sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

AFRÂNIO JARDIM: GLEISI ACERTA AO IR À POSSE DE MADURO

Autor dos EUA lamenta retrocessos do governo Bolsonaro

Autor dos EUA lamenta retrocessos do governo Bolsonaro

 
Benjamin Moser, autor dos Estados Unidos homenageado com o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural, escreveu uma carta aberta ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
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Ele é um estudioso das artes e da cultura brasileira, tendo escrito uma biografia de Clarice Lispector, entre outros trabalhos.
Segundo Moser, o racismo, a homofobia e a saudade da ditadura do governo Bolsonaro têm sido fartamente comentados na imprensa mundial.
“Infelizmente, não é apenas uma questão de tom. Desde o primeiro dia, este governo deu a impressão de querer abusar das pessoas mais vulneráveis da sociedade.”
Leia a seguir a carta completa que foi publicada pela Folha de S. Paulo:
Prezado ministro,
Há pouco mais de dois anos, o ministério que o senhor hoje encabeça me outorgou o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural. Foi um reconhecimento do meu trabalho e trouxe consigo uma obrigação de continuar trabalhando em prol do Brasil —de ser algo como um amigo oficial do Brasil. E é nesta capacidade que lhe escrevo.
Recentemente, o senhor publicou uma matéria no meu idioma, o inglês, e no meu país, os Estados Unidos (“Bolsonaro was not elected to take Brazil as he found it”, ou “Bolsonaro não foi eleito para deixar o Brasil como o encontrou”, na Bloomberg, em 7/1). Se respondo em português, é por dois motivos. 
Primeiro, porque sua matéria ilustra muito bem que saber a gramática ou o vocabulário de outra língua não implica compreender suas sutilezas: como soa. Se tivesse maior noção do meu idioma, seria de esperar que não houvesse publicado uma coisa que —digo francamente— expõe o Brasil ao ridículo.
E essa é a segunda razão pela qual lhe respondo em português. Apesar de não ser de nacionalidade brasileira, o Brasil não me é de maneira nenhuma alheio. Desagrada-me profundamente vê-lo alvo de risadas internacionais. Gostaria, pois, que esta conversa ficasse entre nós —em português.
Em inglês, a sua vinculação da política externa com Ludwig Wittgenstein soa bizarra. Suspeito que não seja sua intenção —que é, se estou lendo bem, de deslumbrar o leitor com frases como “desconstrução pós-moderna avant la lettre do sujeito humano e negação da realidade do pensamento”.
Sabe aquele estudante de pós-graduação que encurrala a menina na festa falando de Derrida ou Baudrillard?
Pois é.
Aliás, em inglês, proclamar “não gosto de Wittgenstein” soa pretensioso, arrogante. Sabe aquele homem que, diante de um Picasso, diz que sua filha de quatro anos poderia ter feito melhor?
Pois é.
Mas, além do tom, qual é mesmo seu problema com Wittgenstein? Vejo que não é sequer uma frase inteira, mas uma parte de uma frase: “O mundo tal como o encontramos.”
O senhor lê isso como um pedido —uma ordem, até— de aceitar tudo no mundo tal como é, de não tentar mudar nada, de se comportar como se não tivesse vontade própria. Se acompanho a sua lógica, é assim que o Brasil tem se comportado durante todos os governos, de esquerda como de direita, que precederam o atual.
Para quem conhece a obra de Wittgenstein —assim como para quem tem noções da história diplomática brasileira—, isso pode soar inexato. Mas o senhor pretende romper um padrão que tem impedido o surgimento da verdadeira grandeza do Brasil. O país, segundo o senhor, antes disse: “Eu não acho nada. Eu não tenho ideias. Assim como o sujeito desconstruído de Wittgenstein, eu não tenho um ‘eu’.”
Eu não caracterizaria o trabalho de gerações de diplomatas brasileiros assim. Imagino que, em português, possa soar desdenhoso. Mas estamos falando de como soa em inglês, e, se muito ficou incerto na sua matéria, uma coisa ficou clara: sua vontade de mudar a imagem do Brasil no mundo.
