sexta-feira, 27 de setembro de 2013

E se fosse a Rússia (ou o Irã) que espionasse o Brasil?

E se fosse a Rússia (ou o Irã) que espionasse o Brasil?
 
publicado em 25 de setembro de 2013  Viomundo
 
Os presidentes do Irã, Hassan-Rohani, e da Rússia, Vladimir Putin
 
por Washington Araújo, do blog Cidadão do Mundo
 
Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos fundamentais dos cidadãos de outro país. Sem respeito à soberania, não há base para o relacionamento entre as nações (Dilma Roussef, abrindo a 68ª Assembléia Geral das Nações Unidas, em 24/9/2013).
‘Dois pesos e duas medidas’ – expressão geralmente usada para denunciar injustiça patente, evidente, clamorosa, é máxima recorrente para identificar julgamento parcial, faccioso, eivado de segundas e terceiras intenções, quando o bem maior a ser protegido passa a ser o interesse particular em detrimento ao interesse coletivo.
 Mas, nos dias atuais, a expressão cai como luva para certo tipo de jornalismo.
O jornalismo que manda às favas a busca da verdade, que tem partido, ideologia, interesses econômico-financeiros. O jornalismo que abdica de sua função de bem informar, de ouvir o outro lado, de conferir as fontes e as informações, de distinguir entre fatos e versões, entre evidências e meras suposições.
É o jornalismo que prefere encampar como recurso procedimental a teoria do domínio do fato. Teoria em que as intenções pesam mais que as ações realizadas, verificáveis, constatáveis. Em grande medida, o jornalismo brasileiro nos dias que correm.
Façamos breve exercício mental sobre o enfoque jornalístico de temas muito atuais que vez por outra tomam de assalto as capas da revistas semanais, as capas dos jornais diários, a escalada dos telejornais mais tradicionais e de maior audiência aferível:
A espionagem orquestrada e executada pelo governo dos Estados Unidos em solo brasileiro e tendo como alvos nada menos que a Presidenta da República e a sua mais importante empresa, a Petrobras, isto para circunscrevermos apenas dois dos mais vistosos e importantes alvos, seria razoável supor que muitas outras autoridades, personalidades estão sendo alvos de espionagem de Washington.
Não estaria sendo espionado o Ministério da Defesa?
Vejamos, é ele que coordena a megalicitação para aquisição de 36 caças para reequipar a Força Aérea brasileira, negócio exuberante que ultrapassa os US$ 15 bilhões e, com um detalhe, concorrendo com a Boeing dos Estados Unidos, encontram-se o Rafale da França e o Gripen NG, da sueca Saab. Outro detalhe, a concorrência se arrasta já há mais de uma década.
Não estaria sendo espionado o Ministério das Minas e Energia?
Vejamos, é ele que coordena, estuda e discute políticas de governo para a extração do petróleo no pré-sal, significando para especialistas em energia novo Eldorado mundial fornecedor de petróleo. Seria deixado de fora da bisbilhotice norteamericana?
Não estaria sendo espionado o Ministério da Agricultura?
Vejamos, o Brasil está há muitos anos à frente da moderna pesquisa agropecuária e sua principal estrela na área é a Embrapa, ganhadora de diversos prêmios do setor, seja no campo da pesquisa pura de sementes e defensores agrícolas, seja no aspecto inovação, todos atuando na otimização de crescentes safras agrícolas.
Não estaria espionando o Ministério das Relações Exteriores?
Vejamos, o Brasil, à custa de muito esforço e perseverança conseguiu por de pé o seu bloco econômico e político de integração continental – o Mercosul, e, ademais, firmou sua liderança em organismos multilaterais como o G-20, o BRICs, tendo atuação de destaque tanto nos Foruns Mundiais Sociais (por sinal, criado no Brasil) quanto no Forum de Davos, na Suiça; iniciou parcerias estratégicas com a China (que já suplantou os EUA como maior parceiro comercial do país) e com os vizinhos Bolívia, Argentina, Venezuela; atuou junto ao governo turco para encontrar solução pacífica para os muitos problemas criados pelo Irã, como aqueles relacionados ao desenvolvimento de energia nuclear, beligerância permanente com Israel, escalada de violação dos direitos humanos.
Não estaria sendo espionada toda a região da Amazônia Legal?
Vejamos, não é de hoje que estudantes do ensino médio dos Estados Unidos aprendem a ler mapas geográficos em que a Amazõnia brasileira ao invés de fazer parte do Brasil, é nada menos que um enclave governado pelo Sistema Nações Unidas e, também, considerando sua condição de “pulmão do planeta” e de possuir o mais extenso e volumoso reservatório de água potável do mundo, além de sua exuberante fauna e flora para pesquisas no campo da biotecnologia e dos fármacos, dificilmente estaria distante das preocupações dos serviços de inteligência dos Estados Unidos.
Tendo o Brasil assumido – e em larga medida – sua condição de líder latino-americano, sua pujante economia, com o êxito de suas políticas públicas de erradicação da fome e da miséria, tais contornos tornam o país alvo preferencial para espionagem, em especial, por quem nutre históricos anseios imperialistas e hegemônicos.
Em meio a essa avalancha de informações vazada de dentro do próprio coração de seus organismos de inteligência (espionagem e contraespionagem), causa espécie observar a tibieza quando não a leniência com que o assunto vem sendo abordado por nossa aguerrido pool de empresas midiáticas.
O assunto da prisão no aeroporto de Heatrow (Londres), por algumas horas, do namorado do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, responsável por ajudar na divulgação das denúncias e documentos de outro norte-americano Edward Snowden (este, antigo funcionário da NSA americana), recebeu formidável espaço na mídia impressa e na mídia televisiva. Contraste flagrante com o pouco caso com que essa mesma mídia abordou a questão que a todos interessa – sob o pretexto de preservar sua soberania nacional às custas da soberania de outras nações que, no caso do Brasil, trata-se nada menos que uma nação historicamente amiga.
Façamos um segundo exercício mental. É o seguinte:
Qual seria a reação da mídia brasileira, de sua maior rede de televisão aberta, de seus principais jornais e revistas impressos, se os emails, telefonemas e documentos da própria presidenta Dilma Roussef fossem espionados pelo governo cubano?
E se o fossem pelo governo russo?
E se o fossem pelo governo venezuelano?
E se o fossem pelo governo iraniano?
O presente tema objeto deste prosaico artigo nos convida a uma vigorosa reflexão sobre a aplicação do “dois pesos duas medidas” no fazer jornalístico do Brasil, ajuda a desvelar a teia de interesses escusos (sejam ideológicos, sejam partidários), que há muito minam a credibilidade dessa importante força motriz de uma sociedade justa e equânima, amante da liberdade e defensora dos direitos das populações vulneráveis – a imprensa.
A humanidade tem sido vítima constante de ambições imperialistas do Norte e do Sul, de sistemas ideológicos que privilegiam o mercado em detrimento do ser humano, de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas, com legitimidade crescentemente questionável, em que menos que meia dúzia de nações impõe sua vontade e suas agendas política e econômica aos restantes 196 países, que não titubeiam em declarar guerras a seu bel prazer, seja para movimentar sua portentosa indústria bélica, seja para se apoderar de valiosas fontes de recursos energéticos ou, tão-somente, fortalecer a insidiosa dualidade do eu-produtor e todo-o-resto-do-mundo-consumidor.
Estamos testemunhando uma época de absoluta carência de grandes líderes, de grandes estadistas, de grandes pensadores que consigam entender que toda a humanidade tem um só destino, um destino inescapável e comum a todos, um destino que se imanta à percepção de que aquilo que infelicita parte infelicita o todo. Somos, a bem dizer, nada mais que um só planeta e um só povo.
 
 
 


 
 
 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Muito bem, Dilma. Desde Lula o Brasil não é mais quintal dos EUA.

