terça-feira, 15 de novembro de 2016

OLIGARQUIA PAULISTA, O ATRASO DO BRASIL

Oligarquia paulista, o atraso do Brasil


Dos barões do café aos banqueiros e a movimentos com o MBL, elite de SP afirma-se, há mais de cem anos, como grande entrave à democratização do país
João Telésforo

Até mesmo nos meios “progressistas”, nunca faltam aqueles que consideram a sociedade e a política do Nordeste como mais “atrasadas” com relação às do Centro-Sul, em especial paulistas. Segundo representação predominante, em São Paulo estaria a “modernidade” das práticas econômicas e políticas, enquanto os velhos coronéis e regimes mais exploradores e clientelistas estariam concentrados entre a “baianada” ou os “paraíbas” lá de cima (termos que paulistas e cariocas utilizam pejorativamente para se referirem a nós, nordestinos).

Além de uma visão bastante seletiva – cega para nomes como Paulo Maluf, trensalão do tucanato paulista, trabalho escravo em pleno centro de São Paulo -, esse imaginário padece de graves problemas de memória. Esquece, por exemplo, que a maior e mais prolongada resistência à abolição da escravatura no Brasil não veio do Nordeste “atrasado”, mas dos prósperos cafezais paulistas, conforme explica Alfredo Bosi, professor da USP, no fulminante artigo “A escravidão entre dois Liberalismos”, publicado em 1992.

Replico algumas passagens do texto de Bosi, pertinentes à questão: “Hoje, calados os louvores sem medida com que se exaltou a lucidez ou o espírito moderno dos fazendeiros do Oeste Novo, pode-se reconstituir com isenção os passos deveras prudentes dados pelos homens do café, desde a sua aberta recusa à Lei do Ventre Livre (os votos de Rodrigo Silva e Antônio Prado, em 1871), até o seu ingresso no movimento já triunfante, em 1887; então, o problema da força de trabalho já fora equacionado em termos de imigração europeia maciça subvencionada pelos governos imperial e provincial.

Os estudos de Conrad e Gorender, que ratificam, por sua vez, pontos de vista de Joaquim Nabuco e José Maria dos Santos, põem a nu a relutância dos republicanos paulistas, muito sensível nos anos 70, no que tocasse a medidas drásticas de abolição da escravidão.

Em 1870, dizia-se na Assembleia Legislativa de São Paulo, que esta era a Província que menos deveria recear a diminuição de braços, pois aí estavam se concentrando todos os escravos do Norte do Império. Nessa ocasião, Paulo Egydio defendia a legitimidade do comércio de escravos, considerando-o ‘uma indústria muito legítima e consagrada entre nós’. Manifestava-se contra a restrição dessa liberdade pela sobrecarga de impostos: ‘meia sisa, impostos imperiais e municipais, gravando as vendas’.

A abolição que, para as províncias do Norte e Nordeste e para os profissionais urbanos, poderia vir sem maiores traumas, não interessava ainda aos fazendeiros de São Paulo que apenas esboçavam os seus projetos de migração.

A adesão franca à campanha abolicionista da parte dos paulistas do Oeste, a partir de 1885, estava, pois, condicionada a um subsídio oficial que fosse bastante copioso para a obtenção dos braços livres. O subsídio veio em abundância: entre 1887 e 1888, chegariam aos nossos portos quase 150 mil imigrantes. Proclamada a República, sob o domínio do café, põe-se em marcha a grande imigração“.

A oligarquia cafeicultora paulista foi o último bastião a ser derrotado pela luta abolicionista no Brasil – e sua suposta adesão à causa não veio de graça, mas em troca de um conjunto de privilégios subsidiados pelo Estado. Ademais, conforme explica Bosi, com base em ampla literatura, esse setor também bloqueou, à mesma época, a reforma agrária e a industrialização do país, sempre agarrada à defesa – tendenciosa e abusiva – dos sacrossantos direitos de propriedade e de “livre-comércio”, utilizados à exaustão para justificar, respectivamente, a escravidão e o tráfico negreiro.

Quando se observa o desenrolar da história do Brasil desde então sob esse prisma, constata-se uma grande linha de continuidade: a oligarquia paulista continuou a ser a maior adversária interna das lutas do povo brasileiro para edificar uma nação digna, justa e livre – a liberdade herdeira da luta abolicionista, e não do “livre-comércio” que era utilizado em defesa do tráfico, e que hoje vemos repetir-se no discurso de organizações como o “Movimento Brasil Livre”, cuja força também se concentra em São Paulo.

Não espanta, então, que o núcleo duro da máfia do governo do PMDB/PSDB, de Michel Temer, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin e companhia, seja representação política desse mesmo velho setor oligárquico escravocrata. Não importa o quanto procurem disfarçar-se com tons “modernos” e “sofisticados”, com tinturas parisienses ou mesóclises, como já faziam seus ancestrais escravocratas; sempre terão cheiro de naftalina e prática de bandeirantes, matadores de índios e negros.
Esse setor nunca deixou de defender um mesmo projeto em suas linhas básicas, ainda que adaptado e reformulado ao longo dos tempos, desde o século XIX. Eis a síntese de seu programa, sintetizado por Alfredo Bosi:

·         “Entrosamento do país em uma rígida divisão internacional de produção”;
·         “Defesa da monocultura”;
·         “Recusa de toda interferência estatal que não se ache voltada para assegurar os lucros da classe exportadora”.

