segunda-feira, 13 de junho de 2016

A crise e o projeto da direita



A crise e o projeto da direita
Roberto Amaral
Temer é uma contingência que, brevemente, não passará de pedra secundária numa partida de xadrez.
A crise política em curso, tocada por semeadores de ventos que não acreditam em tempestades, caminha a passos largos para se transformar em grave impasse institucional.
Diante de uma estarrecida opinião pública, desfilam os chamados Poderes da República (poderes formais, pois não se incluem, entre eles, a FEBRABAN e o Sistema Globo de Comunicação), carentes de legitimidade, alvos do justo descrédito popular. Sobrenadam, abraçados como náufragos. Nenhum parece consciente da gravidade da crise que ajudaram a semear.
Em que vai dar tudo isso?
O ataque ao mandato da presidenta Dilma Rousseff – consumado ou não o golpe parlamentar em curso – não encerra a história toda da crise: é apenas a face aparente de um movimento tectônico que os sismógrafos sociais não conseguem antecipar.
O golpe em andamento no Senado é, para o projeto da direita, uma necessidade, a abertura de um caminho, a desobstrução de uma trilha, enquanto a posse de Michel Temer, dele consequente, é uma contingência. Necessidade e contingência de um projeto maior, do qual eles, o golpe e a posse do presidente perjuro, são apenas instrumentos tornados operacionalmente indispensáveis.
Necessidade e contingência que serão superadas, cada uma a seu tempo. O presidente interino, qualquer que seja o destino de seu governo, brevemente não passará de pedra secundária numa partida de xadrez, e como pedra secundária poderá ser trocado lá na frente ou logo mais, como são removíveis as peças sem valia, como já foi expelido Eduardo Cunha, concluída sua faina suja. Como foi descartado Romero Jucá, o articulador, e como serão os tantos já a caminho do patíbulo, entre delatores e delatados.
Para além da deposição de Dilma Rousseff, a nova direita brasileira, operada por uma articulação que compreende setores do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Poder Judiciário, sob o comando ideológico da empresa dos Marinhos, projeta a arquitetura de um novo Estado, o qual, descompromissado com a democracia representativa, poderá realizar as reformas (na verdade, contrarreformas) requeridas pelo projeto neoliberal-arcaico. Por isso e para isso é útil o governo títere de Michel Temer.
Eis o objetivo real do golpe e eis o golpe verdadeiro.
A base ideológica desse “novo” governo, gestado na fraude e no golpe, foi anunciada não pela “Ponte para o Futuro”, do PMDB, já de si reacionaríssima, mas pela média dos pronunciamentos que no dia 17 de abril, na votação preliminar da Câmara dos Deputados, ofenderam o decoro da sociedade brasileira.
O que ela representa de regresso foi ensaiado pelo governo provisório e consabidamente nenhuma de suas propostas seria aprovada se submetida ao eleitorado numa campanha presidencial. Trata-se, pois, de fraude construída por um ato de força. Disso têm consciência seus estrategistas, e por isso utilizam-se, nessa primeira fase, de um governante sem origem na soberania popular, o único capaz de governar de costas para o povo e para o País.
Para isso serve Temer e por isso deverá ser mantido até pelo menos o início de 2017, quando poderá ser substituído sem abalos.
O velho projeto do PSDB (alguém ainda se lembra das falas do Sérgio Motta?) de domínio político do Brasil por 20 anos, voltou à ordem do dia, agora sem os tucanos de carteirinha, e se objetiva no controle prioritário e essencial da economia e da política externa, como forma de fazer valer um regime neoliberal ultrarradical, necessariamente amparado pela retomada de incondicional subordinação de nossa diplomacia aos interesses geoestratégicos dos EUA.
Em outras palavras, renúncia ao desenvolvimento, às conquistas sociais, ao combate às desigualdades e à pobreza, ao desenvolvimento científico e tecnológico, à industrialização, ao domínio das reservas do pré-sal… renúncia, enfim, ao projeto de nação independente.
