarar culpado pelo vazamento dos documentos, mas não pelas acusações mais graves de espionagem e nem de ter ajudado o inimigo.

Bradley Manning completará 25 anos dia 17 de dezembro na prisão, data que também marca o segundo aniversário da morte do jovem tunisiano que se imolou em protesto contra o governo corrupto de seu país, dando início à Primavera Árabe. Há um ano, quando a revista Time nomeou o “manifestante”, em termos genéricos, como Personagem do Ano, o lendário informante dos Documentos do Pentágono, Daniel Ellsberg, elogiou essa decisão em uma declaração que também se aplica à realidade atual: “A capa da revista Time nomeia o manifestante, um manifestante anônimo, o “Personagem do Ano”, mas é possível colocar um rosto e um nome nesta foto do “Personagem do Ano”. O rosto estadunidense que apareceria nesta capa seria o do soldado Bradley Manning”.

(*) Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A Revolução morreu? Viva a Revolução!




A Revolução morreu? Viva a Revolução!

Por Gilberto Maringoni

Muito já se escreveu sobre a Revolução Russa e a sociedade e o mundo que ela gerou. O balanço de seus erros e acertos está longe de se consolidar, 95 anos passados da tomada do Palácio de Inverno. Mas poucos contrariam uma certeira apreciação do historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012). Segundo ele, “A Revolução de Outubro teve repercussões muito mais profundas e globais que a Revolução Francesa (1789) e produziu, de longe, o mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna”.
Nenhum processo histórico gerou tamanho saldo organizativo, tão volumosa teoria e muito menos colocou tantos milhões de homens e mulheres em ação, em inúmeros países, dispostos a dar a até a própria vida pela transformação social. 
A Revolução causou medo entre as classes dominantes, entre os ricos e os abastados de todo o planeta. O pânico gerou uma feroz reação. No plano material, desatou-se, durante décadas, uma ofensiva militar e repressiva contra tudo o que cheirasse a contestação à ordem estabelecida pelo regime do capital. Na esfera da disputa pelos corações e mentes, torrentes de mentiras fizeram brotar a indústria do anticomunismo em praticamente todos os países.
Realizada num país atrasado, em meio a um conflito bélico de largas proporções - a I Guerra Mundial - e num momento de crise do sistema imperialista mundial, a Revolução de 1917 teve repercussões em inúmeras áreas do conhecimento humano.
País agrário
Nas condições objetivas da Rússia de cem anos atrás, um marxista vulgar descartaria a possibilidade da eclosão de uma ruptura socialista. Aquele era, nas últimas décadas do século XIX, um imenso país agrário, com 85% de sua população vivendo no meio rural, em situação de extrema pobreza. Apenas 20% da população era alfabetizada.
A partir dos anos 1890, a indústria conheceu um razoável progresso, principalmente nas áreas de metalurgia, petróleo, tecelagem e carvão, graças a vultosos investimentos estrangeiros.
A atração de camponeses empobrecidos para as cidades deu origem a uma massa crescente de trabalhadores que adquiriam ao mesmo tempo qualificação técnica e consciência política.
Transformação Social
Mesmo assim, a classe operária era largamente minoritária para nuclear um projeto de transformação social. O país que, em tese, reuniria melhores condições para uma ruptura social era a Alemanha. Majoritariamente urbana, dotada de uma indústria moderna e possuidora de uma classe operária numerosa e experiente, a Alemanha vivia também as contradições de ter uma burguesia extremamente reacionária. O quadro foi agravado no curso da I Guerra Mundial (1914-1918).
No entanto, as crises do sistema imperialista, um regime despótico e corrupto e uma década de rebeliões populares acabaram por fazer do país dos czares o “elo débil” do capitalismo mundial.
