quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

A vitória de Maduro foi espetacular

Pelo Mundo

A vitória de Maduro foi espetacular

Guaidó não tem apoios internos. EUA cometem erro crasso de avaliação

 
27/02/2019 12:57
 
 
É preciso dizer com todas as letras: Nicolás Maduro obteve uma vitória incontestável e espetacular contra a tentativa de derrubá-lo através da entrada forçada de uma torta "ajuda humanitária", articulada pelo Departamento de Estado, com auxílio da Colômbia e do Brasil. Inquestionável e espetacular, não menos que isso.

Os Estados Unidos demoraram a encontrar uma tática para retirar Maduro do poder que fosse palatável à opinião pública global. Quando Donald Trump declarou, na ONU em 26 de setembro do ano passado, que "Todas as opções estão na mesa, todas. As mais e menos fortes. E já sabem o que quero dizer com forte", estava se referindo a uma intervenção militar direta. Mariners e boinas verdes marchariam sobre Caracas.

NÃO É FÁCIL, MESMO PARA UM IMPÉRIO, materializar uma ação desse tipo. É preciso um mínimo de consenso internacional, do suporte da maioria da opinião pública de seu país e de legitimidade dentro do país invadido. Os Estados Unidos já realizaram intervenções diretas na América Central, no Oriente Médio e na Ásia. Mas nunca na América do Sul.

Aqui valeu sempre a terceirização de ações. Ou seja, alianças com o empresariado, as forças armadas, os meios de comunicação, a Igreja católica e parcelas da opinião pública. Foi o que se viu no Brasil (1964), no Chile (1973) e na Argentina (1976).

Trump se animou ao ver a correlação de forças regional mudar em 2018, com a vitória dos direitistas Ivan Duque, na Colômbia (junho) e Jair Bolsonaro, no Brasil (outubro). Não se sabia como uma iniciativa "forte" seria recebida na sociedade venezuelana. Havia - e há - forte crise econômica e dificuldades materiais pesadas para a população pobre.

AS INCERTEZAS QUANTO A APOIOS INTERNOS na Venezuela seriam assim compensados por uma sólida frente externa, que envolveria Sebastian Piñera (Chile) e Maurício Macri (Argentina). Havia dúvidas sobre a unanimidade na União Europeia, pela posição ainda equidistante de Portugal e Espanha, nos últimos meses do ano. Mas França, Inglaterra, Itália e Alemanha se somariam à articulação da Casa Branca, o que logo arrastou todo o Velho Mundo.

As articulações dentro da Venezuela se voltaram para o poder unilateralmente anulado pela Constituinte convocada por Maduro, em junho de 2017. Trata-se da Assembleia Nacional (AN), que seria o ponto de apoio de todas as movimentações sediciosas.

Em 11 de janeiro deste ano, dia seguinte à posse de Maduro, Juán Guaidó, até então um obscuro parlamentar em primeiro mandato que assumira a presidência do Legislativo, se dirigiu a um protesto em Caracas e chamou o sucessor de Chávez de "usurpador". Ato contínuo, convocou o Exército, o povo e a comunidade internacional a apoiar os esforços da AN para tirá-lo do poder. E se colocou à disposição para assumir interinamente a presidência do país.

IMEDIATAMENTE, A MÍDIA INTERNACIONAL traçou perfis para lá de favoráveis de Guaidó, que seria um líder moderno, carismático e democrático. O troféu babaovo ficou para um colunista da Folha de S. Paulo, que atentou para suas semelhanças gestuais com Barack Obama.

Foi o que bastou para cerca de 50 países - a começar por Estados Unidos e Brasil - reconhecerem Guaidó como líder de um governo de facto. Construiu-se um empate catastrófico, uma dualidade de poderes que levou a Venezuela a um impasse aparentemente insolúvel. Guaidó chegou a designar embaixadores, receber verbas internacionais e passou a ser saudado como chefe de Estado.

MADURO RECEBEU APOIOS quando China e Rússia - além de México, Uruguai, Bolívia e outros - literalmente trancaram a rota de uma unanimidade internacional (e no Conselho de Segurança da ONU, para onde a questão ameaçou ser levada). No início de fevereiro, o secretário-geral da Organização, António Guterres, afirmou ser Maduro o presidente legítimo do país.

