sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os 35 melhores filmes para pessoas inteligentes

Diário Liberdade lista os 35 melhores filmes da esquerda na história

306
*Dica do Emir Sader, em sua página no Facebook.
Por António Santos para o Diário Liberdade
Assine a Fórum por 1 ano e ganhe as cinco últimas edições. Veja mais aqui.
Cinema e socialismo foram colegas de escola no princípio do século XX. Às vezes juntos, cresceram, apaixonaram-se, magoaram-se, desiludiram-se e continuaram a aprender.
Esta lista, inevitavelmente incompleta e truncada de injustiças, resgata da História do Cinema as melhores e mais belas encarnações dos ideais da esquerda.
35º Capitalismo, uma História de Amor (Capitalism, a Love Story)
País: Estados Unidos da América
Ano: 2009
Realizador: Michael Moore
Esta história de amor é o retrato da crise do capitalismo a partir do seu próprio berço. De Michael Moore, também poderíamos incluir Sicko ou Bowling for Columbine, mas Capitalismo corresponde ao zénite da evolução ideológica do realizador norte-americano, não acabasse o filme ao som da Internacional. Mas sobretudo, o documentário perfaz a lista pelos relatos dramáticos dos trabalhadores que pagam na pele o preço do amor dos EUA pelo capitalismo.
34º As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath)
País: Estados Unidos da América
Ano: 1940
Realizador: John Ford
O clássico de Steinbeck encontra uma justa homenagem nesta adaptação de John Ford. As Vinhas da Ira conta a história de uma família de camponeses que, expulsa pelos latifundiários das terras onde viviam e trabalhavam, é forçada a uma longa viagem rumo à Califórnia em busca de trabalho. Pelo caminho, encontram a fome e a discriminação, mas também a solidariedade, a consciência de classe e a dignidade.
33º Sambizanga
País: Angola
Ano: 1973
Realizador: Sarah Maldoror
Sambizanga arruma com o mito do “brando colonialismo português” numa clara e inequívoca afirmação da estética e cultura africanas. Domingos, militante do MPLA, é sequestrado pela PIDE e torturado durante vários dias. Entretanto, a sua família procura-o desesperadamente entre o desespero do povo angolano. Filmado no Congo com guerrilheiros do MPLA e do PAIGC na maioria dos papéis e baseado na obra de José Luandino Vieira, Sambizanga é um dos mais poderosos filmes anti-coloniais de todo o continente africano.
32º Clube de Combate (Fight Club)
País: Estados Unidos da América
Ano: 1999
Realizador: David Fincher
Quando o capitalismo não nos mata de fome, mata-nos de aborrecimento. O Narrador, magnificamente interpretado por Edward Norton, consome-se entre catálogos IKEA e a voragem da rotina. Alienado do seu próprio trabalho, da sociedade e de si próprio, conhece Tyler Durden um perigoso maníaco que pretender explodir o mundo financeiro.
Muita tinta já correu sobre o Clube de Combate, que tal como o livro homónimo, já foi acusado de proto-fascista, sexista e niilista. Mas como dizia Saramago, todas as histórias se podem contar de outra maneira.
31º Doutor Estranhoamor (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb)
País: Estados Unidos da América
Ano: 1964
Realizador: Stanley Kubrick
Poucas etiquetas políticas cabem na lapela de Kubrick mas Doutor Estranhoamor é em si mesmo, um manifesto político. Rodada no auge da guerra fria, quando a sombra de um holocausto nuclear pairava sobre as cabeças de toda a humanidade, esta sátira expõe ao ridículo a lógica anti-comunista da América do senador McCarthy. Curiosamente, 50 anos mais tarde, os EUA estão de novo no centro de uma escalada de provocações nucleares. A única diferença, é que ainda não acusaram os coreanos de querer envenenar o abastecimento de água dos EUA.
30º Machuca
País: Chile
Ano: 2004
Realizador: Andrés Wood
Chile, 1973. Dois rapazes são unidos pela amizade e separados pelas classes sociais. Este é um filme sobre a adolescência, com toda a esperança e violência que ela comporta e, por isso mesmo, a melhor lente sobre a História recente do Chile. Mas Machuca é muito mais do que uma rara janela para a experiência socialista de Allende e uma crítica à podridão da burguesia que engendrou Pinochet. É por direito, um dos melhores filmes chilenos alguma vez produzidos.
29º Inside Job – A Verdade da Crise (Inside Job)
País: Estados Unidos da América
Ano: 2010
Realizador: Charles Ferguson
Inside Job – A Verdade da Crise, obra prima de Ferguson, é um documentário que todos deveríamos ver. Num momento em que os desejos e caprichos do Deus-Mercado são cada vez mais descritos como insondáveis e ininteligíveis pelos comuns mortais, este filme explica as origens da crise capitalista que hoje vivemos de uma forma brilhante. Ferguson entrevista os maiores responsáveis directos pela crise, encosta-os à parede e faz o nosso sangue ferver.