Dilma bate pesado na espionagem dos EUA ao Brasil em discurso na ONU

24/9/2013 12:27
Por Redação, com agências internacionais - de Nova York, EUA


Dilma abriu a reunião anual das Nações Unidas com um duro discurso contra a prática da espionagem por parte dos EUA
Dilma abriu a reunião anual das Nações Unidas com um duro discurso contra a prática da espionagem por parte dos EUA
A presidenta Dilma Rousseff defendeu, nesta terça-feira, na sede da Organização das Nações Unidas, que sejam criadas condições para evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra. Ao fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Dilma protestou contra os atos de espionagem sofridos por empresas brasileiras e pela própria Presidência da República.
Em tom sério e contundente, Dilma levou à 68ª Assembleia Geral da ONU, as críticas do país ao governo norte-americano, que já admitiu a prática da espionagem às comunicações pessoais da presidenta brasileira. Ao Plenário, Dilma qualificou o programa de inteligência dos EUA de “uma grave violação dos direitos humanos e das liberdades civis; de invasão e captura de informações sigilosas relativas a atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional”.
Dilma afirmou que as denúncias causaram “indignação e repúdio” e que foram “ainda mais graves” no Brasil, “pois aparecemos como alvo dessa intrusão”. Disse ainda que “governos e sociedades amigos, que buscam consolidar uma parceria efetivamente estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais”.
– Elas são inadmissíveis – completou.
O Brasil, segundo Dilma, “fez saber ao governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão”.
A presidenta cancelou, na semana passada, visita de Estado que faria ao colega Barack Obama em outubro que vem, em Washington, por “falta de apuração” sobre as denúncias de que a inteligência americana espionou as comunicações pessoais da brasileira, além da Petrobras. Para ela, “imiscuir-se dessa forma na vida de outros países fere o direito internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre elas, sobretudo entre nações amigas”.
Dilma também foi direta ao rebater frontalmente o argumento norte-americano de que a espionagem visa combater o terrorismo e, portanto, proteger cidadãos não só dos EUA como de todo o mundo. Para Dilma, o argumento “não se sustenta”.
– Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos fundamentais dos cidadãos de outro país. O Brasil, senhor presidente (da Assembleia Geral), sabe proteger-se. Repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas – disse.
No discurso, Dilma ainda fez referência ao seu passado de militante contra a ditadura brasileira.
– Lutei contra o arbítrio e a censura e não posso deixar de defender a privacidade dos cidadãos e a soberania do nosso país – afirmou.
É uma tradição o Brasil fazer o discurso de abertura da reunião anual, desde que o embaixador Oswaldo Aranha, em 1947.
Questão síria
Quanto ao confronto na Síria, Dilma mencionou que o Brasil tem “na ascendência síria um componente importante de nossa nacionalidade” e se posicionou, mais uma vez, contrária uma eventual intervenção militar do Ocidente naquela nação árabe. Ela também criticou a disposição dos EUA e de seus aliados de agir sem apoio do Conselho de Segurança da ONU.
– O abandono do multilateralismo é o prenúncio de guerras – disse.
Dilma ligou diretamente o assunto à reforma do conselho, uma das mais antigas reivindicações da diplomacia brasileira. Ela afirmou que a “polarização” entre os membros permanentes – ou seja, com direito a veto – do conselho provocam um “imobilismo perigoso”. Ela defendeu que sejam somadas ao órgão “vozes independentes e construtivas”.
– Só a ampliação do número de membros permanentes e não permanentes permitirá sanar o atual déficit de representatividade e legitimidade do conselho – disse.
No seu discurso, a presidente brasileira também mencionou a onda de protestos ocorrida em junho passado. Disse que seu governo “não as reprimiu” porque também “veio das ruas”.
– Para nós, todos os avanços são sempre só um começo. Nossa estratégia de desenvolvimento exige mais, tal como querem todos os brasileiros e as brasileiras – afirmou.
Em relação à economia, ela afirmou que o país “está retomando o crescimento” graças a “políticas macroeconômicas” e que seu governo possui “compromisso com a estabilidade, com o controle da inflação, com a melhoria da qualidade do gasto público”.

É assim que se faz. Dilma, você falou por todos os brasileiros (menos os canalhas entreguistas)

‘The Guardian’ destaca ataque de Dilma a EUA e vigilância da NSA

24/9/2013 22:40
Por Julian Borger, The Guardian - de Londres


Dilma falou aos demais países-membros da ONU
Dilma falou aos demais países-membros da ONU
A presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, lançou, durante a Assembleia Geral da ONU, um forte ataque à espionagem feita pelos EUA, acusando a NSA de violar leis internacionais por causa da coleta indiscriminada de dados e informações pessoais de cidadãos brasileiros e da espionagem industrial, voltada para alvos estratégicos.
O agressivo discurso de Dilma foi um desafio direto ao presidente dos EUA Barack Obama, que esperava nos bastidores para fazer seu discurso à Assembleia Geral, além de ser um dos maiores abalos diplomáticos até hoje, por causa das revelações do antigo funcionário da NSA, Edward Snowden.
Dilma já havia cancelado uma viagem a Washington em protesto contra a espionagem estadunidense, depois de documentos vazados por Snowden revelarem que a agência de espionagem dos EUA havia monitorado os telefonemas da presidenta, de embaixadas brasileiras e espionado a companhia estatal de petróleo, a Petrobras.
“Dados pessoais de cidadãos foram interceptados indiscriminadamente. Informações empresariais – muitas vezes, de alto valor econômico e mesmo estratégico – estiveram na mira da espionagem. Também representações diplomáticas brasileiras, entre elas a missão permanente nas Nações Unidas e a própria Presidência da República, tiveram suas comunicações interceptadas”, disse Dilma, num clamor global contra o que ela classificou de poder sem limites do aparato de segurança dos EUA.
“Esse tipo de intromissão nos assuntos internos de outros países é uma violação ao direito internacional e uma afronta aos princípios que devem regê-lo, especialmente entre nações amigas. Uma nação soberana nunca pode se afirmar em detrimento da soberania de outra nação. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e fundamentais dos cidadãos de outro país.”
Os esforços de Washington de amenizar a fúria brasileira com a espionagem da NSA foram repelidas pela presidenta, que tem feito propostas para que o Brasil tenha sua própria estrutura de internet.
“Governos e sociedades amigos que buscam construir uma parceria verdadeira e estratégica, como é o nosso caso, não pode permitir que ações ilegais recorrentes aconteçam como se fossem normais. Elas são inaceitáveis”, disse.
“Não se sustentam argumentos de que a interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger nações contra o terrorismo. O Brasil sabe proteger-se. Repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas”, disse Dilma.
“Como muitos latinoamericanos, eu lutei contra o autoritarismo e a censura, e não posso deixar de defender, de maneira incondicional, o direito à privacidade das pessoas e a soberania do meu país”, falou a presidenta brasileira. Ela foi presa e torturada por ter participado de um movimento guerrilheiro de oposição ao regime ditatorial militar brasileiro nos anos 1970.
“Sem o direito à privacidade, não há liberdade de expressão e opinião verdadeiros, e portanto, não há democracia. Na ausência do respeito à soberania, não há base para a relação entre nações.”
Dilma conclamou a ONU a liderar um novo sistema global para governar a internet. Ela disse que um organismo multilateral como esse deve garantir “a liberdade de expressão, a privacidade individual e o respeito aos direitos humanos”, além da “neutralidade da rede, guiada apenas por critérios éticos e técnicos, sendo inadmissível a restrição , seja por motivos políticos, comerciais ou religiosos, ou de qualquer outro tipo.”
“Este é o momento de criarmos as condições para evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra por meio da espionagem, da sabotagem, dos ataques contra o sistema e infraestrutura de outros países”, disse a presidenta brasileira.
Como anfitrião da sede da ONU, os EUA foram criticados pela Assembleia Geral da ONU diversas vezes no passado, mas o que fez a denúncia de Dilma Rousseff ainda mais dolorosa, diplomaticamente, foi o fato de ela ter falado em nome de um Estado enorme, cada vez mais poderoso e historicamente aliado.



Discurso da Presidenta Dilma na ONU: oportuno, corajoso e sábio.

Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura do Debate Geral da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas - Nova Iorque/EUA

24/09/2013 às 11h35
Nova Iorque-EUA, 24 de setembro de 2013

Embaixador John Ashe, Presidente da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas,
Senhor Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas,
Excelentíssimos Senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e Senhores,
Permitam-me uma primeira palavra para expressar minha satisfação em ver um ilustre representante de Antígua e Barbuda – país que integra o Caribe tão querido no Brasil e em nossa região – à frente dos trabalhos desta Sessão da Assembleia-Geral.
Conte, Excelência, com o apoio permanente de meu Governo.
Permitam-me também, já no início da minha intervenção, expressar o repúdio do governo e do povo brasileiro ao atentado terrorista ocorrido em Nairóbi. Expresso as nossas condolências e a nossa solidariedade às famílias das vítimas, ao povo e ao governo do Quênia.
O terrorismo, onde quer que ocorra e venha de onde vier, merecerá sempre nossa condenação inequívoca e nossa firme determinação em combatê-lo. Jamais transigiremos com a barbárie.
Senhor Presidente,
Quero trazer à consideração das delegações uma questão a qual atribuo a maior relevância e gravidade.
Recentes revelações sobre as atividades de uma rede global de espionagem eletrônica provocaram indignação e repúdio em amplos setores da opinião pública mundial.
No Brasil, a situação foi ainda mais grave, pois aparecemos como alvo dessa intrusão. Dados pessoais de cidadãos foram indiscriminadamente objeto de interceptação. Informações empresariais – muitas vezes, de alto valor econômico e mesmo estratégico - estiveram na mira da espionagem. Também representações diplomáticas brasileiras, entre elas a Missão Permanente junto às Nações Unidas e a própria Presidência da República tiveram suas comunicações interceptadas.
Imiscuir-se dessa forma na vida de outros países fere o Direito Internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas. Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e civis fundamentais dos cidadãos de outro país.
Pior ainda quando empresas privadas estão sustentando essa espionagem.
Não se sustentam argumentos de que a interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger as nações contra o terrorismo.
O Brasil, senhor presidente, sabe proteger-se.  Repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas.
Somos um país democrático, cercado de países democráticos, pacíficos e respeitosos do Direito Internacional. Vivemos em paz com os nossos vizinhos há mais de 140 anos.
Como tantos outros latino-americanos, lutei contra o arbítrio e a censura e não posso deixar de defender de modo intransigente o direito à privacidade dos indivíduos e a soberania de meu país. Sem ele – direito à privacidade - não há verdadeira liberdade de expressão e opinião e, portanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania, não há base para o relacionamento entre as nações.
Estamos, senhor presidente, diante de um caso grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis; da invasão e captura de informações sigilosas relativas as atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional do meu país.
Fizemos saber ao governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão.
Governos e sociedades amigas, que buscam consolidar uma parceria efetivamente estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais. Elas são inadmissíveis.
O Brasil, senhor presidente, redobrará os esforços para dotar-se de legislação, tecnologias e mecanismos que nos protejam da interceptação ilegal de comunicações e dados.
Meu governo fará tudo que estiver a seu alcance para defender os direitos humanos de todos os brasileiros e de todos os cidadãos do mundo e proteger os frutos da engenhosidade de nossos trabalhadores e de nossas empresas.
O problema, porém, transcende o relacionamento bilateral de dois países. Afeta a própria comunidade internacional e dela exige resposta. As tecnologias de telecomunicação e informação não podem ser o novo campo de batalha entre os Estados. Este é o momento de criarmos as condições para evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestrutura de outros países.
A ONU deve desempenhar um papel de liderança no esforço de regular o comportamento dos Estados frente a essas tecnologias e a importância da internet, dessa rede social, para construção da democracia no mundo.
Por essa razão, o Brasil apresentará propostas para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a governança e uso da internet e de medidas que garantam uma efetiva proteção dos dados que por ela trafegam.
Precisamos estabelecer para a rede mundial mecanismos multilaterais capazes de garantir princípios como:
1 - Da liberdade de expressão, privacidade do indivíduo e respeito aos direitos humanos.
2 - Da Governança democrática, multilateral e aberta, exercida com transparência, estimulando a criação coletiva e a participação da sociedade, dos governos e do setor privado.
3 - Da universalidade que assegura o desenvolvimento social e humano e a construção de sociedades inclusivas e não discriminatórias.
4 - Da diversidade cultural, sem imposição de crenças, costumes e valores.
5 - Da neutralidade da rede, ao respeitar apenas critérios técnicos e éticos, tornando inadmissível restrições por motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza.
O aproveitamento do pleno potencial da internet passa, assim, por uma regulação responsável, que garanta ao mesmo tempo liberdade de expressão, segurança e respeito aos direitos humanos.
Senhor presidente, senhoras e senhores,
Não poderia ser mais oportuna a escolha da agenda de desenvolvimento pós-2015 como tema desta Sessão da Assembleia-Geral.
O combate à pobreza, à fome e à desigualdade constitui o maior desafio de nosso tempo.
Por isso, adotamos no Brasil um modelo econômico com inclusão social, que se assenta na geração de empregos, no fortalecimento da agricultura familiar, na ampliação do crédito, na valorização do salário e na construção de uma vasta rede de proteção social, particularmente por meio do nosso programa Bolsa Família.
Além das conquistas anteriores, retiramos da extrema pobreza, com o Plano Brasil sem Miséria, 22 milhões de brasileiros, em apenas dois anos.
Reduzimos de forma drástica a mortalidade infantil.  Relatório recente do UNICEF aponta o Brasil como país que promoveu uma das maiores quedas deste indicador em todo o mundo.
As crianças são prioridade para o Brasil. Isso se traduz no compromisso com a educação. Somos o país que mais aumentou o investimento público no setor educacional, segundo o ultimo relatório da OCDE. Agora vinculamos, por lei, 75% de todos os royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde.
Senhor presidente,
No debate sobre a Agenda de Desenvolvimento pós-2015 devemos ter como eixo os resultados da Rio+20.
O grande passo que demos no Rio de Janeiro foi colocar a pobreza no centro da agenda do desenvolvimento sustentável. A pobreza, senhor presidente, não é um problema exclusivo dos países em desenvolvimento, e a proteção ambiental não é uma meta apenas para quando a pobreza estiver superada.
O sentido da agenda pós-2015 é a construção de um mundo no qual seja possível crescer, incluir, conservar e proteger.
Ao promover, senhor presidente, a ascensão social e superar a extrema pobreza, como estamos fazendo, nós criamos um imenso contingente de cidadãos com melhores condições de vida, maior acesso à informação e mais consciência de seus direitos.
Um cidadão com novas esperanças, novos desejos e novas demandas.
As manifestações de junho, em meu país, são parte indissociável do nosso processo de construção da democracia e de mudança social.
O meu governo não as reprimiu, pelo contrário, ouviu e compreendeu a voz das ruas. Ouvimos e compreendemos porque nós viemos das ruas.
Nós nos formamos no cotidiano das grandes lutas do Brasil. A rua é o nosso chão, a nossa base.
Os manifestantes não pediram a volta ao passado. Os manifestantes pediram sim o avanço para um futuro de mais direitos, mais participação e mais conquistas sociais.
No Brasil, foi nessa década, que houve a maior redução de desigualdade dos últimos 50 anos. Foi esta década que criamos um sistema de proteção social que nos permitiu agora praticamente superar a extrema pobreza.
Sabemos que democracia gera mais desejo de democracia. Inclusão social provoca cobrança de mais inclusão social. Qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida.
Para nós, todos os avanços conquistados são sempre só um começo. Nossa estratégia de desenvolvimento exige mais, tal como querem todos os brasileiros e as brasileiras.
Por isso, não basta ouvir, é necessário fazer. Transformar essa extraordinária energia das manifestações em realizações para todos.
Por isso, lancei cinco grandes pactos: o pacto pelo Combate à Corrupção e pela Reforma Política; o pacto pela Mobilidade Urbana, pela melhoria do transporte público e por uma reforma urbana; o pacto pela Educação, nosso grande passaporte para o futuro, com o auxílio dos royalties e do fundo social do petróleo; o pacto pela Saúde, o qual prevê o envio de médicos para atender e salvar as vidas dos brasileiros que vivem nos rincões mais remotos e pobres do país; e o pacto pela Responsabilidade Fiscal, para garantir a viabilidade dessa nova etapa.
Senhoras e Senhores,
Passada a fase mais aguda da crise, a situação da economia mundial ainda continua frágil, com níveis de desemprego inaceitáveis.
Os dados da OIT indicam a existência de mais de 200 milhões de desempregados em todo o mundo.
Esse fenômeno afeta as populações de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Este é o momento adequado para reforçar as tendências de crescimento da economia mundial que estão agora dando sinais de recuperação.
Os países emergentes, sozinhos, não podem garantir a retomada do crescimento global. Mais do que nunca, é preciso uma ação coordenada para reduzir o desemprego e restabelecer o dinamismo do comércio internacional. Estamos todos no mesmo barco.
Meu país está recuperando o crescimento apesar do impacto da crise internacional nos últimos anos. Contamos com três importantes elementos: i) o compromisso com políticas macroeconômicas sólidas; ii) a manutenção de exitosas políticas sociais inclusivas; iii) e a adoção de medidas para aumentar nossa produtividade e, portanto, a competitividade do país.
Temos compromisso com a estabilidade, com o controle da inflação, com a melhoria da qualidade do gasto público e a manutenção de um bom desempenho fiscal.
Seguimos, senhor presidente, apoiando a reforma do Fundo Monetário Internacional.
A governança do fundo deve refletir o peso dos países emergentes e em desenvolvimento na economia mundial. A demora nessa adaptação reduz sua legitimidade e sua eficácia.
Senhoras e senhores, senhor presidente
O ano de 2015 marcará o 70º aniversário das Nações Unidas e o 10º da Cúpula Mundial de 2005.
Será a ocasião para realizar a reforma urgente que pedimos desde aquela cúpula.
Impõe evitar a derrota coletiva que representaria chegar a 2015 sem um Conselho de Segurança capaz de exercer plenamente suas responsabilidades no mundo de hoje.
É preocupante a limitada representação do Conselho de Segurança da ONU, face os novos desafios do século XXI.
Exemplos disso são a grande dificuldade de oferecer solução para o conflito sírio e a paralisia no tratamento da questão israelo-palestina.
Em importantes temas, a recorrente polarização entre os membros permanentes gera imobilismo perigoso.
Urge dotar o Conselho de vozes ao mesmo tempo independentes e construtivas. Somente a ampliação do número de membros permanentes e não permanentes, e a inclusão de países em desenvolvimento em ambas as categorias, permitirá sanar o atual déficit de representatividade e legitimidade do Conselho.
Senhor presidente,
O Debate Geral oferece a oportunidade para reiterar os princípios fundamentais que orientam a política externa do meu país e nossa posição em temas candentes da realidade e da atualidade internacional. Guiamo-nos pela defesa de um mundo multilateral, regido pelo Direito Internacional, pela primazia da solução pacífica dos conflitos e pela busca de uma ordem solidária e justa – econômica e socialmente.
A crise na Síria comove e provoca indignação. Dois anos e meio de perdas de vidas e destruição causaram o maior desastre humanitário deste século.
O Brasil, que tem na descendência síria um importante componente de nossa nacionalidade, está profundamente envolvido com este drama.
É preciso impedir a morte de inocentes, crianças, homens, mulheres e idosos. É preciso calar a voz das armas – convencionais ou químicas, do governo ou dos rebeldes.
Não há saída militar. A única solução é a negociação, o diálogo, o entendimento.
Foi importante a decisão da Síria de aceder à Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas e aplicá-la imediatamente.
A medida é decisiva para superar o conflito e contribui para um mundo livre dessas armas. Seu uso, reitero, é hediondo e inadmissível em qualquer situação.
Por isso, apoiamos o acordo obtido entre os Estados Unidos e a Rússia para a eliminação das armas químicas sírias. Cabe ao Governo sírio cumpri-lo integralmente, de boa-fé e com ânimo cooperativo.
Em qualquer hipótese, repudiamos intervenções unilaterais ao arrepio do Direito Internacional, sem autorização do Conselho de Segurança. Isto só agravaria a instabilidade política da região e aumentaria o sofrimento humano.
Da mesma forma, a paz duradoura entre Israel e Palestina assume nova urgência diante das transformações por que passa o Oriente Médio.
É chegada a hora de se atender às legítimas aspirações palestinas por um Estado independente e soberano.
É também chegada a hora de transformar em realidade o amplo consenso internacional em favor de uma solução de dois Estados.
As atuais tratativas entre israelenses e palestinos devem gerar resultados práticos e significativos na direção de um acordo.
Senhor presidente, senhoras e senhores,
A história do século XX mostra que o abandono do multilateralismo é o prelúdio de guerras, com seu rastro de miséria humana e devastação.
Mostra também que a promoção do multilateralismo rende frutos nos planos ético, político e institucional.
Renovo, assim, o apelo em prol de uma ampla e vigorosa conjunção de vontades políticas que sustente e revigore o sistema multilateral, que tem nas Nações Unidas seu principal pilar.
Em seu nascimento, reuniram-se as esperanças de que a humanidade poderia superar as feridas da Segunda Guerra Mundial.
De que seria possível reconstruir, dos destroços e do morticínio, um mundo novo de liberdade, de solidariedade e prosperidade.
Temos todos a responsabilidade de não deixar morrer essa esperança tão generosa e tão fecunda.
Muito obrigada, senhores e senhoras.