Mas apenas tais condições não bastariam para deflagrar a Revolução. Nesta situação, adquire relevância um dirigente marxista inovador e criativo, capaz de traçar uma tática original, rumo à transformação social. O dirigente chamava-se Vladimir Lênin (1870-1924). Se alguém pode ser chamado de gênio na era contemporânea, este alguém é Lênin. Nenhum outro intelectual do século XX teve suas idéias tão disseminadas e apropriadas por tanta gente, como aquele russo de estatura mediana e olhar penetrante.
A originalidade de Lênin
Qual a originalidade de suas formulações? Entre muitas, podemos apontar duas principais.
A primeira foi divulgada em março de 1902, no livro "Que fazer?". Desenvolvendo as idéias de Marx e Engels, seu autor demonstra a necessidade da criação de uma teoria revolucionária e de um “partido de novo tipo” para organizar os trabalhadores. Disciplinado, baseado no centralismo democrático e composto por células horizontais e verticais, o partido funcionaria como um “intelectual coletivo” e um exército ágil e maleável para tempos de enfrentamento.
A segunda grande contribuição de Lênin foi a resolução de um intrincado problema tático. Se a classe que formaria a vanguarda revolucionária era a operária, como ela, minoritária na Rússia, daria conta da titânica tarefa de mudar a sociedade?
Apesar de minoritária, a ela caberia o papel de força motriz no processo. Para Lênin, ela teria de se unir a outros segmentos de oprimidos e explorados. O setor principal seriam as massas camponesas, saídas da servidão décadas antes. Lênin propõe, no livro "Duas táticas da social-democracia na revolução democrática" (1905), a aliança operário-camponesa. Seria uma união entre diferentes, para realizar uma tarefa comum: implodir o sistema que explorava a ambos.
Há sentido atualmente?
Qual o sentido de se debater a Revolução Russa hoje, além de se comemorar uma data redonda? 
Aos que julgam anacrônica uma transformação social que teria se esgotado com a queda do muro de Berlim, em 1989, vale fazer um paralelo histórico.
Olhemos para outra Revolução, a Francesa, deflagrada mais de um século antes, em 1789. O impulso social por ela provocado colocou o Antigo Regime no chão e moldou a sociedade nos âmbitos da política, da economia e da cultura até os dias atuais.
Golpe de Estado
Se usássemos uma régua curta, poderíamos dizer que não foi bem assim. O regime construído a partir da queda da Bastilha chegou objetivamente ao fim dez anos depois, em 1799. Nesse ano, Napoleão Bonaparte deu o golpe de estado de 18 de brumário e instaurou uma férrea ditadura. Se nossa régua for mais elástica, veremos que em 1814, com a Restauração Monárquica, pouco restavam dos ideais revolucionários, além do sistema métrico decimal, adotado oficialmente em 1791.
Apesar disso, as conquistas da Revolução Francesa, em termos de liberdade, direitos humanos, separação de poderes etc. estão aí. Dizer que os impulsos da Revolução Socialista esgotaram-se em 1989 equivale a reutilizar aquela régua curta.
O capitalismo continua tão ou mais agressivo que há 95 anos. Seus rastros de destruição, insegurança, aumento da miséria, instabilidade e exploração seguem gerando conflitos sangrentos mundo afora. O imperialismo atual é muito mais danoso à humanidade do que jamais foi. Seu poder é muito maior.
Outubro de 1917 continuará a fazer sentido enquanto a humanidade quiser buscar outro mundo possível. Fará sentido enquanto as palavras de Vladimir Maiakovsky ainda tocarem o coração das pessoas: “Nesta vida/ Morrer não é difícil/ O difícil/ É a vida e seu ofício”.
Retirado do site da revista Caros Amigos.
Gilberto Maringoni é jornalista, cartunista, doutor em História pela USP e professor

