sábado, 19 de fevereiro de 2022

‘Brasil não assegura direito a moradia e culpa pobres por morar em encostas’, critica advogado

 PERVERSIDADE

‘Brasil não assegura direito a moradia e culpa pobres por morar em encostas’, critica advogado

De acordo com Jorge Folena, cabe reparação às famílias vítimas dos deslizamentos em Petrópolis. Responsabilidades dos governos federal, estadual e municipal também deve ser investigadas

Tânia Rêgo/EBC
petrópolis vítimas
Dados do portal da transparência mostram que a gestão municipal gastou mais com luzes de natal e publicidade do que com ações de contenção de encostas

São Paulo – Para o advogado Jorge Rubem Folena de Oliveira, doutor em Ciência Política e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), a tragédia em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, tem responsáveis que devem ser investigados. O número de mortes chegou a 120 na madrugada desta sexta-feira (18) em decorrência do temporal que causou enchentes e 323 deslizamentos desde terça (15). Outras 116 pessoas estão desaparecidas e 370 desabrigadas. 

Em entrevista a Marilu Cabañas, na Rádio Brasil Atual, o advogado destaca que os moradores de Petrópolis atingidos e as famílias das vítimas devem ser reparados. O primeiro ponto, de acordo com ele, a ser apurado é a denúncia de inação do governo do Rio, de Cláudio Castro (PL), e da prefeitura de Rubens Bomtempo (PSB). Reportagem da Folha de S.Paulo indica que o Centro Nacional de Monitoramento de Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) emitiu um alerta sobre a magnitude do temporal no dia anterior à tragédia. Ontem, à RBA, o especialista Paulo Artaxo observou que ao receber o aviso, as autoridades deveriam ter evacuado as áreas de alto risco. 

“No campo da responsabilidade penal tem que se apurar devidamente se de fato receberam comunicados. Se foram e nada fizeram, incorreram nas mortes e nos danos também causados, vindo a responder pelos respectivos delitos”, aponta Folena. O advogado completa que a jurisprudência brasileira consagra também a questão da responsabilidade civil. “Casas destruídas, vidas perdidas, famílias que não terão sustento daqui para frente. Então, alguém terá que ser responsabilizado e essas famílias reparadas”, cobra ele. 

Prefeitura gastou mais com publicidade

Até o momento, a tragédia em Petrópolis vem mostrando que medidas preventivas não foram tomadas para evitá-la. O governo estadual, por exemplo, gastou apenas 47% do valor previsto inicialmente em orçamento com o programa de prevenção e respostas a desastres. Dados do portal da transparência, levantados pelo UOL, também mostram que a gestão municipal gastou mais com luzes de natal e publicidade do que com contenção de encostas no ano passado. 

Foram reservados para pagamento, mas não necessariamente investidos, RS 2,1 milhões em obras de prevenção de queda de barreiras. Enquanto recursos para propaganda somaram R$ 4,4 milhões e R$ 1,1 milhão para iluminação de fim de ano. Um total de R$ 5,5 milhões, portanto mais do que o dobro investido contra deslizamentos. Até dezembro, quem esteve à frente do município foi o presidente da Câmara de Vereadores, Hingo Hammes. O atual prefeito não conseguiu assumir o cargo em janeiro de 2021 por pendências na Justiça Eleitoral.

Criminalização da pobreza

“É algo previsível que sabemos que vai acontecer e o poder público se omite, nada faz”, critica Folena. O advogado lembra ainda que a tragédia de Petrópolis coloca em evidência a falta de políticas habitacionais que expulsa os mais pobres para altos de morros, onde constroem moradias precárias. Ele lembra de outras recentes enchentes e deslizamentos ocorridos em função das fortes chuvas na Bahia, Minas Gerais e São Paulo que, em comum, vitimaram sobretudo os mais pobres. De acordo com Folena, é um erro atribuir a essas pessoas a responsabilidade por algo que é previsível por parte do poder público. 

“Ouvi o presidente Jair Bolsonaro questionar recentemente ‘por que constroem casas na beira de rio e em encostas?’. Eu responderia para ele porque você como presidente da República não estabelece políticas públicas para assegurar o princípio fundamental da moradia. É previsto na Constituição, artigo sexto. Ele não o assegura e culpa as pessoas porque elas são pobres. Criminalizar as pessoas pobres é muito fácil. Agora, por outro lado, não cobra dos concessionários, do poder público porque não fez drenagem de rios.(…) Hoje nós temos no Brasil uma jurisprudência, com decisões de vários tribunais, inclusive reconhecendo que as pessoas que viviam em áreas de encosta, na beira de rio, também devem ser protegidas e reparadas pelo poder público”, destaca. 