Ouça a íntegra do discurso (22min37s) da Presidenta.


 

Para entender o voto do ministro

Celso de Mello: massacrado por cumprir a lei

24/9/2013 13:53
Por Luiz Flávio Gomes - de Brasília


Todos os canalhas parasitas e corruptos devem ser condenados, independentemente de ser rico ou pobre, preto ou branco, petista, peessedebista ou qualquer outra coisa. A ética condena duramente todos aqueles crápulas que se valem do poder para nele se perpetuar de forma ilícita e desonesta (sobretudo comprando votos de outros parasitas para garantir a governabilidade ou a reeleição). Mas “nada é mais terrível de se ver do que a ignorância (midiática) em ação” (Goethe, alemão, escritor).
Celso de Mello
Celso de Mello
Por mais chocante que tenha sido, a verdade é que Celso de Mello apenas cumpriu a lei e nenhum juiz em nenhum lugar do mundo pode deixar de fazer isso (sob pena de rapidamente se destruir o país). Nos julgamentos judiciais, “Soberana não é a massa, sim a lei” (dizia Aristóteles).
A população hiperinflamada (e, com razão, profundamente indignada com a aberrante e secular impunidade das classes dominantes parasitas e corruptas) tem dificuldade de entender tudo isso. Mas é o que ocorreu. Essa dificuldade aumenta quando o país tem a falta de sorte de contar com uma mídia descaradamente mentirosa, envenenada e ignorante (de pontos relevantes da questão), que só sabe jogar lenha na fogueira do obscurantismo medieval.
Que falta nos faz conhecer os poemas de Lucrécio, que revolucionaram a Europa com o Renascentismo de Leonardo da Vinci, Michelangelo, Camões, Cervantes, Descartes, Montaigne etc.. Não foi por acaso que tais poemas ficaram escondidos por mais de mil anos!
Se Celso de Mello, como juiz, votou de acordo com a lei, perguntam indignadamente vários internautas, então isso significa que os outros 5 ministros que negavam os embargos foram imbecis ou desonestos ou ignorantes? Nada disso.
Para os que não estão familiarizados com a área, saibam que o direito não é matemática. Muitas vezes há espaço para duas ou mais interpretações (todas razoáveis). O que ocorreu no julgamento de quarta-feira (18/9) e que a mídia podre e canalha não explicou (e não explica) para a população foi o seguinte: nenhum dos 5 votos contrários revelou que sabia da discussão que houve no Congresso Nacional em 1998 sobre a revogação dos embargos infringentes no regimento interno do STF. Nenhum dos 5 votos contrários ao recurso mencionou essa questão. Ignorou-a completamente. Talvez não soubessem disso. E quiça até mudariam o voto se tivessem conhecimento desse detalhe (relevantíssimo).
Diziam que tinha havido revogação tácita do regimento interno em 1990 (JB, Fux etc.). Como pode ter havido revogação tácita de um dispositivo que o Congresso Nacional discutiu abundantemente em 1998, a partir de um projeto do governo FHC, recusando-o explicitamente, mantendo o texto como estava?
Qualquer um é capaz de perceber, com essas informações, o quanto foi descomunal, bestial e cafajeste o massacre de alguns setores midiáticos contra o voto de um juiz que apenas cumpriu a lei.
Que falta nos faz estudar o filósofo grego Epicuro, um dos pais remotos do Renascentismo, também ele acusado de depravação sexual, vida desregrada, comilão etc., só porque dizia que temos direito como seres humanos de ter prazeres módicos e éticos nesta vida! A mídia podre e canalha, ao contrário, quer nos convencer de que deveríamos viver de forma irresponsável, imoral e aética! Como pode isso?

Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil

Lições a aprender

 O julgamento do “Mensalão” é decisivo porque coloca as duas hipóteses claramente em choque. A grande maioria dos brasileiros crê que se tratou de um desvio de dinheiro público. Há cerca de dois anos, os jornalistas Raimundo Pereira e Lia Imanishi tentam mostrar, por meio de uma série de reportagens publicadas na revista “Retrato do Brasil“, que esta visão é ingênua. Dirigentes do PT transferiram cerca de R$ 55 milhões, arrecadados junto a empresas, para correligionários e aliados, de forma ilegal. Deveriam ser condenados por isso. Mas o STF não investigou tais atos. Preferiu criar uma ficção: a de que os petistas teriam subtraído estas somas do Banco do Brasil.” Raimundo Pereira e Lia Imanishi, na revista Retrato do Brasil 
 
 
Retrato do Brasil desnuda "juízo medieval" da AP 470
 
Brasil 247 – 23/09/2013
 
http://www.youtube.com/watch?v=tq15GeVliVI (Visualização)
 
Vídeo produzido pela revista Retrato do Brasil, do respeitado jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, desmonta acusações feitas pelo relator Joaquim Barbosa a determinados dos réus da Ação Penal 470; segundo ele, algumas condenações, como a de João Paulo Cunha, teriam sido armadas pelo atual presidente do Supremo Tribunal Federal com "mentiras escandalosas"; vídeo é apresentado pelo escritor e jornalista Fernando Morais; assista
 
247 - Um vídeo didático, de 27 minutos e 26 segundos, acaba de ser postado no YouTube e traz revelações surpreendentes sobre a Ação Penal 470, que tratou do chamado "mensalão". Produzido pelos jornalistas Raimundo Rodrigues Pereira e Lia Imanishi, editores da revista Retrato do Brasil, e apresentado pelo escritor Fernando Morais, o vídeo acusa o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, de ter armado as condenações de alguns réus com "mentiras escandalosas".
 
Uma delas, por exemplo, seria a que ancorou a condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Numa das sessões do julgamento, Barbosa afirmou que a contratação da agência de publicidade DNA pela Câmara dos Deputados, à época presidida por João Paulo Cunha, teria sido reprovada por várias instâncias de controle. Raimundo Pereira e Lia Imanishi demonstram o contrário.
 
Em outro capítulo do vídeo, os jornalistas desmontam a tese do "desvio de recursos públicos" por meio da Visanet. Raimundo demonstra que os gastos autorizados pelo Banco do Brasil foram efetivamente pagos e que um dos maiores beneficiários da campanha foi justamente a Globo, que moveu dura campanha contra os réus no que chamou de "julgamento do século".
 
O vídeo foi publicado no YouTube com o título "Mensalão, AP 470, julgamento medieval". Curiosamente no mesmo dia em que o jurista Claudio Lembo, um dos mais notórios conservadores do País, também definiu o processo como um "juízo medieval".
 
  http://www.youtube.com/watch?v=tq15GeVliVI (Visualização)


 
 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Temos que impedir o "leilão" . Divulguem

Libra: por que não a Petrobras?


Brasil é tecnicamente capaz de explorar maior reserva petrolífera do Ocidente. Por trás da licitação, pressões financeiras e lógica imediatista
 
