O processo de impeachment movido contra
a presidenta eleita, Dilma Rousseff, viola a Constituição do Brasil, a
Convenção Interamericana dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos. E, por isso, deve ser declarado nulo em todos os
seus efeitos e ser combatido pelas cidadãs e cidadãos do país.
Essa é a síntese da sentença anunciada
nesta quarta-feira (20) pelo Tribunal Internacional pela Democracia, uma
iniciativa da Via Campesina Internacional, da Frente Brasil Popular e da Frente
Brasil Juristas pela Democracia. O veredito de valor simbólico será endereçado
ao Senado e aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por dois dias, o tribunal — formado por
sete personalidades vindas do México, da França, da Itália, da Espanha, da
Costa Rica e dos EUA — se debruçou sobre os aspectos jurídicos, econômicos,
políticos, culturais, sociais e históricos do processo de impeachment contra
Dilma.
Com o auxílio de testemunhas de defesa e
de acusação, todas referências para o direito brasileiro, o júri analisou
quatro perguntas essenciais sobre o processo de impeachment: 1. Viola a
Constituição?; 2. Sem a ocorrência de crime de responsabilidade, caracteriza-se
um golpe parlamentar?; 3. Foram violados os tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário?; e, 4. Impeachment deve ser declarado nulo?.
A todas as perguntas a resposta foi
“sim”. “Decidiram os jurados declarar que o processo de impeachment contra
Dilma Rousseff viola todos os princípios do processo democrático e da ordem
constitucional brasileira”, afirmou o jurista Juarez Tavares, que presidiu os
trabalhos do tribunal.
“Em democracias presidencialistas não se
pode impedir um chefe de Estado por razões políticas. A aprovação ou
desaprovação de um governo deve ser resolvida por eleições diretas, não por ato
do Parlamento”, completou Tavares, que fez críticas também ao STF por ainda não
ter entrado “profundamente” no processo.
No primeiro dia do Tribunal
Internacional da Democracia, os participantes já haviam apontado a ocorrência
de um processo de impeachment contra Dilma que oculta um golpe parlamentar,
misógino, elitista e midiático.
O segundo dia foi marcado pelos votos de
cada jurado contra o golpe e a favor da democracia. Nas análises, prevaleceram
a identificação de uma roupagem legal para o golpe, com a utilização
instrumentos previstos na Constituição para manipular a vontade popular e fazer
avançar uma agenda de supressão de direitos, associada à concentração de poder
e renda nas mãos das elites.
“Claro que se trata de um artifício
jurídico disfarçado de responsabilidade jurídica”, disse o bispo mexicano Raul
Veras, candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 2012 por seu trabalho a favor dos
direitos humanos no México.
“Não se trata de algo isolado, é algo
articulado, muito bem pensado e apoiado por um poder que parece ter seus
tentáculos nos cinco continentes. O impeachment contra Dilma não está sendo
usado como um instrumento jurídico, mas como meio de interromper um projeto
político.”
"Me declaro aberta e manifestamente
contra essa farsa. Porque o que aqui se passa afeta o mundo inteiro",
disse.
Os dez jurados se revezaram na
apresentação de votos que denunciaram também o papel dos veículos de
comunicação dominantes em apoio ao golpe e para permitir uma narrativa
legalista para um ataque à Constituição e à democracia brasileiras.
“A manipulação dos termos faz com que
tudo o que é ilegal que se faz nas finanças seja considerado legítimo. Isso faz
com que os sujeitos de direitos se transformem em objetos do direito”, afirmou
o italiano Giovanni Tognoni, membro do Tribunal Permanente do Povo.
Retrocessos
sociais
Professora catedrática em filosofia de
direito na Universidade Carlos III em Madrid (Espanha) Maria José Farinas
Dulce, que é também estudiosa da sociologia jurídica ibero-americana, apontou a
democracia como um processo constituído de avanços e retrocessos.
Para ela, o atual momento é de
retrocesso em direitos, especialmente os relacionados ao trabalho, que busca
provocar “fraturas sociais e violação dos mecanismos de integração social”.
“Não sejamos inocentes para esquecer
que, nos casos do Brasil e de outros países da Europa, é uma contrarrevolução
neoliberal e conservadora, que rompe as bases sociais e integradoras”, avalia
Maria Dulce. “Estamos em regressão democrática, em regressão constitucional,
portanto, estamos em luta.
Azadeh N. Shahshahani, advogada de
direitos humanos dos EUA, sustentou seu voto contra o processo de impeachment
de Dilma nos episódios anteriores ocorridos no Paraguai (2012) e em Honduras
(2009).
“O que está acontecendo aqui é uma
conspiração contra a democracia”, afirmou Azedeh Shahshahani, jurista norte-americana.
“Aqueles que estão falando contra Dilma
Rousseff são acusados de corrupção e devem ser punidos por isso. Se um
presidente pode continuar ou não a presidir, não deveria depender de ter a
maioria no Congresso. Esse processo está baseado em algo que só pode ser
definido como: capitalista, misógino e fascista”.
Advogado e acadêmico mexicano, Jaime
Cárdenas Garcia classificou o processo que está no Senado atualmente como uma
“fraude à Constituição brasileira e à Convenção Interamericana de Direitos
Humanos”.
“A burguesia não suporta o programa em
favor do povo da coalização de esquerda”, completou Laurence Cohen, senadora
francesa e com atuação em temas ligados aos direitos das mulheres.
Além dos jurados e do qualificado corpo
de juristas brasileiros, o julgamento contou também com a presença do advogado
de Dilma, José Eduardo Cardozo; do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), e dos
deputados federais Wadih Damous (PT-RJ) e Jandira Faghali (PCdoB-RJ).
“Está na nossa Constituição, não há
crime sem lei anterior que o defina”, disse Lindbergh após o anúncio da
sentença.
“Ninguém se elegeria com um programa
radical desse, de retirada de direitos dos trabalhadores. De uma tacada só,
quer acabar com o legado de Lula, Ulysses Guimarães e até de Getúlio Vargas,
com a CLT. Esse tribunal joga um excelente papel para os senadores. Não jogamos
a toalha, há um clima de constrangimento no Senado”, avaliou o senador, em uma
crítica ao projeto do presidente interino, Michel Temer.
O deputado federal Wadih Damous (PT-RJ)
considerou histórico o julgamento e disse que se o Senado não arquivar o
processo, o STF terá que ser chamado. “Há uma vítima nesse processo de
impeachment, e a vítima é a democracia”, afirmou o deputado. “Vamos ter que
chamar o STF para este processo. O STF, que já autorizou extradição de Olga
Benário, vai ter a oportunidade de limpar sua história.”