quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Ajuste fiscal pode levar o Brasil da recessão à depressão, alerta economista

03/02/2015 - Copyleft

Ajuste fiscal pode levar o Brasil da recessão à depressão, alerta economista

Para Delgado, não há nenhuma indicação técnica de que receituário neoliberal de austeridade adotado pelo governo Dilma resultará em retomada do crescimento


Guilherme Delgado

Agência Senado

Brasília - A política de ajuste fiscal implantada neste início do segundo mandato do governo Dilma Rousseff pode agravar a crise e levar o Brasil da atual recessão a um quadro muito mais severo de depressão econômica. Quem alerta é o economista Guilherme Delgado, doutor na área pela Universidade de Campinas (Unicamp), que atuou no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) por mais de três décadas.

Para ele, a rejeição à adoção do receituário neoliberal no país, na atual conjuntura, é muito mais uma questão de bom-senso do que meramente uma opção ideológica. “As consequências da austeridade fiscal em um momento de crise externa, de desaceleração forte do crescimento interno, de carências básicas de recursos como água e energia e de crise no sistema petroleiro podem ser desastrosas do ponto de vista de causar uma depressão econômica”, afirma.

Delgado até admite que o receituário neoliberal tenha gerado algum resultado positivo em conjunturas específicas, como ocorreu, por exemplo, no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A diferença, conforme ele, é que naquela época o setor externo estava em um momento de acelerar as exportações de commodities, a especialidade brasileira, o que não acontece hoje.

“No início do governo Lula, a recessão foi compensada pela aceleração nas exportações. Mas não é este cenário que temos agora. As exportações estão em queda. É só ver o preço do minério de ferro, da soja, do milho... está tudo em queda livre. Por isso, me causa espanto certas pessoas aplaudirem essa política. Aplaudir o quê? Estamos caminhando para uma depressão. E a depressão pega todo mundo”, alerta.

Quem paga a conta?

Mas se a depressão pega todo mundo, por hora é a parcela mais vulnerável da população que continua pagando a conta da crise. De acordo com Delgado, o receituário neoliberal de austeridade fiscal não vai corrigir os problemas herdados do primeiro governo Dilma, como a estagnação econômica e o desequilíbrio da balança comercial.

“Esse conceito de austeridade é bastante discutível, já que alguém sempre vai pagar a conta. E por que, então, escolher assalariados e beneficiários de programas sociais para transferir recursos para uma elite milionária que fica protegida pelo sistema financeiro?”, questiona ele, insistindo que, ao cortar benefícios trabalhistas, o governo Dilma adotou as mesmas políticas que criticou durante a campanha eleitoral.

“Os cortes nas políticas sociais afetaram basicamente o setor mais sacrificado da população, que é o pessoal do seguro desemprego, as pensionistas do INSS. Por que tanto o seguro desemprego quanto a pensão do INSS atendem majoritariamente a população de baixa renda”, esclarece.

Preconceito contra o pobre
Para Delgado, esse tipo de receituário que afeta a renda dos mais pobres é muito mais ideológico do que técnico e, exatamente por isso, tem efeitos econômicos práticos quase nulos. “Para justificar a redução de direitos, o governo buscou no fundo do baú tudo quanto é preconceito contra pobre ou desigual. Passou, por exemplo, a desqualificar as viúvas como se todas elas fossem ‘piriguetes’ que estão atrás dos velhinhos só por conta da pensão. É um discurso muito ruim, além de falso, já que não há nenhum censo demográfico ou previdenciário que o sustente. É fruto só do preconceito”, acusa.

De acordo com ele, a base de dados do próprio INSS mostra que as pensionistas são, em sua maioria, mulheres na faixa etária de 50 a 70 anos, que muitas vezes nunca ingressaram no mercado de trabalho formal, herdaram as pensões do marido e as utilizam para manter seus gastos essenciais.

Ele ressalta que, do universo de cerca de 50 mil pensões pagas pelo INSS, quase 90% tem valor que corresponde de um a três salários mínimos. Só a minoria recebe o teto, que nem é tanto assim, já que soma pouco mais de R$ 4 mil.

“Isso significa uma economia fiscal ridícula e uma ostensiva propagação de preconceito contra  pobre. É a retórica da intransigência. É mais uma forma de buscar um bode expiatório para a crise entre os mais pobres. E isso é muito grave do ponto de vista da cultura, da democracia, da ética social. Um governo popular deveria combater esse tipo de preconceito. E não alimentá-lo”, defende.

