sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Carta aberta ao general Antonio Hamilton Mourão

Nascido no cárcere da ditadura, Paulo Fonteles Filho escreve carta ao general Mourão

19 de setembro de 2017 às 12h01
  




Carta aberta ao general Antonio Hamilton Mourão
Caro general Antonio Mourão, desde sábado (16), é que se multiplicam vossa manifestação nas redes sociais, blogues, sites, portais e afins por conta de tua última palestra, em Brasília, em evento ligado à maçonaria quando, em ameaça velada, falaste abertamente de intervenção militar, como se contasses com o amparo ou chancela de seus companheiros de armas, ou seja, o próprio generalato tupiniquim.
Na caserna, o tiro saiu pela culatra.
Ao invés de um palavrório decente, apaziguador em momentos de crise democrática – sim, porque a democracia e os direitos do povo foram usurpados por Temer e sua quadrilha – assistimos, atônitos, a antiga cantilena de um militar estreludo, talvez um delfim tardio dos tiranos que ensejaram um golpe militar em 64 e que levaram as forças armadas brasileiras a cometer crimes insidiosos, de lesa-pátria, com torturas, assassinatos, exílios, perseguições, censura e desaparecimentos forçados.
Entre militares decentes deves estar passando vergonha, muita vergonha, general.
Sim, porque quero crer que há militares decentes, gente preocupada com o futuro do país e não somente em fazer verborragia bolsonazi e o discurso do medo, próprio dos fascistas de plantão, ávidos por quarteladas, linchamentos e carne humana violada.
Confesso general, desde ontem estou me remoendo.
O sentimento que nos alcança é de assombro.
Meus amigos, família, pessoas que amo estão intimidadas, sequestradas pelo pavor que tal irresponsabilidade enseja.
Os dias estão muito estranhos e o medo é uma potente arma ideológica, assim foi no Reich de Hitler ou no “Brasil Grande” do Garrastazu.
Sabe general, sou de uma geração de perseguidos políticos.
Meus pais eram estudantes da Universidade de Brasília (UNB), amantes das liberdades, do Chico Buarque e dos Beatles e sem cometer qualquer tipo de crime — a não ser o de opinião — foram presos em outubro de 1971 e submetidos a terríveis torturas, além de condenações pela famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN), dispositivo que transformou o Brasil num purgatório de lobos bem felpudos.
Eu nasci na prisão e tive um irmão gerado no cárcere: o serpentário dizia que “Filho dessa raça não deve nascer” e isso ocorreu dentro das dependências do próprio Ministério do Exército, lugar onde dás expediente como servidor público federal.
Deves saber que no subsolo do teu ganha-pão foi um patíbulo para a infâmia.
Minha mãe, general Mourão, me pariu com 37 quilos, foi cortada e costurada sem anestesia e não disse um ai.
Depois de nascido — entre as feras do PIC — fui sequestrado porque não haviam algemas para os meus pulsos de recém-nascido.
Imagina que um bebê de poucos dias era considerado inimigo do status quo, aliás, muitas crianças assim foram tratadas pelo regime do terror.
Talvez a Hecilda, minha mãe, atual professora da UFPa, tenha sido a única mulher a ter tido dois filhos na prisão, sob peia.
Meu pai foi morto em 1987 e seu assassinato foi organizado por um ex-agente da comunidade de informações, James Vita Lopes.
Paulo Fonteles, pai amoroso de cinco filhos, era advogado e defendia posseiros no Araguaia.
O que o Brasil precisa general, com urgência, é a reconstrução da democracia, um judiciário independente, uma mídia imparcial, um parlamento sensível aos interesses da maioria na forma do respeito ao voto popular, de mais direitos, de Estado Democrático e respeito à soberania nacional, além de uma forte cruzada contra a ignorância, a corrupção, o racismo, a misoginia e a homofobia.
O fascismo levará o país à convulsão, além das vidas de uma geração que tem a responsabilidade com a felicidade coletiva.
É muito doloroso falar sobre isso general Antonio Mourão e lembrar que muitos foram mortos pela histeria malsã que repetes, como um ventríloquo de satanás.