Saiba mais na entrevista

Redação: Clara Assunção

Bolsonaro não tem ‘nenhum respeito’ com os governadores, diz Fátima Bezerra

ENTRE VISTAS

Bolsonaro não tem ‘nenhum respeito’ com os governadores, diz Fátima Bezerra

Única mulher à frente de um estado, governadora do Rio Grande do Norte afirma que o Brasil é dirigido por um presidente “sem amor à democracia”, nem respeito às relações institucionais

Reprodução/TVT
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Fátima disse que "não é normal" ser atualmente a única mulher a governar um estado brasileiro

São Paulo – Única mulher governadora do país, eleita pelo povo do Rio Grande do Norte, a petista Fátima Bezerra afirma que a relação do governo Bolsonaro com os estados é marcada pelo “completo desrespeito”. “Ele não tem o mínimo zelo pelos princípios republicanos, do ponto de vista das relações federativas”, disse ela ao jornalista Juca Kfouri, no programa Entre Vistas da última quinta-feira (17), na TVT. E esse tratamento, segundo ela, não se restringe às lideranças do Nordeste, região em que o presidente é majoritariamente reprovado. “Você conta nos dedos quais são os governadores que ele tem um mínimo de relação. Então é um horror, um retrocesso. É como se fosse uma volta à época da República dos coronéis”.

Fátima também atribui ao governo Bolsonaro a responsabilidade pelo agravamento da miséria, da fome e da desigualdade nos últimos anos. “Isso tudo em decorrência do governo que aí está. Não só pela política ultraliberal que eles adotam. Mas também as iniciativas do próprio governo de desmonte das estruturas do Estado”, disse.

Como exemplo, ela aponta o desmantelamento do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Nos últimos três anos, Bolsonaro cortou em mais de 70% os recursos federais destinados ao órgão. A governadora compara o modelo de gestão do Suas à forma como deveria funcionar o pacto federativo, com articulação entre o governo federal, estados e municípios, com participação social.

“Mas esse governo que está aí não tem amor pela democracia. Muito menos pela participação popular. Ele desmontou tudo isso. Assim, a tradução de tudo isso é a precariedade cada vez maior nas condições de vida das famílias em situação de vulnerabilidade social”, criticou.

Consórcio do Nordeste

Diante desse cenário, Fátima Bezerra citou o Consórcio do Nordeste como exemplo de “resistência e cooperação coletiva”. É nesse colegiado, explica, que os governadores da região buscam soluções e alternativas para as questões mais relevantes da região. No consórcio, a governadora potiguar é responsável pela coordenação das câmaras temáticas da Agricultura Familiar e da Assistência Social.

“Sem dúvida nenhuma, essa iniciativa dos governadores, essa articulação que nós temos feito, tem sido muito importante. Na medida em que o Nordeste se une olhando para muitos e muitos dos desafios e problemas que são comuns”, afirmou.

Educação

A Juca Kfouri, Fátima também garantiu que vai cumprir com o Piso Nacional do Magistério em 2022. Os professores da rede estadual entraram em greve na última segunda-feira (14), reivindicando 33,24% de reajuste, de acordo com o piso. Ela disse que respeita a luta da categoria, e saudou o Piso Nacional como um dos “grandes avanços” obtidos nos governos do PT.

No entanto disse também que o Rio Grande do Norte enfrenta restrições orçamentárias e, por essa razão, apresentou uma proposta de parcelamento do reajuste. Ela lembrou que abriu seu mandato, em 2019, “com o cofre raspado”. Naquele momento, o funcionalismo estava com quatro meses de salários atrasados, que somavam cerca de R$ 1 bilhão. Ainda assim, afirmou, foi possível “arrumar a casa” garantido dignidade aos servidores.

Mulheres na política

Sobre a condição feminina e atuação política, Fátima Bezerra disse que “não é normal” ser a única mulher a governar um estado no Brasil de hoje. Ela destacou que a sub-representação feminina se repete também no Legislativo e no Judiciário. Ela atribui essa discrepância à “cultura patriarcal” e ao “machismo estrutural”, que impõem obstáculos às mulheres.

“Não é fácil de maneira nenhuma viver nesse mundo, nas mais variadas esferas. No setor público, na vida privada, não é fácil. Diante exatamente da carga violenta de preconceito que a gente enfrenta”, afirmou a governadora. Nesse sentido, disse enfrentar ainda outras formas de preconceito.

“Comigo, por exemplo, o preconceito começa pela questão de gênero, por ser mulher. Aí vem o preconceito da ordem de orientação sexual, e o preconceito de classe. Afinal de contas, eu não nasci num berço de ouro. Venho de uma família de origem simples, humilde, pobre. Então é uma carga de preconceito muito, muito grande.”

