terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Analistas franceses veem Justiça 'de exceção' e 'politizada' na condenação de Lula

Analistas franceses veem Justiça 'de exceção' e 'politizada' na condenação de Lula

rfi - português do brasil

Para professora do Instituto de Altos Estudos da América Latina (Iheal), em Paris, condenação do ex-presidente é 'afronta ao Estado de Direito no Brasil'

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Existe um denominador comum entre intelectuais franceses que analisam a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quatro especialistas em história e ciências políticas ouvidos pela RFI após a condenação do ex-presidente a 12 anos e um mês de prisão, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá, apontam uma "politização" indesejável do sistema judiciário brasileiro.
A historiadora Juliette Dumont, professora do Instituto de Altos Estudos da América Latina (Iheal), em Paris, considerou a condenação do ex-presidente Lula como "uma afronta ao Estado de Direito no Brasil". Na opinião da especialista, a falta de provas de corrupção contra o petista mostra que seus direitos não foram respeitados.
"Temos em primeira instância e em segunda instância uma condenação que se baseia na delação de um dirigente da OAS (Léo Pinheiro], de uma construtora que tinha contratos com a Petrobras, sem nenhuma prova. Esse processo é sintomático dos desvios do atual sistema judiciário brasileiro. Acho que mais do que uma afronta ao Lula, vemos uma Justiça de exceção, cada vez mais politizada, que processa todos os partidos políticos, é verdade, mas se dirige ao Partido dos Trabalhadores com mais insistência", diz Dumont.  
Dumont considera legítimo que o ex-presidente mantenha sua agenda política visando a presidencial de outubro. "Não existe outra liderança à esquerda a não ser o Lula. Por isso, ele tem razão de acreditar em sua candidatura", avalia.
"Há pelo menos dois anos, antes mesmo do impeachment de Dilma Rousseff, surgiu no Brasil um discurso midiático, político e jurídico que é uma condenação, sem provas, do Partido dos Trabalhadores e das políticas que foram aplicadas pela legenda. Vimos com a Dilma, que já foi inocentada depois de sua destituição das acusações que foram feitas contra ela, que existe um sistema judiciário com papel político", conclui a professora.
Justiça disfuncional
Jean-Jacques Kourliandsky, especialista em questões ibéricas e da América Latina no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, um think tank francês sediado em Paris, disse não ter ficado surpreso com a sentença do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). Ele aponta, no entanto, "ordem constitucional disfuncional" no tratamento do processo do ex-presidente Lula, assim como aconteceu na destituição da ex-presidente Dilma.
"Apesar de os juízes terem dito que a decisão deles não foi política, temos o direito de questionar a rapidez com que o tribunal marcou o julgamento de Lula. O fato de o presidente do TRF-4 [Carlos Eduardo Thompson Flores] ter anunciado publicamente sua aprovação à sentença do juiz Sérgio Moro, em primeira instância, dizendo que ela era perfeita – o que vai contra todas as práticas do Judiciário –, nos permite questionar se a Justiça brasileira faz seu trabalho em conexão com o calendário eleitoral."