 Em suma, querem seguir fazendo sua fortuna e seu poder com base na exportação de soja, minérios, sangue, suor e lágrimas do povo brasileiro.

A situação periférica, subordinada e dependente do Brasil no sistema-mundo, nosso subdesenvolvimento social, econômico e tecnológico, não lhes incomoda; estão contentes com a perpetuação do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, que a eles gera grandes dividendos. Entregam sem cerimônia à superexploração de grupos internacionais nossos recursos naturais e bens estratégicos, nossa força de trabalho e inteligência.

Enquanto o leilão do país, de suas almas e carnes, continuar a lhes propiciar lucros e poder, seguirão adiante. Ao menos até que a rebeldia do povo brasileiro – aí incluído o povo paulista, em seu mosaico de diversidade, que não se confunde com sua oligarquia reacionária –, que segue se aquilombando em todo tipo de ocupação e luta pelo país, os destrone e proclame a nova abolição.


EMPREITEIRAS ENTREGARAM CABEÇA DE TUCANOS A RODRIGO JANOT



Representantes das empreiteiras Camargo Correa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez que não detalharam supostos esquemas de propina, durante as investigações da Lava Jato, com o objetivo de manterem obras nos Estados de São Paulo e de Minas Gerais, quando eram administrador pelo PSDB, terão de prestar novos depoimentos, segundo fontes ligadas à investigação na Procuradoria Geral da República.

De acordo com o El País, obras realizadas nos governos paulistas de José Serra e Geraldo Alckmin, e no mineiro de Aécio Neves estariam na mira dos investigadores.

Com a saída de Dilma Rousseff (PT) e entrada de Michel Temer (PMDB), apoiado pelo PSDB, parte das empreiteiras tem evitado delatar esquemas que envolvam o grupo que atualmente governa o Brasil, segundo relataram empresários a investigadores.

Isso porque essas empreiteiras precisariam seguir firmando contratos com o governo federal e, no entendimento delas, se entregassem irregularidades de quem está no poder, dificilmente conseguiriam ser aprovadas em processos licitatórios para novas obras.

A nova convocação não foi confirmada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mas, na última sexta-feira (11), ele citou que o colaborador é obrigado a revelar todos os atos ilícitos dos quais participou e, se não o fizer, pode ter sua pena aumentada e seu benefício cassado.

“Existe a possibilidade da pessoa se esquecer mesmo. Estamos falando de anos e anos que se passaram de prática de diversos atos. Agora, se for um esquecimento doloso, deliberado, pode, sim, receber pena maior, aumentar multa e até quebrar a colaboração”.


ELES TÊM MEDO DO POVO

Eles têm medo do Povo

A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II- referendo; III – iniciativa popular.

(Capítulo IV, Dos Direitos Políticos, Art. 14. Constituição da República Federativa do Brasil).


Gleisi Hoffmann*

O Senado trava, neste momento, uma das mais importantes batalhas políticas de sua história. Em 26 de outubro, começou a tramitar na Casa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que pelos próximos 20 anos, limitará os gastos e investimentos públicos apenas à correção da inflação, independentemente do que venha a acontecer com a economia.

Como se sabe, o governo tem muita pressa em aprovar a medida, tanto que bloqueou o debate na Câmara dos Deputados, onde ela foi aprovada à revelia da sociedade e sem a mínima discussão. Agora, as lideranças do governo golpista agem para que o mesmo ocorra no Senado.

Os tecnocratas oficiais e essas mesmas lideranças alegam que a PEC 55 é essencial para promover o equilíbrio fiscal e evitar o suposto “descontrole da dívida pública”. Mas eles têm plena consciência de que está cada vez mais difícil convencer a população sobre tamanha falácia. Por isso correm para aprová-la. Por isso não querem ouvir a opinião do povo, cujo destino por duas décadas está sendo traçado.
Mas o rolo compressor do governo não nos intimida. Mesmo com a aprovação do parecer favorável do relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a rejeição de todas as emendas ao texto apresentadas pelos senadores da oposição, nós dos partidos de esquerda ainda vamos brigar muito contra essa afronta à Constituição.

Neste momento, buscamos o apoio de outros colegas para a reapresentação, em plenário, de emendas rejeitadas na CCJ no último dia 9. Entre elas, a de minha autoria, que estabelece a realização de um referendo para que o povo diga se aprova ou não a draconiana contenção dos gastos públicos por tanto tempo. Temos a esperança de conseguir as 27 assinaturas necessárias ao acolhimento das emendas pela Mesa Diretora. Muitos senadores estão atentos à crescente voz das ruas. Entre alguns deles também crescem as dúvidas sobre os questionáveis “benefícios” de uma mudança tão radical na política econômica do país.