Mas isso não tem sustentação social, dirá o leitor, que já acompanha, com entusiasmo, a reorganização popular que explode em todos os quadrantes do País e galvaniza setores ponderáveis da classe média e dos trabalhadores. Daí a necessidade de desviar todo e qualquer risco de eleições, retornando o povo para sua condição de figurante do processo histórico, o máximo que lhe concede a classe dominante na sociedade de classes.
O terremoto desencadeado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deverá ser contido, para que não ameace a Presidência de Temer, porque sua substituição, ainda no corrente ano, exigiria novas eleições (art. 84 da Constituição Federal), e eleições é tudo o que a direita governante não deseja.
Eleições agora? Jamais! Eleições amanhã, só na hipótese de seus adversários conhecidos serem dizimados. Caso contrário, a alternativa, já na prancheta, será:
1.          Hipótese ótima, a implantação de um modelo qualquer de parlamentarismo (lembrai-vos de 1961!). Ou
2.          Alternativa de composição, a adoção de um parlamentarismo disfarçado, que será chamado de “presidencialismo mitigado”.
Essa opção poderá ser implantada mediante reforma constitucional – factível em face da maioria parlamentar de que dispõe hoje a direita – que simplesmente alterará, mediante Emenda Constitucional, reduzindo-a a competência do Poder Executivo, e, pari passu, aumentando-a a competência do Poder Legislativo, que, mero exemplo, poderá assumir papel ativo nas políticas econômicas e exterior, cujos ministros, outro exemplo, teriam suas nomeações submetidas ao Congresso.
Qualquer dessas hipóteses atende ao projeto conservador, porque, se não evita as eleições presidenciais sempre imponderáveis, transforma o eventual presidente em uma rainha Elizabeth: reina, mas não governa. Nessa hipótese pode haver eleições presidenciais, pois qualquer um – até mesmo Lula! – pode ser eleito, uma vez que o governo e a direção da política econômica ficarão com quem controla o Congresso.
Eis o golpe. Este o projeto da direita, claro como as águas dos regatos.
E o projeto das forças populares? Deve ser investir no processo eleitoral. Mas é tolice propor eleições gerais (que deputado aceitaria perder dois anos de mandato? Que senador aceitaria perder seis anos de mandato?) ou Constituinte para 2018, pois, eleita segundo as regras de hoje, seria a reprodução piorada do Congresso de hoje. E aí teríamos saudades da “constituição cidadã”.
Retomado o poder, a presidenta Dilma, livre do “presidencialismo de coalizão”, deverá articular um novo pacto, desta feita político-popular, o qual, a partir também de nova proposta de governo, lhe assegurará governabilidade e condições de convocar uma Constituinte exclusiva, com a função específica de proceder, em um ano (findo o qual se autodissolverá), à reforma política que ditará as eleições de 2018, reforma sem a qual não haverá saída política para a crise de legitimidade da democracia representativa e dos Poderes que a integram, e reforma que não pode ser levada a cabo pelos atuais parlamentares, beneficiários das mazelas graças às quais se elegeram e promovem a renovação de seus mandatos.
Por que exclusiva e específica? Porque preservará o atual Congresso e não interferirá em suas atribuições, cuidando especificamente da reforma do sistema político-eleitoral. Esta saída, porém, não é uma panaceia, e grandes ainda são os riscos que cercam essa eventual Constituinte eleita nas circunstâncias atuais, com a legislação atual, com a direita forte e confiante, com o poderio da mídia intocado.
Uma única coisa é certa: nenhum avanço é pensável a partir do atual Congresso. Para isso e para o que quer que seja, é fundamental frustrar o golpe.
Fonte: Blog do Roberto Amaral 12/06/2016

