terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Foragidos da Justiça, militares acusados de tortura na América do Sul acham abrigo na Itália

Foragidos da Justiça, militares acusados de tortura na América do Sul acham abrigo na Itália

Aproveitando dupla cidadania e extradições negadas, eles levam vidas normais em cidades italianas, com ajuda de paróquias; um deles, argentino, está na lista de procurados da Interpol
   
Três ex-militares que participaram das ditaduras argentina e uruguaia e que são acusados em seus países de assassinato, sequestro de pessoas e crimes contra a humanidade, hoje vivem tranquilamente na Itália, graças à dupla cidadania e às extradições negadas pela Justiça do país. Em dezembro passado, um grupo de argentinos residentes na Itália enviou uma carta às instituições italianas onde expressavam o medo que o país se transformasse numa zona franca para assassinos e torturadores em pensão.  Mas, quem são essas pessoas e como vivem hoje na Itália?
Um senhor de cabelos grisalhos, meio calvo, de estatura alta, elegante e introspectivo, que não gostava de falar da própria vida. É assim que a comunidade que frequenta a Igreja dei padri Scolopi, em Gênova, descreve o ex-tenente argentino Carlos Luis Malatto, hoje com 65 anos, acusado de ter participado do sequestro, assassinato e desaparecimento de pelo menos nove pessoas. O ex-tenente foi hóspede, por quase um ano, da Congregação San Giacomo Apostolo de Cornigliano, e viveu ali até maio deste ano, a convite dos padres argentinos Don Luigi e Don Giuseppe. 
Janaina Cesar/OperaMundi

Ex-torturador argentino, Carlos Malatto foi hóspede da Congregação San Giacomo Apostolo de Cornigliano, em Gênova
Malatto chegou a ser preso na Argentina, mas escapou para o Chile. Veio para a Itália em agosto de 2011, logo após ter conseguido a dupla cidadania.  Antes de ir para Gênova, em agosto de 2014, Malatto viveu dois anos na cidade de Áquila e lá trabalhou como voluntário na Confraternita della Misericordia. Contactada pela reportagem, ninguém da Confraternita quis dar declarações. “Ele não está mais aqui e não sabemos para onde foi, nos deixem em paz”, disse o senhor que atendeu a ligação.  
O argentino, pai de quatro filhos, provavelmente foi a Gênova não só por causa do convite dos padres, mas porque assim, talvez, se sentisse mais próximo da família. De fato, seu avô paterno nasceu em Sestri Levante, uma cidade de 18 mil habitantes que fica na periferia de Gênova. Em 1890, ele deixou o país para tentar a sorte na América do Sul, tendo se instalado na Argentina.
Malatto é procurado por crimes contra a humanidade na Argentina (Foto: Reprodução)
Malatto é procurado por crimes contra a humanidade na Argentina (Foto: Reprodução)
“Todos os dias, por quase um ano, [Malatto] vinha pela manhã tomar um café expresso”, diz Marcello Cerbara, 30, proprietário do bar Chicchi d' Autore, que fica a poucos metros da casa paroquial. “Era sempre impecável, não era de muita prosa no início. Mas, depois de um tempo, começou a se abrir, mas nunca contou nada sobre o passado militar na Argentina”, diz. “Não dava pra desconfiar de nada, era um sujeito cauteloso, simples, mas se bem que tinha aquela postura ereta, postura de militar, sabe?”
Malatto chegou até a assumir a direção do bar do Centro Recreativo da Paróquia. “Ele assumiu o bar, mas o deixou após dois meses”, diz a secretária.  “Disse que veio da Argentina porque estava triste e deprimido com a morte da mulher”, continua. “Mas você imagina, aqui é um ambiente frequentado por crianças e famílias. Quando essa história estourou, ficou todo mundo perplexo. Fomos pedir explicações a Don Giuseppe, que jurou não saber nada sobre o passado de Malatto.”  Mas ela relata uma frase que foi deixada no ar e que até hoje não encontrou explicação. “Don Giuseppe disse não conhecê-lo, mas depois soltou que havia feito o velório de sua esposa na Argentina. Eu não quero acreditar que eles sabiam de tudo quando o abrigaram.”
Enquanto Malatto transcorreu seus dias na paróquia, a Corte de Cassação, terceira e última instância da justiça italiana, em outubro de 2014, negou sua extradição ao governo argentino. Segundo a corte, não existiam elementos concretos para mandá-lo de volta ao país.  Mesmo sendo um homem livre na Itália, seu rosto ainda aparece estampado na lista de procurados por crimes contra a humanidade, no site do Ministério da Justiça Argentino, que continua a oferecer 500 mil pesos para quem der informações sobre o ex-tenente.
Janaina Cesar/Opera Mundi