Mas minha tarefa também é a lembrança de que os tumbeiros que mancharam nosso solo de vergonhas, como na escravidão ou na ditadura militar de 64, jamais poderão ficar impunes.
Tenho pena de ti general, estás num quarto escuro e sem janelas, vitima da própria bílis que lanças no ar.
#DitaduraNuncaMais
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Francamente, não vou ficar discutindo a possibilidade de um golpe militar como sendo o maior escândalo de nossos tempos, por duas razões.
A primeira é que são remotíssimas as possibilidades de se instaurar um governo militar num país da importância mundial do Brasil, mesmo que diariamente o governo faça tudo  para apequená-lo. É evidente que qualquer pessoa dotada de algum juízo geopolítico sabe que a conjuntura mundial, hoje, ao contrário dos tempos da “Guerra Fria”, o impede. E, mesmo que haja uma aventura insana, é algo que não se sustenta politicamente.
Governo militar, hoje,  é coisa apara ex-capitães aloprados, jovens imbecilizados e senhores saudosistas. Militar com comando  e responsabilidade não acredita nisso, nem vai para aventuras que não sabe onde e como terminam. É coisa para aspirantes e tenentes bolsonaristas ou general em campanha prévia para o Clube Militar, onde vai curtir sua passagem para a reserva e se pode falar sem agir. Há quem fale em outras aventuras eleitorais: seu direito e uma falta de juízo sem tamanho.
A segunda razão é que a ditadura que me preocupa é a que já vivemos: a judicial.
Esta, sim, não é um perigo, é uma realidade.
Pior, é uma ditadura sem comando, porque o que seria seu “Estado Maior”, o STF, tornou-se uma espécie de “escolinha do Professor Raimundo” onde estamos debatendo as questões da “mais alta irrelevância” numa profusão de vaidades. Agora mesmo está julgando a questão do ensino religioso confessional, sem um mínimo de responsabilidade em ver que, neste momento, o tema é gasolina para os incendários do ódio.
Se falta comando, porém, tenentes superpoderosos não são escassos neste diktat da toga.
Além do tenente master Moro esporulam outros que se apresentam como carrascos da corrupção, com especial predileção pela esquerda, ou até, na falta disto, para obterem seu brilhareco, dos gays, das meninas que perdem a virgindade, e tudo o mais que possa atrair a atenção pública, enquanto o governo postiço vai entregando tudo o que resta de patrimônio e esperanças deste país.
Desculpem, mas eu não entro na gritaria contra a “ditadura militar” – que não desejo, óbvio, e creio, por tudo o que disse ao início, não virá – para fazer disto mais uma marola no tsunami punitivista com o medo do “prendam todos, senão prendemos vocês”.
É mais água no moinho do autoritarismo não-militar, mas da meganhagem que se tornou o sistema judicial e parajudicial.
Além de me apropriar, como faço a toda hora, das charges do Aroeira, pego emprestada também as frases da fina percepção do grande chargista:“Juízes prendem. PF prende. Procuradores prendem. Todos prendem. E escolhem quem prendem. Não vejo muitas possibilidades da Raquel[Dodge] fugir disso. É “exigência da sociedade” – leia-se mídia. Quem discordou ou esboçou reação foi enquadrado.”
É esta a ditadura que vivemos e que assombra, a judicial-midiática.
E que pode descambar, como alguns dizem de Mourão, para uma candidatura “ordem na casa”, a qual põe em cana, previamente, quem puder ser seu adversário.
Quem torce o nariz quando um general faz política, o que não pode fazer, mas bate palmas quando são juízes – igualmente impedidos de fazê-la – transformam-se em políticos da pior espécie: sem voto, sem princípios democráticos e com o direito de “cassar” e encarcerar apenas por suas “convicções”.
Vivi a ditadura militar o suficiente  para saber que era exatamente assim que faziam: prendiam para valer e cassavam em suas listas de “comunistas” e “corruptos” (JK, entre eles) todos os que poderiam ser referência para a população.
Por isso, acho que o muito mais perigoso para a democracia e para a liberdade no país é o “Morão”, não o Mourão.