De fato, em poucos meses, essa imagem já mudou bastante. Temo que não seja na direção que o senhor pretende. Pois, em todos os meus anos de brasiliófilo, nunca vi tantas matérias ruins sobre o Brasil surgirem na imprensa europeia e americana. Isso deve ser motivo de preocupação para um chanceler. Porque o Brasil, apesar de seus problemas, sempre desfrutou de um nome positivo no mundo.
O racismo, a homofobia e a saudade da ditadura da nova administração têm sido fartamente comentados na imprensa mundial. Em inglês, o tom dessa cobertura tem sido extremamente negativo. Um chanceler deve poder responder num inglês sereno e compreensível e explicar as razões que levam o novo governo a adotar tal e tal medida.
Quando se dirige a um público internacional, uma coisa a evitar a todo preço é o emprego de termos —“globalistas,” “marxistas,” “anticosmopolitas,” “valores cristãos”— que, em inglês, têm fortes conotações antissemitas. 
São extraídos do léxico de conspiração global judaica, e, dada a história deste léxico, pessoas civilizadas, tanto de direita como de esquerda, aprenderam a evitá-lo.
Quando se fala inglês, é preferível, em geral, evitar falar de conspirações. Dá a impressão de ter passado a noite em claro na internet decifrando os segredos das pirâmides. Talvez seja por isso que suas descrições sobre o aquecimento global como trama marxista tenham sido tão amplamente ridicularizadas na imprensa mundial.
Quem, em língua inglesa, quer ser levado a sério evita tais caracterizações. E não é mesmo este o maior desejo do senhor, o de ser levado a sério? É a única coisa que fica clara debaixo da linguagem um tanto acalorada. 
A novidade que o senhor anuncia não é outra coisa senão a mais antiga emoção do conservador brasileiro: o ufanismo magoado. 
Este é o sentimento de quem quer uma nação que esteja à altura da imagem —muitas vezes exagerada— que tem de si próprio.
Se o senhor imagina que o Brasil não é suficientemente respeitado, seria bom nos brindar com pelo menos um exemplo; na minha experiência, vasta, do Brasil no âmbito internacional, confesso que nunca percebi a falta de respeito.
Mas, mesmo que ela existisse, seria bom lembrar que, em qualquer país, o respeito não se exige. Com paciência e trabalho, se ganha.
Ninguém sabe melhor do que eu os lados positivos que tem o Brasil. Mas, sabemos, brasileiros e estrangeiros, que o Brasil também tem uma cara feia. E é essa cara que seu tom me traz à mente. É o tom daquele patrão que grita “faça que tô mandando!” para a empregada. Asseguro-lhe que não fica mais elegante em tradução inglesa.
Infelizmente, não é apenas uma questão de tom. Desde o primeiro dia, este governo deu a impressão de querer abusar das pessoas mais vulneráveis da sociedade. Todos os jornais do mundo têm noticiado os ataques aos índios e à população LGBT, além da redução do salário mínimo para os trabalhadores mais pobres.
É possível que haja explicações razoáveis para tais medidas, mas confesso que até agora não as vi. De novo, seria mais eficaz explicá-las com calma do que andar pelo mundo proclamando que os brasileiros não são mais “robôs pós-modernos” e que não suportarão mais “a opressão wittgensteiniana da morte-do-sujeito.”
Porque, ironicamente, é seu medo de ver as pessoas zombarem do Brasil que fará… as pessoas zombarem do Brasil. Deve ter visto a ministra Damares gritando que “menino veste azul e menina veste rosa!” e notado como isso repercutiu pelo mundo. As suas declarações também não ajudam a que as pessoas levem o Brasil a sério.
Se há um ponto em que estamos em total acordo é que também não gosto de ver o Brasil ridicularizado. Por isso, lhe encorajo a lembrar em nome de quem está falando. E de escolher com mais tato, em português como em inglês, as suas palavras.
O senhor se descreve, no seu Instagram, como “ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro”. Não é.
É ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Seria bom que se comportasse com a dignidade que tal posição exige.
E se, no futuro, tiver uma dúvida de inglês, pode sempre entrar em contato comigo.
Cordialmente,
Benjamin Moser
Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural, 2016  

