sábado, 31 de janeiro de 2015

Sou Syriza, e não é de hoje.

Sou Syriza, e não é de hoje

Luciana Genro

A vitória do Syriza tem uma importância enorme, não só para os gregos e europeus, mas para nós, brasileiros. A Grécia foi o laboratório mais recente de uma velha receita: diante da crise, austeridade. A ideia de um governo austero pode agradar os mais desavisados. Mas a Grécia nos ensina que a austeridade pregada pela Troika, pelos mercados, pela grande mídia, significa ataques aos direitos do povo.

Na Grécia estes ataques foram radicais: cortes nominais nos salários e aposentadorias, demissões em massa de servidores públicos, privatizações, cortes nos gastos sociais. A Grécia seguiu fielmente a receita exigida pelos mercados. Aliás, entregou aos mercados o comando da Nação. O resultado foi que 1 em cada 4 gregos está desempregado, 50% da população vive na pobreza, 60% da juventude está desempregada.

As primeiras medidas tomadas pelo governo Tsipras vieram no sentido oposto às pregações por austeridade: fim das privatizações, aumento do salário mínimo, energia gratuita para 300 mil lares, readmissão de funcionários demitidos. Além disso, vai lutar pelo cancelamento de 50% da dívida grega e pela suspensão do pagamento da outra parte até que o país volte a crescer. Quanta diferença em relação ao PT!

Aqui no Brasil não vivemos uma situação tão dramática como a da Grécia. No entanto, é sabido que a crise vai se agravar nos próximos meses. A resposta que o governo Dilma dá a esta situação é a mesma, guardadas as proporções do tamanho da crise, que o governo do PASOK (socialdemocracia) e depois o da Nova Democracia (centro direita) deram ao problema grego, isto é, a dita austeridade e a submissão às vontades do mercado financeiro.  Com uma cara de pau impressionante a presidenta  Dilma afirma que não vai mexer nos direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que anuncia restrições no acesso ao seguro-desemprego, justamente em um ano que, todos sabem, vai aumentar o desemprego. Ela também adotou o lema “Brasil Pátria Educadora” e ao mesmo tempo o Ministério da Educação foi o maior atingido pelos cortes anunciados: R$ 7 bilhões de um total de R$ 22,7 bi cortados do orçamento.  Vivemos um momento de desmoralização da eleição de Dilma. Parece que foi tudo uma encenação de mau gosto para enganar o povo. O recado de junho de 2013 realmente não foi ouvido pelas elites políticas!

Os jornais anunciam que o Brasil teve déficit nas suas contas pela primeira vez desde 1997 reforçando a ideia de que temos que cortar gastos. Insistem também em divulgar que a dívida pública federal fechou o ano em R$ 2,29 trilhões, com uma alta de 8,15% no ano. Mas não explicam as verdadeiras razões desta situação. Para onde foi este dinheiro? Por acaso o povo brasileiro está usufruindo de ótimas instalações de saúde? A educação está uma maravilha? O transporte público melhorou? Os servidores públicos estão ganhando muito bem? Não, nada disso. Tudo está ruim e, com a dita austeridade, vai piorar. O clamor por austeridade ignora a situação do povo, com desemprego crônico, baixos salários e serviços públicos degradados.

O que pode vir por aí está na nossa cara. É só olhar para a Grécia, Espanha, Portugal, Itália. Não é casual que nestes países crescem as alternativas aos partidos do sistema. O Podemos na Espanha pode ser o próximo a derrotar a velha política.

Para defender a austeridade sempre dizem que “não há almoço grátis”. É verdade, para o povo não há. O que é distribuído em tempos de bonança econômica é rapidamente retirado nos momentos de crise. Mas tem gente almoçando, jantando e se empanturrando de graça sim. É para eles que está indo o grosso do dinheiro que aumenta a dívida e o déficit. Para exemplificar, o Bradesco lucrou R$ 15 bilhões em 2014, um salto de 25,6% em relação a 2013! E o Banco Central prevê novas altas de juros, que já está em 12,25% ao ano.

O mercado de "private banking" brasileiro caminha para alcançar R$ 1 trilhão em 2016, pois a previsão é de que quase 500 mil novos milionários entrem no mercado até lá, elevando o total de 319 mil para 815 mil em quatro anos. Nas estimativas do banco Credit Suisse, o Brasil terá uma das maiores taxas de crescimento de milionários do mundo no período, com 155% de aumento.

A austeridade não atinge os bancos e os milionários. Nem passa pela cabeça do austero Joaquim Levy diminuir a taxa de juros para estancar a sangria de recursos para pagamento da dívida, muito menos realizar a auditoria demandada na Constituição de 1988. Causou arrepios a todos os defensores da austeridade a proposta que defendi na campanha eleitoral de regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas ou acabar com os privilégios tributários dos bancos e especuladores. A casta parasitária, que nada produz e só vive dos ganhos financeiros, não perde a oportunidade de defender o arrocho, mas não quer nem discutir a hipótese de taxar os milionários e atingir a cleptocracia dos banqueiros e seus aliados: os políticos do sistema e os grandes meios de comunicação que reproduzem, sem contraponto, o discurso dos mercados. 

Me chamam de radical. Pois sou mesmo. Quero ir à raiz dos problemas, às suas causas. Sou Syriza, e não é de hoje.