Para o economista, movimento semelhante ocorre com a mudança das regras de acesso ao seguro desemprego.  “Você cortar os benefícios para combater distorções é como matar uma mosca com tiro de canhão. Distorções se combate é com medidas pontuais. Ainda mais que o nosso modelo de seguro desemprego é necessário em um país que tem altíssima rotatividade de mão de obra”, afirma.

Ele lembra que 60% da população já está formalmente alijada do INSS  e entre os que são atendidos pelo sistema, cerca de 25% mudam constantemente de emprego, devido a estrutura do mercado brasileiro. “Nessa contexto, você exigir 18 meses de precedência de trabalho para o recebimento do seguro desemprego, que é o que prevê a nova política adotada, é prejudicar o trabalhador”, contesta.

O receituário de Levy

Mesmo concordando que a política econômica traçada no primeiro governo Dilma precisasse de ajustes para corrigir as distorções que resultaram no baixo crescimento econômico e no desequilíbrio das contas externas, o professor está convencido de que as medidas macroeconômicas anunciadas pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nada resolvem. “Adotar o receituário neoliberal agora é brincar na beira do precipício. Não há nenhuma sinalização para crescimento desta forma”, avisa.

Delgado lembra que a primeira medida tomada pelo ministro Levy foi cortar os recursos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em outras palavras, ele impediu as transferências do tesouro para o banco público, alegando que é obrigação do setor privado financiar investimentos. “O problema é que o setor privado não cumpre este papel e, com isso, o governo limitou fortemente o programa de investimento e concessão de serviço público”, esclarece.

O economista recorda que, na sequência, veio a política de elevação persistente da taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 12,25%, que gera consequências como o aumento da dívida pública, o que faz a alegria do sistema financeiro, mas também impacta na redução de investimentos na economia real. No primeiro governo da presidenta Dilma, a Selic chegou a ser reduzida para 7,25%.

Para piorar, ele acrescenta a crise da Petrobrás que já ameaça a saúde financeira das principais empreiteiras do país. Para o economista, a luta contra a corrupção, que é justa, pode aprofundar a recessão e, por isso, precisa ser tratada com agilidade e cuidado. “Essa crise da Petrobrás não pode se arrastar por mais um ano. Os bilhões extorquidos precisam ser cobrados das empreiteiras e dos agentes públicos envolvidos com rapidez, para a vida continuar”, afirma.

Alternativa para o desenvolvimento

Delgado acredita que, mesmo que não exista uma receita de bolo indicando exatamente o que o país deve fazer para voltar a crescer, insistir em políticas já desaprovadas pela experiência brasileira e internacional não gerará resultados diferentes.

A alternativa, segundo ele, passa necessariamente pela manutenção das políticas sociais de proteção aos mais pobres, sobretudo as que protegem direitos trabalhistas, e pela diminuição do vazamento para o exterior de recursos injetado no mercado interno, inclusive via política de elevação do salário mínimo.

“Existe um desiquilíbrio externo grave. Nós estamos com 4,2% de déficit na balança comercial. E qualquer incremento de renda vaza para o exterior. Mesmo as políticas sociais extensivas, mesmo o aumento do salário mínimo, vazam para o exterior. E não há meios da economia crescer com este vazamento estrutural, causado pela estagnação do nosso setor industrial e da consequente e profunda dependência das importações. Mas não adianta cortar isso elevando juros, porque você causa a estagnação do sistema”, avalia.

O professor lembra que a aposta do país na exportação de produtos agrícolas e pecuários está na gênese da crise. “A nossa especialização interna em commodities, que foi apresentada como salvação da pátria, é parte do problema. Nós temos que recalibrar o setor industrial. E isso se faz de várias maneiras. Há muitos estudos no campo da competitividade industrial que precisam ser considerados. Não dá para simplesmente achar que a solução está em medidas macroeconômica como o aumento da taxa de juros, o corte fiscal e a livre flutuação do câmbio”, enfatiza.