O jogo vai começar: time, esquema e objetivos em campo

Cartas do Editor

O jogo vai começar: time, esquema e objetivos em campo

Na tentativa de desvendar o improvável, nada melhor do que analisar a escalação do time do presidente recém empossado, do seu esquema de jogo e objetivos em campo

 
10/01/2019 09:12
(Ueslei Marcelino/Reuters)
Créditos da foto: (Ueslei Marcelino/Reuters)
 
Com as energias renovadas, Carta Maior retoma suas atividades neste 2019, um dos mais imprevisíveis anos da nossa história recente. Na tentativa de desvendar o improvável, nada melhor do que analisar a escalação do time do presidente recém empossado, do seu esquema de jogo e objetivos em campo.

De forma geral, o Brasil terá vinte e poucos ministérios, bem além dos 15 prometidos em campanha, em torno de quatro forças principais: a militar, a de Moro, a de Guedes e a dos parlamentares de direita e extrema-direita, incluindo também, os filhos do presidente empossado.

Os militares
Desde a redemocratização, os militares não contavam com tamanho espaço político dentro do Executivo. Além do general Mourão na vice-presidência, foram indicados o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz para a Secretaria de Governo e esperamos que sua experiência na missão de Paz no Haiti seja de grande valia; o general Augusto Heleno no Gabinete de Segurança Institucional, concentrando as atividades de política e de inteligência; o almirante de Esquadra Bento Costa Lima Leite para Minas e Energia, um entusiasta do submarino brasileiro; e o general da reserva Fernando Azevedo e Silva, o militar que passou pelo gabinete de Dias Toffoli (STF), para a Defesa.

Na conta dos militares é possível incluir também o astronauta e escritor de autoajuda Marcos Pontes para Ciência e Tecnologia; o colombiano Ricardo Vélez Rodriguez, defensor do Escola Sem Partido e professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, para Educação, aliás, uma indicação do astrólogo e guru da direita Olavo de Carvalho; Tarcísio Gomes de Freitas, ex-diretor-executivo e geral do DNIT, indicado para o futuro ministério de Infraestrutura, que também participou da missão de Paz da ONU, no Haiti, comandada por Santos Cruz; e o militar Wagner do Rosário, funcionário de carreira do CGU, para o ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União.

Os financistas

Todos os postos-chave de áreas e instituições ligadas à vida econômica brasileira (dos bancos ao IPEA) serão ocupadas por gente do mercado financeiro, grande maioria com passagem por instituições financeiras e pela Universidade de Chicago, centro do ultra-neoliberalismo, a começar pelo próprio Paulo Guedes, agraciado com um superministério que englobará Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio Exterior, com direito à Secretaria de Privatizações.

Em síntese: a concentração de renda e a isenção do pagamento de impostos sobre lucros e dividendos continuarão garantindo a boa vida dos ricaços que especulam no Brasil, com Guedes e seus colegas da Universidade de Chicago: Joaquim Levy indicado para o BNDES, Rubem Novaes para o Banco do Brasil e Roberto Castello Branco para a Petrobras. Também fazem parte da “famiglia” defensora dessa elite improdutiva, o especialista em privatizações, Pedro Guimarães indicado para a Caixa Econômica Federal; Roberto Campos Neto, ex-diretor do Santander que comandará o Banco Central; e Carlos von Doellinger, ex-presidente do Banerj, indicado por Guedes para presidir o IPEA.

Marshall

Além dos militares e dos agentes do mercado financeiro, o futuro governo contará com o time montado pelo superministro Sérgio Moro que se tornou uma espécie de xerife-justiceiro, ao assumir o papel de estandarte do antipetismo. Personagem de uma marca construída pela mídia e por setores do Judiciário que lhe deram carta-branca, na posição de ministro da Justiça e Segurança Pública, Moro estará no comando dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria Nacional de Segurança Pública (Força Nacional, Departamento Penitenciário, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, Secretaria Nacional de Justiça, Comissão de Anistia e COAF), além da FUNAI e o CADE. Um superministério que pode abrigar, também, a Controladoria Geral da União. Sejamos sinceros: um treinamento e tanto a qualquer interessado a uma candidatura à Presidência da República em 2020.

Interessante observar que, acumulando tantos poderes e protegido pelo manto midiático, Moro praticamente não poderá ser demitido; aliás, o mesmo acontece em relação a Paulo Guedes. Do xerife, já foram anunciadas as indicações de Érika Marena, a delegada federal (a quem se atribui a responsabilidade pelo suicídio de Luiz Carlos Olivo, reitor da UFSC) para o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional; e de Maurício Valeixo, superindentende da PF no Paraná, para o comando da PF. Nuca é demasiado lembrar que ele esteve à frente da operação que prendeu Lula, impedindo-o de concorrer às eleições de 2018.