Guido Bilharinho analisa o filme GANGA BRUTA

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http://www.algoadizer.com.br/edicoes/materia.php?MateriaID=925


Desnacionalização e revolução

Por Adriano Benayon

Desde há séculos o Brasil carece de governo autônomo, capaz de promover o progresso econômico e social. A independência proclamada em 1822 não se traduziu em autonomia real, pois o País atravessou o Império e os primeiros anos da República sob tutela financeira e política da Inglaterra, até o final da Primeira Guerra Mundial, e do império anglo-americano desde então.
2. Os lampejos de autonomia duraram pouco, logo apagados por intervenções da oligarquia mundial. Assim, nos anos 1840 com a tarifa Alves Branco, uma tentativa de viabilizar o surgimento de indústrias nacionais. Também, com os empreendimentos abrangentes do Barão de Mauá, dos anos 1850 aos 1880, e com iniciativas limitadas, como a fábrica de linhas de Delmiro Gouveia em Alagoas, 1912-1917.
3. Os avanços na redução da dependência econômica foram contidos ou anulados pela dependência política. E esta decorreu da subordinação da economia agrária e exportadora de bens primários aos interesses comerciais e industriais de potências estrangeiras.
4. Quando Getúlio Vargas, promoveu maior grau de autonomia nacional – de 1934 a 1945 e de 1951 a 1953 – as potências hegemônicas – coadjuvadas pelas “classes conservadoras” locais e pela mídia venal – montaram complôs para desestabilizar e derrubar o governo.
5. Como Vargas antes, João Goulart, em 1962-1963, não se precaveu diante das maquinações imperiais, tarefa difícil em regime “democrático” no qual o poder financeiro determina o processo político.
6. Mesmo sendo escassa a proteção tarifária e a não-tarifária, e operassem no Brasil vários carteis e grandes empresas estrangeiras, surgiram numerosas indústrias de capital nacional substituidoras de importações na segunda metade do Século XIX e na primeira do Século XX.
7. Cito quatro livros que o demonstram: Warren Dean, A Industrialização de São Paulo (1880-1945); Edgard Carone, O Centro Industrial do Rio de Janeiro e sua Importante Participação na Economia Nacional (1827-1977), ed. Cátedra, Rio 1978; Delso Renault, 1850-1939 O Desenvolvimento da Indústria Brasileira, SESI; Eli Diniz, Empresário, Estado e Capitalismo no Brasil 1930-1945, ed. Paz e Terra, SP 1978.
8. O próprio Vargas só restringiu investimentos estrangeiros em poucos setores e demorou a notar o volume das remessas de lucros ao exterior, o que está longe de ser único dos prejuízos que eles causam à economia.
9. As potências imperiais realizaram seus objetivos a partir de Café Filho, fantoche dos entreguistas civis e militares (1954). JK, eleito em 1955, pelos votos getulistas, ampliou os benefícios ao capital estrangeiro.
10. Daí não terminou mais a escalada de desnacionalização, não obstante se terem criado estatais na área produtiva – privatizadas de forma vergonhosa a partir de 1990 – tendo o Estado feito também investimentos nas infra-estruturas econômica e social.
11. O poder público subsidiou as transnacionais, e esmagou empresas nacionais.
12. Resultado: em 1971 o capital estrangeiro já controlava setores importantes: mercado de capitais 40%; comércio externo 62%; serviços públicos 28%; transportes marítimos 82%; transporte aéreo externo 77%; seguros 26%; construção 40%; alimentos e bebidas 35%; fumo 93,7%; papel e celulose 33%; farmacêutica 86%; química 48%; siderurgia 17%; máquinas 59%; autopeças 62%; veículos a motor 100%; mineração 20%; alumínio 48%; vidro 90%.
13. Em 1971 o estoque de investimentos diretos estrangeiros (IDEs) não chegava a US$ 3 bilhões. Em 2011 atingiu US$ 669,5 bilhões.
14. O montante de 2011 é 40 vezes maior que o de 1971 atualizado para US$ 16, 6 bilhões. No período, o PIB, em dólares corrigidos, só se multiplicou por 6.
15. Os IDEs referem-se só às empresas com maioria de capital estrangeiro, não aos “investimentos estrangeiros em carteira” (participações no capital de empresas e aplicações em títulos públicos e privados). Esses acumularam US$ 597 bilhões até 2011. Os empréstimos, US$ 190 bilhões. A soma dá quase US$ 1,5 trilhão.
16. É fácil emitir dólares do nada e com eles comprar ativos. Mais: grande parte dos IDEs é reinvestimento de lucros, e quantia muitíssimo maior que a dos ingressos foi remetida ao exterior a título de lucros, dividendos, juros, afora os ganhos camuflados em outras contas do balanço de transações correntes. Disso originou-se a dívida pública, fator de empobrecimento e de dependência.
17. A desnacionalização prossegue galopante. Conforme a “Pesquisa de Fusões e Aquisições” da consultoria KPMG, 247 empresas foram adquiridas por transnacionais de janeiro a setembro de 2012. Em todo 2011 haviam sido 208. De 2004 para cá foram 1.247.
18. Em 2012 destacam-se: tecnologia da informação (33); serviços para empresas (20); empresas de internet (19); supermercados, açúcar e álcool (35); publicidade e editoras (10); alimentos, bebidas e fumo (10); mineração (9); óleo e gás (8); educação (7); shopping centers (7); imobiliário (7).
19. Ainda mais estarrecedora que a avassaladora ocupação da economia brasileira é a persistência na mentalidade de que os investimentos estrangeiros beneficiam a economia.
20. Não houve evolução, desde os anos 50 e 60, no entendimento da realidade. Continuam sendo escamoteadas as causas do enorme atraso tecnológico do País e disto tudo: pobreza, insegurança, infra-estrutura lastimável, desagregação social, desaparelhamento da defesa e cessão de territórios a pretexto de proteção ao ambiente e a indígenas.
21. O impasse da economia brasileira, prestes a desembocar em dificuldades ainda maiores, sob o impacto da depressão nos países centrais, decorre das percepções errôneas, subjacentes às recomendações da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina da ONU) e à política “desenvolvimentista” de JK.
22. Estas foram as falsas premissas, ainda não atiradas ao lixo, como deveriam ter sido há muito tempo: 1) a industrialização como meta em si mesma, independente da composição nacional ou estrangeira e do grau de concentração do capital; 2) o capital estrangeiro tido por necessário para suprir pretensa insuficiência local de recursos.
23. As políticas decorrentes dessas ideias redundaram na desindustrialização e na descapitalização do País. Ignora-se a experiência histórica – sempre confirmada – de nunca ter existido real desenvolvimento em países nos quais predominem os investimentos estrangeiros.
24. Recorde-se que, de 1890 a 1917, ano da débâcle na guerra e da revolução, o volume de investimentos estrangeiros na Rússia foi cerca de três vezes superior ao do capital nacional.
Adriano Benayon é doutor em economia e autor de "Globalização versus Desenvolvimento" (Escrituras). Contato: abenayon@brturbo.com.br

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sobre o crime da doação da CVRD



Na contramão da história
sex, 2012-06-01 14:39 — Aline
1º/06/2012
Lúcio Flávio Pinto