A crise do PT

A crise do PT

Aldo Fornazieri

A crise do PT é uma evidência que ganhou relevo a partir da entrevista da senadora Marta Suplicy ao Estadão, asseverando que ou o partido “muda ou acaba”. O presidente Lula já vinha emitindo juízos acerca da crise do partido mesmo durante a campanha eleitoral. Afirmou que o PT se tornou um partido igual aos outros, que se transformou num partido de gabinetes e que se corrompeu, tornando-se “uma máquina de fazer dinheiro”. Em diagnósticos mais recentes, Lula tem emitido a opinião de que o partido está burocratizado, de que está distante dos movimentos sociais e da juventude e de que há uma excessiva centralização. A existência da crise do PT, assim, não é uma invenção de intelectuais, da imprensa ou do PIG. É uma realidade admitida pelo maior líder do partido.

A redução da bancada federal petista, a estrondosa derrota do partido em São Paulo, a redução da margem de votos na vitória de Dilma em 2014 são resultados que devem ser debitados a dois grandes fatores: 1) aos erros do governo na condução da política econômica no primeiro mandato; 2) à imagem desgastada e de partido corrupto do PT, que carrega nos ombros os escândalos do mensalão e da Petrobras, além de outros escândalos que ganharam repercussão na opinião pública, com o empenho da grande mídia. Mas é preciso dizer que o empenho da mídia em desgastar o partido e o governo não anula e não isenta o PT e integrantes do governo da prática dos mal feitos. Também o fato de que no caso do mensalão a corrupção foi praticada para financiar campanhas, como admitiram ex-dirigentes, não torna a prática menos condenável. A imagem do PT como partido corrupto e a disseminação do antipetismo em amplos setores sociais são realidades que precisam ser enfrentadas se o partido quiser se reposicionar de forma correta nas disputas futuras.

A burocratização e a oligarquização são tendências naturais dos partidos, mesmo daqueles que nascem de bases populares e de massa, como é o caso do PT. Robert Michels evidenciou essa tendência em seu clássico “Sociologia dos Partidos Políticos” que completa, neste ano, o centenário de sua publicação. Michels mostra que os partidos de massa no início se caracterizam pela participação espontânea, pelo sentido coletivo e pelas práticas democráticas internas. Na medida em que a organização se consolida, os partidos se tornarem estruturas profissionais burocratizadas comandadas por chefes oligarcas que fazem perdurar seu mando no tempo e se tornam quase que inamovíveis. A militância vai se tornando cada vez mais uma massa de manobra, perde sua relevância e as direções só mudam quando ocorre uma feroz luta de novos chefes contra os velhos oligarcas. O PT não fugiu a essa “lei de bronze da oligarquia”, descoberta por Michels.

A corrupção partidária se relaciona a causas mais complexas. Em primeiro lugar há a questão clássica de que o poder corrompe. Ela se relaciona à natureza humana: sendo os seres humanos ambiciosos e egoístas propendem mais ao mal do que ao bem e só fazem o bem quando obrigados ou quando são portadores de grande virtù, sacramentou Maquiavel. Admitindo-se que o PT cresceu e se fortaleceu, na oposição, como partido da virtude, não só por defender a ética na política, mas por ser o partido que lutava por direitos e se colocava nas ruas ao lado dos movimentos sociais e dos mais necessitados, pode-se dizer que o poder provocou uma corrupção de princípios no partido. Lideres petistas e quadros intermediários, provenientes do movimento sindical, dos movimentos sociais e da intelectualidade da classe média, ascenderam social e economicamente com a ascensão do PT ao poder. Com o colapso da ideologia socialista e com a ausência de uma ideologia republicana da virtude no partido, houve um processo de acomodação às benesses de poder e de status social e econômico de muitos petistas. Arrogância, exibicionismo, sinais exteriores de riqueza e falta de humildade acompanharam essa acomodação. O cálculo pragmático dos interesses de poder substituiu as considerações de princípios e as virtudes necessárias para realizar as grandes transformações e construir a grandeza da república.

O PT perdeu a vitalidade virtuosa

Com a perda da vitalidade virtuosa do partido, os grandes embates congressuais e as mobilizações de rua em torno das reformas estruturantes, como a taxação das grandes fortunas, a reforma tributária equitativa e a reforma política, deixaram de existir. Daí à corrupção pecuniária e do Estado, seja para financiar campanhas, seja para benefício pessoal, foi um desdobramento natural da corrupção de princípios. Enfim, o poder enfraqueceu as antigas virtudes partidárias e amoleceu a disposição para a luta, resultando o afastamento das ruas, dos movimentos sociais e um bloqueio do debate interno. Muita gente, com razão, se sentiu traída pelo partido. Se o PT não desfizer sua imagem de partido corrupto estará realizando sua anti-história, seu anti-destino, pois ele foi a principal promessa da história republicana do Brasil de resgatar a justiça e conferir dignidade à política.

