terça-feira, 3 de maio de 2016

Dilma já governa com a rua e resistirá se a rua se organizar

Dilma já governa com a rua e resistirá se a rua se organizar

Hoje a palavra organizar virou sinônimo de resistir; assim como rua se tornou equivalente ao verbo lutar

por: Saul Leblon

Roberto Parizotti/ CUT
A história apertou o passo no país e quem não entender isso será atropelado pela velocidade dos acontecimentos. 
 
Esse é um tempo em que jornais de hoje amanhecem falando de um remoto mundo de ontem; tempo em que a tergiversação colide com a transparência; tempo em que nenhum discurso faz mais sentido dissociado da tríade: ‘rua’, ‘resistência’ e ‘organização’. 
 
As sirenes da história anunciam confrontos intensos no front.
 
De um lado, os interesses da maioria da população; de outro, a coalizão da escória parlamentar com o rentismo e a classe média fascista. 

 
No arremate desse enredo a mídia insufla a venezuelanização do Brasil. 
 
Não é sugestivo do lugar da Folha na história que a edição desta 2ª feira, por exemplo, mostre Paulinho Boca festejado pelo 'povo' e Dilma cercada por uma mosca?
 
Dilma fez no 1º de Maio do Anhangabaú o melhor discurso de sua vida.
 
Veja a íntegra de sua fala aqui: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/363835267073690
 
Sim, Dilma incendiou um ato que começou morno e sem a presença de Lula. Como explicar essa mutação que passou batida aos petizes da mídia pautados no Anhangabaú para alimentar o golpe –de moscas, se possível—e não para fazer jornalismo?
 
A explicação está no acirramento de um conflito que Lula, Dilma, o PT e todas as forças progressistas e democráticas resolveram encarar de frente, pelo simples fato de que não fazê-lo seria trair o país, o povo e, sobretudo, a esperança na construção de uma democracia social na oitava maior economia do mundo e principal referência da luta pelo desenvolvimento no ocidente.
 
Todo o discurso da Presidenta Dilma irradiou esse discernimento de que o seu governo e mais que ele, o projeto que ele expressa só tem futuro se tiver o desassombro de ser defendido na rua.
 
Foi isso que Dilma fez ao levar seu governo à rua do 1º de Maio e lá anunciar um aumento médio de 9% para o Bolsa Família, ademais de reafirmar a prorrogação do Mais Médicos por três anos, corrigir a tabela do IR e adicionar mais 25 mil contratações à linha do Minha Casa vinculada à autoconstrução.
 
Dilma afrontou assim o martelete midiático do ‘país aos cacos’ , que lubrifica a sociedade para a resignação diante do arrocho embutido na tese do golpe ‘saneador’.
 
Dilma fez mais que isso ao acusar a sabotagem paralisante contra o seu governo, por parte dos interesses que, derrotados quatro vezes no jogo democrático, resolveram destruir a urna e pisotear seus escombros para chegar ao poder.
 
A propaganda do jornalismo embarcado sonega esse traço central da encruzilhada brasileira: a ofensiva golpista não é uma consequência da crise; ela é a crise em ponto de fusão.
 
Em outras palavras, ao contrário do que solfejam os violinistasdo golpe, não existe uma ‘macroeconomia responsável’ (a do arrocho) que vai tirar o Brasil da espiral descendente. 
 
O que existe é um acirramento da luta de classes, a exigir uma repactuação política do país e do seu desenvolvimento. Algo que a plutocracia, a mídia, a escória e o fascismo decidiram elidir por meio do golpe e através dele impor a sua agenda à nação.
 
‘Eu vou resistir’, disse Dilma ovacionada pela multidão no Anhangabaú que teve o privilégio de participar desse pontapé da resistência de uma Presidenta que passou a governar na rua, pela rua, com a rua.  
 
Esse é  o requisito para mudar a correlação de forças e destravar as verdadeiras reformas de que a sociedade e o desenvolvimento necessitam.
 
A saber:  reforma política, para capacitar a democracia a se impor ao mercado; reforma tributária, para buscar a fatia da riqueza sonegada à expansão da infraestrutura e dos serviços; reforma do sistema de comunicação, para permitir o debate plural dos desafios brasileiros –que são poucos, nem se resolvem sem ampla renegociação do desenvolvimento.
 