28º A Batalha do Chile (La Batalla de Chile)
País: Chile
Ano: 1978-1980
Realizador: Patricio Guzmán
A Batalha do Chile é justamente considerado o melhor documentário latino-americano de todos os tempos. Justamente. No total, são quatro horas e meia de História com H grande, centrada na luta dos trabalhadores, nas conquistas da sua revolução e na resistência ao fascismo. Mas nenhuma das três partes que compõem A Batalha do Chile são filmes de arquivo: tudo foi filmado no momento e no local. O operador de câmara Jorge Müller Silva foi sequestrado pela polícia de Pinochet durante as filmagens e é um dos 3000 chilenos que continuam desaparecidos.
27º Norma Rae
País: Estados Unidos da América
Ano: 1979
Realizador: Martin Ritt
Tal como todos na sua família e nesta pequena cidade da Carolina do Norte, Norma Rae (uma impecável Sally Field) trabalha na fábrica de algodão. Recebe o salário mínimo e parece condenada a aceitar todas as condições que o patrão lhe impõe. Até que um dia, chega Reuben Warshowsky (Ron Leibman), um sindicalista decidido a organizar os trabalhadores da fábrica. Baseado em factos reais, Norma Rae é uma homenagem despretensiosa à operária americana como ela é e à luta que tem em comum com os trabalhadores do mundo.
26º Cinco Dias, Cinco Noites
País: Portugal
Ano: 1996
Realizador: José Fonseca e Costa
José Fonseca e Costa consagrou-se neste filme como um dos mais competentes realizadores portugueses. Cinco Dias, Cinco Noites é uma espantosa e fidedigna viagem ao Portugal dos anos 40. Conta a viagem de um preso político evadido que procura cruzar a fronteira com a ajuda de um intratável “passador”. A antipatia entre os dois homens dá lugar a uma bela amizade nesta excelente adaptação ao cinema do romance homónimo de Manuel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal.
25º O Fim de São Petersburgo (Конец Санкт-Петербурга)
País: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1927
Realizador: Vsevolod Pudovkin
Um camponês desempregado chega a São Petersburgo à procura de trabalho. Sem querer, acaba por denunciar um velho amigo à polícia, que o envia para a frente de batalha da I Guerra Mundial. O Fim de São Petersburgo é poesia celuloide em estado puro, 80 minutos de beleza intensa e golpes poderosos. É o irmão gémeo do famoso Outubro de Eisenstein mas ao contrário deste, que se centra nas massas, Pudovkin dedica-se ao indivíduo e à sua importância na revolução, sem nunca no entanto o demitir da sociedade, da sua classe e do seu partido.
24º Os Edukadores (Die Fetten Jahre sind Vorbe)
País: Alemanha e Áustria
Ano: 2004
Realizador: Hans Weingartner
Uma estudante universitária tem um pequeno acidente de carro. Até aqui tudo bem. Acontece que não tinha seguro. Menos bem. E a isto acresce que o tipo do carro da frente, não é nem mais nem menos que um dos maiores bilionários do país e que os danos provocados valem dezenas de milhares de euros. Condenada em tribunal a pagá-los por inteiro, a jovem é forçada a deixar os estudos e a aceitar empregos precários por salários de miséria. Mas quando não se tem nada, também não se tem nada a perder. Os Edukadores correspondem o terror dos capitalistas na mesma medida. Como? A) Entrar furtivamente nas mansões dos ricos B) Criar pirâmides com toda a mobília e alterar toda a configuração da casa. C) Deixar uma nota: “Os vossos dias de abastança acabaram”.
23º Os Santos Inocentes (Los Santos Inocentes)
País: Espanha
Ano: 1984
Realizador: Mario Camus
Ver Os Santos Inocentes é como entrar num museu cheio de Goyas. As cenas lúgubres, cinzentas e magistralmente bem compostas podem-nos fazer duvidar do século em que o filme tem lugar, mas esta família espanhola sobrevive sem água nem electricidade nos vizinhos anos 60. O arcaísmo do latifúndio como ele é: um sistema medieval onde os caprichos dos senhores valem mais que a vida dos camponese.; Mas até nesta enorme prisão a céu aberto que reduz mulheres e homens a cães de caça (literalmente), todas as criaturas têm um limite.
22º Queimada
País: Itália
Ano: 1969
Realizador: Gillo Pontecorvo
Um provocador inglês enviado à ilha fictícia de Queimada para incitar uma revolta de escravos contra o colonialismo português. Os ingleses servem-se dos sentimentos independentistas dos escravos para se apropriarem eles próprios do comércio do açúcar, mas a revolta dos escravos ganha pernas próprias e prova-se difícil de controlar. Marlon Brando é irrepreensível no papel de William Walker, um cínico mercenário inglês que compreende demasiado bem a lógica do lucro e a desumanidade do colonialismo para lhes ser indiferente.