23/09/2013
 
André Garcez Ghirardi
 
 
Em 18 de setembro, começou a tramitar no Senado Federal um Projeto de Decreto Legislativo (PDL 203/2013) que suspende a realização do primeiro leilão para exploração de reservatórios de petróleo do pré-sal, previsto para 21 de outubro próximo. Formalmente, um decreto legislativo regula matérias de competência exclusiva do Congresso, entre elas sustar atos normativos da Presidente da República. No caso, o projeto pretende sustar as resoluções 4 e 5 de 2013 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), e um Edital de Licitação da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Que está em jogo?
O leilão de Libra é diferente dos outros que já ocorreram, envolvendo o petróleo brasileiro –inclusive os realizados ou previstos, sem sobressaltos, em maio (11ª Rodada), ou para novembro (12ª Rodada). No leilão de Libra será oferecida pela primeira vez uma área do pré-sal, a formação geológica descoberta pela Petrobras em 2007, que contém a maior acumulação conhecida de petróleo no hemisfério ocidental. A oferta pública será feita sob uma nova modalidade de contrato: partilha de produção. É diferente da concessão, utilizada nos outros leilões.
Devido às características físicas dos reservatórios, a extração de toda essa riqueza apresenta risco muito baixo para a companhia vencedora. Nas descobertas já feitas pela Petrobras, no pré-sal da Bacia de Santos, houve sucesso em 10 dos 10 poços perfurados (100%); no pré-sal como um todo, houve sucesso em 41 de 47 poços perfurados (87%). É taxa altíssima, em comparação à média mundial da indústria, em torno de 20%.
Além disso, os volumes existentes são colossais: conforme consta da Justificativa do PDL 203, já se tem confirmada a existência de 60 bilhões de barris de petróleo nas áreas investigadas. O volume corresponde a quatro vezes as reservas provadas do Brasil, neste momento; seria suficiente para abastecer o país por mais de 80 anos, aos níveis atuais de consumo.
A riqueza a ser gerada é também gigantesca: conforme o PDL 203, o valor estimado do petróleo recuperável em Libra é de R$ 1,6 trilhões – ou seja, 64% do valor de mercado de todas as empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Baixo risco, grandes volumes e alto valor: são esses os motivos pelos quais foi instituído o novo regime de contratação – a partilha de produção. Nele, a participação do Estado nas receitas é maior. Além disso, o petróleo produzido é de propriedade do Estado, que tem autoridade sobre a comercialização do que for produzido. No contrato de concessão, o petróleo era de propriedade da empresa concessionária, que tinha total liberdade para comercializar seu produto. É por isso que o leilão das áreas do pré-sal é diferente de todos os que ocorreram até agora.
Mas a razão central da controvérsia não é o tipo de contrato: é o leilão em si. O que se questiona é se deve ou não haver licitação. As normas legais abrem espaço para optar. A lei 12.351/2010, que rege exploração de petróleo pelo regime de partilha, diz, no caput do Artigo 8º: “A União, por intermédio do Ministério de Minas e Energia, celebrará os contratos de partilha de produção: I - diretamente com a Petrobras, dispensada a licitação; ou II - mediante licitação na modalidade leilão”.
Está explicitamente prevista, portanto, a possibilidade de contratação direta da Petrobras, tratada em seção específica (1). É neste último artigo que se apoia a justificativa do decreto legislativo 203/2013. Ele afirma que o bloco de Libra “é uma área de energia do mais alto interesse estratégico para o País, e, em conformidade com o art. 12 da Lei 12.351/10, a ANP deveria negociar um contrato de partilha com a Petrobras ... mantendo essa riqueza no País para o bem do povo brasileiro”. Não há, na lei vigente, nenhuma disposição que obrigue a oferta em leilão. O Brasil o fará se quiser.
Quem propôs o leilão e por que? A proposta é da competência do CNPE, órgão criado pela Lei do Petróleo (lei 9.478/97) e vinculado diretamente à presidência da República – que pode acatar ou rejeitar a sugestão do CNPE. No caso de Libra, o CNPE propôs e a Presidente da República acatou a realização do leilão. Por que não contratar diretamente a Petrobras? Pelo Artigo 12 citado acima, a contratação direta é feita segundo dois critérios: “preservação do interesse nacional” e “atendimento dos demais objetivos da política energética”.
O leilão de Libra preserva o “interesse nacional”? O conceito é obviamente amplo e admite muitas interpretações diversas. Contrariamente ao que prevaleceu no CNPE, a objeção apresentada no Senado considera que o interesse nacional estará mais bem atendido se a produção do petróleo de Libra for contratada diretamente com a Petrobras. Se tomarmos por referência a história da indústria do petróleo, o principal atributo do interesse nacional, neste caso, é a chamada “segurança energética”, entendida como a garantia de suprimento de petróleo para o funcionamento da economia doméstica em caso de restrição de abastecimento no mercado mundial. É esse o movente principal de todos os Estados nacionais com respeito a petróleo. Além desse argumento, por si decisivo, também poderiam ser citados a favor do entendimento do PDL 203 outros objetivos de política energética (e seus respectivos números de ordem, na Lei do Petróleo): promover o desenvolvimento (II), proteger os interesses do consumidor (III), promover a conservação de energia (IV), garantir o fornecimento de derivados de petróleo (V). Sob essa perspectiva histórica, meu entendimento é que o interesse nacional (segurança de abastecimento) estaria mais protegido se a exploração de Libra fosse contratada diretamente com a Petrobras.
A favor da proposta do CNPE poderia ser alegado principalmente o objetivo de atrair investimentos na produção de energia (X). É certo que, com a participação de diversas empresas, obteremos imediatamente um volume de investimento e produção maior do que seria possível apenas com a Petrobras. Não é tão certo, porém, que esse seja um objetivo importante para a exploração do pré-sal. A atração de investimento é importante nos empreendimentos de alto risco – que não é o caso do pré-sal. A licitação de Libra atrairá petroleiras, principalmente as internacionais de grande porte, que vêm no petróleo do mega-campo uma grande oportunidade de negócios de baixo risco e altamente rentáveis.
Mas elas agregarão relativamente pouco, em termos de compartilhamento de risco. A participação dessas empresas foi e continua sendo importante na exploração de áreas relativamente desconhecidas, nas quais ainda é alto o risco de insucesso. No caso do pré-sal, interessa atrair investimentos não das petroleiras, e sim das companhias com produtos de tecnologia de ponta, que prestam serviços de apoio à produção de petróleo. Trata-se de empresas que já estão se instalando no Brasil e que estarão presentes de toda maneira.
Além de contribuir pouco para reduzir o “risco” de Libra, existe a desconfiança de que a atração de grandes petroleiras estrangeiras para o leilão seja motivada por objetivos imediatos de política econômica, conflitantes com os objetivos de política de petróleo. Ao fazer a licitação, o governo federal terá uma receita imediata com o “bônus de assinatura” dos contratos, fixado em R$ 15 bilhões. É um desembolso imediato gigantesco, que a Petrobras não poderia suportar, conforme disse a presidente da companhia, Graça Foster. A dimensão fica mais clara se considerarmos que o lucro total da companhia, em todo o primeiro semestre de 2013, foi de R$ 14 bilhões o lucro da companhia. Graça afirmou, em audiência no Senado (19/9/2013), que é exclusivamente de ordem financeira a restrição que impede a Petrobras de empreender, sem sócios, o desenvolvimento de Libra. Esclareceu que a Petrobras teria plenas condições técnicas e operacionais para explorar 100% do campo. Mas admitiu que a realidade financeira atual não permite que a empresa banque sozinha o alto “bônus de assinatura” exigido pelo governo brasileiro.
É contundente a comparação feita na Justificativa do PDL 203/13: o valor que a empresa brasileira será obrigada a desembolsar para o governo, a título de bônus de assinatura pela participação de 30% na exploração do campo, é equivalente ao custo total de uma unidade flutuante completa, que poderia ser usada para produção. Coincidência ou não, o leilão de Libra, se ocorrer, virá num momento em que o governo federal se vê obrigado a contingenciar despesas para equilibrar seu orçamento, e em que a saída de divisas deprecia a moeda brasileira. Essa conjunção de fatos dá margem à suspeita de que a decisão de licitar Libra, em vez de contratar diretamente a Petrobras, possa ter sido determinada por objetivos de curto prazo na política fiscal e na política monetária. Se isso de fato aconteceu, haverá muito a lamentar.
Deixo para um próximo momento outras supostas irregularidades no edital de licitação e no modelo de contrato que, segundo o PLD 203/2013, justificariam o cancelamento da licitação prevista para 21 de outubro. Irregularidades tais como definir taxas variáveis de remuneração para a União, ou incluir entre os custos reembolsáveis, pelas empresas vencedoras, as despesas com bônus de assinatura. Apesar de serem também relevantes, esses pontos parecem menos importantes do ponto de vista estratégico. Mas vale debater, desde já, dois temas: a possível comunicação entre os campos de Libra e Franco e a espionagem norte-americana, que causou o cancelamento da visita oficial que a presidente da República faria aos EUA, dois dias após o leilão de Libra.
Entre os argumentos apresentados contra a realização do leilão, o PDL 203/2013 afirma que a Petrobras já teria pagado por Libra. Isto porque este campo manteria comunicação com o de Franco, adquirido pela empresa brasileira no processo de capitalização concluído em setembro de 2010. Não existe, até o momento, nenhum dado documentado que sustente essa afirmação. Embora sejam de fato adjacentes, os campos ocupam áreas muito extensas, cujas características geológicas não são ainda totalmente conhecidas. Dada sua proximidade dos campos, é até possível que se venha a descobrir alguma ligação entre eles mas, neste momento, isso é apenas uma hipótese. Nada mais.
Por fim, a argumentação do projeto legislativo traz, como agravante de todas as razões contra a realização do leilão, o fato da Petrobras ter sido mencionada como alvo, nas denúncias de espionagem do governo americano no Brasil. A presidente da Petrobras considera pouco provável que tenha ocorrido qualquer vazamento significativo de informação técnica sensível. Graça Foster avalia que a extensão e complexidade dos processos envolvidos no trabalho da companhia tornam praticamente impossível que uma atividade de espionagem se aproprie do conhecimento da Petrobras sobre Libra (Folha 19/9/2013). Mas, mesmo que não tenha ocorrido dano real, houve sim dano simbólico. Será inevitável o questionamento do resultado em 21 de outubro, caso alguma empresa norte-americana faça parte do grupo vencedor.
Em 18 de setembro, a Presidência do Senado encaminhou o PDL 203/2013 à Comissão de Constituição e Justiça. O projeto deverá também ser examinado pela Comissão de Assuntos Econômicos e pela Comissão de Assuntos de Infraestrutura, antes de ir a plenário para votação. É impossível prever se chegará a voto antes do leilão e, caso chegue, se será ou não aprovado pelo Congresso. A pouco mais de um mês da data prevista, é ainda cedo para saber se de fato acontecerá a licitação Libra.
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1. Seção V, Artigo 12º: “O CNPE proporá ao Presidente da República os casos em que, visando à preservação do interesse nacional e ao atendimento dos demais objetivos da política energética, a Petrobras será contratada diretamente pela União para a exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção”
 
André Garcez Ghirardi é professor licenciado da UFBa.
Publicado originalmente no blog Outras Palavras.

Bashar al-Assad: entrevista

Bashar al-Assad: entrevista ao jornal Clarín, Buenos Aires

19/9/2013 (enviado especial a Damasco, Marcelo Cantelmi)

 
 
Clarín: Por que a crise na Síria estendeu-se e se aprofundou mais do que em qualquer outro país árabe?

Presidente Bashar al-Assad: Muitos elementos internos e externos contribuíram para a crise, o mais importante dos quais é a intervenção externa adversa; daí que, porque os cálculos dos países que intervieram na Síria eram cálculos errados, a crise se prolongou. Aqueles estados acreditavam que o plano deles teria sucesso em semanas ou meses, o que não aconteceu. Aconteceu que o povo sírio resistiu e continuamos resistindo. Estamos defendendo nosso país.