Quem rumina desalento diante do gigantismo dessa tarefa menospreza o salto histórico percorrido nos últimos meses.
 
Há exatamente um ano, um outro comício do dia do trabalhador organizado no mesmo Vale do Anhangabaú foi igualmente desdenhado pelo noticiário –e mesmo por uma parte da esquerda.
 
Foi tratado como mero evento retórico.
 
Um ano depois, as ruas do Brasil já não dormem mais.
 
Um ciclo de grandes mobilizações de massa está em curso no país.
 
Respira-se a expectativa dos campos de batalha no amanhecer do confronto.
 

A engrenagem capitalista puro-sangue escoiceia o chão do estábulo. Aguarda os cavalariços do golpe que vem lhe trazer a liberdade para matar.
 
A chance de que o embate resulte em uma sociedade melhor depende da determinação progressista –acenada no discurso de Dilma-- de assumir a rédea das forças xucras do mercado, para finalmente domá-las a favor do povo e da nação brasileira.
 
O golpe tornou quase inevitável isso que o ciclo do PT sempre adiou em favor de soluções acomodatícias e avanços incrementais. 
 
A natureza ferozmente excludente de sua lógica revela os limites estreitos e  irredutíveis de uma parte da elite brasileira, da qual a mídia se fez porta-voz.
 
No 1º de Maio do ano passado, Lula –ausente nesse por recomendação médica-- lembrou que a primeira universidade brasileira só foi construída em 1920.
 
Quatro séculos depois do descobrimento.
 
Em 1507, em contrapartida, 15 anos depois de Colombo chegar à República Dominicana,  Santo Domingo já construía sua primeira universidade.
  

Tome-se o ritmo de implantação do metrô em São Paulo, em duas décadas de poder tucano.
 

Compare-se a extensão duas vezes maior da rede mexicana, ou a dianteira expressiva da rede argentina e  da chilena.
 
O padrão não mudou.

 
Lula criou 18 universidades em oito anos. A elite levou 420 anos para erguer a primeira e Fernando Henrique Cardoso não fez nenhuma.
 
Há lógica na assimetria.
 
Para que serve uma universidade se não faz sentido ter projeto de nação; se a industrialização será aquela que a ALCA rediviva permitir e se o pre-sal deve ser entregue à Chevron?
 
O que Lula estava querendo dizer ao povo do Anhangabaú, então, tinha muito a ver com algo que agora assume nitidez desconcertante nos ‘planos’ do golpismo.
 
O desenvolvimento brasileiro não pode depender de uma elite que dispensa ao destino da nação e à sorte do seu desenvolvimento o mesmo descompromisso do colonizador em relação aos povos oprimidos.
 
Uma elite para a qual a soberania é um atentado ao mercado não reserva qualquer espaço à principal tarefa do desenvolvimento, que é civilizar o mercado para emancipar a sociedade e, portanto, universalizar direitos.

Reinventar a soberania no Brasil do século XXI, portanto, implica vencer o golpe e seu projeto de terceirização do Estado e do patrimônio nacional aos mercados.
 
A devastação do mundo do trabalho e a supressão da cidadania social é a lógica que move o golpismo e os homens-abutres que frequentam seu bazar de ministérios. 
 
O que a elite preconiza nos salões onde se negocia o botim é de uma violência inexcedível em regime democrático e muito provavelmente incompatível com ele.
 
É como se uma gigantesca  engrenagem cuidasse de tomar de volta tudo aquilo que transgrediu os limites de uma democracia tolerada por ser apenas formal, mas que o ciclo iniciado em 2003, com todas as suas limitações, desvirtuou em direção a um resgate social transgressivo para o gosto da elite brasileira.
 
No lugar disso, o que se pretende instituir agora é um paradigma de eficiência feito de desigualdade ascendente. A Constituição Cidadã de 1988 será retalhada. Programas e políticas sociais destinados a combater a pobreza e a desigualdade de oportunidades serão eviscerados. O que restou da esfera pública, privatizado. A riqueza estratégica do pré-sal e o impulso industrializante contido na exigência de conteúdo nacional serão ofertados no altar dos ditos livres mercados (ou Chevron).
 