21º Matewan
País: Estados Unidos da América
Ano: 1987
Realizador: John Sayles
Este filme é uma refrescante surpresa de Hollywood, que com um elenco salpicado de estrelas (Chris Cooper, James Earl Jones, Mary McDonnell, etc.) e numa linguagem típica dos blockbusters, narra a Batalha de Matewan, na Virgína Ocidental, com acuidade histórica e destemido comprometimento político. O argumento centra-se na chegada de Joe Kenehan, sindicalista e comunista à pequena comunidade mineira de Matewan, onde se dará uma batalha de classes pela dignidade contra o racismo, o capitalismo e a exploração do homem pelo homem.
20º Também a Chuva (También la Lluvia)
País: Espanha, México, Bolívia e França
Ano: 2010
Realizador: Icíar Bollaín
Um dos filmes mais inteligentes dos últimos anos, cheio de subtilezas e resultado da colaboração de pesos pesados da sétima arte como o guionista Paul Laverty e os actores Gael García Bernal e Luis Tosar. Com apurada sensibilidade, Icíar Bollaín apresenta-nos uma equipa de rodagem espanhola que ruma à Bolívia para, ao mais baixo preço, filmar um documentário sobre a chegada de Cristóvão Colombo à América. Paulatinamente, o guião do documentário, que narra a história do genocídio e resistência dos indígenas, inspira e reflecte uma luta de vida ou morte contra a privatização da água, em que os índigenas contratados como extras se decidem a ser, de uma vez por todas, protagonistas da sua própria História. Uma bela história, sobre um povo ajoelhado que aprende a caminhar.
19º Os Diários de Motocicleta (Diarios de motocicleta)
País: Argentina, Chile, EUA, Peru, França. Alemanha e Reino Unido
Ano: 1969
Realizador: Walter Salles
Baseado nos diários do Guerilheiro Heroico, este filme biográfico consegue a proeza rara de contar a travessia trans-americana do jovem Ernesto de acordo com a máxima do mesmo: duramente, mas sem perder a ternura. Produção internacional de uma rara beleza, Os Diários de Motocicleta mostram uma América explorada e ajoelhada, mas igualmente o profundo amor dos comunistas à humanidade, ao ponto de morrer por ela e também de nos fazer chorar.
18º A Greve (Стачка)
País: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1925
Realizador: Sergei M. Eisenstein
A primeira longa-metragem de Eisenstein faz os filmes mudos coevos parecerem anémicos. A Greve é uma obra de arte tão original como arriscada, que define já a finura de Eisenstein e, por corolário lógico, a genética do cinema moderno. Ao contrário de muitos outros filmes mudos da época, os actores não precisam de exagerar as expressões faciais para compensar com histrionismo a incapacidade de falar. Eisentein consegue tudo por todos os meios. Através de colagens, ângulos de câmara loucos, rápidas sequências entrecortadas e efeitos especiais, ficamos a conhecer a miséria dos operários russos, as suas reivindicações, a sua corajosa luta e, por fim, a sua brutal supressão.
17º A Melhor Juventude (La meglio gioventù)
País: Itália
Ano: 2003
Realizador: Marco Tullio Giordana
Seis horas de filme não é brincadeira. Mas em A Melhor Juventude não há nem um minuto em excesso e o resultado final prima pelo brilhante exercício de economia. É que Giordanna está a contar-nos a história de um grupo de amigos ao longo de 50 anos e qualquer grupo de amigos a sério tem muito que contar. As actuações são brilhantes e o argumento é tocante. Mas o que mais sobressai, é a honestidade com que se aborda a história recente de Itália, das lutas dos estudantes universitários às Brigadas Vermelhas até à diluição dos ideais socialistas. Um filme que todos deveriam conhecer.
16º Che
País: Espanha, França, EUA
Ano: 2008
Realizador: Steven Soderbergh
O Che dizia que numa revolução, se for verdadeira, ou se triunfa ou se morre. As duas partes deste filme revelam a crueza da guerra revolucionária, para lá de quaisquer fantasias esquerdistas. Benicio del Toro converte-se em Guevara com tanta arte que nada nas suas palavras, nos seus trejeitos ou mesmo na sua aparência física o denuncia. Che é uma sublime e original lição de humanidade, que salpica com generosidade e comunismo os mais ínfimos detalhes de uma guerra tão sangrenta e brutal como cada vez mais necessária.