O DEPARTAMENTO DE ESTADO deve ter percebido que o desenho de uma intervenção direta seria extremamente arriscado diante do quadro internacional. E projetou uma solução híbrida: reforçaria os dutos de dinheiro a Guaidó, convocaria as forças armadas do Brasil e da Colômbia a participarem do show midiático marcado para 23 de janeiro, quando toneladas e toneladas de "ajuda humanitária" entrariam por bem ou por mal na Venezuela, e açulou seus mais fiéis cães de guarda, Iván Duque e Jair Bolsonaro.

Deu errado.

O que falhou e como Maduro obteve sua vitória espetacular?

Algumas hipóteses:

1. JUAN GUAIDÓ MOSTROU-SE UMA FARSA. Nem mesmo o bulldozer midiático montado interna e externamente, destinado a projetá-lo como líder inconteste, conseguiu encobrir um fato. O jovem deputado representa quase ninguém. Nem nas grandes cidades e nem na fronteira houve manifestações de massa em apoio à "ajuda humanitária" ou ao suposto presidente. Guaidó falou sozinho;

2. O ERRO DE CÁLCULO DOS ESTADOS UNIDOS - e de seus serviços de espionagem e inteligência - desmoraliza toda a oposição venezuelana e leva os governos de Duque e Bolsonaro a passarem um carão de dimensões planetárias. Ambos tornam-se atores nulos em qualquer mediação de gente grande no plano internacional.

3. NO CASO BRASILEIRO, o bom senso do setor militar puxou o freio de mão nos delírios napoleônicos de Jair Bolsonaro - que definitivamente jamais soube o que é sombra de estratégia militar -, David Alcolumbre, Dias Tófolli e Ernesto Araújo. Esses, em reunião sábado relatada pelo Painel da FSP, defenderam quase uma nova invasão da Normandia. Hamilton Mourão, Augusto Heleno e Rodrigo Maia se colocaram contra até mesmo da presença de militares estadunidenses em solo brasileiro. Uma ação mais decidida teria de ser feita por terra, em meio a selva, e o risco de fiasco militar era enorme.

4. POR MAIS INSUFICIÊNCIAS QUE NICOLÁS MADURO APRESENTE como liderança, ele conseguiu provar que a oposição é muito pior. Seu discurso sábado em praça pública, diante de dezenas de milhares de pessoas, foi realista e sem bravatas. Evitou atacar o Brasil e centrou fogo na Colômbia e nos EUA. Quer ajuda humanitária, mas de organismos multilaterais. O restante, pagará pelo que vier, em operações comerciais normais. E deu concretude ao que Chávez e ele próprio bradam há duas décadas: o Império quer mesmo invadir a Venezuela.

5. O PRESIDENTE VENEZUELANO obteve algo raro: união nacional contra o inimigo externo. Destravou o impasse que já durava um mês. É bem provável que se convocar agora um referendo revogatório de seu mandato, será vitorioso com boa margem.

6. A CRISE ECONÔMICA NÃO FOI VENCIDA. Há uma situação emergencial, em meio ao embargo econômico que rouba recursos legítimos do país. Mas as prateleiras dos mercados estão cheias de produtos iranianos, turcos e russos. A perspectiva de superação mostra-se difícil, mas - pelos relatos de quem está em Caracas - não há um clima de desespero geral na capital, como alardeado até semanas atrás. O principal sinal é que cessaram as coberturas da mídia corporativa sobre busca insanas da população por mercadorias, a começar por papel higiênico.

7. COMO DIRIA HUGO CHÁVEZ, há uma vitória a ser comemorada, "por enquanto".

Um ponto a mais deve ser levantado. Tirando a vitória de Manuel López Obrador, no México em julho passado, a esquerda latinoamericana não tinha boa notícia assim há anos.

Não é pouca coisa, gente...

Jean Paul Prates condena ideia de fusão do Banco do Nordeste ao BNDES

Economia Política

Jean Paul Prates condena ideia de fusão do Banco do Nordeste ao BNDES

Senador avalia que medida estudada pela equipe econômica de Bolsonaro revela total desconhecimento do papel institucional do BNB na região

 
27/02/2019 15:01
Péssima ideia:
Créditos da foto: Péssima ideia: "A fusão das duas instituições financeiras não agrega nada em termos de custo. O BNB é um órgão autônomo, com baixo custo operacional%u21D, explica o senador Jean Paul Prates (PT-RN). "Suponho que a ideia tenha partido de gente que não conhece a realidade do Nordeste''. (Vinícius Ehlers)
 
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) se opõe à ideia do governo Bolsonaro de promover a fusão do Banco do Nordeste ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A equipe econômica avalia a medida para otimizar recursos e investimentos, conforme anunciou o ministro da Economia, Paulo Guedes. Em entrevista, Jean Paul diz que a medida é péssima para o Nordeste e não terá impacto econômico para o governo.