A União criou a Companhia Vale do Rio Doce, em 1º de junho de 1942, com o objetivo de extrair e remeter minério de ferro para os países aliados que combatiam as nações do Eixo na Segunda Guerra Mundial, mantendo seu controle acionário até o dia 7 de maio de 1997, 55 anos depois.
O leilão de privatização realizado nesse dia foi vencido pelo Consórcio Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), responsável pelo lance que lhe deu a posse de 53,9% das ações ordinárias da estatal, de propriedade da União, que haviam sido colocadas à venda.
Pessoas físicas e entidades propuseram ações populares em localidades diversas do país. O Ministério Público Federal, por sua vez, ajuizou ações civis públicas contra a venda.
A primeira ação popular questionando a desestatização da Companhia Vale do Rio Doce, na verdade, surgiu antes mesmo do leilão, em 26 de outubro de 1995, proposta por Mario David Prado Sá e Ilson José Corrêa Pedroso, perante a justiça federal no Pará. Mas se incorporou às demais por falta de decisão.
As ações populares tiveram dois objetivos distintos. O primeiro foi obter declaração judicial de nulidade do leilão do controle acionário da Vale, por causa de diversos ilícitos formais do processo licitatório. O segundo foi o de reconstituir o fundo público previsto no decreto-lei 4.352, de 1942, em favor do tesouro nacional.
Os valores desse fundo público não só representariam uma indenização pré-fixada da agressão ambiental inerente à atividade de extração mineral, mas também constituiriam patrimônio econômico do erário nacional, fora do controle da companhia.
O dinheiro dos estados
O juiz da 12ª vara federal Rio de Janeiro mandou intimar os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo a manifestarem seu interesse na questão. Ela dizia respeito ao destino de lucros líquidos sonegados ao fundo de desenvolvimento regional, que, pelas normas originais, seriam superiores a R$ 40 bilhões.
O artigo 6º, § 7º do decreto-lei de 1º de junho de 1942, que criou a Vale, estabeleceu:
“O dividendo máximo a ser distribuído não ultrapassará de 15% e o que restar dos lucros líquidos constituirá um fundo de melhoramentos e desenvolvimento do Vale do Rio Doce, executados conforme projeto elaborado por acordo entre os Governos dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, aprovados pelo Presidente da República”.
É óbvio que esses dois Estados foram contemplados na lei criadora por serem os únicos onde a Vale atuava, na época. Depois ela se instalou em pelo menos mais 10 unidades, com destaque para Bahia, Maranhão, Pará, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Sergipe e Tocantins.
O modelo de “privatização” substituiu a obrigação de 85% dos lucros líquidos se destinarem ao fundo de desenvolvimento por uma doação única de R$ 85,9 milhões, efetuada logo depois do leilão, em 1997. Todos os Estados passariam a ter suas necessidades atendidas com essa verba, “doada” pelos vencedores do leilão de 1997 e complementada com recursos do BNDES, o “principal agente de execução da política de investimentos do Governo Federal”.
A Vale agravou da decisão, para que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região impedisse o ato do juiz. Pará, Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Sergipe e Tocantins também poderiam se manifestar para receber boa parte dos lucros líquidos da Vale.
Alegou a empresa que os Estados só teriam interesse econômico, mas não teriam interesse jurídico para justificar sua participação no processo. O advogado dos autores populares contraditou essa tese. Segundo ele, a Constituição Federal diz que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência comum para “zelar” pela guarda das leis e “conservar” o patrimônio público.
Eles têm “não só o direito, mas até mesmo o dever de lutar por esse patrimônio, independente das conveniências de política partidária dos seus governantes. Além disso, a lei 9.469/1997 (por sinal, sancionada pelo ex-presidente FHC), determina que os Estados não precisam provar interesse jurídico para intervir em processos judiciais cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, apenas de natureza econômica”.
Os vícios na venda
Em praticamente todas as ações, os autores populares e o MPF indicaram irregularidades formais no procedimento de alienação. Denunciaram também a subavaliação do patrimônio e dos direitos de titularidade da empresa, que resultaram em um preço por ação inferior ao preço mínimo real da companhia e expressivos prejuízos aos cofres públicos.
O fundamento dessa conclusão foi um laudo produzido por especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, contratados pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados para a apuração da venda. Segundo o laudo, as empresas contratadas pelo BNDES produziram uma avaliação incorreta, ao partir de premissas equivocadas, que não permitiram uma avaliação confiável.
Na avaliação feita para a venda da empresa não foi computada a existência de urânio, outros minerais radioativos e reservas que na época ainda não haviam sido devidamente mensuradas, como as de cobre, além de uma jazida de ouro possivelmente de 900 toneladas, excluída com o argumento de que, “enquanto não chega à boca da mina” (critério mine gate de avaliação), o metal precioso nada vale.
De volta ao leilão
Em 26 de outubro de 2005 a desembargadora federal Selene Maria de Almeida (da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília/DF), deu extenso voto no julgamento conjunto de dezenas de ações populares. Acolhendo o parecer do Ministério Público Federal, determinou a anulação das sentenças de primeiro grau favoráveis à venda em 1997, o reexame do mérito das ações populares extintas e outra avaliação do patrimônio da mineradora, das quais foi relatora
Seu voto foi acolhido pela maioria dos integrantes da turma. A divergência parcial foi apenas em relação à possibilidade ou não de reconhecimento da situação de fato consolidada da privatização. Prevaleceu o entendimento de que a anulação deveria ser integral, vencida a relatora, que considerou a situação de fato consolidada.