Por outro lado, disse que, para exercerem o poder, as mulheres têm “uma sensibilidade mais aflorada, associada ao mesmo tempo a muita determinação e coragem”. “Nós já vencemos muitas barreiras, sem dúvida nenhuma. Se for olhar do ponto de vista do direito à educação, do direito ao mercado de trabalho etc. Mas a gente tem uma estrada muito longa pela frente”, concluiu.

Confira a entrevista na íntegra:

As principais notícias desta noite no Brasil 247

 

Genocídio de mulheres na Amazônia, de Laura Rougemont [lançamento] E-BOOK GRATUITO

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Desde a colonização, a Amazônia é receptáculo de projetos dos “de fora”, que pensam tal região, de particularidades naturais e humanas, meramente como reserva de valor, como fundos territoriais (ainda) não completamente explorados pelo capital. Em consequência dos consecutivos regimes de expropriação que vêm sendo praticados ao longo de séculos na Amazônia, ela é também a região geográfica que apresenta os maiores índices de violência no campo no Brasil, resultado da sua qualificação – simbólica e material – como “a fronteira” interna por excelência.

As vítimas destes regimes violentos são, muitas vezes, sujeitos que fazem parte de coletivos de movimentos sociais de luta pela terra, atingidos/as por barragens, indígenas, assentados/as, quilombolas, pescadores/as artesanais, dentre outros segmentos sociais diversos.

Neste sentido, o livro pretende discutir não somente a historicidade de mitos e práticas direcionadas à produção da Amazônia como fronteira, mas também visibilizar a violência política que decorre de tais mitos e práticas, tendo como enfoque aquela que é direcionada a mulheres.

 

Tratamos particularmente das histórias pessoais de três vítimas fatais do “desenvolvimento”, em decorrência de suas lutas territoriais na Amazônia: Dilma Ferreira Silva, Nilce de Souza Magalhães e Jane Júlia de Oliveira. Como buscamos qualificar no livro, a morte na fronteira amazônica caracteriza-se como morte política e, especificamente, como uma tentativa de eliminação de formas políticas protagonizadas por mulheres. Tais políticas estão na ordem da reprodução da vida e do comum, e são destituídas por mentalidades de fronteira evidentemente masculinas e proprietárias, que representam a antítese do que sugerem tais lutas e tais mulheres. Neste sentido, as eliminações na fronteira amazônica nos permitem repensar a noção de fronteira enquanto uma condição humana, e não apenas como uma condição espacial da expropriação.

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Sumário

Abrindo Fronteiras e Fechando Covas ou Sobre Como Começar pelos Finais

 

Capítulo 1 - A Fronteira em Perspectiva: O Imaginário de um “Futuro do Pretérito Imperfeito”

 

Capítulo 2 –“Nas Portas de um Futuro que Nega seus Favores”: A Expropriação como Traço Marcante da Ocupação da Aamazônia

 

Capítulo 3 – Ocupar ou Criar Vazios? O Amanhã Não Chegou Para Elas

 

Capítulo 4 - “Ela tinha um Jeito de Fazer Você Acreditar que o Impossível Poderia Acontecer, e que Sua Era Certa”: Destituição Política e Violência Contra Três Mulheres Amazônidas

 

Capítulo 5 – Debatendo a Fronteira Pelo Prisma das Lutas Políticas de Mulheres na Amazônia 

 

Conclusão: “Assim como tu não terminas na tua morte. E é por isso que te escrevo...”

 

Referências


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Nascida no Rio de Janeiro (RJ), Laura dos Santos Rougemont atualmente vive em Niterói (RJ). É geógrafa, pesquisadora e professora de geografia, com graduação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestrado em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Este livro é resultado de sua pesquisa de doutorado, realizada entre 2016 e 2021, na qual se debruçou sobre a discussão da violência política contra mulheres na fronteira amazônica.

A tese é fruto de uma trajetória de discussões já realizadas a respeito de conflitos socioambientais e agrários e impactos de grandes projetos de desenvolvimento, tendo como substrato teórico o pensamento crítico descolonial. Integra o NETAJ (Núcleo de Estudos sobre Território, Ações Coletivas e Justiça) e o ENCONTTRA (Coletivo de Estudos sobre Conflitos pelo Território e pela Terra).

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Lançamento: 2022

Tamanho: 16x23 cm

293 páginas

Obs: caso queira a versão impressa deste livro, somente disponível pelo email com preço de impressão: editora - arroba - lutasanticapital.com.br ou com a autora: lsrougemont - arroba - gmail.com

 

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