“A fusão das duas instituições financeiras não agrega nada em termos de custo. O BNB é um órgão autônomo, com baixo custo operacional”, explica Jean Paul, que é economista e advogado. “Suponho que a ideia tenha partido de gente que não conhece a realidade do Nordeste”. De acordo com o senador, o BNDES é um banco extremamente importante, mas que não tem a expertise necessária para operar financiamentos condizentes com a realidade do Nordeste.

“O Banco do Nordeste do Brasil é extremamente eficiente e precisa ser defendido. Ainda que fosse um elefante branco, um órgão que servisse de cabide de emprego… Mas isso absolutamente não é um fato e nem condiz com a realidade do país neste século 21”, defende o parlamentar.

A possibilidade de fusão entre as duas instituições de fomento é defendida por integrantes da área econômica, mas sua viabilidade é considerada difícil. A aprovação  pelo Congresso Nacional exigiria alteração constitucional, com votação em dois turnos nas duas casas legislativas. Há uma avaliação técnica dentro do governo de que tanto o BNB quanto o Banco da Amazônia (Basa) não deveriam “competir” com o BNDES, já que os dois bancos federais usam como fonte recursos dos fundos oficiais da Sudam e Sudene, sem necessidade de remuneração.

A questão política já despertou a ira de líderes políticos da região. A bancada nordestina no Congresso tem força para impedir a fusão dos dois bancos. O Nordeste tem nove estados, representados por 151 deputados federais e 27 senadores. Atualmente, o BNB tem em seus quadros 7.214 servidores, que têm compromisso com o desenvolvimento econômico e social da região.

Um dos papéis do BNB é garantir microcrédito a pequenos empreendedores da região. Desde os tempos do governo Lula, o banco passou a deter know how e é hoje uma das instituições financeiras com mais experiência da América Latina em microcrédito, com mais de 4 milhões de pessoas beneficiadas.

*Publicado originalmente em jeanpaulprates.com.br

Spike Lee nos Oscares: a escolha nas eleições será entre amor e ódio

Cinema

Spike Lee nos Oscares: a escolha nas eleições será entre amor e ódio

O realizador de BlacKKKlansman ganhou o Oscar para o melhor argumento adaptado e, no discurso de aceitação do prémio, não perdeu a oportunidade de mobilizar contra Trump para as eleições presidenciais. O presidente norte-americano respondeu-lhe acusando-o de "racismo"

 
27/02/2019 15:12
(Thomas Rome/Flickr)
Créditos da foto: (Thomas Rome/Flickr)
 
O filme de Spike Lee conta a história verdadeira de um polícia negro que se infiltra na mais famosa organização racista norte-americana nos anos 1970.

Na cerimônia em que Spike Lee recebeu o prêmio de melhor argumento adaptado, este fez questão de lembrar que “as eleições presidenciais de 2020 estão aí à porta”, apelando à participação. Para o realizador de 61 anos será preciso “estar do lado certo da história” porque há uma “escolha moral” a fazer “entre o amor e o ódio”. Por isso Vamos fazer a coisa certa! Sabem que eu tinha de falar nisto.

Os tradicionais agradecimento também foram politizados. Partindo do pretexto de fevereiro ser nos Estados Unidos o Black History Month, mês dedicado à história negra, recordou que há 400 anos os seus antepassados foram sequestrados da “Mãe África e levados para Jamestown, na Virgínia, para serem submetidos à escravatura” e que a sua avó, que viveu até aos 100 anos, foi diplomada na Universidade “apesar da sua mãe ter sido uma escrava”. Lee agradeceu à sua mãe ter-lhe permitido estudar cinema e prestou homenagem “a estes antepassados que ajudaram a construir este país”. E não deixou ainda de falar sobre “o genocídio que foi cometido contra o povo indígena.”

Trump respondeu-lhe mais tarde pela sua via habitual, o twitter. O Presidente dos EUA queixou-se que a declaração de Spike Lee foi "um golpe racista contra o vosso presidente." E alegou ter feito mais pelos afro-americanos "do que qualquer outro presidente".