O TRF determinou o retorno dos autos ao juízo de origem para ser apurado se houve, de fato, vícios formais no edital e no procedimento de alienação. A apuração teria que verificar também se ocorreu subavaliação e/ou exclusão de avaliação de bens ou direitos de titularidade da companhia. Em caso positivo, perícia teria que ser feita para discriminar os valores.
A complexidade da causa impôs a perícia, em razão de a CVRD ser uma das maiores produtoras e exportadoras de minérios do mundo, desempenhando, ainda, outras atividades relacionadas à navegação, transporte ferroviário e logística.
Ficou estabelecido que o laudo deveria demonstrar os métodos utilizados quando da avaliação do patrimônio da empresa e compará-los com outros métodos, apurando os valores que eventualmente não tivessem sido computados. Assim poderia respaldar o juízo, inclusive com a finalidade de estipular eventual responsabilidade por ressarcimento de prejuízos que tenham sido causados ao erário.
Em pelo menos um dos processos ajuizados no Pará em 1997 foi requerido, como providência cautelar, o deposito judicial dos dividendos correspondentes às ações de controle acionário da CVRD, apurados depois do leilão. O pedido foi apresentado por não haver garantia de devolução dos valores bilionários recebidos pelos compradores. Esses valores passariam a ser indevidos, na hipótese de julgamentos finais favoráveis aos autores populares, que denunciaram as irregularidades na época própria, antes de consumada a venda de ações da companhia.
Advertências sobre risco
Quatro dias antes da venda, aliás, o ministro Demócrito Reinaldo. do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista à Folha de S. Paulo, em 2 de maio de 1997, advertiu as autoridades sobre a temeridade de forçar o leilão da Vale havendo tantas ações populares cujo mérito ainda exigiria muito tempo para ser julgado.
Esse mérito poderia implicar rever a inconstitucionalidade e ilegalidade da venda da estatal, como viria a ser decidido por maioria nos acórdãos do TRF-1ª Região, contra o voto do relatora, que só viu irregularidade na avaliação prévia e não na venda subsequente.
No caso das ações populares propostas pelo grupo patrocinado por Eloá dos Santos Cruz, advogado com escritório no Rio de Janeiro, houve recurso de apelação voluntária pelo menos num processo, no qual foi lembrada a necessidade do imprescindível reexame imposto pela lei. Isso beneficiou a todos os autores populares.
Se os procedimentos administrativos (enquadramento da Vale no Programa Nacional de Desestatização, editais e avaliação) e o próprio leilão de ações forem declarados nulos em decisão final, a justiça teria de proferir decisão com efeito retroativo, voltando a prevalecer o controle acionário da Vale como estava no dia do leilão, em 6 de maio de 1997.
Nesse caso, quem devolveria ao tesouro nacional os lucros líquidos bilionários que foram e continuam a ser recebidos pelos atuais controladores da Vale?
Em petições à 5ª Turma do TRF-1ª Região, Eloá pediu providência cautelar, no sentido de se ordenar o depósito judicial desses valores, de acordo com a Lei 9.703/98 (FHC), até que sejam decididas de vez as ações populares.
As frentes de luta
Definida pela justiça a competência original da 1ª Vara Federal de Belém para processar todas as ações propostas contra a venda (cuja intenção seria deslocar o litígio para longe dos centros decisórios do país), numa primeira frente, autores e réus das ações populares opuseram seus recursos, através de embargos de declaração.
Alguns, a fim de esclarecer se as decisões de 2005, no TRF-1ª Região são majoritárias ou unânimes, e até que ponto seria possível conciliar a tese da “sanatória do nulo em homenagem à boa-fé”, sustentada pela desembargadora federal Selene Maria de Almeida, com os princípios constitucionais da legalidade e da moralidade administrativa. Para o grupo patrocinado pelo advogado Eloá, a tese da “sanatória” seria como um nihil obstat (nada a opor em latim), “que prenuncia anarquia e descontrole no âmbito da Administração Pública. Ou pior ainda: chancela privilégio odioso a especuladores da Coisa Pública”.
Na segunda frente, centrada em ação popular na 12ª vara federal do Rio de Janeiro, discute-se a vigência, ou não, do dispositivo que limitou os dividendos dos acionistas da Vale a 15% dos lucros líquidos, destinando “o que restar” a um fundo público.
Na contestação apresentada por seus advogados, o ex-presidente FHC declarou quais eram os efeitos desejados com o leilão:
“Essa transformação que sofreu a CVRD, deixando o domínio estatal para ingressar na livre iniciativa, fez com que todas as normas legislativas editadas por seu anterior acionista controlador (União) perdessem imediatamente a eficácia, ressalvadas as disposições comuns a todas as empresas, relativas à regulação do Estado do processo econômico.
A partir desse momento, a companhia se tornou livre para efetuar suas transações econômicas com quaisquer pessoas, não tendo mais a obrigação de prestar suas contas ao Tribunal de Contas da União”.
Sobre esse enunciado, Eloá fez as seguintes observações em 2006:
“Que transações são essas, que não podem ser conhecidas pelo Tribunal de Contas da União? O que sabe o Tribunal de Contas da União sobre os montantes recolhidos, ou não, ao fundo público desde o resultado financeiro positivo em 1954 até maio de 1997? Qual a inconveniência para o Interesse Público se o ‘anterior acionista controlador (União)’ recebesse a maior parte dos dividendos (quase R$ 9 bilhões, somente em 2005)? Qual a vantagem para o Povo Brasileiro de trocar esse ‘anterior acionista controlador (União)’ pelos investidores da Bolsa de Valores de Nova Iorque? Pior, ainda: por que não se informa a esses investidores o contencioso popular em curso no Brasil?”. As perguntas permanecem no ar até hoje.