Não sejamos hipócritas, todos sabem que o governo mente. Se é verdade o que eles prometem, ou seja, que não vão reduzir os recursos da Saúde e da Educação, por que então vão retirar essa garantia da Constituição? Só me convencerá de que nada vai ser mexido nessas áreas se elas forem excluídas dessa PEC. Caso contrário, esses recursos serão, sim, diminuídos para pagar o serviço da dívida pública.

Aliás, em outro argumento não menos hipócrita, Michel Temer e sua turma alardeiam como principal argumento a favor da PEC da maldade o estouro da dívida pública. É mais uma mentira. O PT não aumentou a dívida pública. Durante os governos do PT, tivemos reduções substanciais da dívida pública brasileira, basta olhar os dados do Banco Central. Quem promoveu o aumento alarmante dessa dívida foi o governo tucano. Quem diz não sou eu, é o Banco Central. De 1995 a 2002, Fernando Henrique Cardoso fez a dívida crescer inacreditáveis 752%. No governo do Lula, a dívida pública cresceu 79%, no governo da Dilma, 31%, mesmo com o estouro ocorrido em 2014 e 2015. Isso foi menos que a inflação do período. É ou não é uma falácia?

Ora, chega de mentiras! Derrubaram a presidenta Dilma com o único objetivo de deixar o caminho livre para fazer o que estão querendo fazer, que é irrigar os bancos com mais juros e os rendimentos dos mais ricos. Por que não reduzem os juros? Por que não taxam os lucros e dividendos da casta sempre privilegiada? Por que não cobram impostos das grandes fortunas e sobre as grandes heranças? Nós da oposição estamos sugerindo isso.

Para o andar de cima, a PEC 55 não existe. Vai sobrar para o aposentado, para o dependente do SUS, para o pai que tem filho em escola pública e para os extremamente pobres que dependem do amparo do Estado. É por isso que eles têm medo do referendo, medo de enfrentar o debate popular.

Por favor, como prega a nossa Constituição, respeitem a soberania popular. O povo tem que se manifestar sobre quem vai pagar a conta desse ajuste fiscal.

*Senadora pelo PT do Paraná. Foi diretora financeira da Itaipu Binacional e Ministra-Chefe da Casa Civil.


Stedile: Papa Francisco, um homem de muita coragem!

14/11/2016 14:48 - Copyleft

Stedile: Papa Francisco, um homem de muita coragem!

3° Encontro Mundial de Movimentos Populares em diálogo com o Papa Francisco ocorreu no Vaticano no início de novembro


João Pedro Stedile - Brasil de Fato
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Estive recentemente no 3° Encontro Mundial de Movimentos Populares em Diálogo com o Papa Francisco, realizado no Vaticano de 2 a 5 de novembro. Participaram mais de 200 delegados de 60 países, representando movimentos inseridos nas lutas sociais de três áreas: trabalho, terra e teto. Do Brasil, estávamos em oito delegados escolhidos pelos movimentos populares dessas áreas.
 
O encontro se insere em um processo permanente de debate, que iniciamos em 2013, do qual resultou o  primeiro encontro no Vaticano, em outubro de 2014, depois um segundo mais massivo e latino-americano, quando reunimos mais de 5 mil militantes populares em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. E, agora, o terceiro encontro, de novo no Vaticano.
 
Esse processo de debates e diálogos entre o Papa Francisco e os movimentos populares partiu de uma vontade política do pontífice, de dialogar e dar protagonismo aos movimentos populares em todo mundo, como estímulo à organização dos trabalhadores e dos mais pobres, como esperança e necessidade para as mudanças necessárias no sistema capitalista.
 
Por isso, os delegados são escolhidos entre os dirigentes de movimentos populares, de todos os continentes, com a maior pluralidade possível, considerando etnias, religiões, idade, culturas e equidade de gênero. Ele pediu que se evitasse levar agentes de pastorais da Igreja Católica, pois eles teriam outros espaços. Mas sempre participam também desse processo de diálogo, representantes do Vaticano, em especial da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz, e alguns bispos e cardeais, que tenham vínculos reais com os movimentos populares em suas regiões.





 
No primeiro encontro, a base do diálogo foi o debate sobre a realidade e a causa dos problemas que vivem os trabalhadores nas três esferas da luta social. Foi apresentado um amplo diagnóstico e reflexões sobre as saídas necessárias. Usando sempre o método ver-julgar-agir. O Papa Francisco construiu um documento, que, na essência, se resumiu na defesa de um programa de que não deveríamos ter mais: “Nenhum camponês sem terra; nenhum trabalhador sem direitos; e nenhuma família sem moradia digna!”.
 
