sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Inimigo Público

 

Inimigo Público
 

“Não é novo que o presidente ataque a imprensa mas é a primeira vez, no monitoramento da Repórteres sem Fronteiras, que o próprio presidente faz uma ameaça concreta, uma ameaça física contra um jornalista. Isso é inédito e sem precedentes”, disse em entrevista ao repórter Rafael Oliveira, o diretor para América Latina da organização, Emmanuel Colombié (veja o link abaixo). Diante de tamanha agressão à liberdade de imprensa, Colombié também destacou a reação “insuficiente” das instituições democráticas brasileiras nesta semana. 

Em um primeiro momento, apenas os jornalistas e os veículos protestaram com veemência. Mas a resposta avassaladora veio de forma espontânea nas redes sociais. A pergunta: “Presidente @jairbolsonaro, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?” foi retuitada 2,7 mil vezes por minuto no domingo (23), segundo a coluna do analista de mídias sociais Pedro Abruzzi, na Piauí. E continuou a crescer na segunda-feira com a adesão de perfis de artistas, como Caetano Veloso, Anitta e até de celebridades que não costumam se envolver com política, como as atrizes Paolla Oliveira e Bruna Marquezine. Foram mais de 1 milhão de tuítes insistindo na pergunta que Bolsonaro quis calar à força. E que permanece sem resposta.

O mais interessante desse fenômeno, na minha opinião, é a demonstração por parte dos cidadãos de que compreendem claramente que a grotesca violação à liberdade de imprensa, que vem sofrendo seguidos baques no governo Bolsonaro, é uma violação ao direito de informação de todos e à democracia brasileira. Por isso a estratégia de sempre do governo, de se dizer perseguido pela TV Globo, onde trabalha o profissional agredido, não colou, assim como a nojenta tentativa de manipular o áudio para forjar uma frase ofensiva do repórter, que justificasse o chilique presidencial. Das 2,4 milhões de menções ao presidente entre os dias 23 e 24 de agosto, 85% eram negativas. 

Até o relator da OEA para Liberdade de Expressão, Edison Lanza, que vem acompanhando com apreensão as seguidas violações a esse direito por parte deste governo se manifestou no twitter: “Não consigo encontrar um exemplo da hostilidade mais grosseira de um alto funcionário à imprensa e de expor o jornalista à violência", afirmou Lanza no domingo. Quanto a Bolsonaro, no dia seguinte à ameaça ao repórter da Globo, voltou a agredir os jornalistas, além de desrespeitar brutalmente, mais uma vez, as quase 120 mil famílias que perderam seus parentes na pandemia. “Quando [a Covid] pega num bundão de vocês [jornalistas], a chance de sobreviver é menor", afirmou em um evento de falsa propaganda da cloroquina contra o coronavírus na segunda-feira.

Por que ele insiste nisso?

Uso mais uma vez uma declaração de Colombié para responder: “É muito parecido com a estratégia do presidente Trump nos Estados Unidos. Ele está criando a imagem da imprensa como inimigo do povo, como inimigo em comum. O objetivo implícito por trás é evitar prestar contas à sociedade, na tentativa de manter o maior controle do debate público”.

É exatamente por isso que nós, os “bundões”, vamos continuar perguntando - e investigando - por que, afinal, o Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle Bolsonaro.

 

Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

O que você perdeu na semana


Pressão sobre o SUS. Dados levantados pelo El País mostram que, em apenas seis estados, mais de 4 mil pessoas com Covid-19 morreram enquanto esperavam um leito de UTI. Uma vez que os dados se referem a menos de um terço dos estados brasileiros, o número real certamente é ainda maior. 

Poucos desmatam muito. Apenas 2% das fazendas são responsáveis por quase dois terços do desmatamento potencialmente ilegal que ocorre na Amazônia e no Cerrado, de acordo com dados de um estudo da revista Science mencionados em matéria da Mongabay. O estudo mostrou ainda que pelo menos 20% da soja exportada para a União Europeia pode ser proveniente de áreas desmatadas ilegalmente.

Vidas Negras Importam. Entre 2008 e 2018, enquanto o número de homicídios de pessoas negras aumentou 11,5%, os homicídios de não negros caíram 13%, segundo matéria da Ponte com base em dados do recém-lançado Atlas da Violência. A pesquisa mostra também que uma mulher é assassinada a cada 2 horas no Brasil. Os dados reforçam a importância e a urgência de políticas de combate ao racismo estrutural e à violência contra a mulher. 

Na sua cidade tem "Kit-Covid" com cloroquina ou ivermectina?
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Bolsonaro contra a imprensa. Diretor da Repórteres sem Fronteiras na América Latina, Emmanuel Colombié aponta que é a primeira vez que o próprio presidente faz uma ameaça física contra um jornalista e que os ataques fazem parte de "estratégia definida e cada vez mais bem estruturada". O objetivo é semear a desconfiança quanto ao trabalho jornalístico e criar um inimigo comum. Discurso de Bolsonaro incentiva ainda mais seus seguidores a hostilizar profissionais da imprensa.

Desmatamento em alta. Levantamento inédito da Pública mostra que, em 2019, enquanto o Ibama diminuiu as multas de crimes contra o meio ambiente em sete estados da Amazônia, o desmatamento cresceu em seis deles. Política de Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles deixa as infrações ambientais saírem impunes.