Clarín: O senhor sabe que, segundo a ONU, essa guerra já fez mais de 70 mil mortos?

Presidente Bashar al-Assad:
Seria preciso conhecer as fontes dos que plantam esses números. Todas as mortes são horríveis, mas muitos dos que morreram em território sírio são mercenários que vieram para matar sírios. Tampouco se pode esquecer que há muitos sírios desaparecidos. Qual o número de sírios mortos e de mercenários estrangeiros mortos? Quantos desaparecidos? Não se conhece ainda o número exato. E esse número muda muito, porque os terroristas matam e às vezes enterram suas vítimas em covas coletivas.


Clarín: O senhor descarta que pode ter havido uso de força excessiva, desproporcional, pelos seus soldados da repressão?

Presidente Bashar al-Assad: Como é que alguém pode saber se a força foi excessiva ou não? Qual é a fórmula. Nada disso é informação objetiva. Cada um responde conforme o tipo de terrorismo que o ataca. No início, o terrorismo era local. Em seguida começou o terrorismo que vinha de fora, e esses terroristas traziam armamento sofisticado. O que se deve discutir não é o volume de força empregada ou o tipo de armas, mas o volume do terrorismo que se organizou contra a Síria e que a Síria teve de combater.


Clarín: No início da crise não teria sido possível um diálogo que evitasse esse desenlace?
Presidente Bashar al-Assad: As demandas iniciais eram reformistas, embora essa fosse apenas uma fachada, uma camuflagem, para dar a um plano, que já havia, um aspecto de reivindicação reformista. Mas fizemos as reformas. Mudamos a Constituição, leis, o estado de emergência foi anulado e anunciamos um diálogo com as forças da oposição. E a cada passo das reformas, aumentava o terrorismo. A pergunta lógica que se tem de fazer é: que relação há entre os terroristas e os reformistas?


Clarín: O que o senhor responde?
Presidente Bashar al-Assad: Terrorismo não pode ser o caminho para reformas. Que relação pode haver entre um terrorista checheno e as reformas na Síria? Que relação pode haver entre um terrorista vindo do Iraque, do Líbano ou do Afeganistão e as reformas na Síria. Levantamento recente nos mostrou que há mercenários de 29 nacionalidades em combate na Síria. Que relação pode haver entre todos eles e as nossas reformas na Síria? Não faz sentido algum. Quanto a nós, nós fizemos reformas e agora também temos uma iniciativa política para o diálogo. A base para qualquer solução política tem de ser o desejo do povo da Síria. Isso só se pode conhecer nas urnas. Não se conhece outra forma. E quanto ao terrorismo, ninguém deseja negociar com terroristas. O terrorismo feriu os EUA e a Europa. E nenhum governo dialogou com terroristas. O diálogo só é possível entre forças políticas, não com grupos terroristas, que degola, mata, usa gases venenosos.


Clarín: O senhor denuncia presença de mercenários estrangeiros na Síria, mas sabe-se que aqui também há combatentes do Hezbollah e do Irã.

Presidente Bashar al-Assad:
Síria tem 23 milhões de habitantes e não precisa de mais gente para ajudar, venha de onde vier. Para nossa segurança, temos exército e forças especiais. Não precisamos do Irã e do Hezbollah para nos defender. Há aqui, sim especialistas do Hezbollah e do Irã, mas não estão em combate e já estavam aqui antes do início dessa crise.


Clarín: Entre aquelas reformas da Constituição de que o senhor falou, considera-se garantir irrestrita liberdade de imprensa?

Presidente Bashar al-Assad: O senhor talvez não saiba que, entre várias novas leis já vigentes, há uma nova lei de imprensa.


Clarín: No...

Presidente Bashar al-Assad: Nós partimos do conceito de que o primeiro passo tem de ser dialogar com as forças políticas. Desse diálogo viria uma Carta Magna a ser submetida a referendo popular. Essa Constituição garantirá maiores liberdades em geral. Depois dela e baseadas nela virão novas leis e é previsível que visem a garantir liberdades políticas e mediáticas. Mas não se pode falar de liberdade de imprensa, onde não haja liberdades políticas em geral.


Clarín: Como o senhor avalia a conferência sobre Síria planejada para fins de setembro, por Rússia e EUA?

Presidente Bashar al-Assad: Recebemos bem a reaproximação de Rússia e EUA, e esperamos que o encontro internacional ajude os sírios. Mas não acreditamos que muitos países ocidentais desejem uma solução efetiva na Síria. Não acreditamos que muitas das forças que apoiam os terroristas desejem alguma solução. Apoiamos a gestão que russos e norte-americanos estão fazendo, mas temos de ser realistas. Na Síria não funcionará solução unilateral. Precisamos reunir, no mínimo, dois lados claros, para dialogar.


Clarín: Quem não quer solução? As forças que se opõem ao seu governo ou as grandes potências?

Presidente Bashar al-Assad: Na prática, os que se opõem ao nosso governo estão vinculados a países de fora e não têm capacidade para tomar decisões próprias. Vivem do que recebem de fora e fazem o que são mandados fazer pelos países que os sustentam, recebem fundos e fazem o que aqueles países decidam. São praticamente a mesma coisa e são os que já disseram que não querem dialogar com o estado sírio. Disseram várias vezes. A última, foi semana passada.


Clarín: Quando o senhor fala em diálogo, pensa em dialogar com quem, do outro lado?

Presidente Bashar al-Assad: Já declaramos que dialogaremos com qualquer um que queira dialogar, sem exceção. Dialogaremos em todos os casos e circunstâncias em que esteja respeitada a capacidade livre e soberana da Síria para decidir. Mas isso não inclui grupos terroristas. Nenhum estado do mundo jamais dialogou com terroristas. Desde que os grupos armados deponham armas e sentem-se para dialogar, dialogaremos com todos. Supor que alguma conferência política conseguirá conter o terrorismo é irrealismo.


Clarín: Que possibilidade há de que o diálogo inclua essas forças externas, como os EUA, por exemplo, que supostamente estariam apoiando os terroristas?

Presidente Bashar al-Assad: Desde o início, sempre dissemos que dialogamos com qualquer país e com qualquer grupo, desde que não sejam grupos ou países armados. É nossa única condição. Exceto essa condição, não há outras. Entre os grupos armados que há na Síria há bandidos condenados, procurados pela Justiça. E nem esses grupos foram excluídos do diálogo, sob a única condição que deponham as armas. Entendemos que temos de ouvir todos os sírios. O povo sírio decidirá quem luta por ele e quem luta contra ele. Nunca dissemos que só aceitaríamos solução que convenha ao governo. Nunca sequer dissemos o que o governo supõe que seja melhor para a Síria. Nós realmente entregamos a solução ao povo sírio.


Clarín: Com relação à conferência internacional ...

Presidente Bashar al-Assad: Para nós, a questão básica de que deverá tratar qualquer conferência internacional é deter o fluxo de dinheiro e de armas para a Síria e deter o envio de terroristas que vêm da Turquia, financiados pelo estado qatari e outros estados do Golfo, como a Arábia Saudita. Enquanto esses países, que não têm interesse em pôr fim à violência na Síria, nem têm interesse em encontrar solução política, o terrorismo continuará.


Clarín: Onde o senhor coloca Israel nessa crise?

Presidente Bashar al-Assad: Israel apoia diretamente e por duas vias os grupos terroristas, dá-lhes apoio logístico e os informa sobre como e quais locais atacar. Por exemplo, atacaram uma estação do sistema de defesa antiaérea que detecta qualquer avião que venha de fora, especialmente de Israel.


Clarín: Caso o diálogo avance, o senhor prevê um cronograma para que a oposição entregue as armas?

Presidente Bashar al-Assad: Eles não são uma só entidade, são grupos e bandos, não são dezenas, mas centenas. São misturados, cada grupo tem um cabeça local. São milhares. Quem consegue unir milhares de pessoas? A pergunta é essa. Não se pode falar de cronograma, se se trata também de um outro lado que não sabemos quem seja. Quando tiverem alguma estrutura unificada, poderemos responder sobre cronogramas.