15º Estado de Sítio (État de Siège)
País: França e Itália
Ano: 1972
Realizador: Costa-Gavras
Costa-Gavras foi um dos realizadores mais politicamente comprometidos do século passado. E também um dos melhores. Em Estado de Sítio, o génio grego explora as brutais consequências do imperialismo norte-americano nos regimes sul-americanos. Com Yves Montand e Renato Salvatori nos papéis principais, o filme segue o grupo de guerrilha urbana durante o sequestro e interrogatório de um dirigente da CIA. Baseado no sequestro de Dan Mitrioni pelos Tupamaros uruguaios, Estado de Sítio foi apedrejado pelos críticos de cinema dos EUA que o acusaram de propagandear mentiras sobre o envolvimento dos EUA na promoção de ditaduras na América do Sul. Um ano mais tarde, a CIA oferecia o Chile para abate a Pinochet.
14º Brisa de Mudança (The Wind that Shakes the Barley)
País: Irlanda, Reino Unido, Alemanha, Itália, Espanha, França, Bélgica e Suíça
Ano: 2006
Realizador: Ken Loach
Da Irlanda à Colômbia, passando pelo País Basco ou pelo Vietname, há um sentimento que predispõe povos pacíficos a se levantarem em armas para matarem os seus irmãos. É do antiquíssimo sentimento de humilhação que trata este filme. É pesado, triste e duro de se ver, mas indispensável para quem pretender compreender a luta dos irlandeses pela liberdade. Com trabalhos de fotografia e direcção de primeira classe, Ken Loach traz-nos aos anos vinte do século XX irlandês, para conhecer o trágico percurso de dois irmãos no IRA.

13º Apocalyspe Now
País: Estados Unidos da América
Ano: 1979
Realizador: Francis Ford Coppola
Um dos clássicos do cinema americano e provavelmente a melhor adaptação ao cinema de qualquer livro. Baseado no Coração das Trevas de Joseph Conrad, Apocalypse Now substitui o colonialismo belga no Congo pelo imperialismo norte-americano no Vietname, denunciando a monstruosidade da guerra e a desumanização dos soldados. Fotografado com a mestria de Coppola, Apocalypse Now é uma poderosa metáfora sobre a natureza humana e o mais competente dos ensaios cinematográficos sobre a guerra.
12º Outubro (Октябрь (Десять дней, которые потрясли мир))
País: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1927
Realizador: Sergei M. Eisenstein
Estreado no quadro das comemorações do 10º aniversário da Revolução de Outubro, o filme Outubro é uma revolução em si próprio: a abordagem à teoria da montagem de Eisenstein desconstrói a formalidade narrativa do cinema convencional e introduz a edição e a pós-produção como meios de alcançar a dialética. Esteticamente tão arrojador como o período histórico que retrata, Outubro definiu para sempre o imaginário mundial da revolução socialista russa.

11º Eu Sou Cuba (Soy Cuba)
País: Cuba e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1964
Realizador: Mikhail Kalatozov
Eu sou Cuba é o impensável resultado da colaboração entre um poeta e um realizador soviéticos, e um escritor cubano, que contam a História de Cuba na primeira pessoa. Uma nação arrastada pelos rodapés de historiografias estrangeiras levanta-se do chão e consegue a verdadeira independência. Eu Sou Cuba é inacreditável, uma viagem sideral filmada num preto e branco belissimamente fotografado. Os ângulos de câmara são acrobáticos, os cortes são psicadélicos e a música é autenticamente cubana.

10º Reds
País: Estados Unidos da América
Ano: 1981
Realizador: Warren Beatty
Esta mega-produção de Hollywood entra no décimo lugar da lista pela porta grande da sétima arte. Não sei o que neste filme é mais apaixonante: as inspiradoras actuações de Jack Nicholson, Diane Keaton, Maureen Stapleton e, sobretudo Warren Beatty no papel de John Reed (o jornalista americano que no calor da Revolução de Outubro escreveu “Os Dez Dias que Abalaram o Mundo”)? Ou o brilhante guião que nos transporta aos loucos anos 20, às eternas discussões e contradições da esquerda e ao mais relevante acontecimento histórico do século XX? Ou as adoráveis entrevistas a uns improváveis e brilhantes velhinhos americanos?
9º Às Segundas ao Sol (Los Lunes al Sol)
País: Espanha
Ano: 2002
Realizador: Fernando León de Aranoa
Um monumento à classe operária como ela é e não como nós gostaríamos que ela fosse. A história dos operários navais de Vigo, na Galiza, a quem o capitalismo roubou o trabalho, a vida e a esperança mas nunca a dignidade. Um filme que só não fará chorar os ricos e os corações empedernidos que nos fala das pequenas misérias e prazeres do povo trabalhador: a operária de peixaria que não se consegue libertar do fedor; o imigrante de leste que conta aos amigos que na URSS era cosmonauta; o desempregado de meia-idade que se recusa a aceitar que ninguém lhe dá trabalho por ser velho demais; o antigo operário que lutou, fez greves e manifestações que perdeu e voltaria a fazer tudo outra vez; o cínico que traiu a sua classe por uns trocos. O retrato perfeito de quem sobrevive num eterno domingo.