Notícia atualizada com as declarações de Trump.

*Publicado originalmente em esquerda.net

A farsa da 'ajuda humanitária'

A farsa da 'ajuda humanitária'

Um opositor ácido de Maduro acusa os EUA: ações na fronteira visam provocar conflito, que envolveria Colômbia e Brasil. Mas o chavismo e o país estão em crise: é hora de um referendo popular sobre futuro do governo e do Legislativo

 
27/02/2019 15:19
Aviões militares norte-americanos estacionados na Colômbia, diante da fronteira venezuelana.  Cinco mil soldados de forças especiais dos EUA já teriam sido deslocados para lá.
Créditos da foto: Aviões militares norte-americanos estacionados na Colômbia, diante da fronteira venezuelana. Cinco mil soldados de forças especiais dos EUA já teriam sido deslocados para lá.
 
Na Venezuela, o impasse entre o presidente Nicolás Maduro e o líder da oposição e autoproclamado presidente Juan Guaidó não parou de crescer. Guaidó alega estar se preparando para entregar ajuda humanitária da fronteira colombiana no sábado. Maduro rejeitou o plano, dizendo que o esforço é parte de uma tentativa mais ampla de derrubar seu regime. Isso acontece quando o enviado especial de Trump à Venezuela — o falcão de direita, Elliott Abrams — lidera uma delegação dos EUA que viajou em avião militar até a fronteira colombiana, supostamente para ajudar a entregar a ajuda.

As Nações Unidas, a Cruz Vermelha e outras organizações de ajuda humanitária recusaram-se a trabalhar com os EUA para entregar essa ajuda à Venezuela, que, segundo eles, é politicamente motivada. Falamos com o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, membro da Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição. “Isso certamente não é ajuda humanitária, e não é orientada com nenhum objetivo humanitário”, diz Lander. “Este é claramente um golpe realizado pelo governo dos Estados Unidos com seus aliados, com o Grupo Lima e a extrema direita na Venezuela.”


Bem-vindo ao Democracy Now! Você pode descrever a situação no país agora e o efeito da pressão na fronteira?

A situação na Venezuela neste momento é bastante tensa. O dia 23 — isto é, sábado — quando a suposta ajuda humanitária deve entrar no país, de acordo com o grupo de Guaidó, não importa o que seja, representa uma ameaça muito séria à Venezuela em termos de possibilidades de violência. Isto certamente não é uma ajuda humanitária; é uma intervenção “humanitária”.

Se o governo dos Estados Unidos estivesse realmente interessado na democracia e nos direitos humanos, a primeira coisa a fazer seria interromper parar o bloqueio, que afeta enormemente o povo venezuelano e produz extrema dificuldade para o governo venezuelano obter acesso aos mercados externos. Seu comércio é extremamente difícil porque todo o sistema financeiro global é, de uma forma ou de outra, controlado pelos Estados Unidos. E esse bloqueio limita as possibilidades de acesso a parceiros comerciais.

Por outro lado, enormes quantias de dinheiro, bilhões de dólares em ativos venezuelanos, foram confiscados pelo governo dos EUA. E é de um cinismo absoluto que o governo dos EUA afirme estar preocupado com a situação humanitária dos venezuelanos, oferecendo alguns milhões de dólares, quando bilhões de dólares estão sendo mantidos longe da capacidade de ação do governo venezuelano para responder à profunda crise que a população enfrenta.

Existe essa ameaça de que esta “ajuda” entrará na Venezuela a qualquer custo. Os falcões e os neoconservadores que acompanham Trump nessas políticas são bem conhecidos. São pessoas como [o “enviado especial da Casa Branca] Elliott Abrams ou [o conselheiro de Segurança Nacional] John Bolton, que tiveram trajetórias conhecidas de intervenções militares em diferentes lugares do mundo. E obviamente não há preocupação alguma pela vida do povo venezuelano. A situação é tão tensa que o dia 23 pode ser a faísca que inicia uma situação de guerra violenta e até civil no país. Então, a absoluta necessidade de encontrar algum tipo de solução, algum tipo de negociação, que pare com essa escalada de violência, é crítica. E isso tem que ser feito em breve, porque o sábado é um dia crucial.