Despejos na pandemia. Oito mil famílias podem ficar sem casa, em plena pandemia, por causa de um projeto de habitação de parceria público-privada (PPP) da prefeitura de São Paulo. A comunidade de Futuro Melhor, localizada no extremo norte da capital paulista, foi totalmente construída por seus moradores sem qualquer ajuda do Estado, que agora pode despejá-los. Não há nenhuma garantia oficial de que as famílias que serão removidas receberão as unidades projetadas.
Pare para ler
 

O exílio dos orixás. A revista piauí conta a história por trás do quadro Orixás, da artista Djanira, um símbolo da cultura afro-brasileira que foi recentemente retirado do local nobre em que se encontrava no Palácio do Planalto. O envio da obra ao arquivo do palácio acontece em meio a manifestações de intolerância com religiões africanas e à crescente presença de evangélicos naquele espaço de poder. 

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A maior ameaça à democracia vem do teto de gastos, por Gilberto Maringoni

 


A maior ameaça à democracia vem do teto de gastos, por Gilberto Maringoni

Bolsonaro entrou no jogo que repudiava em campanha: acertou-se com o centrão e percebeu que medidas sociais, como o auxílio emergencial, alavancam sua popularidade

Agência Brasil

A maior ameaça à democracia vem do teto de gastos

por Gilberto Maringoni

A maior ameaça à democracia brasileira hoje – estranhamente – não parte de Jair Bolsonaro. Vem da manutenção do teto de gastos. Apesar dos arreganhos presidenciais contra jornalistas, de seus possíveis laços com o crime organizado e de sua índole autoritária, Bolsonaro foi enquadrado nos marcos da institucionalidade realmente existente.

A ampla frente democrática formada na prática em maio/junho último – período áureo de seu exibicionismo golpista na frente de quartéis e na rampa do planalto – o colocou na casinha. A força da sociedade civil, do Congresso, do STF e da Constituição, além de sua vulnerabilidade evidenciada na prisão de Fabrício Queiroz, levou o presidente à defensiva e à necessidade de fazer política para impedir o desmoronamento de sua gestão.

A PARTIR DAÍ, Bolsonaro entrou no jogo que repudiava em campanha: acertou-se com o centrão e percebeu que medidas sociais, como o auxílio emergencial, alavancam sua popularidade, o tornam eleitor de peso em novembro e lhe abrem janelas para 2022. Saíram de cena os figurantes de trem-fantasma de seu primeiro ano e meio de gestão. Cadê os filhos? Cadê Olavo de Carvalho? Cadê Weintraub? Mesmo os celerados que permanecem na esplanada, como Ernesto Araujo, Damares Alves e Ricardo Salles, perdem relevância na fachada pública do governo (o que não significa estarem inativos nos bastidores).

Enfim, Bolsonaro foi empurrado para o jogo político-institucional de uma democracia liberal real. E democracia no Brasil, historicamente, é democracia com abismos sociais, privilégios e desequilíbrios de toda ordem. É o que tivemos desde 1988 e isso representa um avanço, por mais paradoxal que seja. As instituições funcionam normalmente, no contexto das anomalias históricas do Brasil. Acabou a ameaça golpista por parte do capitão. Ele ainda vai falar muita boçalidade por aí – como tem feito -, mas são urros que fazem parte de seu show.

O PERIGO REAL VEM DO AJUSTE FISCAL permanente, representado pelo torniquete do teto de gastos. Sua manutenção não equivale a estabilidade alguma, mas ao seu contrário. Para possibilitar gastos e investimentos – na lógica do teto – é preciso arrochar outras itens do orçamento, como salários, e demitir funcionários públicos em massa, quebrar direitos, limar o SUS, a educação pública, a área de segurança, deixar pontes e estradas cairem de podres, arrombar as finanças dos estados e acabar com o que resta de patrimônio público, vendendo as riquezas nacionais na bacia das almas. Para manter o teto é preciso estabelecer o desmanche como forma de governo.

Teto significa caos político e social. Teto significa reprimir violentamente qualquer protesto contra sua manutenção. Manter tal compressão às contas públicas resulta em aumento exponencial da insatisfação social, o que suscita resistência e oposição de largas parcelas da população. O potencial de explosões sociais anárquicas é imenso. A resolução mais à mão sempre é repressão, tentativas de obstrução de canais democráticos de expressão e fechamento do regime. Teto e democracia se excluem.

É PRECISO TER EM MENTE A BRUTALIDADE DA MEDIDA. Nem mesmo a efetivação dos programas Renda Brasil e Casa Verde e Amarela são possíveis com o congelamento orçamentário por vinte anos. O teto criminaliza qualquer política fiscal e de investimentos.

Para ativar programa semelhante, Augusto Pinochet recorreu ao massacre físico diante de qualquer fiapo de contrariedade, no Chile dos anos 1970. Seu neoliberalismo avant la lettre só pode ser efetivado com sangue. Muito.

Hoje, a situação no Brasil mudou, em relação aos últimos 45 dias. Repetindo: a ameaça principal à democracia não vem de Bolsonaro, por mais incrível que possa parecer. Vem dos mercados, dos farialimers, da alta finança, da mídia e de gente que diz desejar apenas que os mercados funcionem livremente.

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