Skidmore é leitura obrigatória sobre como os EUA viam o Brasil


Skidmore é leitura obrigatória sobre como os EUA viam o Brasil
Thomas E. Skidmore (1932-2016) representava uma geração de estudiosos dos Estados Unidos que descobriram a América Latina no período após a Revolução Cubana e dedicaram as suas vidas acadêmicas analisando e interpretando as complexidades do continente para um público norte-americano.
Depois de terminar o doutorado em história sobre Alemanha bismarckiana na Universidade Harvard em 1960, Skidmore recebeu a oferta de uma bolsa para pesquisar um país da América Latina durante três anos.
Gostava de contar, no seu estilo de brincalhão, que as aulas de espanhol na Harvard começavam cedo, às 8h, e as de português, às 11h. Por isso, ele optou pelo Brasil.
Comentou uma vez, falando com o apresentador Jô Soares, que ele e seus colegas eram filhos de Fidel Castro, pois a Guerra Fria e as preocupações de Washington sobre possíveis outras revoluções ao sul do rio Grande (na fronteira entre os Estados Unidos e o México) haviam motivado um grande interesse na região.
Skidmore passou três anos no Brasil durante o governo de João Goulart (1961-1964), tentando entender o processo que levou ao golpe de 1964.
Resolveu estudar as origens da ditadura, examinando populismo, nacionalismo e política brasileira, o que resultou no clássico "Brasil: De Getúlio a Castello (1930-64)", recentemente reeditado pela Companhia das Letras.
Esse best-seller tornou-se leitura obrigatória para qualquer pessoa que quisesse entender como os americanos viam o Brasil.
Skidmore virou o clássico brasilianista. Tinha um talento especial para comentar a situação política com ironia e humor. Suas opiniões sobre fatos contemporâneos sempre continham uma crítica velada ao regime militar.
Em 1970, juntou-se à campanha de denúncia da tortura e repressão no Brasil, apresentando uma resolução no 2º Congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos, em Washington, criticando o apoio norte-americano aos generais no poder.
Por isso, o Itamaraty vetou uma viagem que ele faria ao Brasil, para dar um curso na Unicamp.
A sua segunda obra-prima, "Brasil: De Castelo a Tancredo", ofereceu um estudo detalhado sobre a situação política e econômica do país durante o regime autoritário.
A sua qualidade de analise só foi superada nos últimos anos por uma nova geração de historiadores brasileiros.
Tive a honra de assumir a cátedra do professor Skidmore na Universidade Brown depois da sua aposentadoria, em 1999.
Skidmore doou uma coleção fabulosa de 6.000 livros sobre o Brasil à biblioteca universitária. Eu o visitava uma vez por mês para conversar sobre o seu país adotivo. Ele conseguiu acompanhar a política brasileira até a sua morte.
No ano passado, escreveu uma série de pequenos retratos sobre figuras brasileiras –de Juscelino Kubitschek a Celso Furtado– que ele conheceu em suas viagens ao Brasil. Estão publicados no site da Skidmore Collection da Universidade Brown.
Amava o Brasil e tinha uma capacidade única de entender as complexidades políticas, sociais e culturais do país. Deixou um grande legado, que seus alunos e seguidores intelectuais vão continuar. Respeitava profundamente o Brasil e o seu povo, apesar de tudo.


Fonte: Café História


Livros de Thomas Skidmore:   
Brasil: de Getúlio a Castelo
Brasil: de Castelo a Tancredo
Uma História do Brasil
O Brasil visto de fora
Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro

O País é para poucos



o país é para poucos

Cortes do governo interino no orçamento e golpes na Constituição limitam alcance do SUS, do Bolsa Família, do Minha Casa, Minha Vida e da educação pública

Cida de Oliveira

Segundo a visão de país expressa no documento Uma Ponte para o Futuro, do PMDB, apenas 10 milhões de brasileiros – os 5% mais pobres – devem ser alcançados pelo sistema de proteção social. Menos de duas semanas depois de “empossado”, o governo do presidente interino, Michel Temer, com seu pacote de ajuste fiscal aprovado a toque de caixa pelo Congresso, golpeou de uma só canetada a saúde e a educação pública historicamente subfinanciadas e políticas recentes de distribuição de renda. Nas palavras da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), uma catástrofe para a sociedade, “menos para a elite rentista, preguiçosa e escravagista que ainda há no Brasil”.

Em seus primeiros dias à frente do Ministério da Saúde, o deputado federal licenciado Ricardo Barros (PP-PR) defendia o redimensionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) ao tamanho de seu orçamento.

Nas entrelinhas, aventava mudanças, ou o fim, de programas como o Mais Médicos, o principal para o setor criado ainda na primeira gestão da presidenta afastada Dilma Rousseff. ­Único sistema público de acesso universal à saúde existente em país com mais de 100 milhões de habitantes e invejado por governantes de vários países, o SUS nunca esteve tão exposto ao perigo de extinção.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) estima perdas entre R$ 44 bilhões e R$ 65 bilhões para o SUS já em 2017. Serão afetadas ações na atenção básica – como vacinas, medicamentos, controle de doenças, SAMU – e de média e alta complexidade – como procedimentos, exames, cirurgias, transplantes e UTI, inclusive nas Santas Casas que recebem repasses do SUS. O colegiado chama atenção para outra ameaça: a aprovação, em primeiro turno no Senado, do substitutivo à proposta de emenda à Constituição (PEC) que prorroga a Desvinculação das Receitas da União (DRU).

O mecanismo deixa o governo livre para usar como quiser parte dos impostos vinculados por lei a determinadas áreas, já instituídos ou que vierem a ser criados nos próximos quatro anos. Existe desde 1994 (com diversos nomes, mas com mesmo objetivo), sempre permitindo o manejo de 20% dos orçamentos. Pela proposta, porém, sobe para 30% o percentual de manobra pela União – estados, municípios e o Distrito Federal também terão essa prerrogativa.