Você pode falar sobre o papel dos venezuelanos em negociar uma solução? A possibilidade, os apelos para que o Papa se envolva, ou o presidente do México, López Obrador. E o que dizer das próprias pessoas na Venezuela? E seu grupo: o que a plataforma do Cidadão está pedindo?

A Plataforma do Cidadão em Defesa da Constituição está pedindo um referendo — algo que está previsto na Constituição venezuelana quando questões nacionais de importância crítica têm que ser enfrentadas. Enfrentamos uma profunda crise constitucional. Temos uma luta entre a Assembleia Nacional, por um lado, e o Executivo, por outro lado. Um não reconhece o outro como legítimo. Como consequência, surge a visão segundo a qual a política é um confronto amigo-inimigo, cujo propósito é destruir o inimigo, esmagá-lo completamente. Não há vontade de nenhum lado hoje para entrar em algum tipo de acordo que permita ao povo venezuelano decidir o que quer para seu futuro.

A Plataforma do Cidadão em Defesa da Constituição, assim como outros grupos — principalmente da esquerda, mas não apenas — tem argumentado que precisamos desse referendo consultivo para que o povo venezuelano decida se quer ter novas autoridades gerais no país — isto é, todos os poderes nacionais, incluindo o Executivo e a Assembléia Nacional. Mas isso requer um acordo, porque precisamos de um novo Conselho Nacional Eleitoral. O atual Conselho Eleitoral é totalmente controlado pelo governo e não é confiável para a maioria da população venezuelana. Assim, precisaríamos, como primeiro passo, de algum acordo básico, um Conselho Eleitoral Nacional consensual, e este chamado para um referendo em que o povo venezuelano possa dar sua própria opinião e decidir se quer manter as autoridades presentes ou se quer renovar completamente o sistema político — não a estrutura do sistema, mas quem é o presidente hoje, o que é a Assembléia.

No momento, a Assembléia Nacional está clamando a necessidade de eleições presidenciais e, por outro lado, o presidente Maduro está clamando a necessidade de novas eleições parlamentares. Portanto, nenhum dos lados está disposto a chegar a um acordo. É claro que precisaríamos de algum tipo de acompanhamento de alguns atores internacionais. E como você mencionou, a possibilidade de ter os presidentes do Uruguai, do México, talvez o secretário-geral das Nações Unidas e o Papa, seriam extremamente críticos em termos da possibilidade de alcançar tal acordo. Então, isso requer duas coisas: de um lado, pressão e envolvimento das pessoas que não estão interessadas em violência, mas tentando evitar uma guerra civil — essa tem sido a declaração do Uruguai, do México, do Papa. Por outro lado, a pressão do povo venezuelano para ter esse acordo mínimo para um novo Conselho Eleitoral e o referendo que permitiria às pessoas decidirem.

Há razões pelas quais há um enorme, gigantesco descontentamento na Venezuela em relação ao governo de Maduro. As crises que o povo venezuelano enfrenta são, em grande parte, responsabilidade desse governo, extremamente corrupto, ineficiente e cada vez mais repressivo. Mas isso de forma alguma justifica uma intervenção militar norte-americana ou essa tentativa de estrangular a economia venezuelana — o que, é claro, prejudica muito mais o povo do que o governo venezuelano.

Nessa situação, em que a maioria das pessoas na Venezuela rejeita o governo de Maduro e, por outro lado, uma grande maioria também rejeita a intervenção dos EUA, precisamos de uma negociação que abra o caminho para os venezuelanos decidirem por si mesmos. E esta é a opção de ambas as negociações com algum apoio internacional, por um lado, e este referendo que estamos pedindo, da plataforma e de outros grupos na Venezuela, que acham que a maior ameaça para os venezuelanos hoje é a ameaça dessa escalada de violência, a possibilidade de uma guerra civil e a possibilidade, constantemente anunciada, de uma intervenção militar do governo dos Estados Unidos.

Em seu discurso na última segunda-feira, o presidente Trump chamou Maduro de “fantoche de Cuba”. […] Um novo livro lançado esta semana pelo ex-diretor do FBI Andrew McCabe revela que Trump discutiu em particular a possibilidade de entrar em guerra com a Venezuela em 2017. McCabe escreve: “Então o presidente falou sobre a Venezuela. Esse é o país com o qual deveríamos entrar em guerra, ele disse. Eles têm todo esse petróleo e estão bem na nossa porta dos fundos”.