A ambição implica regredir aquém do ciclo de redemocratização que subverteu  o capitalismo selvagemente antissocial da ditadura. Como disse Dilma no 1º de Maio: lutamos hoje para preservar  tudo o que conquistamos com a redemocratização; mas também tudo o fizemos antes para ter a democracia de volta’. 
 
A petulância chega a tal ponto que na véspera deste 1º de Maio, Michel Temer afagou a bancada ruralista com uma promessa obscena:  o golpe revisará todos os decretos de desapropriação de glebas para reforma agrária e demarcações de áreas indígenas assinados por Dilma nos últimos meses.
 
O confronto é aberto.
 
Não será vencido só com palavras.
 
No 1ºde Maio de 2015, o presidente da CUT, Vagner Freitas chamou para a frente do palco dirigentes da Intersindical e da CBT; chamou Gilmar, do MST; chamou Boulos, do MTST, e outros tantos; e através deles convocou quase duas dezenas de organizações presentes.
 
Vagner apresentou ao Anhangabaú, então, a unidade simbólica da esquerda brasileira, fixada em torno de uma linha vermelha a ser defendida com unhas e dentes: a fronteira dos direitos, contra a direita.
 
Premonitória, sua iniciativa, já não basta mais para deter uma violência que agora marcha ostensivamente para sua consumação.
 
A  defesa da agenda progressista hoje implica, ademais da unidade das direções, promover a capilaridade da resistência popular.
 
Comitês de resistência da vizinhança; comitês de resistência nos locais de trabalho; comitês profissionais e sindicais; comitês de amigos; comitês de mães de alunos; comitês por escola... 
 
Sobretudo, urge dotar essa capilaridade de uma prontidão articulada, exercida  por uma efetiva coordenação da frente progressista nascida no 1º de Maio de 2015.
 
Hoje para afrontar o golpe; amanhã para vencer uma nova disputa presidencial, essa rede da legalidade é a tarefa inadiável dos dias que correm.
 
Por uma razão muito forte: sem ela o próximo 1º de Maio talvez encontre o Vale do Anhangabaú cercado por tropas de um golpe vencedor. 
 
O Brasil será aquilo que a rua conseguir que ele seja. 
 
Quando o extraordinário acontece na vida de uma nação é inútil reagir com as ferramentas da rotina. 
 
Hoje a palavra organizar é sinônimo de resistir, assim como o substantivo ‘rua’ tornou-se equivalente ao verbo lutar.
 
As lideranças populares não podem desperdiçar o significado histórico dessa mutação
 
As ruas do Brasil já não dormem mais, cabe às lideranças dota-las de sonhos reais. 

Fonte: Carta Maior

A grande moléstia brasileira: como enfrentá-la

A grande moléstia brasileira: como enfrentá-la

O distúrbio político de hoje nada mais é do que mais um dos sintomas de uma grave moléstia contraída pela sociedade brasileira desde a colonização


Fábio Konder Comparato
Rovena Rosa / Agência Brasil
 
O distúrbio político desencadeado em 2016 com o processo por crime de responsabilidade aberto contra a Presidente Dilma Rousseff nada mais é, na verdade, do que o surgimento de mais um dos múltiplos sintomas de uma grave moléstia, contraída pela sociedade brasileira desde o início do processo de colonização de nosso território no século XVI. Se quisermos, portanto, começar a combater a enfermidade – o que vai se tornando sempre mais urgente neste início do século XXI –, não podemos nos limitar a encontrar paliativos para os sintomas no momento em que eles se declaram, mas sim compreender em profundidade a causa morbi.
 
Na verdade, trata-se de uma enfermidade permanente, cujo início data do próprio Descobrimento.
 
É o que ouso afirmar neste breve ensaio, focalizando especialmente um dos efeitos permanentes da enfermidade; a saber, a dupla vigência das nossas instituições políticas, uma oficial, pouco respeitada, e outra não oficial, mas que acaba sempre por se impor, pelo fato de corresponder aos interesses dos grupos dominantes em nossa sociedade.
 