O Conselho Nacional de Saúde protestou, já que havia defendido a ampliação dos recursos ao SUS por meio da Lei de Iniciativa Popular nº 321/2013, que cobra 10% das receitas correntes brutas da União, ou seu equivalente, para ações e serviços públicos de saúde. Pelas contas do CNS, a combinação de emendas à Constituição e projetos de lei em andamento, União, estados, Distrito Federal e municípios poderão tirar da saúde até R$ 80 bilhões nos próximos sete anos.
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“Estão ameaçando as políticas públicas da Saúde, as leis trabalhistas, os direitos dos aposentados. Com o silêncio da mídia, estão armando um ataque ao pouco da política pública que o Brasil construiu. Dizem que o povo brasileiro não cabe no orçamento do Estado, não cabe no aeroporto, não cabe na praia. Temos de resistir”, diz o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gastão Wagner de Sousa Campos, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Na última semana de maio, profissionais, professores e estudantes ocuparam a sede do Ministério da Saúde, em Salvador. E na primeira semana de junho, dedicada a atividades em defesa do SUS, Ricardo Barros foi escrachado em Fortaleza por integrantes da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares. O jeito foi sair de fininho, sem fazer o pronunciamento de praxe na abertura do congresso do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

Educação

A exemplo dos postos de saúde e dos hospitais, as escolas públicas tendem a, na melhor das hipóteses, manter a tendência de sucateamento: fechamento de salas de aula, superlotação de turmas, piora na merenda e na conservação dos prédios e achatamento salarial dos trabalhadores – apesar de o ensino básico ser atribuição direta de estados e municípios, a União participa do financiamento por meio de repasses e convênios.

O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ­Daniel Cara, adverte: “Para sanar essas dificuldades é preciso ampliar os investimentos no setor. Por isso, o Plano Nacional de Educação aponta para o aumento dos investimentos federais no setor até chegar a 10% do PIB. Em vez disso, o governo sinaliza reduzir. Está em risco a educação e seus 40 milhões de alunos, 2 milhões de professores e 5 milhões de outros profissionais em todo o país”. Segundo ele, “a maior política social do Brasil e uma das maiores do mundo está ameaçada pela insuficiência dos recursos para as necessidades educacionais atuais”.

A situação pode piorar porque, embora a pressão social tenha poupado a educação dos efeitos da DRU no primeiro turno da votação, prefeitos e governadores pressionam fortemente pela inclusão nas próximas etapas da tramitação. Programas mantidos pelo governo federal, como ProUni, Pronatec e Ciência sem Fronteiras estão ameaçados, bem como a expansão do ensino superior. Abrem-se perspectivas de privatização em todos os níveis de ensino, com a volta do debate sobre a cobrança de mensalidades até nas universidades públicas.

Há sinais de retrocesso também no aspecto pedagógico diante da influência de setores conservadores com a equipe de governo interino. Exemplo emblemático foi a recente participação em atividade do ator pornô Alexandre Frota com o ministro da Educação, Mendoncinha. Frota, que trocou o espaço perdido na TV pelo sempre promissor mercado de pornografia, deve ter muito a discutir com uma “autoridade em educação”. E com o crescente debate em torno de leis e propostas em várias cidades do país conduzidas por pessoas interessadas em coibir o exercício do pensamento crítico em escolas e universidades.

Coordenador do Fórum Nacional de Educação e secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação ­(CNTE), Heleno Araújo aponta ainda ameaças ao caráter público, laico, inclusivo e democrático do processo educativo. “Preocupa o espaço dado pelo MEC a movimentos que tentam cercear atuação do professor, como o Escola Sem Partido e o Escola Livre. Trata-se de iniciativas intimidatórias, que censuram o livre pensamento e promovem a criminalização e a insegurança aos professores”, afirma.

Para completar o início avassalador de “gestão em exercício”, Mendoncinhaexonerou no início de junho 31 assessores técnicos, sendo 23 ligados à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) e oito, à Secretaria-Executiva da pasta. As demissões afetam as atividades do Fórum Nacional de Educação (FNE), instância criada com objetivo de mediar a interlocução e promover a participação social, seja no processo de concepção, aplicação e avaliação de políticas de ensino, além de acompanhar tramitação de projetos legislativos referentes ao setor e a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE). “Ficamos sem equipe de trabalho”, lamenta Heleno Araújo.