“Todos os dias, por quase um ano, [Malatto] veio tomar um expresso”, diz Marcello Cerbara, proprietário do bar Chicchi d' Autore
Os padres permaneceram pouco tempo na igreja, cerca de um ano e meio. Por causa da confusão gerada, foram transferidos para Madri no dia 30 de agosto deste ano. Nem o capelão, nem a secretária da sacristia souberam dizer para qual igreja foram mandados. De Malatto, não restou nada em Gênova.
Um padre torturador
Quem vê Don Franco, um senhor de 77 anos, que vive na casa paroquial e reza as missas matutinas na Igreja Matriz da cidade de Sorbolo, não imagina que possa ser Franco Reverberi Boschi, ex-capelão militar argentino acusado de participação em sessões de tortura do da repressão da ditadura do general Jorge Videla, em uma prisão clandestina localizada na província de San Rafael, na Argentina. Franco teria assistido a torturas e não teria denunciado o ocorrido.
Padre Franco nasceu em Sorbolo e se mudou com a família para a Argentina quando tinha 11 anos. Sempre negou que soubesse que em San Rafael se torturavam pessoas. Mas cinco testemunhas descreveram com detalhes as torturas sofridas na prisão clandestina e confirmaram a presença de Franco.  Um deles, Roberto Flores, disse que o sacerdote não participou da violência diretamente, mas impassivelmente, com a Bíblia na mão.
Já Mario Bracamonte disse tê-lo visto quatro vezes. “Lembro-me de uma tarde, fomos submetidos a uma surra particularmente violenta. O chão da sala estava vermelho de sangue. Don Franco ordenou que limpássemos com nossos corpos. Era inverno, a temperatura era de 10 graus abaixo de zero.” Uma noite, Bracamonte foi torturado por quatro horas, tendo a cabeça enfiada em uma banheira com água repetidas vezes. Num momento, viu Franco, que lhe disse: "O que você está olhando? Cão!”

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Durante o primeiro julgamento que aconteceu em 2010, Franco depôs como testemunha, mas, durante as audiências, surgiram as acusações contra ele. Assim, o promotor Francisco José Maldonado o acusou de crimes contra a humanidade.  Foi marcada uma nova audiência, à qual Franco não compareceu. Fugiu para a Itália, encontrando refúgio na sua antiga Sorbolo.
Janaina Cesar/Opera Mundi

Franco Reverberi Boschi, ex-capelão militar argentino e procurado pela Interpol, reza missas na cidade de Sorbolo
Encontro com a reportagem
Quando a reportagem toca a campainha de seu apartamento, um senhor de cabelos brancos, mas muito bem disposto, ágil e de aparência saudável, abre a porta e a faz entrar.  Numa pequena sala logo na entrada do prédio, se acomoda numa cadeira e diz: “Olha, se for rápido eu te atendo, senão, volte semana que vem, pois minha família que não vejo há anos veio da Argentina e vai embora na próxima semana. O que você quer saber?  Você precisa de mim para que?”
Assim que a reportagem se identifica, Franco se irrita. “Não tenho nada para dizer, não sabia de nada do que acontecia lá, a Justiça italiana acreditou em mim, então basta assim. A nossa conversa termina aqui, vá embora.” Da calmaria pacata do início da conversa, passou-se à agressão e ao nervosismo. “Vá embora, vá embora”, repetia, aumentando o volume da voz, e expulsou a reportagem de Opera Mundi. Minutos depois, Franco foi à janela de casa e começou a gritar que, se a repórter se não fosse embora, a denunciaria à polícia. Um dos parentes que estavam na casa, provavelmente um sobrinho, saiu e quis agredir a reportagem.
Sorbolo é pequena e em cidade pequena, se sabe, pessoas falam e cuidam da vida das outras. No bar ao lado da igreja, onde se encontravam alguns homens que jogavam carta, o assunto da mesa passou a ser Franco. Eles falavam enquanto a partida de truco embalava a mesa.  Roberto Brea, um escritor que mora na cidade, diz que nada o surpreende, mas que ficou desgostado com a notícia. “Nos disseram que ele estava doente e não podia voltar para a Argentina. Pelo que sei, ele não participou ativamente, a sua culpa é não ter denunciado tudo na época.”  Já seu companheiro de jogo Stefano Friggeri, ficou sabendo da coisa naquele momento. “Não sabia de nada, isso é novidade para mim”.
Reprodução