Direita medieval

Assim como os militares, o DEM, antiga Arena e antigo PFL, volta à cena com a nomeação de Onyx Lorenzoni (DEM-RS), até que se prove o contrário, para a Casa Civil; O médico Luiz Mandetta (DEM-MS) que responde processo por fraude em licitação, tráfico de influência e caixa 2 na implementação de um sistema de prontuário eletrônico; e Tereza Cristina (DEM-MS), mais conhecida como a ˜musa do agrotóxico”, apoiadora do PL do Veneno que, simplesmente, permite a utilização no Brasil de agrotóxicos rejeitados na Europa.

Do PSL, o presidente do partido e amigo de Bolsonaro, Gustavo Bebianno foi indicado para a Secretária-geral da Presidência; e Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG) para pasta de Turismo. O PSDB, naturalmente, também participará do governo Bolsonaro com Ricardo de Aquino Salles, secretário de Meio Ambiente do governo Alckmin, um dos criadores do movimento Endireita Brasil para o Meio Ambiente e, pasmem: ele foi advogado da Sociedade Rural Brasileira.

Continuam no governo, Osmar Terra (MDB) que passa do ministério de Desenvolvimento Social de Temer para o futuro ministério de Cidadania e Ação Social, respondendo, também, por parte da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad). E o secretário executivo do ministério das Cidades e da Integração Nacional, agora, alçado ao comando da futura pasta de Desenvolvimento Regional.

Várias das figuras acima citadas mereceriam destaque por suas ações e declarações, permitindo-nos dimensionar o tamanho do estrago que virá e, sobretudo, da mediocridade do futuro governo. Algumas, porém, merecem um breve comentário.

O que dizer das revelações da pastora Damares Alves, assessora de Magno Malta (PR), indicada para o ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que garante ter visto Jesus Cristo em um pé de goiaba?

O que dizer da indicação de Ernesto Araújo para as Relações Internacionais? Um diplomata que acredita que a causa ambiental foi “pervertida” pela esquerda, que a globalização vem sendo pilotada pelo “marxismo cultural” e que escreveu, nos Cadernos de Política Exterior do Itamaraty que “somente Trump pode ainda salvar o Ocidente”?

E o que dizer, meus caros, dos filhos do presidente recém empossado? De suas declarações violentas contra os movimentos e partidos de esquerda; dos escândalos que os cercam, do poder que parecem exercer?

Como vocês podem ver, indicações que revelam uma mediocridade acachapante, para dizer o mínimo. Mas não nos enganemos, por trás dessa escalação e dos superministérios criados, há um arranjo devastador para o Brasil, que acena para a pilhagem e venda de um imenso patrimônio acumulado ao longo de décadas, cujo dono não é o governo Bolsonaro, mas sim o povo brasileiro.

Tal arranjo poderá se desmanchar nas disputas e brigas internas entre os interesses e, sobretudo, os egos que animam essas quatro forças integrantes do futuro governo.

Como ocorre no futebol, o técnico pode ser mudado, o que não desejamos, mas pode... De qualquer forma, a culpa pelos desacertos recairá nos jogadores e, ante o show de horrores que se avizinha, talvez cheguemos ao limite de vermos o nosso Brasil rebaixado para a segunda divisão.

Nós, da Carta Maior, vamos acompanhar o Governo Bolsonaro passo a passo, analisando erros e acertos que, francamente, esperamos que ocorram para o bem do país.

Para que possamos realizar este trabalho, nós precisamos da contribuição de todos. Quanto mais recursos tivermos, maior será nossa capacidade de atuação.

Ajude-nos a conquistar, neste mês de janeiro, mais duzentos parceiros doadores. Isso nos permitirá projetar uma série de atividades que vocês vão acompanhar e participar de perto.

Estamos tentando, a todo custo, manter a Carta Maior um veículo com conteúdo aberto apenas para seus parceiros-doadores. Você, leitor assíduo de Carta Maior, pode nos ajudar nessa luta. Com apenas R$1,00 por dia (R$30,00/mês), você pode garantir que nosso conteúdo permaneça disponível a todos.

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Um excelente ano a todos e sigamos juntos em defesa do Brasil e, sobretudo, dos ideais que nos unem.

Caberá a nós defendê-los.