Entre o primeiro e o segundo encontro, seguiu-se um diálogo em torno dos problemas ambientais, dos agrotóxicos, das sementes transgênicas, em que o Papa consultou muitos especialistas, teólogos, bispos e movimentos que atuam nessa área. E o resultado foi uma esplêndida encíclica: “Louvado seja!”, na qual o Papa sistematiza reflexões, analisa as causas dos problemas ambientais e propõe soluções. O texto é a mais profunda e rica contribuição teórica e programática sobre o tema produzida em todos os tempos. Uma contribuição que nem mesmo a tradição teórica de esquerda havia produzido.
 
Depois, no segundo encontro da  Bolívia, com presença marcante de afro-descendentes, povos indígenas e povos com conflitos em seus territórios, como o povo curdo, avançou-se para o direito ao território. O Papa  inseriu em suas reflexões o conceito de que todo o povo tem o direito a soberania popular sobre  o seu território. E avançou-se também na concepção de que os bens da natureza que existem nesses territórios devem ser aproveitados em beneficio de todo povo, ou seja, trata-se de um bem comum e não apenas um recurso a ser transformado em mercadoria e renda extraordinária, como querem as empresas capitalistas que exploram os bens da natureza, como os minérios, petróleo, água e biodiversidade.
 
Agora, no terceiro encontro, estava na pauta dos debates, novos temas  relacionados com os graves dilemas que a sociedade moderna está enfrentando em todo o mundo. O primeiro tema foi a questão do Estado e da democracia. Tivemos aqui a participação também do ex-presidente Pepe Mujica, do Uruguai, e de outros  dirigentes políticos progressistas que enviaram reflexões. Há uma crítica generalizada em todo mundo que a forma de funcionar do Estado burguês não representa mais as bases republicanas dos interesses da maioria. Porque a democracia representativa, formal, burguesa não consegue mais expressar apenas pelo voto, o direito e a vontade da maioria da população. O capital sequestrou a democracia pela forma de organizar as eleições.
 
E sobre esse tema, o Papa reagiu e foi contundente que assombrou a todos, quando definiu que, na realidade, existe um Estado mais que excludente, um estado terrorista, que usa do dinheiro e do medo, para manipular a vontade das maiorias. O dinheiro expressa a força do capital que sobrepassa as instituições democráticas e o medo, imposto à população pela manipulação midiática permanente.
 
Entre todos participantes, ficou a certeza de que precisamos aprofundar o debate em nossos países, para construir novas formas de participação política do povo que, de fato, garanta o direito do povo participar do poder político em todos os espaços da vida social. E ninguém tem uma receita, uma fórmula, depende da construção real na luta de classes de cada país. A realidade é que esses processos eleitorais atuais não são democráticos e nem permitem a realização da vontade do povo.
 
Um  outro  tema debatido, que representou avanços em relação aos encontros anteriores, foi o tema dos migrantes econômicos e dos refugiados políticos. A Europa vive uma verdadeira tragédia com os refugiados do Oriente médio e da África. Milhões, repito milhões, de pessoas estão migrando todos os dias, de todas as formas, de barco, caminhando quilômetros e quilômetros para  fugir da morte rumo à Europa e lá encontram mais  exclusão e xenofobia, sendo que eles apenas estão lá, porque as empresas européias são as principais fornecedoras de armas para a Arábia Saudita e governos repressores da região.
 
Nesse sentido, a reflexão dos movimentos seguiu na linha do direito a um território e da luta contra a xenofobia. Do direito à autodeterminação dos povos e contra as guerras. As guerras não resolvem nenhum conflito social e apenas criam mais problemas sociais, além de ceifar a vida de milhares de pessoas, em geral os mais pobres e trabalhadores. Todos os seres humanos são iguais, na sua natureza e nos seus direitos. Aqui, emergiu a ideia de que devemos incorporar em todos nossos programas a proposta da  igualdade. A igualdade de oportunidades, de direitos e deveres, é a única base de uma sociedade realmente democrática.
 
E, nesse tema, o Papa Francisco revelou toda a sua coragem, ao denunciar que, quando um banco vai a falência, logo surgem bilhões de euros para salvar seus acionistas. Porém, quando um povo esta em dificuldade e migra, nunca há recursos públicos para ajudá-los e encontra-se todo tipo de desculpas possíveis. O Papa denunciou o sistema capitalista como autor dessa tragédia humana, contemporânea que estamos vivendo, de exclusão, de superexploração dos migrantes e dos refugiados, não só na Europa, mas em diversas regiões do mundo, onde os países ditos ricos se protegem dos pobres e migrantes, praticando ainda mais exclusão. Nunca se ergueram tantos muros de exclusão, em tantos países, como agora.
 
Como  vêem, os debates foram muito interessantes.  E devem seguir, por muito tempo ainda, graças à abertura e à generosidade do Papa Francisco. Todos os documentos na íntegra e os discursos do Papa podem ser encontrados aqui.
 
De nossa parte, da delegação brasileira, levamos uma faixa com "Fora Temer", em plena praça da Basílica de São Pedro, denunciando o golpe por aqui e saímos convencidos de que, além de São Francisco de Assis, agora temos mais um Francisco revolucionário na Igreja.