Causas Históricas da Moléstia
 
A vigência efetiva e não meramente pressuposta das normas componentes do ordenamento jurídico oficialmente adotado em cada Estado depende, por inteiro, de dois fatores estruturantes, intimamente relacionados entre si. De um lado, a estrutura de poder efetivo em vigor nessa sociedade, estrutura essa organizada em forma hierárquica, em cujo ápice encontra-se o poder supremo ou soberania. De outro lado, a mentalidade coletiva, entendida esta como o conjunto dos valores éticos, sentimentos, crenças, opiniões e mesmo preconceitos, dominantes na sociedade, e que tendem a se consolidar em usos e costumes.
 
Criou-se, destarte, em vários países, uma duplicação anômala de ordenamentos jurídicos: um, declarado oficialmente pelo Estado, a culminar com o sistema constitucional; outro, composto por uma interpretação seletiva de normas, efetuada pelos agentes estatais – notadamente magistrados judiciais –, interpretação essa que sempre favorece os interesses próprios dos potentados econômicos privados, não sendo repudiada pela consciência coletiva.
 
É à luz desses dois fatores estruturantes da ordem social, que podem ser melhor compreendidas as peculiaridades da sociedade brasileira.
 
A realidade social por trás do direito positivo
 
Bem examinada nossa sociedade, não é difícil perceber que a sua estrutura foi moldada, genericamente pelo espírito e o sistema de poder, próprios da civilização capitalista; e especificamente, pelas instituições da escravidão e do latifúndio.
 
Com efeito, diversamente do que sucedeu no Velho Mundo, as sociedades criadas no continente americano foram inteiramente estruturadas pelo capitalismo, que dominou toda a política de colonização no Novo Mundo.
 
As marcas indeléveis dessa gênese capitalista são evidentes nos dois grandes fatores estruturantes da sociedade brasileira: a relação de poder e a mentalidade coletiva.
 
O poder soberano entre nós, desde os tempos coloniais, foi fundamente marcado pela doação de terras públicas aos senhores privados, e pela mercantilização dos cargos públicos. Desde a dinastia de Avis, em Portugal, que inaugurou pioneiramente, já no século XIV, o sistema de capitalismo de Estado, os monarcas, para enfraquecer o poder nobiliárquico, passaram a vender cargos públicos a membros da burguesia. No Brasil colônia, tirante os Governadores Gerais e mais tarde os Vice-Reis, praticamente todos os cargos públicos foram comprados por burgueses, que para cá vieram no intuito de amortizar a despesa de aquisição de tais cargos e fazer fortuna. Tais funcionários, aqui instalados, longe de toda fiscalização da metrópole, tornaram-se de fato, embora não de direito, um estamento de “donos do poder”, como os qualificou Raymundo Faoro.
 
Não é, pois, de estranhar se, desde as origens, a dupla formada pelos potentados econômicos privados e os agentes estatais passou a servir-se do dinheiro público como patrimônio próprio dessa associação oligárquica, gerando a duradoura endemia da corrupção estatal. Ela principiou, na verdade, desde o início da colonização. Quanto Tomé de Souza chegou à Bahia em 1549, instaurando o Governo-Geral, acompanhava-o, na qualidade de ouvidor-geral, o desembargador Pero Borges. Ora, este mesmo alto personagem, em 1543, enquanto exercia o cargo de Corregedor de Justiça em Elvas, no Alentejo, fora encarregado de supervisionar a construção de um aqueduto. Quando as verbas se esgotaram sem que este estivesse pronto, “algum clamor de desconfiança se levantou no povo”, como refere Vitorino de Almeida em Elementos para um dicionário de geografia e história portuguesa, editado em 1888. Aberta pelo rei uma investigação, averiguou-se que Borges “recebia indevidamente quantias de dinheiro que lhe eram levadas a casa, provenientes das obras do aqueduto, sem que fossem presentes nem o depositário nem o escrivão”. Em 1547, ele foi finalmente condenado “a pagar à custa de sua fazenda o dinheiro extraviado”. Pero Borges retornou a Lisboa, “deixando atrás de si triste celebridade”. No entanto, em 17 de dezembro de 1548, um ano e sete meses após a sentença, foi ele nomeado pelo mesmo rei ouvidor-geral do Brasil. Ou seja, para o monarca lusitano, o mau ladrão na metrópole podia ser um bom administrador na colônia.
 