8º Tempos Modernos (Modern Times)
País: Estados Unidos da América
Ano: 1936
Realizador: Charlie Chaplin
A arte de Charlie Chaplin é agarrar um argumento sem nada de especial e num conjunto de cenas cómicas do mais simples que há e criar uma das obras primas do cinema: uma peça de arte de valor cinematográfico, artístico e histórico transcendente, que ressoa através do tempo e chega aos nossos com a mesma autoridade. O protagonista é um trabalhador que apenas quer levar uma vida honesta e ganhar para o pão, mas por alguma razão, tudo lhe corre mal e essa razão chama-se capitalismo.
7º Horizontes de Glória (Paths of Glory)
País: Estados Unidos da América
Ano: 1957
Realizador: Stanley Kubrick
Horizontes de Glória é talvez a obra cinematográfica que melhor personifica os ideias anti-belicistas da esquerda. A película leva-nos às trincheiras fratricidas da I Guerra Mundial, onde seres humanos são jogados contra a lógica no campo de batalha pelos burocratas da morte. Quando um batalhão se recusa a avançar para uma morte certa, quatro soldados são escolhidos para ser fuzilados como bodes-expiatórios, pondo em marcha um debate marcante sobre o nacionalismo burguês, a autoridade e o valor da vida.

6º O Ódio (La Haine)
País: França
Ano: 1995
Realizador: Mathieu Kassovitz
O Ódio é um murro no estômago. Nesta Paris já não mora Amélie Poulain. Nesta França não há gente bonita a sonhar acordada entre os cafés dos anos sessenta, os jardins renascentistas e os apartamentos Haussmann. O Ódio é uma viagem com os excluídos da sociedade francesa, os que cheiram mal e não gostavam da escola. Não paternaliza nem idealiza, limita-se a seguir e a escutar os embaixadores da racaille, que cometem pequenos crimes, enfrentam os neonazis e o desprezo da sociedade, mantêm alguns dos diálogos mais autênticos do cinema francês e, contra todas as expectativas, sonham.

5º Harlan County, USA
País: Estados Unidos da América
Ano: 1976
Realizador: Barbara Kopple
Como cantam os mineiros no filme, “Dizem que em Harlan County / por lá não há neutrais. / Ou és um sindicalista / ou um arruaceiro para o J. H. Blair. / De que lado estás, rapaz? / De que lado estás?” Este documentário está para os anos setenta como Outubro de Eisenstein está para os anos 20: é um autentico manual de organização de greves e um indescritível testemunho da coragem dos mineiros americanos. Os protagonistas desta luta, especialmente as mulheres, são tão genuínos que reduzem as personagens de qualquer obra de ficção a meras caricaturas. Nunca ouvi falar de quem terminasse o filme com os olhos secos.
4º O Sal da Terra (The Salt of the Earth)
País: Estados Unidos da América
Ano: 1954
Realizador: Herbert J. Biberman
“Como posso começar a minha história que não tem começo? O meu nome é Esperanza, Esperanza Quintero. Sou a mulher de um mineiro. Esta é a nossa casa. A casa não é nossa. Mas as flores… as flores são nossas. Esta é a minha aldeia. Quando eu era uma criança, chamava-se São Marcos. Os “anglos” mudaram o nome para Zinc Town. Zinc Town, Novo México. As nossas raízes neste lugar são profundas. Mais profundas que os pinheiros, mais profundas que a mina”. Assim começa O Sal da Terra, que esteve banido nos Estados Unidos até aos anos 60. Todos os envolvidos na sua produção foram adicionados à infame lista negra do cinema norte-americano; a protagonista foi deportada para o México e o argumentista passou mais de um ano na prisão. Porquê? Porque este filme é perigoso por ser simultaneamente tão belo e tão corajoso. A luta dos mineiros norte-americanos vista de uma perspectiva de classe em que as mulheres e os imigrantes são líderes e iguais.
3º A Batalha de Argel (La battaglia di Algeri)
País: Argélia e Itália
Ano: 1966
Realizador: Gillo Pontecorvo
A Batalha de Argel, banido em dezenas de países e censurado em quase todos. A magnum opus de Pontecorvo não se comociona com o falso humanismo burguês nem cede à vertigem infanto-militarista do esquerdismo. Num corte de direcção geniais e com actores tão hábeis que muitos espectadores acreditaram tratar-se de um documentário, mergulhamos numa das mais sangrentas revoluções da História e somos forçados a colocarmo-nos de um dos lados desta brutal barricada, opção que os oprimidos nunca tiveram. Nenhuma outra narrativa cinematográfica descreve de forma tão vívida e detalhada a revolta dos povos colonizados e as questões que A Batalha de Argel coloca são tão válidas para a Argélia dos anos 50 como para o Afeganistão dos nossos dias.