Créditos da foto: reprodução




Delações à vista: seis meses após troca de governo, Lava Jato e TSE mantêm instabilidade sobre Planalto

14/11/2016 22:26 - Copyleft

Delações à vista: seis meses após troca de governo, Lava Jato e TSE mantêm instabilidade sobre Planalto

A troca de governo por um lado melhorou sensivelmente a relação entre Planalto e Congresso mas não foi capaz de encerrar a instabilidade política.


Mariana Schreiber, da BBC Brasil
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"O Cunha vai falaaar, o Moro vai te pegaaar"; com esse canto uma pequena banda de manifestantes recepcionava no aeroporto os políticos que voltavam para Brasília em uma terça-feira, no final de outubro.
 
A "ameaça" era uma referência à possibilidade de que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, agora preso, feche um acordo de delação premiada e entregue possíveis provas contra seus ex-colegas para a Operação Lava Jato e o juiz Sergio Moro.
 
O episódio ilustra um pouco do clima na capital federal, seis meses após a queda da ex-presidente Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer, em 12 de maio.
 
A troca de governo, definitivamente confirmada no final de agosto, por um lado melhorou sensivelmente a relação entre Planalto e Congresso, o que permitiu ao presidente avançar com sua principal proposta - a criação de um teto de vinte anos para conter a expansão dos gastos públicos, que já passou na Câmara e deve receber o aval do Senado em dezembro.





 
Por outro lado, não foi capaz de encerrar a instabilidade política, já que a incerteza quanto aos próximos capítulos da Lava Jato continua a rondar a Praça dos Três Poderes. Além disso, a pendência de uma ação movida pelo PSDB no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pede a cassação da chapa eleita em 2014 (Dilma-Temer) por supostas irregularidades na campanha, é outro foco de risco para o governo.


 
Diante disso, têm aumentado nas últimas semanas as especulações sobre uma possível interrupção da administração Temer. Mas, embora essa possibilidade não possa ser totalmente descartada, não parece o cenário mais provável, acredita o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.
 
Isso porque, explica ele, a Constituição prevê que o presidente não pode sofrer impeachment por fatos anteriores ao seu mandato, o que reduziria os riscos relacionados às delações. Quanto ao TSE, Cortez avalia que o alto custo político de uma nova troca presidencial tende a suspender o desfecho da ação.
 
Se a chapa for cassada ainda neste ano, teria que ser convocada uma nova eleição direta. Já se for derrubada a partir de janeiro, o Congresso escolheria o próximo presidente. Em ambos os casos, o novo mandatário governaria até 2018.
 
"O que evita a eventual cassação da chapa é justamente essa dimensão informal das relações da Justiça eleitoral com o mundo político. Porque em boa medida o que vai prevalecer é o custo político muito elevado de uma eventual nova transição presidencial em meio a um cenário de crise econômica e de incerteza em relação a quem vai assumir", observa Cortez.
 
"Acho que o efeito principal dessas duas agendas (Lava Jato e TSE) é um pouco limitar o capital político do Temer e, por consequência, limitar a governabilidade, especialmente aos olhos da agenda econômica", acrescenta Cortez, destacando os desafios que o governo ainda pode enfrentar para aprovar propostas polêmicas, como a reforma da Previdência.
 
Avaliação semelhante tem a cientista política Andréa Freitas, professora da Unicamp. Ele observa que a negociação com o Congresso envolve promessas (políticas e eleitorais) por parte do presidente - eventuais incertezas sobre a estabilidade do governo dificultam esse processo.


 
"Quando você tem um governo ameaçado do ponto de vista de legitimidade, por várias frentes, pela Lava Jato, pelo TSE, as propostas dele ficam menos críveis e isso dificulta os processos de negociação", afirma.
 
Mesmo que pareça improvável hoje a cassação da chapa pela Justiça eleitoral, "enquanto a ameaça estiver pairando, ela pode ser efetivada, e isso torna o presidente um ator mais fraco", ressalta ainda a professora.
 
Nesta semana, o caso voltou aos holofotes devido a uma matéria do jornal Estado de S. Paulo com a imagem de um cheque de R$ 1 milhão da Andrade Gutierrez, destinado ao diretório nacional do PMDB e nominal à campanha do então candidato a vice-presidente Temer, em 10 de julho de 2014.
 
Originalmente, Otávio Azevedo, ex-presidente da empreiteira, havia dito que o valor fora destinado ao PT e que era acerto de propina, o que foi questionado pela defesa de Dilma.
 
O PMDB negou qualquer irregularidade e disse que a doação foi legal.
 
O ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Herman Benjamin, relator do processo de cassação, afirmou, no início desse mês, que está dando encaminhamento "estritamente técnico" ao caso.
 
"Vocês podem ver no meu gabinete no TSE, hoje deve haver 29 processos. Não estou com um oceano de processos e neste estou dando uma agilidade maior. Eu acho que processos eleitorais, por natureza, têm que ser rápidos", disse a jornalistas, no 6º Enaje, Encontro Nacional de Juízes Estaduais, realizado em Porto Seguro (BA).
 