O PT pode mudar a ponto de retomar a trajetória de um partido virtuoso, capaz de apontar os caminhos das grandes reformas e mudanças do Brasil? A resposta a esta indagação é incerta. O poder, a perda da vitalidade virtuosa, a existência de um dirigismo burocrático e pragmático que vai se sobrepondo à antiga militância, são fatores que bloqueiam a mudança do partido. Nestes termos, o PT tende a se firmar como um partido normal, com diferenças circunstanciais em relação aos outros partidos. Com isso, o Brasil continuará penando na trágica normalidade da desigualdade, dos carecimentos sociais e da violência, por muito tempo. O PT ficará na história como o partido que promoveu uma política social integradora, mas insuficiente para uma transformação paradigmática do país.

Em que circunstâncias o PT poderia mudar? Infelizmente, não existem correntes internas ao partido com força suficiente e com lucidez política e programática capazes de liderar uma luta reformadora. As próprias correntes mais à esquerda são um misto de perdição em devaneios ideológicos com o pragmatismo necessário ao jogo dos interesses próprios.

Mesmo assim, restam algumas alternativas para o PT mudar. A primeira consiste na possibilidade de Lula assumir um movimento, fundado num projeto, de reforma e refundação do partido. Esse movimento, por um lado, deveria resgatar princípios virtuosos antigos, que davam força a combatividade militante ao partido e, por outro, precisaria construir um programa capaz de apontar o caminho da grande transformação do Brasil orientada para a redução das desigualdades, para a revolução científica e tecnológica e para o reposicionamento do país no contexto global. O que há de positivo neste aspecto é que Lula vem se mostrando inquieto com os descaminhos do partido. E só ele teria força e liderança suficientes para provocar essa reviravolta.

A segunda alternativa consiste na possibilidade de o governo Dilma se tornar um demiurgo capaz de construir um novo caminho, assentando não só as bases, mas fincando os principais pilares das grandes transformações do Brasil. Se o governo for capaz dessa façanha poderá exercer um poder de arrasto sobre o PT, obrigando-o a uma reforma interna. A terceira alternativa consiste na derrota eleitoral em 2018. Nesse caso, o saldo da experiência do partido em 16 anos de governo se revelaria negativo. O partido, provavelmente, passaria por um período de conturbações internas, de intensas disputas e de tentativas de mudança de rumos. E, por fim, poderá a administração Haddad alcançar estrondoso sucesso a ponto de ressignificar a imagem e o programa do partido junto à sociedade? Ainda não há elementos conclusivos para responder afirmativamente essa indagação. Como se vê, a história é generosa em oferecer ocasiões para que as grandes transformações ocorram. Mas ela é avarenta no que concerne ao surgimento de líderes virtuosos e capazes de comandar corpos coletivos com força suficiente para promover essas transformações. 

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.


As políticas da estupidez econômica


Economia
24/01/2015 - Copyleft

As políticas da estupidez econômica

O Ocidente acreditou que a política monetária pode salvar tudo, mas o mundo precisa de demanda, e o setor privado sozinho não poderá fornecer isso.


Joseph Stiglitz - Project Syndicate
International Development Law Organization / Flickr
Em 2014, a economia mundial permaneceu travada na mesma rotina em que está inserida desde o surgimento da crise financeira global de 2008. Apesar da ação aparentemente forte dos governos na Europa e nos EUA, ambas economias sofreram profundas e longas retrações. A distância entre onde elas estão e onde elas estariam se a crise não tivesse acontecido é enorme. Na Europa, esta distância aumentou em 2014.

Os países em desenvolvimento se saíram melhor, mas mesmo lá as notícias foram desagradáveis. A economia mais bem sucedida entre elas, tendo baseado seu crescimento em exportações, continuou a crescer no início da crise financeira, mesmo com o endurecimento dos mercados de exportação. Mas sua performance começou a cair significativamente em 2014.

Em 1992, Bill Clinton baseou sua campanha vitoriosa para a presidência dos EUA em um slogan simples: "É a economia, estúpido." Da perspectiva de hoje, as coisas naqueles tempos não pareciam tão ruins; a renda do americano médio hoje é menor. Mas nós podemos nos inspirar nos esforços de Clinton. O mal-estar que aflige a economia global hoje pode ser refletido em dois slogans simples: "é a política, estúpido" e "demanda, demanda, demanda."