Ficha de Franco continua ativa na Interpol, mesmo com extradição negada
Laureta Pozzi, uma colaboradora da igreja, diz que o conhece bem e não acredita nas acusações. “Se um terço do que disseram fosse verdade, seria uma coisa horrorosa, ainda mais porque se trata de um sacerdote. Mas não acredito, visto que a Justiça italiana não o extraditou. Se fosse verdade, o teriam mandado à Argentina, não?”, questiona. Pozzi tenta justificar o motivo da fuga de Franco. “Ele disse que não estava em San Rafael naquela época, que sofre uma perseguição e que por isso não volta à Argentina.  Aquelas pessoas sofreram, mas o deixem em paz agora, ele é só um senhor de oitenta anos, com problemas no coração que vai morrer sem poder ser enterrado na sua pátria. Ele nasceu aqui, mas é argentino de coração.”
Franco estava aproveitando a visita para levar os parentes para conhecer a cidade. E parece que estão bem inseridos no contexto local: um deles foi localizado na lavanderia esperando a roupa ficar pronta, enquanto o outro o tinha acompanhado ao banco.
Apesar de ter tido a extradição negada, sua ficha na Interpol continua ativa. Se colocar os pés fora da Itália, poderá ser preso e levado de volta à Argentina.
Estima-se que outros ex-militares do cone sul possam estar na Itália. Segundo o sociólogo Claudio Tognonato, 61 argentinos teriam deixado o país graças à existência de uma suposta rede internacional de ajuda a repressores acusados ou condenados por crimes cometidos durante as ditaduras.
Senhor Troccoli, o torturador uruguaio
Sobre Nestor Troccoli, Opera Mundi publicou, em abril, uma extensa reportagem.  Ex-tenente uruguaio de 67 anos, é um dos 37 réus do processo que tramita na Justiça italiana e julga a responsabilidade de ex-militares no sequestro e assassinato de 25 cidadãos latino-americanos com nacionalidade italiana cometidos entre 1973 e 1980. Neste período, estava em execução a Operação Condor, uma rede de repressão política e troca de prisioneiros formada pelos serviços de inteligência das ditaduras do Cone Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai).
Reprodução

Ex-tenente Nestor Troccoli, 67, era o militar responsável pelos interrogatórios da Fusna, o serviço de inteligência uruguaio 
Militar responsável pelos interrogatórios da Fusna (Serviço de Inteligência da Marinha do Uruguai), fugiu da América Latina para não ser processado em seu próprio país e reside atualmente em solo italiano, onde as autoridades que julgam o processo têm jurisdição para prendê-lo e privá-lo de liberdade, caso seja efetivamente condenado pela Justiça.
Se, no Uruguai, Troccoli era conhecido como o Torturador, em Battipaglia, o chamam George. A pequena cidade que o ex-militar escolheu para viver, a uma hora de Nápoles, é terra da máfia Camorra — a junta comunal local foi destituída em 2014 por infiltração camorrista e hoje vive sob governo comissariado.

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Nem todos militares são de direita, filme de Sílvio Tendler

Nem todos militares são de direita, filme de Sílvio Tendler

Nem todos militares são de direita, filme de Sílvio Tendler
24 Jan 
Dirigido por Silvio Tendler, o filme faz parte do Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia. Eles lutaram pela Constituição, pela legalidade e contra o golpe de 1964, mas a sociedade brasileira pouco ou nada sabe a respeito dos oficiais que, até hoje, ainda buscam justiça e reconhecimento na história do país.
Militares da Democracia resgata, através de depoimentos e registros de arquivos, as memórias repudiadas, sufocadas e despercebidas dos militares perseguidos, cassados, torturados e mortos, por defenderem a ordem constitucional e uma sociedade livre e democrática.
Eles lutaram pela Constituição, pela legalidade e contra o golpe de 1964, mas a sociedade brasileira pouco ou nada sabe a respeito dos oficiais que, até hoje, ainda buscam justiça e reconhecimento na história do país.
O documentário “Militares da Democracia” resgata, através de depoimentos e registros de arquivos, as memórias repudiadas, sufocadas e despercebidas dos militares perseguidos, cassados, torturados e mortos, por defenderem a ordem constitucional e uma sociedade livre e democrática.
O cineasta Silvio Tendler mescla fatos documentais e ficcionais sobre o período da ditadura militar no país. A narrativa destaca a participação dos militares que lutaram pela democracia, mas que ainda não são conhecidos pelas novas gerações.
Com produção de Ana Rosa Tendler e locução de Eduardo Tornaghi, o filme retoma o percurso de vários grupos de militares que muito antes do golpe de 1964 já vinham se organizando por novos direitos, melhores condições de trabalho, e na defesa de uma sociedade melhor. E como, a partir de 1964, esses distintos grupos passaram a ser tratados, sofrendo represálias, como a perda do direito de usar a farda, de seus direitos trabalhistas, assim como foram impedidos de exercer suas atividades profissionais. 
Ano: 2014. Gênero: documentário. Direção: Silvio Tendler. Produção: Ana Rosa Tendler. Locução: Eduardo Tornaghi. Duração: 88 min. Classificação indicativa: 12 anos.

A crise na previdência é forjada!

07/02/2016 - Copyleft

A crise na previdência é forjada!

Em tese de Doutorado, pesquisadora denuncia a farsa da crise da Previdência no Brasil forjada pelo governo com apoio da imprensa.


Jornal da UFRJ
EBC
Com argumentos insofismáveis, Denise Gentil destroça os mitos oficiais que encobrem a realidade da Previdência Social no Brasil. Em primeiro lugar, uma gigantesca farsa contábil transforma em déficit o superávit do sistema previdenciário, que atingiu a cifra de R$ 1,2 bilhões em 2006, segundo a economista.
 
O superávit da Seguridade Social – que abrange a Saúde, a Assistência Social e a Previdência – foi significativamente maior: R$ 72,2 bilhões. No entanto, boa parte desse excedente vem sendo desviada para cobrir outras despesas, especialmente de ordem financeira – condena a professora e pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ, pelo qual concluiu sua tese de doutorado “A falsa crise da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990 – 2005” (clique e leia a tese na íntegra).
 