Quando Benjamin liberar seu voto, ainda dependerá da decisão do ministro Gilmar Mendes, atual presidente do TSE, marcar uma data para levar o caso a julgamento.

 


 

Odebrecht



 
A negociação do acordo de delação premiada de dezenas de executivos da Odebrecht está bastante avançada, segundo notícias vinculadas na imprensa brasileira. Vazamentos indicam que as revelações podem atingir a cúpula dos principais partidos - PT, PSDB e PMDB.
 
As consequências para o governo são imprevisíveis. O jornal Folha de S.Paulo, por exemplo, diz que a campanha presidencial de 2010 do hoje ministro das Relações Exteriores, José Serra, teria recebido da empreiteira R$ 23 milhões via caixa dois.
 
Já revista Veja diz que a Odebrecht teria repassado em 2014 R$ 10 milhões em dinheiro vivo ao PMDB, sendo R$ 4 milhões para o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e R$ 6 milhões para Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que concorreu ao governo de São Paulo naquele ano. Os recursos seriam provenientes de propina e não teriam sido declarados nas contas de campanha.
 
Serra, Padilha e Skaf negam qualquer irregularidade. Revelações da Lava Jato já derrubaram importantes ministros de Temer, como o senador Roméro Jucá (Planejamento) e Henrique Eduardo Alves (Turismo), ambos do PMDB.


 
O próprio presidente foi acusado pelo delator Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, de ter pedido ajuda para obter recursos ilícitos como doação eleitoral para a campanha de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo em 2012. Machado também prestou depoimento ao TSE, dentro da ação que pede a cassação da chapa presidencial eleita em 2014.
 
No Congresso, lideranças dos principais partidos tentam articular uma nova lei que criminalize o caixa 2 (doação não registrada de campanha), com uma redação que anistie práticas passadas. A primeira tentativa, em setembro, foi barrada pela repercussão negativa. Embora não haja previsão de crime específico hoje, os agentes da Lava Jato dizem que essas operações hoje podem ser punidas dentro da legislação eleitoral ou como crimes de lavagem de dinheiro e corrupção.
 
Para Antonio Lavareda, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não é possível prever quais serão os impactos da delação da Odebrecht sobre o Planalto.
 
"O que a gente pode chamar de estabilidade política tem uma dimensão objetiva e subjetiva. Na dimensão objetiva, o governo tem conseguido marcar sua estabilidade, com uma base forte no Congresso", destaca.
 
"Agora, na dimensão subjetiva, a Lava Jato continua a alimentar bastante receio, insegurança e incerteza sobre o futuro e o que poderá ser o ano de 2017", ressaltou.


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O pêndulo esquerda-direita e suas correntes subterrâneas determinantes

14/11/2016 22:03 - Copyleft

O pêndulo esquerda-direita e suas correntes subterrâneas determinantes

Dois vetores me parecem importantes para explicar essa evolução: a vida material e a formação de comportamentos e hábitos mentais e o fator subjetivo.


Régis Moraes
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Sabemos bem que os anos 1970,  no Brasil, foram anos de chumbo. Ditadura policial, baixo astral, combate nas trevas, sobram imagens para assombrar as lembranças. As organizações de esquerda tinham sido praticamente dizimadas nos primeiros anos da década. Muito pouco ficara de pé. Meu grupo político, ambiciosamente chamado de partido, tinha sido desmantelado em 1971. Muita gente na cadeia, muita gente no exílio, muita gente desaparecida e muita gente numa semi-clandestinidade braba, engatinhando no escuro para tentar a “reconstrução”. Os sindicatos estavam silenciados por dentro e por fora. Outros movimentos sociais também. Mas ao longo da década assistimos a uma recomposição de todos esses movimentos e a uma redefinição daquilo que chamávamos de esquerda. Uma outra esquerda ia nascendo. Aos trancos e barrancos. E aos soluços.
 
A superfície da política –confrontos parlamentares, disputas eleitorais – mostrava inconsistências e instabilidades. Algumas gangorras. Em 1972 houve uma eleição municipal que foi exibida pela ditadura como uma espécie de plebiscito que a legitimava. Afinal, a Arena, partido do governo, tinha conseguido cerca de 80% dos votos! Contudo, apenas dois anos depois, a gangorra mudava: o MDB, partido da oposição consentida, venceu “de lavada”, conseguindo 16 das 22 vagas de senadores em disputa.
 
Mas, fora dessa superfície, ou debaixo dela, aquela lenta recomposição ocorria. Ás vezes ela se refletia timidamente na superfície, em apoios a candidatos “populares”, por exemplo. Mas, em geral, seguia uma linha de desenvolvimento própria, cinzenta, teimosa, a passos de formiga.
 
Dois vetores me parecem importantes para explicar essa evolução. É uma simplificação, baseada em pura memória de ativista, mas acho que ajuda a explicar as chamadas conjunturas difíceis e a encará-las com menos ansiedade, coisa de que estamos precisados.