Wadih Damous: Generais tramam golpe nas barbas de um presidente desmoralizado

Wadih Damous: Generais tramam golpe nas barbas de um presidente desmoralizado

21 de setembro de 2017 às 11h42






 




Generais tramam golpe nas barbas de um presidente desmoralizado
por Wadih Damous, especial para o Viomundo
A Constituição é clara : o presidente da República é o comandante supremo das forças armadas. E no seu artigo 142 o texto constitucional só admite a atuação dos militares na garantia da lei e da ordem por iniciativa dos poderes constitucionais; jamais por conta própria. A ordem jurídica também veda a opinião de caráter político por parte de oficiais da ativa.
No entanto, em menos de 48 horas, três generais – dois deles pertencentes ao alto comando do Exército, aí incluído o comandante, e um da reserva, mas visto como uma forte liderança por seus pares desde que comandou a primeira força de paz do Brasil no Haiti – fizeram letra morta desse marco legal ao defenderem a intervenção militar, para impedir a “instalação do caos.”
Em qualquer país de democracia avançada, insubordinações e desafios à ordem constitucional, como os protagonizados pelos generais brasileiros, seriam imediatamente coibidos com o afastamento das funções, como no caso do comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, e outras punições previstas em lei ou no regulamento disciplinar do Exército.
No Brasil pós-golpe, no entanto, o ministro da Defesa, também superior hierárquico dos generais, se limita a fazer uma tímida e envergonhada declaração sobre o assunto, enquanto o presidente – talvez acuado por saber de sua rala autoridade, uma vez que é produto de um golpe de estado- se omite completamente.
Tivesse Temer reagido à altura ao discurso do general Antônio Hamilton Mourão, que deu origem às demais falas de caráter golpista vindas da caserna, a anarquia poderia morrer no nascedouro.
Na base de Temer na Câmara dos Deputados e no Senado prevalece um silêncio preocupante em relação às escaramuças antidemocráticas a que o Brasil assiste.
Mesmo o campo democrático e de esquerda parece ainda não ter se dado conta do tamanho e da ferocidade do monstro que se vislumbra no horizonte.
A presidente nacional do PT é uma das exceções. Merece aplausos a nota emitida pela senadora Gleisi Hoffmann conclamando os democratas a cerrarem fileiras ante à ameaça dos militares de alta patente.
Vale recuar no tempo para lembrar que o golpe de 1964 foi precedido por falas polêmicas e desencontradas de chefes militares, alguns em defesa da legalidade, outros dando corda de forma sútil ou explícita à conspirata então em curso.
E não tenhamos dúvidas de que o alvo principal dos que hoje tramam a liquidação do regime democrático são as forças de oposição, os movimentos sociais, a mídia contra-hegemônica e a luta popular por direitos.
Circula na internet uma palestra de um dos insubordinados, o general Mourão, de sobrenome de triste memória, destilando intolerância contra a esquerda, a partir de considerações extremamente ignorantes e preconceituosas sobre o Fórum de São Paulo, uma articulação entre partidos e movimentos de esquerda da América Latina, fundado em 1999, na capital paulista.
A esquerda é citada ainda pelo general Augusto Heleno, quando saiu em defesa de Mourão : “ A esquerda, em estado de pânico depois de seus continuados fracassos viu nisso [nas declarações de Mourão] uma ameaça de intervenção militar. Ridículo.”
O risco às instituições democráticas é real. Não se trata de enxergar fantasmas onde eles não existem, nem de dar aso a análises catastróficas. O perigo é de carne e osso e veste verde oliva. Fascistas e golpistas não passarão.
Wadih Damous – deputado federal e ex-presidente da OAB/RJ