Nesta entrevista ao Jornal da UFRJ, ela ainda explica por que considera insuficiente o novo cálculo para o sistema proposto pelo governo e mostra que, subjacente ao debate sobre a Previdência, se desenrola um combate entre concepções distintas de desenvolvimento econômico-social.
 
Jornal da UFRJ: A ideia de crise do sistema previdenciário faz parte do pensamento econômico hegemônico desde as últimas décadas do século passado. Como essa concepção se difundiu e quais as suas origens?


 
Denise Gentil: A ideia de falência dos sistemas previdenciários públicos e os ataques às instituições do welfarestate (Estado de Bem- Estar Social) tornaram-se dominantes em meados dos anos 1970 e foram reforçadas com a crise econômica dos anos 1980. O pensamento liberal-conservador ganhou terreno no meio político e no meio acadêmico. A questão central para as sociedades ocidentais deixou de ser o desenvolvimento econômico e a distribuição da renda, proporcionados pela intervenção do Estado, para se converter no combate à inflação e na defesa da ampla soberania dos mercados e dos interesses individuais sobre os interesses coletivos. Um sistema de seguridade social que fosse universal, solidário e baseado em princípios redistributivistas conflitava com essa nova visão de mundo. O principal argumento para modificar a arquitetura dos sistemas estatais de proteção social, construídos num período de crescimento do pós-guerra, foi o dos custos crescentes dos sistemas previdenciários, os quais decorreriam, principalmente, de uma dramática trajetória demográfica de envelhecimento da população. A partir de então, um problema que é puramente de origem sócio-econômica foi reduzido a um mero problema demográfico, diante do qual não há solução possível a não ser o corte de direitos, redução do valor dos benefícios e elevação de impostos. Essas idéias foram amplamente difundidas para a periferia do capitalismo e reformas privatizantes foram implantadas em vários países da América Latina.
 
Jornal da UFRJ: No Brasil, a concepção de crise financeira da Previdência vem sendo propagada insistentemente há mais de 15 anos. Os dados que você levantou em suas pesquisas contradizem as estatísticas do governo. Primeiramente, explique o artifício contábil que distorce os cálculos oficiais.
 
Denise Gentil: Tenho defendido a idéia de que o cálculo do déficit previdenciário não está correto, porque não se baseia nos preceitos da Constituição Federal de 1988, que estabelece o arcabouço jurídico do sistema de Seguridade Social. O cálculo do resultado previdenciário leva em consideração apenas a receita de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) que incide sobre a folha de pagamento, diminuindo dessa receita o valor dos benefícios pagos aos trabalhadores. O resultado dá em déficit. Essa, no entanto, é uma equação simplificadora da questão. Há outras fontes de receita da Previdência que não são computadas nesse cálculo, como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a receita de concursos de prognósticos. Isso está expressamente garantido no artigo 195 da Constituição e acintosamente não é levado em consideração.
 
Jornal da UFRJ: A que números você chegou em sua pesquisa?
 
Denise Gentil: Fiz um levantamento da situação financeira do período 1990-2006. De acordo com o fluxo de caixa do INSS, há superávit operacional ao longo de vários anos. Em 2006, para citar o ano mais recente, esse superávit foi de R$ 1,2 bilhões.
 
O superávit da Seguridade Social, que abrange o conjunto da Saúde, da Assistência Social e da Previdência, é muito maior. Em 2006, o excedente de recursos do orçamento da Seguridade alcançou a cifra de R$ 72,2 bilhões.
 
Uma parte desses recursos, cerca de R$ 38 bilhões, foi desvinculada da Seguridade para além do limite de 20% permitido pela DRU (Desvinculação das Receitas da União).
 
Há um grande excedente de recursos no orçamento da Seguridade Social que é desviado para outros gastos. Esse tema é polêmico e tem sido muito debatido ultimamente. Há uma vertente, a mais veiculada na mídia, de interpretação desses dados que ignora a existência de um orçamento da Seguridade Social e trata o orçamento público como uma equação que envolve apenas receita, despesa e superávit primário. Não haveria, assim, a menor diferença se os recursos do superávit vêm do orçamento da Seguridade Social ou de outra fonte qualquer do orçamento.
 
Interessa apenas o resultado fiscal, isto é, o quanto foi economizado para pagar despesas financeiras com juros e amortização da dívida pública.
 
Por isso o debate torna-se acirrado. De um lado, estão os que advogam a redução dos gastos financeiros, via redução mais acelerada da taxa de juros, para liberar recursos para a realização do investimento público necessário ao crescimento. Do outro, estão os defensores do corte lento e milimétrico da taxa de juros e de reformas para reduzir gastos com benefícios previdenciários e assistenciais. Na verdade, o que está em debate são as diferentes visões de sociedade, de desenvolvimento econômico e de valores sociais.
 
Jornal da UFRJ: Há uma confusão entre as noções de Previdência e de Seguridade Social que dificulta a compreensão dessa questão. Isso é proposital?
 
