Luciana Genro
A vitória do Syriza tem uma importância enorme, não só para os gregos e
europeus, mas para nós, brasileiros. A Grécia foi o laboratório mais recente de
uma velha receita: diante da crise, austeridade. A ideia de um governo austero
pode agradar os mais desavisados. Mas a Grécia nos ensina que a austeridade
pregada pela Troika, pelos mercados, pela grande mídia, significa ataques aos
direitos do povo.
Na Grécia estes ataques foram radicais: cortes nominais nos salários e
aposentadorias, demissões em massa de servidores públicos, privatizações,
cortes nos gastos sociais. A Grécia seguiu fielmente a receita exigida pelos
mercados. Aliás, entregou aos mercados o comando da Nação. O resultado foi que
1 em cada 4 gregos está desempregado, 50% da população vive na pobreza, 60% da
juventude está desempregada.
As primeiras medidas tomadas pelo governo Tsipras vieram no sentido
oposto às pregações por austeridade: fim das privatizações, aumento do salário
mínimo, energia gratuita para 300 mil lares, readmissão de funcionários
demitidos. Além disso, vai lutar pelo cancelamento de 50% da dívida grega e
pela suspensão do pagamento da outra parte até que o país volte a crescer.
Quanta diferença em relação ao PT!
Aqui no Brasil não vivemos uma situação tão dramática como a da Grécia.
No entanto, é sabido que a crise vai se agravar nos próximos meses. A resposta
que o governo Dilma dá a esta situação é a mesma, guardadas as proporções do
tamanho da crise, que o governo do PASOK (socialdemocracia) e depois o da Nova
Democracia (centro direita) deram ao problema grego, isto é, a dita austeridade
e a submissão às vontades do mercado financeiro. Com uma cara de pau impressionante a
presidenta Dilma afirma que não vai
mexer nos direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que anuncia restrições no
acesso ao seguro-desemprego, justamente em um ano que, todos sabem, vai
aumentar o desemprego. Ela também adotou o lema “Brasil Pátria Educadora” e ao
mesmo tempo o Ministério da Educação foi o maior atingido pelos cortes
anunciados: R$ 7 bilhões de um total de R$ 22,7 bi cortados do orçamento. Vivemos um momento de desmoralização da
eleição de Dilma. Parece que foi tudo uma encenação de mau gosto para enganar o
povo. O recado de junho de 2013 realmente não foi ouvido pelas elites
políticas!
Os jornais anunciam que o Brasil teve déficit nas suas contas pela
primeira vez desde 1997 reforçando a ideia de que temos que cortar gastos.
Insistem também em divulgar que a dívida pública federal fechou o ano em R$ 2,29
trilhões, com uma alta de 8,15% no ano. Mas não explicam as verdadeiras razões
desta situação. Para onde foi este dinheiro? Por acaso o povo brasileiro está
usufruindo de ótimas instalações de saúde? A educação está uma maravilha? O
transporte público melhorou? Os servidores públicos estão ganhando muito bem?
Não, nada disso. Tudo está ruim e, com a dita austeridade, vai piorar. O clamor
por austeridade ignora a situação do povo, com desemprego crônico, baixos
salários e serviços públicos degradados.
O que pode vir por aí está na nossa cara. É só olhar para a Grécia,
Espanha, Portugal, Itália. Não é casual que nestes países crescem as
alternativas aos partidos do sistema. O Podemos na Espanha pode ser o próximo a
derrotar a velha política.
Para defender a austeridade sempre dizem que “não há almoço grátis”. É
verdade, para o povo não há. O que é distribuído em tempos de bonança econômica
é rapidamente retirado nos momentos de crise. Mas tem gente almoçando, jantando
e se empanturrando de graça sim. É para eles que está indo o grosso do dinheiro
que aumenta a dívida e o déficit. Para exemplificar, o Bradesco lucrou R$ 15
bilhões em 2014, um salto de 25,6% em relação a 2013! E o Banco Central prevê
novas altas de juros, que já está em 12,25% ao ano.
O mercado de "private banking" brasileiro caminha para
alcançar R$ 1 trilhão em 2016, pois a previsão é de que quase 500 mil novos
milionários entrem no mercado até lá, elevando o total de 319 mil para 815 mil
em quatro anos. Nas estimativas do banco Credit Suisse, o Brasil terá uma das
maiores taxas de crescimento de milionários do mundo no período, com 155% de
aumento.
A austeridade não atinge os bancos e os milionários. Nem passa pela
cabeça do austero Joaquim Levy diminuir a taxa de juros para estancar a sangria
de recursos para pagamento da dívida, muito menos realizar a auditoria
demandada na Constituição de 1988. Causou arrepios a todos os defensores da
austeridade a proposta que defendi na campanha eleitoral de regulamentar o
Imposto sobre Grandes Fortunas ou acabar com os privilégios tributários dos
bancos e especuladores. A casta parasitária, que nada produz e só vive dos
ganhos financeiros, não perde a oportunidade de defender o arrocho, mas não
quer nem discutir a hipótese de taxar os milionários e atingir a cleptocracia
dos banqueiros e seus aliados: os políticos do sistema e os grandes meios de
comunicação que reproduzem, sem contraponto, o discurso dos mercados.
Me chamam de radical. Pois sou mesmo. Quero ir à raiz dos problemas, às
suas causas. Sou Syriza, e não é de hoje.
www.cartamaior.com.br
31/012015