Você poderia dizer o que exatamente os EUA estão fazendo, quem é Guaidó, e também falar um pouco da questão da ajuda humanitária, questões que preocupam a todos? Há um avião que está voando de um lado para o outro, ou vários aviões, de uma empresa na Carolina do Norte — aparentemente, cerca de 40 vôos. O governo venezuelano encontrou armas escondidas, talvez de um desses vôos. É uma empresa que trabalhou anteriormente com a CIA. O fato de que as Nações Unidas e a Cruz Vermelha disseram que não vão trabalhar nesta chamada ajuda humanitária, porque é politicamente motivada, e que não é ajuda humanitária. O que você acha que vai acontecer na fronteira, com Elliott Abrams sendo transportado por avião militar com sua delegação à fronteira Colômbia-Venezuela? E o significado do fechamento da fronteira Brasil-Venezuela e o fato de Maduro considerar fechar também a fronteira Colômbia-Venezuela?

Bem, em primeiro lugar, gostaria de insistir no fato de que isso certamente não é ajuda humanitária, e não é orientado com nenhum objetivo humanitário. Este é claramente um golpe realizado pelo governo dos Estados Unidos com seus aliados, com o Grupo Lima e a extrema direita na Venezuela. A oposição de direita, na Venezuela, as pessoas que controlam o Parlamento e os partidos da oposição, se enfraqueceram nos últimos anos e não conseguiram chegar a um único acordo político em relação a formas de enfrentar o governo de Maduro. Mas agora, é óbvio que essa extrema-direita está em estreita coordenação com o governo dos Estados Unidos há algum tempo. E esse roteiro que vem sendo seguido desde que Guaidó se autoproclamou presidente é um roteiro basicamente dos EUA. Esse script está em andamento agora.

Não há preocupação alguma com a situação da população venezuelana, porque, como eu disse anteriormente, se você tira bilhões da capacidade do governo para responder às necessidades de remédios e alimentos, por um lado, e oferece uns poucos milhões de dólares em alimentos e remédios na fronteira colombiana, é claro que o objetivo não é responder à situação da população venezuelana, mas criar um conflito na fronteira. Como as pessoas têm sido chamadas por Guaidó e seu pessoal, para se concentrarem na fronteira, e um concerto foi organizado no lado colombiano do governo, isso pode levar a um confronto entre os dois lados. O governo venezuelano anunciou que poderia fechar a fronteira. Ainda não foi decidido. Mas a possibilidade do fechamento da fronteira significa que, como agora – há presença militar venezuelana neste lado da fronteira, e obviamente há todo tipo de grupos paramilitares, representantes da CIA, membros das forças armadas da Colômbia do outro lado. E qualquer coisa poderia desencadear alguma violência que pudesse levar ao início de um confronto. Eu não acho que o sábado será o Dia D, em que um grande confronto começará, poderia ser a faísca que levaria ao aumento da violência e aos riscos de uma guerra civil.

Então, temos que enfrentar essa suposta ajuda humanitária, que não é ajuda humanitária. É apenas uma intervenção direta para ter uma mudança de regime, o que tem sido o objetivo do governo Trump desde o início. E sabemos o que a mudança de regime significou em outros lugares. Conhecemos a experiência da mudança de regime na Líbia. Conhecemos a experiência da mudança de regime no Iraque. Sabemos o que as pessoas na Síria estão enfrentando hoje como consequência dessas tentativas imperiais de mudança de regime. Portanto, não há possibilidade de que essa chamada ajuda humanitária contribua positivamente para a situação venezuelana. Isso só vai piorar, porque está aprofundando a crise em termos de remédios e comida para o povo venezuelano, por um lado; e está aumentando a probabilidade de uma escalada de violência e abrindo as portas para a possibilidade de uma guerra civil.

Assim, há necessidade de algum tipo de negociação, para pôr fim a esta escalada. É preciso responsabilizar, por um lado, o governo Maduro — por ter, ao longo destes seis anos de governo, criado um colapso tão incrível da economia venezuelana — hoje, a produção é metade do que era quando Maduro chegou ao poder. As sanções dos EUA contra a Venezuela, as sanções de Trump contra a Venezuela, começaram há um ano e meio, por volta de meados de 2017. Mas a crise veio muito antes. As sanções dos EUA aprofundaram a crise, mas não são a principal causa da crise. A principal causa da crise é inépcia e corrupção do governo de Maduro.