Denise Gentil: Há uma grande dose de desconhecimento no debate, mas há também os que propositadamente buscam a interpretação mais conveniente. A Previdência é parte integrante do sistema mais amplo de Seguridade Social.
 
É parte fundamental do sistema de proteção social erguido pela Constituição de 1988, um dos maiores avanços na conquista da cidadania, ao dar à população acesso a serviços públicos essenciais. Esse conjunto de políticas sociais se transformou no mais importante esforço de construção de uma sociedade menos desigual, associado à política de elevação do salário mínimo. A visão dominante do debate dos dias de hoje, entretanto, frequentemente isola a Previdência do conjunto das políticas sociais, reduzindo-a a um problema fiscal localizado cujo suposto déficit desestabiliza o orçamento geral. Conforme argumentei antes, esse déficit não existe, contabilmente é uma farsa ou, no mínimo, um erro de interpretação dos dispositivos constitucionais.
 
Entretanto, ainda que tal déficit existisse, a sociedade, através do Estado, decidiu amparar as pessoas na velhice, no desemprego, na doença, na invalidez por acidente de trabalho, na maternidade, enfim, cabe ao Estado proteger aqueles que estão inviabilizados, definitiva ou temporariamente, para o trabalho e que perdem a possibilidade de obter renda. São direitos conferidos aos cidadãos de uma sociedade mais evoluída, que entendeu que o mercado excluirá a todos nessas circunstâncias.
 
Jornal da UFRJ: E são recursos que retornam para a economia?
 
Denise Gentil: É da mais alta relevância entender que a Previdência é muito mais que uma transferência de renda a necessitados. Ela é um gasto autônomo, quer dizer, é uma transferência que se converte integralmente em consumo de alimentos, de serviços, de produtos essenciais e que, portanto, retorna das mãos dos beneficiários para o mercado, dinamizando a produção, estimulando o emprego e multiplicando a renda. Os benefícios previdenciários têm um papel importantíssimo para alavancar a economia. O baixo crescimento econômico de menos de 3% do PIB (Produto Interno Bruto), do ano de 2006, seria ainda menor se não fossem as exportações e os gastos do governo, principalmente com Previdência, que isoladamente representa quase 8% do PIB.
 
Jornal da UFRJ: De acordo com a Constituição, quais são exatamente as fontes que devem financiar a Seguridade Social?
 
Denise Gentil: A seguridade é financiada por contribuições ao INSS de trabalhadores empregados, autônomos e dos empregadores; pela Cofins, que incide sobre o faturamento das empresas; pela CSLL, pela CPMF (que ficou conhecida como o imposto sobre o cheque) e pela receita de loterias. O sistema de seguridade possui uma diversificada fonte de financiamento. É exatamente por isso que se tornou um sistema financeiramente sustentável, inclusive nos momentos de baixo crescimento, porque além da massa salarial, o lucro e o faturamento são também fontes de arrecadação de receitas. Com isso, o sistema se tornou menos vulnerável ao ciclo econômico. Por outro lado, a diversificação de receitas, com a inclusão da taxação do lucro e do faturamento, permitiu maior progressividade na tributação, transferindo renda de pessoas com mais alto poder aquisitivo para as de menor.
 
Jornal da UFRJ: Além dessas contribuições, o governo pode lançar mão do orçamento da União para cobrir necessidades da Seguridade Social?
 
Denise Gentil: É exatamente isso que diz a Constituição. As contribuições sociais não são a única fonte de custeio da Seguridade. Se for necessário, os recursos também virão de dotações orçamentárias da União. Ironicamente tem ocorrido o inverso. O orçamento da Seguridade é que tem custeado o orçamento fiscal.
 
Jornal da UFRJ: O governo não executa o orçamento à parte para a Seguridade Social, como prevê a Constituição, incorporando-a ao orçamento geral da União. Essa é uma forma de desviar recursos da área social para pagar outras despesas?
 
Denise Gentil: A Constituição determina que sejam elaborados três orçamentos: o orçamento fiscal, o orçamento da Seguridade Social e o orçamento de investimentos das estatais. O que ocorre é que, na prática da execução orçamentária, o governo apresenta não três, mas um único orçamento chamando de “Orçamento Fiscal e da Seguridade Social”, no qual consolida todas as receitas e despesas, unificando o resultado. Com isso, fica difícil perceber a transferência de receitas do orçamento da Seguridade Social para financiar gastos do orçamento fiscal. Esse é o mecanismo de geração de superávit primário no orçamento geral da União. E, por fim, para tornar o quadro ainda mais confuso, isola-se o resultado previdenciário do resto do orçamento geral para, com esse artifício contábil, mostrar que é necessário transferir cada vez mais recursos para cobrir o “rombo” da Previdência. Como a sociedade pode entender o que realmente se passa?
 
Jornal da UFRJ: Agora, o governo pretende mudar a metodologia imprópria de cálculo que vinha usando. Essa mudança atenderá completamente ao que prevê a Constituição, incluindo um orçamento à parte para a Seguridade Social?
 