2º O Couraçado de Potemkin (Броненосец «Потёмкин»)
País: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1925
Realizador: Sergei M. Eisenstein
Aos 88 anos, este filme mudo ainda não perdeu o pio. Pelo contrário, O Couraçado de Potemkin é uma lufada de frescura e ousadia no sapal por onde hoje paira o cinema comercial. A obra-prima de Eisenstein, não é nem mais nem menos que a obra fundadora do cinema moderno, tão bela como inspiradora, tão transgressora formal e esteticamente como revolucionária politicamente. Eisenstein domina a celuloide como Miguel Ângelo domina a pedra ou Matisse domina a cor e consegue levar-nos a cada emoção, a cada surpresa, a cada momento de indignação e solidariedade com tanta subtileza que só nos apercebemos do caminho percorrido chegados ao fim da jornada. Esta é a história verídica dos marinheiros que se recusaram a comer carne podre, porque eram gente. Esta é a história da luta de vida ou morte que se seguiu pela dignidade dos trabalhadores de Odessa, porque também eram gente. Esta é a história do massacre policial que se seguiu e das vozes que não puderam estrangular, porque, como dizia Adriano Correia de Oliveira, ninguém pode vencer um povo que resiste.
1º 1900 (Novecento)
País: Itália, França e Alemanha Ocidental
Ano: 1976
Realizador: Bernardo Bertolucci
1900 é inigualável. Os campos da Emília-Romanha são a tela para a metáfora acabada do que foi o século XX, onde dois rapazes e duas classes sociais crescem e aprendem, separados por interesses inconciliáveis. Cada fotografia deste filme é um quadro repleto de beleza; todas as actuações, de Gérard Depardieu a Robert de Niro, são brilhantes; a música, de Ennio Morricone, é sublime. 1900 fala sobre a génese do fascismo, a vida dos que trabalham e a luta pelo socialismo na linguagem comum de toda a humanidade: o amor, o ódio, a compaixão e a solidariedade.


10 livros para conhecer o Brasil

17/05/2013 8:08 pm
Antonio Cândido indica 10 livros para conhecer o Brasil
Por Antonio Candido*, no blog da Boitempo 
Quando nos pedem para indicar um número muito limitado de livros importantes para conhecer o Brasil, oscilamos entre dois extremos possíveis: de um lado, tentar uma lista dos melhores, os que no consenso geral se situam acima dos demais; de outro lado, indicar os que nos agradam e, por isso, dependem sobretudo do nosso arbítrio e das nossas limitações. Ficarei mais perto da segunda hipótese.
Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós, mesmo no que se refere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que ele possa ter. Depende do momento da vida em que o lemos, do grau do nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe, um compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem sabe muito, um livro importante não passa de chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos fazem afinar com certo autor (e portanto aproveitá-lo ao máximo) e não com outro, independente da valia de ambos.
Por isso, é sempre complicado propor listas reduzidas de leituras fundamentais. Na elaboração da que vou sugerir (a pedido) adotei um critério simples: já que é impossível enumerar todos os livros importantes no caso, e já que as avaliações variam muito, indicarei alguns que abordam pontos a meu ver fundamentais, segundo o meu limitado ângulo de visão. Imagino que esses pontos fundamentais correspondem à curiosidade de um jovem que pretende adquirir boa informação a fim de poder fazer reflexões pertinentes, mas sabendo que se trata de amostra e que, portanto, muita coisa boa fica de fora.
São fundamentais tópicos como os seguintes: os europeus que fundaram o Brasil; os povos que encontraram aqui; os escravos importados sobre os quais recaiu o peso maior do trabalho; o tipo de sociedade que se organizou nos séculos de formação; a natureza da independência que nos separou da metrópole; o funcionamento do regime estabelecido pela independência; o isolamento de muitas populações, geralmente mestiças; o funcionamento da oligarquia republicana; a natureza da burguesia que domina o país. É claro que estes tópicos não esgotam a matéria, e basta enunciar um deles para ver surgirem ao seu lado muitos outros. Mas penso que, tomados no conjunto, servem para dar uma ideia básica.
Entre parênteses: desobedeço o limite de dez obras que me foi proposto para incluir de contrabando mais uma, porque acho indispensável uma introdução geral, que não se concentre em nenhum dos tópicos enumerados acima, mas abranja em síntese todos eles, ou quase. E como introdução geral não vejo nenhum melhor do que O povo brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro, livro trepidante, cheio de ideias originais, que esclarece num estilo movimentado e atraente o objetivo expresso no subtítulo: “A formação e o sentido do Brasil”.