MPF rebate Mourão: Intervenção autônoma do Exército é crime inafiançável e imprescritível

MPF rebate Mourão: Intervenção autônoma do Exército é crime inafiançável e imprescritível

21 de setembro de 2017 às 18h22
 



Foto: Estado Maior Conjunto/CML, via Fotos Públicas
O papel das Forças Armadas no Estado Democrático de Direito é defender os poderes constituídos, afirma PFDC
Nota pública esclarece que não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção militar autônoma – seja em situação externa ou interna, e independentemente de sua gravidade
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, lançou nesta quarta-feira (20) nota pública na qual aponta o papel e os limites constitucionais na atuação das Forças Armadas brasileiras.
O texto esclarece que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, as Forças Armadas são integral e plenamente subordinadas ao poder civil, e que seu emprego depende sempre de decisão do presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou em atendimento a pedido dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.
De acordo com informações que circularam na imprensa brasileira nesta semana, o general do Exército Antônio Hamilton Mourão teria declarado que uma intervenção militar poderia ser adotada no Brasil, caso o Poder Judiciário “não solucionasse o problema político”, em referência à crise política vivenciada no país.
Na nota pública, o Ministério Público Federal ressalta que não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção autônoma das Forças Armadas – seja em situação externa ou interna, e independentemente de sua gravidade.
“Nem mesmo em situações de exceção constitucional, como o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa, as Forças Armadas podem assumir um papel fora de seus limites constitucionais”, esclarecem a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e o procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto, Marlon Weichert, que assinam o documento.
Confira a íntegra da nota pública:
O papel das Forças Armadas no Estado Democrático de Direito é defender os poderes constituídos
As Forças Armadas brasileiras – constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica – são instituições integrantes do arcabouço constitucional de promoção e proteção do Estado Democrático de Direito.
Subordinadas à autoridade suprema do Presidente da República, receberam da Constituição Federal a função de defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Além dessas três funções constitucionais, as Forças Armadas receberam da Lei Complementar nº 97, de 1999, a atribuição de missões subsidiárias, compatíveis com a sua missão constitucional e respectivas capacidades técnicas, tais como participação em operações de paz, cooperação com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, reforço à polícia de fronteira, promoção da segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, ordenação da segurança marítima e do espaço aéreo, dentre outras.
As Forças Armadas, em qualquer caso, são integral e plenamente subordinadas ao Poder Civil, e seu emprego na defesa internacional da Pátria ou em operações de paz, assim como em atuações internas de garantia dos poderes constituídos ou da lei e da ordem, depende sempre de decisão do Presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou em atendimento a pedido dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados (Lei Complementar nº 97/1999, art. 15, caput e § 1º).
Não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção autônoma das Forças Armadas, em situação externa ou interna, independentemente de sua gravidade.
Nem mesmo em situações de exceção constitucional, como o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa, as Forças Armadas podem assumir um papel fora de seus limites constitucionais.
A postulação de existência de um poder de intervenção militar por iniciativa própria, em qualquer circunstância, arrostaria a Constituição, que definiu essa iniciativa como crime inafiançável e imprescritível contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLIV).
A conformação das Forças Armadas nos termos do artigo 142 da Constituição é uma conquista democrática e expurga do cenário brasileiro o risco de golpes institucionais.
O papel desempenhado nas últimas décadas pelas Forças Armadas tem notoriamente reforçado a consolidação do Estado Democrático de Direito e é incompatível com a valorização do período passado no qual o País enveredou pelo regime ditatorial e a violação de direitos humanos.
DEBORAH DUPRAT
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
Ministério Público Federal
MARLON WEICHERT
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto
Ministério Público Federal