Com a criação, desde os primeiros tempos coloniais, dessa oligarquia binária – potentados econômicos privados e agentes estatais – estabeleceu-se, por via de consequência, uma dualidade permanente do ordenamento jurídico entre nós: um oficial, em grande parte de mera aparência, e outro efetivo, mas sempre dissimulado. 
 
Representa, na verdade, um dos múltiplos ludíbrios do sistema de dominação capitalista sustentar que ele independe do Estado e se esforça por limitar o poder estatal, em nome da livre iniciativa. A realidade sempre foi bem outra. Como advertiu o grande historiador francês Fernand Braudel, “o capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado”.
 
Concomitantemente, na consciência dessa dupla oligárquica sempre preponderou um certo complexo de país colonizado ou, como disse Sérgio Buarque de Holanda, um sentimento de vivermos desterrados em nossa própria terra. Assim, as Constituições aqui promulgadas sempre seguiram um modelo estrangeiro, vigente em país que considerávamos culturalmente superior ao nosso. Nossos oligarcas jamais se preocupassem em saber se tal modelo podia ou não se adaptar à realidade brasileira.
 
A Constituição Federal de 1988, tal como as anteriores, principia declarando que “todo poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único). Infelizmente, porém, trata-se de afirmação meramente retórica. Em todo o curso de nossa História, o povo jamais exerceu um poder efetivo, contentando-se, ultimamente, em ser um figurante indispensável do teatro político. 
 
Em homenagem à moderna democracia direta, já em vigor em alguns países do Ocidente, os constituintes brasileiros decidiram adotar os institutos do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular legislativa (art. 14). Mais adiante, porém, no art. 49, inciso XV, fizeram questão de precisar que, entre os poderes da “competência exclusiva do Congresso Nacional”, inclui-se o de “autorizar referendo e convocar plebiscito”. Ou seja, a Constituição Brasileira vigente criou uma espécie original de mandato político, no qual o povo mandante somente pode manifestar legitimamente suas declarações de vontade, quando obtém o consentimento do mandatário.
 
Quanto ao projeto de lei de iniciativa popular, o art. 61, § 2º da Constituição exige seja ele “subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. Ora, quando os grupos oligárquicos perceberam que tal exigência podia ser cumprida, não tiveram dúvidas: fizeram com que a Câmara dos Deputados impusesse o requisito formal do reconhecimento de firma de todos os signatários do projeto; o que tornou na prática impossível o cumprimento da norma constitucional. Resultado: até hoje, mais de um quarto de século depois de promulgada a Constituição, nenhuma lei exclusivamente de iniciativa popular foi votada em nosso país.
 
No tocante à chamada “democracia representativa”, inaugurada pela classe burguesa dominante na Europa e nos Estados Unidos no final do século XVIII, e aqui instaurada constitucionalmente, ela se funda, na verdade, em grosseiro equívoco, agudamente denunciado por Rousseau:
 
“A Soberania não pode ser representada, pela mesma razão que ela não pode ser alienada: ela consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa de forma alguma: ela é a mesma, ou é outra; não há meio-termo”.
 
Em suma, como afirmou com razão Sérgio Buarque de Holanda, a democracia em nosso país sempre foi “um lamentável mal-entendido”. Eis a razão principal do medíocre respeito que têm merecido os direitos humanos no Brasil: da mesma forma que a soberania popular, as declarações constitucionais de direitos humanos têm sido em grande parte retóricas, pois o seu respeito efetivo pressupõe uma limitação ao exercício do poder na sociedade; o que contraria frontalmente o sistema de dominação capitalista.
 
Se o esquema de poder político, como se vê, segue fielmente o padrão dissimulatório capitalista, os valores fundamentais que moldam a mentalidade coletiva não são outros, senão aqueles desde sempre sustentados pelos grupos dominantes, e que acabam permeando a consciência popular.
 
Até meados do século passado, entre nós, o poder de formar a mentalidade coletiva foi predominantemente exercido pela Igreja Católica, intimamente associada aos órgãos estatais, através da instituição do padroado. Por isso mesmo, a pregação eclesiástica sempre enfatizou como pecado grave o desrespeito do que se qualificava como “ordem pública”; entendida como a completa submissão de todos os fiéis às autoridades políticas, com a consequente aceitação, sem ressalvas, do conjunto das instituições econômico-sociais, inclusive a escravidão. 
 