 
Vetor 1: A vida material e a formação de comportamentos e hábitos mentais 
 
O primeiro vetor talvez se possa chamar de linha mestra da vida material. Também uma simplificação. E uma descrição limitada a grandes cidades, metrópoles, e a um segmento da vida material, o segmento do trabalho industrial, da classe operária em sentido muito estrito. Pura memória, como disse, muito marcada pela minha própria experiência.
 
A estória é a seguinte. Tomo como exemplo a indústria automobilista e a rede metalúrgica a ela vinculada. Pelo tamanho e pelo poder simbólico desse segmento, na época. E, mais ainda, seleciono o exemplo da região metropolitana de São Paulo. Esse recorte, porém, me parece inspirador (com alterações, claro) para outros cenários do país.
 
Nos anos 1970, esse setor produtivo era enorme, influente e diversificado, estratificado. Havia um punhado de montadoras, cinco ou seis. Empregavam uns 100 mil trabalhadores. Mas em torno delas orbitavam milhares de empresas e oficinas, englobando outras centenas de milhares de empregados. No meio da década, na grande São Paulo (Capital, Guarulhos, Osasco, ABC) devia haver uns 500 mil metalúrgicos, talvez mais. E isso criava um interessante calendário, quase um ritual de comportamentos e atenções.
 
Os trabalhadores do ABC tinham contratos de trabalho (acordos coletivos) que venciam em maio. Isto é, deviam ser negociados com a patronal (o famoso Grupo 14 da Fiesp) em maio. Assim, depois do carnaval começava uma espécie de rotina de pedagogia política. O sindicato formava uma “comissão salarial” eleita em assembleia. Ela era incumbida de pesquisar, entre trabalhadores, as expectativas – quais os reajustes, quais as demandas relativas a condições de trabalho. Era também uma ferramenta de agitação – chamar atenção para esses temas, dentro das fábricas – e de sondagem de disposições, isto é, da disposição dos trabalhadores para um eventual confronto. Nos meses seguintes ocorreriam as assembleias para decisão sobre a pauta reivindicatória e sobre as contrapropostas patronais. Isso mobilizava, em diferentes níveis, mais de cem mil trabalhadores – e, claro, também atraia a atenção de suas famílias, vizinhos, etc. Hábitos, formas de pensar, escalas de valores, tudo isso girava em torno desse calendário. O que não era pouco.
 
Quando terminava o ciclo do ABC começava o movimento dos metalúrgicos da capital, com data limite em novembro. Com os mesmos rituais e efeitos, embora mais fragmentado, com muito mais empresas e um numero maior de operários.
 
O segmento metalúrgico era uma referência para outras categorias – trabalhadores da indústria química, plástica, farmacêutica, marcenaria, têxtil, alimentícia, etc. A aprendizagem política dos metalúrgicos transbordava para outras categorias, Além disso, os movimentos dos metalúrgicos catalisavam apoios e estimulavam participação política em diferentes movimentos de bairros operários. Em torno de uma greve surgiam numerosos grupos de apoio. No primeiro de maio de 1980, p. ex,, se organizou uma marcha de 130 mil pessoas em São Bernardo, no meio de uma greve em que a diretoria do sindicato e os dois níveis do comando de greve tinham sido detidos. A concentração desafiou a proibição da PM e marchou em direção ao estádio das assembleias, que estava ocupado pela polícia, e ali fez um ato político. Mais da metade daquelas 130 mil eram pessoas que vinham de diferentes cantos, de diferentes categorias e diferentes movimentos sociais. E esse é apenas um exemplo da “imantação” irradiada pelos movimentos desse segmento sindical, pela sua aprendizagem política.
 
Estou descrevendo, de modo rápido e impressionista, um cenário dos anos 1970. Antes da avalanche de “reengenharias” das empresas – com terceirizações, outsourcing e offshore. Antes, portanto, da fragmentação dessas macro-categorias em empresas e segmentos bem menores, muitas vezes inclusive rebatizados como “trabalhadores de serviços auxiliares” e não mais como trabalhadores industriais. E essa transformação foi decisiva – sobretudo porque não devidamente percebida e enquadrada, organicamente, pelas direções sindicais, que viam escorrer suas bases. A mudança dessa “base material” – mesmo que fosse (não era) puramente organizacional, contábil – já era suficiente para desmanchar todo aquele ritual formador de comportamentos, idéias e identidades que descrevi mais acima. Nos anos 1980 isso ainda era pouco visível. Nos anos 1990 foi brutal. Uma escola de política tinha sido bem debilitada.
 
Vetor 2:  o fator subjetivo
 
Para um observador estrangeiro, maio de 1978 talvez mostrasse algo surpreendente. Para muitos de nós, nativos, também. Quase como um raio no céu azul, algumas emissoras de TV mostram cenas de um personagem quase maldito: a classe operária, ou, mais precisamente, o movimento operário. Lembro-me de ver, surpreso, as cenas de greves em indústrias da grande São Paulo. Ou de um conflito em eleições para o sindicato metalúrgico da cidade de Osasco (mais tarde, a cena se repetia no sindicato da categoria na capital). Não me surpreendi com os fatos – eu os conhecia bem de perto. A surpresa era chegar na telinha. Aparentemente, o movimento operário saia das catacumbas. Quase literalmente, porque vivíamos mesmo em catacumbas. Explico – ou tento explicar.
 