Clarín: O senhor estaria disposto a dar um passo atrás, para uma solução definitiva? O senhor está disposto a renunciar?

Presidente Bashar al-Assad: Minha permanência ou não depende do povo sírio. Não é decisão que caiba a mim, se ficou ou se parto. Cabe ao povo sírio. Se quiserem, fica-se, se não quiserem que se fique, parte-se. Depende da Constituição e das urnas. Nas eleições de 2014, o povo decidirá.


Clarín: Foi sugerida a alternativa de que o senhor se demita, como condição para o fim do conflito.

Presidente Bashar al-Assad: Sou presidente eleito e só o povo decidirá sobre minha permanência. Não se admite que alguém diga que o presidente da Síria tem de sair porque os EUA desejam que saia, ou porque os terroristas dizem que seria condição imposta por eles. É inadmissível.


Clarín: Barack Obama deu sinais de que não considera intervir no seu país. Mas o chanceler norte-americano, John Kerry, disse que qualquer avanço teria de incluir sua saída do cargo.

Presidente Bashar al-Assad: Não tenho conhecimento de que Kerry ou outro receberam mandato do povo sírio para falar em nome do povo sírio sobre quem fica ou quem sai. Já disse que qualquer decisão sobre reformas na Síria ou ação política são decisões sírias, e não se permite que EUA nem qualquer outro estado intervenha nessas decisões. Somos Estado independente, não aceitamos que outros definam o que teríamos de fazer, nem os EUA nem ninguém. Os sírios votarão nos candidatos que se apresentarem e todos podem vencer ou perder. Será decidido pelo povo sírio. Não é possível ir àquela conferência supondo que ali se decidirá algo que o povo sírio ainda não decidiu.


E há outro aspecto: o país está em crise e, com o barco em meio a uma tormenta, renunciar é fugir. O presidente não pode fugir, como o capitão de um navio. Tem o dever de devolver o barco ao ponto onde tem de estar e então as coisas poderão ser decididas. Não sou pessoa que fuja à responsabilidade.


Clarín: França, Grã-Bretanha e o próprio Kerry denunciaram que o exército usou armas químicas, gás sarín, contra população civil...

Presidente Bashar al-Assad: Não precisamos perder nosso tempo com essas declarações. Armas químicas são armas de destruição massiva. Dizem que nós as teríamos usados em áreas residenciais. Se uma bomba nuclear fosse lançada sobre uma cidade e houvesse dez ou vinte mortos, alguém acreditaria? Se se tivessem usado armas químicas em zona residenciais, haveria milhares, dezenas de milhares de mortos em minutos. Todos sabem disso. Quem poderia ocultar tal coisa?


Clarín: Então, a que o senhor atribui essa denúncia?

Presidente Bashar al-Assad: O tema das armas químicas entrou em circulação quando terroristas as utilizaram em Aleppo, em Khan al-Assal, há cerca de dois meses. Recolhemos as provas, o míssil usado e as substâncias químicas. Analisamos tudo e enviamos carta ao Conselho de Segurança para que enviassem missão de investigação. EUA, França e Grã-Bretanha viram-se em situação embaraçosa e disseram que queriam enviar missão para investigar a existência de armas químicas em outras áreas, onde alegam que teriam sido usadas. Fizeram isso, para não investigar o ponto onde se produziu o fato real, que já comprovamos. Um membro dessa comissão, Carla del Ponte, disse que os terroristas eram os responsáveis. Mas nem a ONU prestou atenção ao que ela declarou.


Clarín: O senhor acredita que a denúncia poderia abrir caminho para uma intervenção militar na Síria?

Presidente Bashar al-Assad: Se for usado como pretexto para guerra contra a Síria, sim, é provável. Ninguém esqueceu o que aconteceu no Iraque. Onde estavam as armas de destruição em massa de Saddam Hussein? O ocidente mente e falsifica, para produzir guerras, é costumeiro. Mas nenhuma guerra contra a Síria será fácil, não será um passeio. Mas, não, não se pode descartar a possibilidade de que iniciem uma guerra contra a Síria.


Clarín: Em que o senhor se baseia?

Presidente Bashar al-Assad: Já aconteceu, de parte de Israel, já houve ataques. É possibilidade presente, especialmente depois que conseguimos golpear os grupos terroristas em muitas zonas da Síria. Então outros países, que você citou encomendaram ataques a Israel, contra a Síria, para elevar a moral dos grupos terroristas. Nós supomos que, em algum momento, se produzirá algum tipo de tentativa de intervenção, mesmo que seja limitada.


Clarín: O senhor disse que controlam a situação, mas enquanto falamos ouvem-se estrondos de artilharia na periferia da cidade.

Presidente Bashar al-Assad: Eu não disse que controlamos a situação, porque a palavra “controlar” ou “não controlar” não se usa quando se está em guerra com exército estrangeiro. A situação é totalmente diferente. Os terroristas entram em zonas dispersas e fogem de um ponto para outro. Há vastas zonas nas quais se movimentam e nenhum exército do mundo conseguiria estar em todos os pontos.


Clarín: O senhor realmente acredita que os EUA cooperam com Qatar ou Arábia Saudita, para pôr no poder na Síria um regime ultra islâmico wahabista?

Presidente Bashar al-Assad: O ocidente não se preocupa com governos, sejam quais forem, desde que lhes sejam leais. Querem aqui um governo servil que faça o que eles mandem, seja que governo for. Mas o que se vê no Afeganistão comprova que nem sempre dá certo. Esses países apoiaram os Talibã e pagaram por isso um preço altíssimo. O perigo de tudo isso é que os estados wahabitas querem difundir o pensamento extremista. Na Síria temos um Islã moderado e resistiremos contra o projeto de destruir a Síria, por todos os meios.


Clarín: Nas eleições presidenciais de 2014 haverá observadores internacionais e a imprensa terá livre acesso para cobrir o evento?

Presidente Bashar al-Assad: Para ser sincero, não sei. O tema dos observadores internacionais ainda terá de ser decidido, porque parte da população síria não tolera a ideia de monitoramento, que não se faz em outros países do mundo, e implica uma questão de soberania nacional. E não confiamos no ocidente para essa tarefa. Se aceitarmos a presença de observadores, serão de países amigos, como Rússia ou China, por exemplo.


Clarín: China?

Presidente Bashar al-Assad:  ... [por que não?!]


Clarín: Na entrevista que o senhor concedeu ao Clarín em Buenos Aires, o senhor disse com firmeza que rechaçava a ideia de negar o Holocausto. Ainda mantém essa posição?

Presidente Bashar al-Assad: Perdoe-me, mas por que falar de Holocausto e não falar do que acontece na Palestina? Ou do 1,5 milhão de iraquianos assassinados? O Holocausto é tema histórico, que exige visão ampla e não pode ser usado como assunto político. Não sou historiador para determinar a verdade desse tema. As questões históricas variam conforme quem escreva a história. Por isso a história às vezes é falseada.


Clarín: Desculpe, mas há alguma autocrítica que o senhor se faça a si mesmo?

Presidente Bashar al-Assad: Não há sentido algum em autocríticas antes de as coisas estarem feitas, com sucesso ou sem. Se se assiste a um filme, é tolice criticar antes da última cena. Quando o quadro estiver completo, então saberei o que criticar e o que não criticar.


Clarín: Finalmente, o senhor tem alguma informação sobre o paradeiro dos jornalistas James Foley, norteamericano desaparecido aqui há seis meses, e do italiano Domenico Quirico, do italiano La Stampa, perdido há cerca de um mês aproximadamente?

Presidente Bashar al-Assad: Alguns jornalistas entraram ilegalmente na Síria, pelas áreas onde os terroristas estão ativos. Houve casos em que nossos soldados conseguiram libertar alguns jornalistas que haviam sido sequestrados por terroristas. Seja como for, sempre que temos informação sobre jornalistas, mesmo que tenham entrado clandestinamente em território sírio, nós transmitimos a informação ao país dele. Até o presente, não há qualquer informação sobre os dois jornalistas que o senhor citou.