Denise Gentil: Não atenderá o que diz a Constituição, porque continuará a haver um isolamento da Previdência do resto da Seguridade Social. O governo não pretende fazer um orçamento da Seguridade. Está propondo um novo cálculo para o resultado fiscal da Previdência. Mas, aceitar que é preciso mudar o cálculo da Previdência já é um grande avanço. Incluir a CPMF entre as receitas da seguridade é um reconhecimento importante, embora muito modesto. Retirar o efeito dos incentivos fiscais sobre as receitas também ajuda a deixar mais transparente o que se faz com a política previdenciária. O que me parece inadequado, entretanto, é retirar a aposentadoria rural da despesa com previdência porque pode, futuramente, resultar em perdas para o trabalhador do campo, se passar a ser tratada como assistência social, talvez como uma espécie de bolsa. Esse é um campo onde os benefícios têm menor valor e os direitos sociais ainda não estão suficientemente consolidados.
 
Jornal da UFRJ: Como você analisa essa mudança de postura do Governo Federal em relação ao cálculo do déficit? Por que isso aconteceu?
 
Denise Gentil: Acho que ainda não há uma posição consolidada do governo sobre esse assunto. Há interpretações diferentes sobre o tema do déficit da Previdência e da necessidade de reformas. Em alguns segmentos do governo fala-se apenas em choque de gestão, mas em outras áreas, a reforma da previdência é tratada como inevitável. Depois que o Fórum da Previdência for instalado, vão começar os debates, as disputas, a atuação dos lobbies e é impossível prever qual o grau de controle que o governo vai conseguir sobre seus rumos. Se os movimentos sociais não estiverem bem organizados para pressionarem na defesa de seus interesses pode haver mais perdas de proteção social, como ocorreu em reformas anteriores.
 
Jornal da UFRJ: A previdência pública no Brasil, com seu grau de cobertura e garantia de renda mínima para a população, tem papel importante como instrumento de redução dos desequilíbrios sociais?
 
Denise Gentil: Prefiro não superestimar os efeitos da Previdência sobre os desequilíbrios sociais. De certa forma, tem-se que admitir que vários estudos mostram o papel dos gastos previdenciários e assistenciais como mecanismos de redução da miséria e de atenuação das desigualdades sociais nos últimos quatro anos. Os avanços em termos de grau de cobertura e de garantia de renda mínimapara a população são significativos. Pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), cerca de 36,4 milhões de pessoas ou 43% da população ocupada são contribuintes do sistema previdenciário. Esse contingente cresceu de forma considerável nos últimos anos, embora muito ainda necessita ser feito para ampliar a cobertura e evita que, no futuro, a pobreza na velhice se torne um problema dos mais graves. O fato, porém, de a população ter assegurado o piso básico de um salário mínimo para os benefícios previdenciários é de fundamental importância porque, muito embora o valor do salário mínimo esteja ainda distante de proporcionar condições dignas de sobrevivência, a política social de correção do salário mínimo acima da inflação tem permitido redução da pobreza e atenuado a desigualdade da renda.
 
Cerca de dois milhões de idosos e deficientes físicos recebem benefícios assistenciais e 524 mil são beneficiários do programa de renda mensal vitalícia. Essas pessoas têm direito a receber um salário mínimo por mês de forma permanente.
 
Evidentemente que tudo isso ainda é muito pouco para superar nossa incapacidade histórica de combater as desigualdades sociais. Políticas muito mais profundas e abrangentes teriam que ser colocadas em prática, já que a pobreza deriva de uma estrutura produtiva heterogênea e socialmente fragmentada que precisa ser transformada para que a distância entre ricos e pobres efetivamente diminua. Além disso, o crescimento econômico é condição fundamental para a redução da pobreza e, nesse quesito, temos andado muito mal. Mas a realidade é que a redução das desigualdades sociais recebeu um pouco mais de prioridade nos últimos anos do que em governos anteriores e alguma evolução pode ser captada através de certos indicadores.
 
Jornal da UFRJ: Apesar do superávit que o governo esconde, o sistema previdenciário vem perdendo capacidade de arrecadação. Isso se deve a fatores demográficos, como dizem alguns, ou tem relação mais direta com a política econômica dos últimos anos?
 
Denise Gentil: A questão fundamental para dar sustentabilidade para um sistema previdenciário é o crescimento econômico, porque as variáveis mais importantes de sua equação financeira são emprego formal e salários. Para que não haja risco do sistema previdenciário ter um colapso de financiamento é preciso que o país cresça, aumente o nível de ocupação formal e eleve a renda média no mercado de trabalho para que haja mobilidade social. Portanto, a política econômica é o principal elemento que tem que entrar no debate sobre “crise” da Previdência. Não temos um problema demográfico a enfrentar, mas de política econômica inadequada para promover o crescimento ou a aceleração do crescimento.


Créditos da foto: EBC

Wadih Damous pergunta: “E FHC? E Aécio Neves?”

Wadih Damous pergunta: “E FHC? E Aécio Neves?”