A estagnação quase global testemunhada em 2014 é obra do ser humano. Ela é o resultado de políticas em algumas grandes economias - políticas estas que sufocaram a demanda. Na ausência da demanda, o investimento e os trabalhos não se materializarão. Simples assim.

Em nenhum lugar isso está tão claro quanto na Zona do Euro, que adotou oficialmente as políticas de austeridade - cortes nos gastos do governo que aumentam a fragilidade do setor privado. A estrutura da Zona do Euro é parcialmente culpada por ter impedido os ajustes necessários quando do choque da crise; na ausência de uma união bancária, não é nenhuma surpresa que o dinheiro tenha fugido dos países mais afetados, o que enfraqueceu seu sistema bancário e diminuiu os empréstimos e investimentos.

No Japão, uma dos três pontos do programa do Primeiro Ministro Shinzo Abe para a revitalização econômica foi lançado na direção errada. A queda do PIB que se seguiu ao aumento da taxa de consumo em Abril conferiu maior evidência a favor da economia keynesiana - isso se não havia evidências suficientes.

Os EUA impuseram a menor dose de austeriade, e tiveram a melhor performance econômica. Mas, mesmo nos EUA, há cerca de 650.000 funcionários públicos a menos do que antes da crise; normalmente, nós esperaríamos dois milhões a mais. Como resultado, os EUA também estão sofrendo com um crescimento tão anêmico e os salários se mantêm basicamente estagnados.

Muita da desaceleração do crescimento em países emergentes e em desenvolvimento refletem a desaceleração da China. A China é hoje a maior economia do mundo (em termos de paridade de poder aquisitivo), e ela tem sido há tempos a maior contribuinte do crescimento global. Mas o sucesso chinês criou seus próprios problemas, que mais cedo ou mais tarde serão apontados.

A mudança da economia chinesa da quantidade para a qualidade é bem-vinda - e quase necessária. E apesar da luta do presidente Xi Jinping contra a corrupção ter feito com que o crescimento econômico diminuisse, pois paralisou contratos públicos, não há razão para Xi afrouxar. Pelo contrário, outras forças que minavam a confiança em seu governo - problemas ambientais generalizados, um alto e crescente nível de desigualdade e a fraude no setor privado - devem ser apontados com igual vigor. Em suma, o mundo não deve esperar que a China escore a demanda global agregada em 2015. Talvez haja um buraco maior ainda para ser preenchido.

Enquanto isso, na Russia, podemos esperar que as sanções do ocidente façam com que o crescimento diminua, com efeitos adversos a já enfraquecida Europa. (Este não é um argumento contra as sanções: o mundo tinha de responder à invasão russa da Ucrânia, e os CEOs ocidentais que argumentaram o contrário, buscando proteger seus investimentos, demonstraram uma completa falta de princípios.)

Nos últimos seis anos, o Ocidente acreditou que a política monetária pode salvar tudo. A crise levou a grandes déficts orçamentários e um aumento das despesas, e a necessidade de desalavancagem, alguns acham, significa que a política fiscal deve ser posta de lado. O problema é que baixas taxas de juros não motivarão as empresas a investirem se não houver demanda por seus produtos. Nem irão fazer com que os consumidores peguem emprestado para consumir se eles estão apreensivos quanto ao futuro (e com razão). O que a política monetária pode fazer é criar bolhas nos preços dos ativos. Isto até pode sustentar os preços dos títulos da dívida do governo na Europa, prevenindo uma crise da dívida. Mas é importante que sejamos claros: a probabilidade de que políticas monetárias frouxas restaurarão a prosperidade global é zero.

Isso nos traz de volta à política e às políticas públicas. A demanda é o que o mundo mais precisa. O setor privado - mesmo com um apoio generoso das autoridades monetárias - não poderá fornecer isso. Mas uma política fiscal pode. Temos uma ampla gama de escolhas de investimentos públicos com retornos elevados - muito maiores do que o real custo do capital - e isso fortaleceria os balanços dos países que empreendessem nesta direção.

O grande problema que o mundo enfrenta em 2015 não é econômico. Nós sabemos como escapar do atual mal-estar. O problema são nossas políticas estúpidas.

Tradução de Roberto Brilhante

Créditos da foto: International Development Law Organization / Flickr