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Fotos Públicas

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Para Kourliandsky, não há dúvida de que o interesse do julgamento de ontem foi afastar o petista da eleição presidencial de 7 de outubro próximo. Ele acha provável que, "por coerência com as decisões em primeira e segunda instância", o Supremo Tribunal Federal deverá confirmar a pena de prisão contra Lula, em agosto. "O PT é prisioneiro deste cenário. Se Lula é afastado da corrida presidencial, outros candidatos de esquerda menos carismáticos vão aparecer, criando uma fragmentação no eleitorado de esquerda que pode favorecer a direita, como aconteceu no Chile", disse.
Pressão da mídia
Por outro lado, o pesquisador do Iris antevê outro cenário, mais sombrio. "A pressão da mídia brasileira, principalmente do grupo Globo e de grandes revistas semanais, sempre desqualificando o Partido dos Trabalhadores, apontando o ex-presidente como um corrupto, associando continuamente a política à corrupção, produz um fenômeno eleitoral inesperado. O PT e a esquerda ficam fora da disputa, mas nenhum candidato de direita consegue emergir com força nas pesquisas. Cria-se um enorme espaço para candidatos como o deputado Jair Bolsonaro [de extrema-direita], apoiado pelos evangélicos, ou eleitores inclinados a boicotar as urnas", diz Kourliandsky.   
Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe, da universidade SciencesPo, em Paris, considera que a eventual ausência de Lula nas eleições de 2018 "fará com que uma parcela expressiva da população não se sinta representada no pacto político e social que representa uma eleição presidencial".
Para Estrada, o modo como o julgamento foi transmitido pela televisão e as palavras utilizadas pelos desembargadores em Porto Alegre não contribuem para apaziguar o processo eleitoral no Brasil.
"Atores do sistema autoritário estão presentes"
Na avaliação de Maud Chirio, professora de história contemporânea na Universidade Paris-Est Marne la Vallée, o Brasil atravessa um contexto de instabilidade com "uma grande bipolarização política que pode assumir formas mais violentas". Atualmente, o campo que é hostil a Lula está extremamente mobilizado e se expressa oralmente de maneira violenta, estima a professora. Segundo Chirio, "a imprensa também manifesta um ódio político, como já se viu com o anticomunismo, que dividiu famílias, separou casais e extrapolou a política".
"O que pode acontecer é que se Lula finalmente conseguir, por razões variadas, se apresentar como uma alternativa plausível, existe o risco de haver uma reação das Forças Armadas", acredita a historiadora. "Em um recado ao Judiciário, os militares disseram que, se certas pessoas não fossem condenadas, eles iriam intervir para evitar que se instalasse o caos no Brasil. Isso quer dizer que os atores políticos das situações autoritárias estão presentes", adverte Chirio.
(*) Publicado na RFI

Moro e Dallagnol pesam mais na Justiça que os 11 do STF. Por Kennedy Alencar

Moro e Dallagnol pesam mais na Justiça que os 11 do STF. Por Kennedy Alencar

De Kennedy Alencar, em seu blog:
Parece que alguém esqueceu de avisar à ministra Cármen Lúcia que o Supremo Tribunal Federal se apequenou faz tempo. Durante encontro ontem em Brasília com jornalistas e empresários, ela disse que o tribunal correria esse risco caso viesse a rediscutir a prisão após condenação em segunda instância em função do caso do ex-presidente Lula.
O STF já se apequenou em outros episódios. Por exemplo, decidiu que medidas cautelares contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG), como prisão e afastamento do mandato, deveriam passar pelo crivo do Congresso.
A medida, impopular, foi acertada. Mas, logo depois, o mesmo STF decidiu que esse entendimento não valia para três deputados estaduais do PMDB presos no Rio de Janeiro. Ou seja, a corte julgou de acordo com o nome na capa do processo. Julgou casos iguais de forma diferente.
No caso de Aécio, havia um detalhe que agravava a situação. As provas, inclusive produzidas pelo senador na conversa gravada pelo empresário Joesley Batista, eram bem mais consistentes do que as usadas pelo TRF-4 para confirmar a sentença do juiz Sergio Moro contra Lula no processo do apartamento no Guarujá.
Até hoje o Supremo não julgou um recurso final da defesa da ex-presidente Dilma Rousseff contra o impeachment, apesar de frequentemente levar ao exame do plenário assuntos que têm imediata e grave repercussão política. Difícil imaginar algo mais importante do que um impeachment.
O privilégio do auxílio-moradia se ampara numa liminar do ministro do STF Luiz Fux, que criou uma verdadeira farra no Judiciário com a sua decisão. O Supremo vem empurrando com a barriga uma decisão sobre essa liminar há cerca de quatro anos. Preferiu não mexer com a mordomia de juízes e procuradores.
Enfim, sobram exemplos de medidas diferentes adotadas pelo Supremo em situações similares, quiça exatamente iguais. Mais um exemplo: o mesmo STF impediu a posse de Lula na Casa Civil e confirmou a de Moreira Franco na Secretaria Geral.
Ora, o tribunal mostra dureza em relação a alguns. Ora, moderação no que se refere outros. Está difícil encontrar um paralelo histórico para um Supremo tão apequenado como o atual. Aliás, é duro lembrar quando foi que a atual composição da corte se agigantou. Sergio Moro e Deltan Dallagnol têm mais influência no Judiciário do que os 11 ministros do STF _somados.