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Em seu primeiro mandato como deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro, o advogado Wadih Damous tornou-se uma das vozes mais influentes do Congresso em assuntos jurídicos, área que domina os principais debates num país onde a oposição quer afastar uma presidente eleita sem respeitar as regras elementares da Constituição. Wadih foi presidente da OAB-RJ entre 2007 e 2012 e mais tarde tornou-se presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da entidade. Ele deu a seguinte entrevista ao 247:
247 – A maior liderança do PT virou alvo de investigações, da Lava Jato e do MP de São Paulo. Como você avalia isso?
WADIH DAMOUS – Estão tentando destruir o legado do Lula na presidência do país. Ainda que não consigam puni-lo criminalmente, tentam desconstruir a sua imagem perante o povo brasileiro, da forma mais covarde e vil. Mobiliza-se o aparelho de estado brasileiro - Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal - tudo articulado com a grande imprensa, na caça a um só homem. Vale tudo para que ele não concorra em 2018 e se concorrer, que perca a eleição e, se ganhar, que não tome posse; e se empossado for, que não governe. A velha fórmula udenista-golpista. 
247 – Que análise se pode fazer das investigações abertas no MP paulista em relação ao "triplex" e da Polícia Federal em relação ao sítio?
WADIH DAMOUS – É ridículo, a par de estarrecedor. Esse procurador paulista está em busca dos seus 15 minutos de fama. Praticou falta funcional ao conceder entrevista, matéria de capa - não por coincidência - da Veja e parece que nem é o procurador natural do feito. Fez isso antes mesmo de apresentar a denúncia. De forma irresponsável, tornou pública a data do depoimento do ex presidente, o que pode gerar sérios conflitos de rua. Já há uma representação na Corregedoria do órgão contra ele. Espero que o corregedor suspenda esse depoimento. Já o inquérito da Polícia Federal é mais uma tentativa de transformar ilações em verdade. O Presidente Lula não é dono do tal triplex nem, tampouco, do sítio em Atibaia. Investigar barco de lata, pedalinho e horta quando somos um país onde se sonegam bilhões e se roubam outros tantos é simplesmente lamentável e só mostra a gana em criminaliza-lo.
247 – Você tem sido um crítico do que considera como desmandos da Lava Jato. Como vê o andamento desse inquérito, hoje?
WADIH DAMOUS – A chamada operação Lava Jato foi anunciada como redentora, já que finalmente os corruptores iriam responder pelos seus crimes. O combate à corrupção deve ser apoiado e aplaudido. Ocorre que não se deve combater ilegalidades praticando outras ilegalidades. E a Lava Jato pratica muitas.  Por exemplo: buso de prisões preventivas; uso da delação premiada como forma de chantagem; atentado ao princípio da presunção de inocência; quebra de sigilo das delações; incompetência territorial do juizo de Curitiba; uso de prova ilícita como é o caso dos documentos trazidos da Suíça, sem a autorização daquele país, são algumas das violações à ordem jurídico-constitucional praticadas pela chamada força tarefa do juiz Moro.
247 – Se é assim, como explicar que as   decisões do juiz Moro têm sido confirmadas nas instâncias superiores, que têm a função de rever deliberações de instâncias inferiores?
DAMOUS – O crime de corrupção foi alçado à categoria de principal mazela do país. Mais grave do que a pobreza, do que os precários serviços de saúde, do que déficit educacional, do que o desemprego, o que mais você quiser. Isso graças a uma pérfida e bem sucedida urdidura dos meios de comunicação. Isso não é novo: os principais inimigos já foram os comunistas, os terroristas, os delinquentes urbanos. Agora, são aqueles que são apontados como corruptos, frequentemente sem prova.  E contra estes acusados, apenas contra eles, bem entendido,  vale tudo, inclusive desrespeitar a Constituição e os direitos e garantias fundamentais, que "atrapalham" a eficiência do bom combate a esse monstro, inimigo da nacionalidade.  
247 – Como explicar que tantas pessoas sejam favoráveis a essa situação e acreditam que pode ser útil para o país?
DAMOUS – Além de um esforço de heroicização  de Sergio Moro e seus cruzados, vivemos uma situação que os juristas contemporâneos reconhecem uma situação chamada de publicidade opressiva. Ela acontece quando a maioria dos meios de comunicação toma partido num conflito, sempre do mesmo lado. Não dão espaço para o contraditório nem para qualquer ponto de vista crítico. Como a gente vê no cinema norte-americano, são aqueles julgamentos que se decide realizar em outra cidade, evitando jurados que já estão previamente contaminados por uma opinião anterior, assumida pela imprensa local. É disso que estamos falando aqui.  Nessa situação, o Judiciário, que deveria atuar numa dimensão contramajoritária, de acordo com o estrito apego as regras do Estado Democrático de Direito, sem levar em conta maiorias individuais nem pressões indevidas, acaba se acomodando à onda em vigor.