Quanto à caracterização do português, parece-me adequado o clássico Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, análise inspirada e profunda do que se poderia chamar a natureza do brasileiro e da sociedade brasileira a partir da herança portuguesa, indo desde o traçado das cidades e a atitude em face do trabalho até a organização política e o modo de ser. Nele, temos um estudo de transfusão social e cultural, mostrando como o colonizador esteve presente em nosso destino e não esquecendo a transformação que fez do Brasil contemporâneo uma realidade não mais luso-brasileira, mas, como diz ele, “americana”.
Em relação às populações autóctones, ponho de lado qualquer clássico para indicar uma obra recente que me parece exemplar como concepção e execução:História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha e redigida por numerosos especialistas, que nos iniciam no passado remoto por meio da arqueologia, discriminam os grupos linguísticos, mostram o índio ao longo da sua história e em nossos dias, resultando uma introdução sólida e abrangente.
Seria bom se houvesse obra semelhante sobre o negro, e espero que ela apareça quanto antes. Os estudos específicos sobre ele começaram pela etnografia e o folclore, o que é importante, mas limitado. Surgiram depois estudos de valor sobre a escravidão e seus vários aspectos, e só mais recentemente se vem destacando algo essencial: o estudo do negro como agente ativo do processo histórico, inclusive do ângulo da resistência e da rebeldia, ignorado quase sempre pela historiografia tradicional. Nesse tópico resisto à tentação de indicar o clássico O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco, e deixo de lado alguns estudos contemporâneos, para ficar com a síntese penetrante e clara de Kátia de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982), publicado originariamente em francês. Feito para público estrangeiro, é uma excelente visão geral desprovida de aparato erudito, que começa pela raiz africana, passa à escravização e ao tráfico para terminar pelas reações do escravo, desde as tentativas de alforria até a fuga e a rebelião. Naturalmente valeria a pena acrescentar estudos mais especializados, como A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart ou A integração do negro na sociedade de classes (1964), de Florestan Fernandes, que estuda em profundidade a exclusão social e econômica do antigo escravo depois da Abolição, o que constitui um dos maiores dramas da história brasileira e um fator permanente de desequilíbrio em nossa sociedade.
Esses três elementos formadores (português, índio, negro) aparecem inter-relacionados em obras que abordam o tópico seguinte, isto é, quais foram as características da sociedade que eles constituíram no Brasil, sob a liderança absoluta do português. A primeira que indicarei é Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre. O tempo passou (quase setenta anos), as críticas se acumularam, as pesquisas se renovaram e este livro continua vivíssimo, com os seus golpes de gênio e a sua escrita admirável – livre, sem vínculos acadêmicos, inspirada como a de um romance de alto voo. Verdadeiro acontecimento na história da cultura brasileira, ele veio revolucionar a visão predominante, completando a noção de raça (que vinha norteando até então os estudos sobre a nossa sociedade) pela de cultura; mostrando o papel do negro no tecido mais íntimo da vida familiar e do caráter do brasileiro; dissecando o relacionamento das três raças e dando ao fato da mestiçagem uma significação inédita. Cheio de pontos de vista originais, sugeriu entre outras coisas que o Brasil é uma espécie de prefiguração do mundo futuro, que será marcado pela fusão inevitável de raças e culturas.
Sobre o mesmo tópico (a sociedade colonial fundadora) é preciso ler tambémFormação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior, que focaliza a realidade de um ângulo mais econômico do que cultural. É admirável, neste outro clássico, o estudo da expansão demográfica que foi configurando o perfil do território – estudo feito com percepção de geógrafo, que serve de base física para a análise das atividades econômicas (regidas pelo fornecimento de gêneros requeridos pela Europa), sobre as quais Caio Prado Júnior engasta a organização política e social, com articulação muito coerente, que privilegia a dimensão material.
Caracterizada a sociedade colonial, o tema imediato é a independência política, que leva a pensar em dois livros de Oliveira Lima: D. João VI no Brasil (1909) eO movimento da Independência (1922), sendo que o primeiro é das maiores obras da nossa historiografia. No entanto, prefiro indicar um outro, aparentemente fora do assunto: A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim. Nele a independência é de fato o eixo, porque, depois de analisar a brutalidade das classes dominantes, parasitas do trabalho escravo, mostra como elas promoveram a separação política para conservar as coisas como eram e prolongar o seu domínio. Daí (é a maior contribuição do livro) decorre o conservadorismo, marca da política e do pensamento brasileiro, que se multiplica insidiosamente de várias formas e impede a marcha da justiça social. Manuel Bonfim não tinha a envergadura de Oliveira Lima, monarquista e conservador, mas tinha pendores socialistas que lhe permitiram desmascarar o panorama da desigualdade e da opressão no Brasil (e em toda a América Latina).