Joaquim Ernesto Palhares
Diretor da Carta Maior

Entenda o que levou o Ceará a mais uma crise na segurança pública


MILITARIZAÇÃO

Entenda o que levou o Ceará a mais uma crise na segurança pública

Estado vive ápice da violência, com 169 ataques em 42 cidades; sociedade civil pede políticas estruturantes

Brasil de Fato | Brasília (DF)
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Ouça a matéria:
Loja de revenda de motos foi incendiada em Fortaleza (CE) durante ataques / José Cruz/Agência Brasil
Com uma crise crônica na área de segurança pública, o Ceará tem vivido os últimos dias um clima de tensão para a população, especialmente para as comunidades da periferia.
Comércios fechados, toques de recolher, redução de frota de ônibus, linhas de transporte circulando sob o patrulhamento de policiais, interrupção de coleta de lixo e outros serviços compõem o cenário de terror que já dura uma semana e atinge a capital e mais 41 municípios do interior.
Sob ataques desde a última quarta-feira (2), o estado registrou, até o momento, 169 ações, incluindo incêndios de carros e coletivos; disparos em agências bancárias; explosões em pontes e viadutos; ataques a prédios públicos, creches, semáforos, fotossensores, ambulâncias, câmaras de vereadores, entre outros.
De um lado, o governo tenta, como medida emergencial, articular um reforço nas ações de patrulhamento, com o auxílio de homens da Força Nacional e da Polícia Militar da Bahia. Também foram nomeados novos agentes penitenciários e da PM, ao mesmo tempo em que 21 líderes de facções criminosas foram transferidos para presídios federais.
De outro lado, atores da sociedade civil organizada e especialistas defendem a adoção de outras medidas. Para o pesquisador César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), é preciso atuar em diferentes frentes.
Uma delas se refere aos investimentos na área de inteligência, de forma que o Estado tenha capacidade para frustrar as ações das facções e desarticular o crime organizado. Além disso, ele ressalta que a atuação estatal precisa ser traçada com técnica e organização.
“A questão do planejamento tem que ser feita de forma muito rigorosa, pra que nós tenhamos ações de curto, médio e longo prazos. Nós não podemos conter violência com violência. Temos que contê-la com inteligência, com racionalidade”, analisa.
Militarização
O caráter militarizado das ações implementadas pelo governo estadual também é outra preocupação dos especialistas. O pesquisador Luiz Fábio Paiva, do LEV/UFC, destaca que a utilização da Força Nacional (autorizada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro), por exemplo, é uma ação limitada e por isso sem capacidade de promover mudanças reais no cenário da violência.
O governo afirma que o uso das tropas seria uma forma emergencial de tentar inibir a ação de facções criminosas, suspeitas da autoria dos ataques.
O contexto da violência no estado é marcado atualmente pelo fortalecimento de grupos que migraram do Rio de Janeiro e de São Paulo para o Ceará, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), além da Família do Norte, surgida no Amazonas, e de facções locais. Por conta da localização geográfica, a capital cearense é considerada estratégica para a rota do tráfico internacional de drogas.
Contexto
Os ataques tiveram início na última quarta (2), após uma declaração do novo secretário de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, de que o estado iria promover mudanças nos presídios, como a proibição da entrada de celulares.
Ele também anunciou que acabaria com a prática de divisão de presos conforme a facção criminosa, o que tenderia a prejudicar a articulação do crime organizado. Como resposta, as facções iniciaram a série de ataques, que contabiliza, até esta quarta-feira (9), 215 pessoas capturadas, entre detidos e apreendidos.  
Entre outras medidas, o governo estadual deslocou policiais civis dos trabalhos de investigação para o patrulhamento de rua, que agora conta também com cerca de 200 agentes da Força Nacional. O pesquisador Fábio Paiva ressalta, no entanto, que a ação das polícias e especialmente da Força Nacional tem caráter pontual e superficial.
“Obviamente, a Força Nacional garante um apaziguamento porque há maior presença de efetivo policial. No entanto, ela não tem poder nenhum de resolver os problemas que geram o crime e a violência no estado. Quando ela sair, todos esses problemas vão continuar. Inclusive, durante o período em que ela permanecer, é muito provável que esses coletivos [facções] continuem com o processo de agenciamento de jovens, formando fileiras e aguardando o momento para voltarem a demonstrar sua força”, aponta o professor.
Iniciativas de políticas públicas