Assim, nós na Venezuela nos defrontamos com esses dois males, com esses dois inimigos confrontantes. No meio, está o povo venezuelano, obrigado a pagar pela inaptidão e violência dos dois lados em disputa Precisamos ter algum tipo de pressão sobre o governo dos EUA para impedir esse nível de intervenção, essa ameaça de intervenção militar. E nós temos que pedir ao governo de Maduro que esteja disposto a abrir uma negociação, porque há muitas razões pelas quais as pessoas na Venezuela realmente não confiam em Maduro quando ele afirma sua disposição de negociar — já que sempre diz a mesma coisa. Quando as negociações ocorrearam, ele não se mostrou disposto a ceder nada.

*Publicado originalmente no Democracy Now | Tradução de Felipe Calabrez para o site Outras Palavras

Em defesa dos trabalhadores rurais

Seguridade

Em defesa dos trabalhadores rurais

 

 
27/02/2019 17:20
 
 
Sob a alegação de combater fraudes em benefícios previdenciários, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória, a MP 871/2019, alterando regras de concessão de pensão por morte, auxílio-reclusão e aposentadoria rural. A estimativa do governo é economizar R$ 9,8 bilhões apenas no primeiro ano de vigência da medida. Na prática, a MP vai inviabilizar o acesso aos direitos previdenciários de milhões de trabalhadores rurais, penalizando aqueles que mais precisam da Previdência.

O trabalhador rural considerado segurado especial pela Previdência é aquele que trabalha no regime de economia familiar em pequena propriedade (de até 4 módulos fiscais). A MP determina que não serão mais aceitas as declarações dos sindicatos rurais como prova dessa atividade rural. Também deixarão de ter validade as declarações de colônias de pescadores.

Por enquanto, a autodeclaração do segurado especial será válida, mas apenas se ratificada por entidades credenciadas no Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER), ligado ao Ministério da Agricultura, ou por outros órgãos públicos. A partir de 2020, somente serão aceitas as informações registradas junto ao Ministério da Economia, por meio de um cadastro próprio vinculado ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Esta será a única forma de comprovar o tempo de trabalho rural sem contribuição.

Se a malfadada medida provisória não for rejeitada ou, no mínimo, alterada – e a regra que penaliza os segurados especiais for mantida – a partir de janeiro de 2020 haverá a exclusão da maioria dos pequenos produtores rurais do acesso à proteção previdenciária. Tomando como exemplo o número de segurados especiais cadastrados no CNIS-Rural, que não alcança 10% do montante total, constataremos que os poucos cadastros existentes foram realizados pelos sindicatos que representam os trabalhadores rurais, mediante acordo de cooperação técnica firmado com o INSS para esta finalidade específica.

É bom lembrar que nos pequenos municípios do país, mesmo nos órgãos públicos, não há estrutura organizada para comportar a alimentação desse sistema, atendendo os segurados especiais em sua integralidade. Muitos dos órgãos e instituições vinculadas à União e aos Estados sequer estão presentes em todos os municípios. Nos próprios municípios, sobra carência de recursos financeiros e humanos para a realização do atendimento à população,

Preocupado com esta situação, e em consonância com o que defende a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), apresentei 13 emendas à MP 871 propondo a manutenção dos acordos de cooperação com as entidades sindicais. Defendo que os sindicatos continuem com a incumbência de ratificar a autodeclaração do segurado sobre sua condição de segurado especial e o exercício da atividade rural. Esse trabalho dos sindicatos, ao contrário do que talvez possa especular o governo por meio da medida provisória, contribui de forma significativa para evitar fraudes na Previdência.

Entre as emendas que propus, uma delas adia para janeiro de 2029 a decisão de o CNIS Rural ser usado como prova exclusiva. Também mantém os acordos de cooperação com os sindicatos e colônias de pescadores. Outra mantém o prazo quinquenal para o requerimento do salário-maternidade.

Também emendei a MP para estabelecer que o INSS deve firmar acordo de cooperação com sindicatos para atendimento dos segurados, além de impedir que o governo firme acordo de cooperação com instituições financeiras para este mesmo objetivo. Trabalharei em conjunto com a bancada do PT e outras forças progressivas no Congresso para evitar que esta desumanidade seja efetivada contra os trabalhadores rurais.

Jean Paul Prates é economista e advogado, e senador pelo PT do Rio Grande do Norte