247 – Você concorda que há seletividade nas investigações? Por que Aécio Neves não é investigado, embora tantas vezes citado por delatores?
DAMOUS – Os fatos parecem demonstrar que há uma categoria de pessoas investigáveis e outras, ininvestigáveis. As investigáveis são do PT e as outras são do PSDB. Se não for isso, teremos de nos convencer de que o sistema político eleitoral brasileiro é virtuoso e que as doações empresariais para o PT são propinas oriundas de corrupção e para o PSDB são doações mesmo, porque o partido merece. O "ódio" à corrupção limita-se à suposta corrupção do PT, não se estende aos outros partidos, sobretudo ao PSDB. Não consigo entender a conduta do Procurador Geral da República que, simplesmente, ignora as menções a Aécio Neves, todas detalhadas e de extrema gravidade. Por muito menos, há pessoas presas e investigadas. Agora mesmo, ele acaba de arquivar uma investigação sobre a existência de conta no exterior, baseado tão somente na palavra de Aécio. O Dr. Janot deve explicações públicas sobre a sua conduta. Mas não é o único caso.
247 – Quais seriam outros exemplos?
DAMOUS – Eu fico impressionado ao lembrar que Fernando Henrique Cardoso chegou a ser dono de uma fazenda de gado, em Buritis, comprada em sociedade com o tesoureiro do PSDB, o Sérgio Motta, arrecadador assumido de suas campanhas. Ninguém achou estranho. Não era sítio com pedalinho. Era fazenda de verdade, que chegou até a ser invadida pelo sem-terra. Depois, a propriedade foi passada para os filhos dele, e ninguém achou que aquilo deveria ser investigado. Fernando Henrique também vive passando férias na avenue Foch, em Paris, num apartamento de milhões de euros, que pertence a um amigo. Não é um apartamento no Guarujá, praia que todo mundo sabe que há muito tempo deixou de ser um local exclusivo. É na avenue Foch, um dos endereços mais caros do mundo.
247 – Havia denúncias de corrupção na Petrobras durante o governo dele...
DAMOUS – O colunista Paulo Francis denunciou diretores com conta na Suíça e ninguém achou que era preciso investigar. Todo mundo conhecida esse caso mas o Fernando Henrique falou sobre esse caso em suas memórias, que acabaram de sair. Também não se achou necessário fazer mais perguntas. Quando o delator (Pedro) Barusco disse que teve contato com a corrupção na Petrobras em 1997, ninguém perguntou como o esquema funcionava naquela época. Ele disse que não era sistemática e assim, a palavra de um delator, um corrupto confesso, foi suficiente para que não se investigasse um pouquinho mais. Entre 1997 e 2002 passaram-se cinco anos, até o fim do governo Fernando Henrique, e ninguém achou que era estranho. Foi tratado como natural.  
247 – Que conclusões tirar desse quadro?
DAMOUS – Sinceramente, não acho que haja má fé na conduta dos que atuam na Lava Jato. Por uma razão ideológica qualquer, eles têm certeza de que os investigados são culpados e montam o processo de modo a provar a sua tese, pouco importando os limites que a lei impõe. Assim é o nosso sistema de justiça. O Dr. Sergio Moro integra essa nova categoria criada pela imprensa: a do juiz celebridade. E já que é apontado como o juiz que vai "limpar o Brasil", ai de quem criticá-lo. Todos os seus atos valem por si próprios, ainda que atentatórios à ordem jurídica. Prender a pessoa errada, como fez com a cunhada do tesoureiro do PT. Vazar, "involuntariamente", a abertura de inquérito contra o Presidente Lula são pequenos senões incapazes de por em dúvida a sua infalibilidade e o caráter sagrado de sua missão. Se isso destrói a reputação dessa ou daquela pessoa, pouco importa. São efeitos colaterais da guerra santa contra a corrupção.
247 – Como avaliar o papel do ministro Gilmar Mendes, que pode presidir o TSE no momento em que a oposição tentará condenar Dilma a partir de denuncias surgidas na Lava Jato?
DAMOUS – Eu acho o caso dele diferente. Se Gilmar Mendes estivesse numa corte europeia, muito provavelmente ele já teria sofrido impeachment. Ele comporta-se como um líder do PSDB no Judiciário e tem uma postura militante, partidária. É contra o governo, contra o PT, e não esconde isso. Eu estava no Supremo quando o tribunal foi julgar nossa ação contra o ritual do impeachment que tinha sido proposto pelo Eduardo Cunha. Para ilustrar seus argumentos, contrários a nossa proposta, ele poderia ter citado mestres da jurisprudência, brasileiros ou europeus. Mas ele citou o senador José Serra. 
247 – Você foi presidente da OAB/RJ. Concorda que estamos assistindo à criminalização da advocacia?
DAMOUS – Num ambiente de cruzada, os advogados são vistos como obstáculos ao processo de "higienização" da vida pública brasileira. Ou seja, se defendem corruptos, ou apenas acusados de corrupção, corruptos também são. Essa história de direito de defesa, presunção de inocência e outras bobagens não passam de instrumentos para livrar bandidos da cadeia. Assim pensam alguns imbecis, formados pelos editoriais e charges da grande imprensa.