Genocídio contra a Palestina


ATENÇÃO : CENAS FORTÍSSIMAS. SÓ DEVEM SER VISTAS POR PESSOAS DE NERVOS DE AÇO.
É O DIA-A-DIA DOS PALESTINOS, SOB ATAQUE PERMANENTE DE ISRAEL. LEMBRAR QUE OBAMA ( PRÊMIO NOBEL DA PAZ !!!!) DISSE, RECENTEMENTE, QUE ISRAEL TEM O DIREITO DE SE DEFENDER DOS ATAQUES DOS "TERRORISTAS"  PALESTINOS E QUE OS EUA APOIARÃO ISRAEL SEMPRE!
O MUNDO NÃO PODE PERMITIR QUE CONTINUE ESSE GENOCÍDIO.
DE QUÊ SERVE A ONU?

Para assistir (se você for bastante forte), clique:


http://www.youtube.com/watch?v=hHYOkCmEjFA

Em defesa da UEPB

Clique:

http://emdefesadauepb.wordpress.com/

domingo, 25 de novembro de 2012

Para não cair no esquecimento... e prevenir o futuro

Ex-ministro do STF, Francisco Rezek, envolvido no caso Dantas

De Ancelmo Góis
O ex-ministro do STF Francisco Rezek, no meio de um tiroteio envolvendo ações da Valepar, holding que controla a Vale, renunciou ao Tribunal Arbitral.
Rezek tinha votado a favor do Opportunity na disputa. Só que teria de se declarar impedido na votação, por já ter advogado para Daniel Dantas, uma das partes, e omitiu esta informação.