Instalada a monarquia pelos conservadores, desdobra-se o período imperial, que faz pensar no grande clássico de Joaquim Nabuco: Um estadista do Império(1897). No entanto, este livro gira demais em torno de um só personagem, o pai do autor, de maneira que prefiro indicar outro que tem inclusive a vantagem de traçar o caminho que levou à mudança de regime: Do Império à República(1972), de Sérgio Buarque de Holanda, volume que faz parte da História geral da civilização brasileira, dirigida por ele. Abrangendo a fase 1868-1889, expõe o funcionamento da administração e da vida política, com os dilemas do poder e a natureza peculiar do parlamentarismo brasileiro, regido pela figura-chave de Pedro II.
A seguir, abre-se ante o leitor o período republicano, que tem sido estudado sob diversos aspectos, tornando mais difícil a escolha restrita. Mas penso que três livros são importantes no caso, inclusive como ponto de partida para alargar as leituras.
Um tópico de grande relevo é o isolamento geográfico e cultural que segregava boa parte das populações sertanejas, separando-as da civilização urbana ao ponto de se poder falar em “dois Brasis”, quase alheios um ao outro. As consequências podiam ser dramáticas, traduzindo-se em exclusão econômico-social, com agravamento da miséria, podendo gerar a violência e o conflito. O estudo dessa situação lamentável foi feito a propósito do extermínio do arraial de Canudos por Euclides da Cunha n’Os sertões (1902), livro que se impôs desde a publicação e revelou ao homem das cidades um Brasil desconhecido, que Euclides tornou presente à consciência do leitor graças à ênfase do seu estilo e à imaginação ardente com que acentuou os traços da realidade, lendo-a, por assim dizer, na craveira da tragédia. Misturando observação e indignação social, ele deu um exemplo duradouro de estudo que não evita as avaliações morais e abre caminho para as reivindicações políticas.
Da Proclamação da República até 1930 nas zonas adiantadas, e praticamente até hoje em algumas mais distantes, reinou a oligarquia dos proprietários rurais, assentada sobre a manipulação da política municipal de acordo com as diretrizes de um governo feito para atender aos seus interesses. A velha hipertrofia da ordem privada, de origem colonial, pesava sobre a esfera do interesse coletivo, definindo uma sociedade de privilégio e favor que tinha expressão nítida na atuação dos chefes políticos locais, os “coronéis”. Um livro que se recomenda por estudar esse estado de coisas (inclusive analisando o lado positivo da atuação dos líderes municipais, à luz do que era possível no estado do país) éCoronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal, análise e interpretação muito segura dos mecanismos políticos da chamada República Velha (1889-1930).
O último tópico é decisivo para nós, hoje em dia, porque se refere à modernização do Brasil, mediante a transferência de liderança da oligarquia de base rural para a burguesia de base industrial, o que corresponde à industrialização e tem como eixo a Revolução de 1930. A partir desta viu-se o operariado assumir a iniciativa política em ritmo cada vez mais intenso (embora tutelado em grande parte pelo governo) e o empresário vir a primeiro plano, mas de modo especial, porque a sua ação se misturou à mentalidade e às práticas da oligarquia. A bibliografia a respeito é vasta e engloba o problema do populismo como mecanismo de ajustamento entre arcaísmo e modernidade. Mas já que é preciso fazer uma escolha, opto pelo livro fundamental de Florestan Fernandes,A revolução burguesa no Brasil (1974). É uma obra de escrita densa e raciocínio cerrado, construída sobre o cruzamento da dimensão histórica com os tipos sociais, para caracterizar uma nova modalidade de liderança econômica e política.
Chegando aqui, verifico que essas sugestões sofrem a limitação das minhas limitações. E verifico, sobretudo, a ausência grave de um tópico: o imigrante. De fato, dei atenção aos três elementos formadores (português, índio, negro), mas não mencionei esse grande elemento transformador, responsável em grande parte pela inflexão que Sérgio Buarque de Holanda denominou “americana” da nossa história contemporânea. Mas não conheço obra geral sobre o assunto, se é que existe, e não as há sobre todos os contingentes. Seria possível mencionar, quanto a dois deles, A aculturação dos alemães no Brasil (1946), de Emílio Willems; Italianos no Brasil (1959), de Franco Cenni, ou Do outro lado do Atlântico (1989), de Ângelo Trento – mas isso ultrapassaria o limite que me foi dado.
No fim de tudo, fica o remorso, não apenas por ter excluído entre os autores do passado Oliveira Viana, Alcântara Machado, Fernando de Azevedo, Nestor Duarte e outros, mas também por não ter podido mencionar gente mais nova, como Raimundo Faoro, Celso Furtado, Fernando Novais, José Murilo de Carvalho, Evaldo Cabral de Melo etc. etc. etc. etc.
* Artigo publicado na edição 41 da revista Teoria e Debate – em 30/09/2000
Antonio Candido é sociólogo, crítico literário e ensaísta.