Atualmente, a inserção dos valores capitalistas na consciência coletiva é feita, sobretudo, por intermédio dos meios de comunicação de massa, cujos principais veículos – grande imprensa, rádio e televisão – estão submetidos ao controle de um oligopólio empresarial.
 
Como tive ocasião de sustentar, em agudo contraste com o que ocorreu em todas as civilizações anteriores, na civilização capitalista sempre predominou a moral do egoísmo, sendo a busca incessante do interesse material de cada um a finalidade última da vida. Aristóteles, é verdade, já havia reconhecido que, contrariamente à moral prevalecente em sua época, “a maior parte da humanidade prefere o ganho material à honra”. Na civilização capitalista, contudo, vai-se mais além: ser rico é ser honrado e respeitado pelos pobres. 
 
Duas características desse espírito egoísta marcaram profundamente a sociedade brasileira em todos os seus aspectos: o individualismo e o privatismo.
 
Sérgio Buarque de Holanda, entre outros intérpretes clássicos da realidade brasileira, caracterizou o nosso individualismo pela tibieza do espírito de organização, fruto da ausência de solidariedade e, portanto, de coesão social. Tal foi, na verdade, o resultado em nosso meio de uma estrutura patrimonialista fortemente dissociativa. De um lado, a grande massa dos pobres só é, por assim dizer, ajuntada pela força do patrão ou do governo, o grande patrão impessoal. Já a minoria rica e poderosa, até hoje, mantém-se unida tão-só para a defesa de seus privilégios patrimoniais e posições de mando. Garantidos estes, cada empresário procura dominar seu concorrente, a fim de lograr o monopólio do mercado.
 
De onde a tradicional ausência em nossa sociedade do espírito republicano; ou seja, a constante submissão da vida pública à esfera privada.
 
Como já havia salientado Frei Vicente do Salvador, em passagem tantas vezes citada do seu livro,cuja primeira edição data de 1627, “nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada qual do bem particular”.
 
Duas instituições históricas moldaram profundamente o espírito privatista do poder político e dos costumes sociais no Brasil: a escravidão e o latifúndio. Entre seus múltiplos efeitos, a perdurar ainda hoje, está a convicção arraigada na mentalidade coletiva de que negros e pobres não têm propriamente direitos subjetivos, mas podem eventualmente gozar de favores pessoais, concedidos pelos patrões ou chefes políticos.
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Teori envia a Moro citações sobre propina na gestão FHC



Teori envia a Moro citações sobre propina na gestão FHC

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki enviou para o juiz Sérgio Moro as citações feitas pelo senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), em seu acordo de delação premiada, que apontam o pagamento de propina em um projeto da Petrobras, referente à compra de máquinas da empresa Alstom, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

   O depoimento de Delcídio do Amaral suscitou nos investigadores a suspeita de que a compra dos equipamentos da Alstomtenha envolvido o pagamento de propinas por parte da Petrobras entre os anos de 1999 e 2001.

Teori Zavascki justificou o envio do material ao juiz Sérgio Moro alegando que as declarações de Delcídio do Amaral "não revelam envolvimento direto de pessoa com prerrogativa de foro". Ainda segundo ele, cabe a Moro decidir se o caso é ou não de sua competência.

Segundo Delcídio do Amaral, o esquema teria ocorrido na implementação de um programa para enfrentar o racionamento de energia elétrica e que, antes do programa entrar em vigor, o governo já havia adquirido a máquina GT24, da Alstom, para atender às necessidades da Refinaria Landulfo Alves. A máquina, segundo o parlamentar, já havia apresentado problemas em outros países que haviam adquirido o equipamento.

Delcídio disse, ainda, que a OAS possuía interesse na compra do equipamento e que o então diretor da empreiteira à época, Carlos Laranjeira, teria destinado entre US$ 9 milhões e US$ 10 milhões para o pagamento de propinas a políticos ligados ao PFL, atual DEM.

O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró disse em seu depoimento de delação premiada que o senador Delcídio do Amaral teria recebido propina de US$ 10 milhões da Alstom quando ocupava a diretoria de Óleo e Gás da Petrobras durante o governo de FHC, entre 1999 e 2001.

 Fonte: Brasil 247