Simplificando muito a estória, a esquerda armada foi dizimada em 1971, com alguns focos restantes. A partir daí, um longo caminho de reconstrução foi iniciado. Não apenas de reconstrução, mas de redefinição. Na maior parte dos grupos, os militantes que ficaram no país e não tinham sido destruídos pela prisão, começou um giro para o “trabalho de massa”, em fábricas e bairros operários, sobretudo. Lentamente, também nos sindicatos, em que a vigilância policial era muito forte, marcação homem a homem. Essa reorientação, paciente, trabalhosa, teve um associado valioso, determinante. Desde o começo dos anos 1960 a igreja católica passava por uma transformação, um giro para os segmentos populares, para os pobres. Na América Latina isso ganhou impulso simbólico com o encontro episcopal de Medelin (1968), que certo modo consagra a chamada igreja popular e a opção preferencial pelos pobres. Na cidade de São Paulo e nas cidades operárias periféricas, dezenas de padres progressistas começavam a fomentar a organização popular. Não apenas os padres operários, aqueles que se integravam nas fábricas, mas aqueles que dirigiam paróquias e capelas nos bairros periféricos. Era algo essencial, não apenas pela logística – locais, aparelhos de impressão (mimeógrafos) – mas pelo envolvimento da comunidade com valores e idéias baseadas em um sentimento genérico de solidariedade dos de baixo, de valores coletivistas. Essa rede dos nossos “padrecos” foi decisiva para a formação de ativistas e militantes, para a disseminação desses movimentos como algo legitimo, “natural” e não como atividade criminosa, carimbo que a ditadura tentou fixar na gente. Várias vezes, nós dirigíamos a palavra à comunidade para falar de uma campanha salarial, uma greve, uma eleição sindical. Inclusive em missas, naquele momento em que se lia e explicava uma passagem do Evangelho. A reflexão sobre a vida de Jesus era substituída pela reflexão sobre os outros “filhos de Deus”, os perseguidos e explorados do dia. Nunca será possível exagerar a importância desse componente – em que se soldou a cooperação entre cristãos e comunistas – na reconstrução do movimento operário e popular. E na modelagem da nova esquerda.
 
É relevante indicar esse vetor até para destacar o que aconteceu quando ele deixou de existir ou perdeu força, no final da década. Em 1979, um papa militantemente reacionário começou a obra de desconstrução dessa igreja progressista. A ferro e a fogo. A sementeira de ideias, sentimentos e valores (e de militantes) era atacada em sua raiz. Como a natureza detesta o vácuo, o espaço foi ocupado por outros atores, agora não mais movidos pela teologia da libertação, mas pela chamada teologia da prosperidade, a versão supostamente religiosa de uma ideologia capitalista extremada, ultra-individualista e ultra conservadora.
 
Se nós caminhássemos pelos bairros populares, durante os anos 1970, encontraríamos em todos eles uma paróquia ou uma capela – o que para nós, militantes, era um ponto de referência. Quase nenhuma igreja protestante, porque as igrejas protestantes eram, naquele momento, as tradicionais igrejas reformadas – metodistas, presbiterianos, anglicanos, etc. – e estavam sediadas, em geral, em bairros centrais ou de classe média. Hoje, nesses mesmos bairros, para uma igreja ou paroquia católica encontramos uma dezena de locais de culto neopentecostais, pregando a teoria de “Deus é seu sócio”. Para piorar o quadro, as igrejas do lucro foram à TV. Uma outra escola de política tinha sido debilitada. Uma outra, bem diferente, fora erguida.
 
A classe trabalhadora estava mudando rapidamente, o ambiente em que se encontrava e formava seus sentimentos e juízos também. Estas reflexões não devem estimular a idéia vã de reconstruir os mesmos castelos e trilhar os mesmos caminhos. Devem ser estímulo para pensar os equivalentes funcionais dessas trincheiras que perdemos. Ferramentas novas, em situações novas, para enfrentar problemas quem sabe semelhantes. Aquelas formas de organização e mobilização respondiam a necessidades prementes. Eram um pouco de modo espontâneo e um pouco refletidas, planejadas. Revisitá-las ajuda a apreender com esse passado e pensar o futuro aumentando a dose de construção deliberada, de construção consciente. Apostar na pura espontaneidade não é apenas arriscado, é irresponsável. Essa memória deve servir para gerar algo mais do que nostalgia, que é, afinal, inevitável para aqueles que passaram 20 anos esperando o alvorecer e agora enfrentam uma outra noite de ignorada duração. Para aqueles que virão, como dizia o poeta, pensem em nós e em nossos erros com alguma compreensão.


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