Em 2015, ao assumir o primeiro mandato, o atual governador, Camilo Santana (PT), lançou o programa “Ceará Pacífico”, voltado à execução de diferentes projetos intersetoriais que envolveriam reforço de efetivos do Estado, atuação policial com caráter comunitário e oferta de serviços públicos nas áreas social e de segurança. 
O foco era voltado para territórios de alta vulnerabilidade. Entre outras coisas, as ações envolveriam parcerias com o setor privado e com a Prefeitura de Fortaleza.
A ideia do Ceará Pacífico seria, entre outras coisas, reduzir a vulnerabilidade das comunidades-alvo para evitar a captura de jovens pelo crime organizado, articulador do tráfico de drogas. O trabalho, no entanto, não conseguiu atingir o horizonte esperado. É o que afirma Adriano Almeida, do Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará, que reúne entidades, movimentos populares e outros atores.
Atuante no Grande Bom Jardim, uma das áreas mais violentas de Fortaleza, Almeida aponta que o estado não teria conseguido suprir com eficiência as necessidades diagnosticadas para o lançamento do programa, como, por exemplo, uma maior articulação entre as forças estatais e os territórios mais vulneráveis.
“A perspectiva comunitária, de diálogo com a sociedade civil e os movimentos populares, foi totalmente modificada. Durante o processo, a perspectiva militarizada alterou o caráter e o escopo geral do programa. A concepção primeira e a atual são totalmente diferentes”, afirma.
Juventude
Caio Feitosa, da coordenação da ONG Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza, que atua em bairros periféricos da capital cearense, sublinha que jovens são considerados o público mais vulnerável à atuação do tráfico de drogas. Por conta disso, acabam se tornando alvo certeiro da violência.
Em Fortaleza, por exemplo, cerca de 50% dos homicídios se concentram em 17 bairros, todos de alta vulnerabilidade, segundo diagnóstico do Comitê Cearense pela Prevenção dos Homicídios na Adolescência. No ano passado, os assassinatos ocuparam o topo do ranking das mortes de jovens com idade entre 10 e 19 anos, com 2.053 casos.
Feitosa destaca que, em geral, as vítimas são pessoas com bastante proximidade com o círculo da violência.
“O perfil é sempre de um jovem que abandona a escola; um jovem que, ao contrario do que se diz, já tinha procurado oportunidade de trabalho, uma inserção precarizada de trabalho. É também um jovem quase sempre filho só de mãe, ou seja, tem um contexto de desassistência paterna muito grande, e mora em área de pouca infraestrutura urbana, uma moradia quase sempre muito precária e em condições de pobreza”, acrescenta o coordenador.
Diante desse cenário, o pesquisador Luiz Fábio Paiva afirma que os investimentos prioritários em políticas de segurança pública ostensiva e repressiva não teriam funcionado porque não garantem resultados na melhora da qualidade de vida, sobretudo das periferias.
Ele acrescenta que o estado carece de políticas mais estruturantes voltadas à prevenção da violência e ao bem-estar social. Entre outras iniciativas, os especialistas defendem ações enérgicas nas áreas de educação, assistência social e foco nos territórios.
“Se você não faz isso, efetivamente, você não tem solução nenhuma para um problema que é muito grave e que, infelizmente, tem sido tratado com amadorismo e bravatas”, aponta.
O que diz o governo
Em entrevista ao Brasil de Fato, o secretário-chefe da Casa Civil do Ceará, Élcio Batista, admitiu problemas levantados pelos especialistas ouvidos nesta reportagem. Ele afirmou que “as ações dentro dos territórios do Ceará Pacífico vêm ocorrendo de forma mais lenta do que o esperado”. Além disso, afirmou que há necessidade de maiores investimentos nesses locais, com ações integradas de educação, saúde, proteção social, etc.
Do ponto de vista do combate ao crime, Batista disse que haveria necessidade de maior participação do governo federal na administração do problema.
“Nos últimos 15 ou 20 anos, a ação da União foi basicamente enviar a Força Nacional para o estado e abrir vagas no sistema penitenciário federal para transferir alguns líderes de facções criminosas”, sublinha.
O secretário-chefe defende a efetivação de uma política nacional articulada entre União e estados para fazer uma repressão qualificada do crime organizado. Ele argumenta que as facções criminosas têm amplitude nacional e por isso os estados não teriam condições de encontrar, sozinhos, soluções mais efetivas para a questão.
“Estamos falando de tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro. São crimes federais. Estamos falando de questões que ultrapassaram as fronteiras do país, de crimes que são transnacionais. Esse é o grande desafio que precisa ser enfrentado, porque não estamos falando de um problema localizado no Ceará. Ele já ocorreu, nos últimos quatro anos, no Espírito Santo, no Acre, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul”, finaliza.
Edição: Mauro Ramos