Da Carta Capital
Segundo Ancelmo Góis, colunista de O Globo, Francisco Rezek renunciou à função de árbitro no caso que analisa os direitos do banco Opportunity em aumentar sua participação acionária na Vale. Rezek deixa o cargo após reportagem da edição desta semana de CartaCapital assinada por Leandro Fortes e Sergio Lirio. A reportagem mostra que o ex-ministro, ao aceitar o posto na arbitragem, mentiu em documento oficial: o advogado escondeu suas relações profissionais com o grupo de Daniel Dantas, parte interessada no processo. A decisão da arbitragem, liderada por Rezek, favoreceu o banqueiro.
A omissão do ex-ministro no documento oficial levou os principais sócios da Vale, Bradesco e Previ, a colocar em dúvida a decisão favorável ao Opportunity e a ameaçar uma ação na Justiça. Em declarações posteriores, Rezek havia garantido ter informado às partes de sua atuação a favor de Dantas. Após a revelação de CartaCapital, não resistiu e renunciou ao posto.
Árbitro e torcedor
Documento obtido por CartaCapital revela: ao contrário do que afirmou recentemente, Francisco Rezek omitiu sua posição de advogado de Dantas
Em 8 de novembro de 2007, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Francisco Rezek encaminhou ao Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), no Rio de Janeiro, um documento de duas páginas com respostas a um questionário de dez perguntas. Logo no segundo item, Rezek teve de responder à seguinte pergunta: “Alguma vez atuou, sob qualquer forma, na defesa dos interesses das partes no processo em que está sendo indicado para atuar como árbitro?” “Não”, cravou o advogado. Mais adiante, no quarto quesito, insiste o questionário do CBMA: “Conhece alguma das partes ou advogados envolvidos no processo? Qual o grau de relacionamento existente?” Outra vez, Resek respondeu “não”. Nos dois casos, o ex-juiz da Corte Internacional de Haia não falou a verdade.
CartaCapital teve acesso ao documento citado acima, um questionário-padrão elaborado pelo CBMA para organizar grupos de arbitragem, um método alternativo – e caro – de resolução de conflitos judiciais. Assim, por livre e espontânea vontade, grupos privados aceitam transferir para terceiros (os “árbitros”) a solução de litígios, normalmente de ordem comercial. Rezek mentiu ao responder as perguntas acima para esconder sua ligação profissional com o banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, parte interessada e vitoriosa em uma disputa contra a Bradespar (administradora de ações do Bradesco) e a Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil), pelo direito de compra de ações da Valepar, controladora acionária da mineradora Vale. Por conta disso, o expediente da arbitragem privada, regulamentado no País, em 1996, poderá sofrer seu primeiro revés em quase 15 anos de aplicação.
Como em quase tudo que Dantas põe as mãos, o imbróglio referente às ações da Vale mistura interesses privados, dinheiro público e graves consequências financeiras para as partes envolvidas – à exceção, é claro, do Opportunity. O cerne da questão está na atual divisão acionária da Vale, concentrada pela Valepar, dona de 53,6% do capital votante, dentro da qual se agrupam a Previ (49%), a Bradespar (21,02%) e a Elétron, ligada ao Opportunity, com apenas 0,02% das ações da segunda maior mineradora do mundo, avaliada em 282 bilhões de reais. Em 2007, Dantas argumentou que a escassa participação acionária da Elétron era uma disfunção, resultado de uma diluição provocada em 2002 por um aumento de capital. Chegou a ensaiar uma ação judicial, mas esbarrou em um artigo do acordo de acionistas da Valepar pelo qual se estabelece o procedimento arbitral para a solução de litígios dessa natureza. Entrou em campo então o Conselho Brasileiro de Mediação e Arbitragem.
Foram designados três árbitros ao CBMA, além de Rezek, indicado pelas duas partes em litígio, os advogados Gustavo Tepedino (indicado pela Bradespar e pela Previ) e Mário Sérgio Duarte Garcia (indicado pela Elétron). Em 18 de dezembro de 2009, o trio entendeu, por unanimidade, que a Elétron é titular do direito à opção de compra das ações estabelecida no acordo de acionistas. De acordo com a sentença, o momento da entrega, a quantidade e o valor atualizado das ações, além de um eventual ressarcimento pelos danos, seriam definidos em uma sentença posterior, após a produção de provas pelas partes.
Em 29 de janeiro de 2010, a CBMA proferiu uma nova decisão, de modo a esclarecer outros pedidos feitos pelas partes. No texto, confirma o cumprimento das cláusulas contratuais de acordo com o entendimento expresso na sentença anterior. Ou seja, a titularidade do direito de compra é mesmo da Elétron, a quem cabe exercê-lo plenamente. Faltou apenas uma nova rodada de arbitragem para se definirem os valores das ações e as condições de pagamento. No fim das contas, Dantas ganhou o direito de ter uma participação de 2% da Valepar. Na ponta do lápis, significa dizer que o banqueiro, condenado a dez anos de cadeia por mandar subornar, em 2008, um delegado da Polícia Federal durante a Operação Satiagraha, poderá gastar algo em torno de 100 milhões de reais para comprar ações que valem, por baixo, 2 bilhões.
Tudo lindo, tudo maravilhoso, não fosse o fato de alguém ter soprado nos ouvidos dos acionistas da Bradespar uma inconfidência sobre as ligações entre Rezek e Dantas: o ex-ministro do STF assinou uma petição feita ao Tribunal Ordinário de Milão, na Itália, em um dos processos relativos à disputa entre Dantas e a Telecom Italia, na qualidade de defensor do banqueiro, protocolada em 23 de julho de 2007. Portanto, quatro meses antes de cravar dois singelos “nãos” no questionário do CBMA, justamente nos itens nos quais se perguntava se ele havia atuado em favor ou se conhecia algumas das partes envolvidas no litígio. De posse dessa informação, a Bradespar anunciou, no início do mês, que pretende contestar a decisão da Câmara Arbitral na Justiça.