Bolsa Família

Pelos cálculos de pesquisadores da Fundação Perseu Abramo (FPA), pelo menos 10 milhões de famílias que necessitam do Bolsa Família deverão deixar de ser atendidas a partir de 2017. A premiada política de transferência de renda – que além de dar um mínimo de segurança a milhares de famílias, estimular economias locais em milhares de municípios e inspirar diversos governos também por incentivar famílias pobres a manter seus filhos na escola e em dia com a vacinação e outras ações de promoção da saúde – deverá estar voltada para os 5% mais pobres entre todos os pobres do país.

Além da redução do número de bolsistas, os cortes apontam para congelamento dos benefícios concedidos. As projeções da FPA mostram o estrago inclusive em estados ricos, que concentram bolsões de pobreza em suas regiões metropolitanas. Pelo documento do PMDB que marcou o rompimento do partido com o governo no ano passado, as populações carentes estariam concentradas apenas em comunidades isoladas e esparsas.

Para o presidente da FPA, Marcio ­Pochmann, o impacto social será significativo, com agravamento da exclusão social. “Haverá aumento da pobreza, subnutrição, violência, com maior impacto sobre o sistema de saúde. E evasão escolar, já que a frequência à escola é condição para recebimento da bolsa. Poucos estados mantiveram seus programas próprios de transferência de renda. A maioria os desarticulou, reunindo-se em torno do programa federal. Há cidades em que mais da metade da população está na pobreza”, diz o economista.



Minha Casa

Temer chegou a anunciar em meados de maio o fim de subsídios do Tesouro Nacional para o Minha Casa, Minha Vida. Com a medida, a renda de famílias que ganham até R$ 1.800 ficaria comprometida com a prestação da casa. Em ­bate-papo com internautas, a presidenta Dilma Rousseff lembrou que 80% do déficit habitacional está justamente nesta faixa de renda. “Além de acabar com o subsídio, o governo provisório vai reduzir o número de moradias que serão contratadas”, afirmou. Questionada sobre a possibilidade de o governo interino elevar as parcelas dos imóveis, mesmo daqueles comprados com sistema de parcelas fixas, a presidenta disse: “Não sabemos até que ponto eles irão no desmonte do Minha Casa, Minha Vida. Fique de olho. Nós estaremos”.

Em 1º de junho, liderados pela Frente Povo Sem Medo, manifestantes ocuparam o prédio onde fica o escritório em São Paulo da Presidência da República, na Avenida Paulista. Exigiam a manutenção do compromisso de construção de 11.250 unidades habitacionais. Portaria determinando a contratação das obras havia sido assinada por Dilma, e revogada pelo interino. A medida afetaria uma modalidade do programa administrada por entidades da sociedade civil de forma associativa, que torna, segundo experiências já executadas, as construções melhores e mais baratas.

Sem admitir o temor de desgaste pela força da mobilização popular – a mesma que fez com que Temer recriasse o Ministério da Cultura dias após sua extinção –, o ministro das Cidades, Bruno Araújo, recuou e anunciou a publicação de nova portaria para a contratação de 13.900 moradias. Os manifestantes desocuparam o prédio.

Criado em 2009, o programa abriu 5 milhões de empregos em toda cadeia produtiva da construção civil. Até o final de abril, foram contratadas mais de 4 milhões de moradias que beneficiam mais de 6 milhões de pessoas. O programa pode custear até 90% do valor do imóvel e o restante é dividido em até dez anos, com parcela mínima de R$ 80 e máxima de R$ 270. Como lembrou Dilma em conversa com internautas, o governo interino já demonstrou ser contra qualquer subsídio para os mais pobres. “Acreditamos que eles, do jeito que vão, são capazes de tudo.”

A Cultura preterida

A fusão do Ministério da Cultura (MinC) com o da Educação pelo governo interino, a pretexto de economia, durou uma semana. Temer anunciou a recriação da pasta em 21 de maio, quando a pressão de artistas era grande em atos, na imprensa e nas redes sociais, e havia órgãos ligados ao MinC ocupados em 18 estados, incluindo a sede da Fundação Nacional de Artes (Funarte), no Rio de Janeiro.

Em mais uma sucessão de tropeços, Temer chegou a mandar a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) convidar a jornalista Marília Gabriela – que afirmou publicamente não compor governo golpista. A atriz Bruna Lombardi, a antropóloga Claudia Leitão e a professora Elaine Costa, coordenadora de cursos de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas, também recusaram. O posto acabou ocupado pelo secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Marcelo Calero, que tomou posse em 24 de maio.