Procurado por CartaCapital para dar explicações, Rezek mandou avisar, por meio de uma secretária, que está impedido de se pronunciar sobre o caso, segundo as normas estabelecidas pelo CBMA. Em 12 de março, em entrevista ao jornal Valor Econômico, o ex-magistrado afirmou ter relatado “possíveis impedimentos” à Câmara Arbitral, inclusive para representantes da Bradespar e da Previ. Aos adversários da Elétron, garantiu ter avisado de sua participação no processo da Itália, resumida, segundo um ex-ministro, a um parecer para o Opportunity em uma ação relativa à jurisdição internacional.
Assim como Rezek não informou ao CBMA, a direção do Opportunity também não avisou aos demais interessados da existência de um impedimento flagrante na escolha do árbitro-líder do julgamento. Nem mesmo Sérgio Bermudes, advogado da Bradespar e um dos principais defensores de Dantas na disputa contra os fundos de pensão, foi alertado sobre o conflito de interesses surgido a partir da indicação de Rezek.
É possível que o ex-ministro tenha sido seduzido para a causa de Dantas por obra dos honorários destinados aos árbitros da Justiça privada. Cada um deles recebe cerca de 600 reais por hora de serviço, mas Rezek, por presidir o Tribunal Arbitral, ainda leva 20% a mais sobre esse valor, aproximadamente 720 reais por hora de serviço. O processo começou em novembro de 2007 e só acabou em março de 2010.
A ligação de Rezek e Dantas, no entanto, é praticamente impossível de ser escondida, até porque ela foi incluída em uma trama bolada pelo banqueiro para tentar desqualificar a Operação Chacal, da Polícia Federal, realizada em 2004. Dois anos antes, um esquema clandestino de espionagem montado pelo banqueiro e uma agência privada de investigação, a Kroll Associated, foi desbaratado pela PF. Lembre-se que os federais só descobriram o esquema por conta de um erro primário dos arapongas da Kroll: por engano eles seguiram o então presidente do Banco Central, Arminio Fraga, convictos de que se tratava do ex-ministro Andrea Calabi. Ao perceber a movimentação estranha, Fraga acionou a PF.
A partir daí, Dantas faz circular em várias redações brasileiras um dossiê elaborado sob encomenda para difundir as teses dele no tal processo milanês da briga com a Telecom Italia. CartaCapital tratou dessa disputa em várias reportagens. Trata-se de mais uma esperteza. Funcionários da operadora italiana são acusados de grampear autoridades e produzir dossiês em seu país de origem, mas o caso, como já ficou comprovado na Justiça de Milão, nada tem a ver com a espionagem brasileira. Mesmo assim, Dantas insiste em se passar não por autor, mas por vítima de um esquema de espionagem e chantagem montado pelos italianos e que envolveria policiais, jornalistas, advogados e autoridades. Uma completa inversão da realidade que só encontra guarida em uma banda desqualificada (em todos os sentidos) da mídia brasileira.
É justamente nesse dossiê pró-Dantas, inicialmente distribuído a jornalistas brasileiros escolhidos pelo banqueiro, que consta a petição assinada por Rezek à Procuradoria italiana, com data de 10 de julho de 2007. Além disso, há outro documento, com texto quase idêntico, entregue às autoridades brasileiras, também assinado por Rezek em 22 de maio de 2007.
É difícil saber o destino dessa primeira petição, pois não consta do dossiê a primeira página do documento. O último parágrafo, contudo, não deixa dúvida de que foi encaminhado a alguma instância no Brasil, possivelmente à Procuradoria-Geral da República: “Em face do exposto, e dos elementos de apoio anexos, pede o requerente que Vossa Excelência determine providências que, ante semelhante quadro, incumbem à autoridade brasileira por força da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional”. É essa a peça de resistência que a defesa do Opportunity maneja na tentativa de interromper todo e qualquer processo contra Dantas no Brasil. Portanto, não se trata de uma simples petição como quer fazer parecer o ex-ministro do STF.
O curioso é que os “elementos de apoio anexos”, citados por Rezek na petição a favor do Opportunity, incluem farto material jornalístico publicado no Brasil e na Itália. Entre os destaques das reportagens brasileiras estão “investigações” da revista Veja, da Folha de S.Paulo e da assessoria de imprensa Consultor Jurídico. Todas as “reportagens”, diga-se de passagem, bastante alinhadas com as teses que Dantas apresentava então à Justiça italiana.
O Consultor Jurídico não teve sequer o cuidado de disfarçar a reprodução de documentos oriundos do dossiê pró-Dantas. Em uma das “reportagens”, publicada em maio de 2009, um dos links na internet apontava para uma série de papéis, entre os quais o parecer de Rezek.
No fim das contas, Dantas meteu-se, por imprudência ou ganância, em uma nova guerra comercial, a disputa pelas ações bilionárias da Valepar, pouco tempo depois de sair de outra, a das telecomunicações. Por mais de sete anos, o dono do Opportunity brigou com os fundos de pensão, até o armistício selado em abril de 2008, que colocou um ponto final na disputa em nome da fusão entre a Oi e a Brasil Telecom. Em comum a ambas as operações, a presença providencial de Rezek, ora como defensor, ora como juiz, mas sempre a favor do mesmo cliente, o Opportunity. Pelas regras da CBMA, ao mentir sobre suas relações com Dantas, o hoje advogado tornou o processo sobre as ações da Vale passível de anulação. No caso de isso ocorrer, outro procedimento, com novos árbitros, terá de ser aberto.
Isso significa que a atitude de Rezek poderá ter comprometido uma ação processual favorável a Dantas que, do ponto de vista técnico, dificilmente poderia ser contestada. Em 13 de março, um dos árbitros do Tribunal Arbitral, o advogado Gustavo Tepedino, comentou sobre o tema durante um evento da Câmara Britânica, no Rio de Janeiro. Segundo ele, o processo foi “absolutamente transparente” e a decisão, tomada de forma preliminar, deveria ter permanecido sob sigilo. Ele fez questão de lembrar que os árbitros escolhidos foram confirmados pelas partes (Bradespar, Previ e Elétron). Para Tepedino, a nulidade do processo arbitral só é acolhida por “questões gravíssimas”. E como se poderia classificar um ex-ministro do STF pego na mentira para esconder seus vínculos profissionais com um banqueiro de má fama e condenado na Justiça?