quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Africano, revolucionário, humanista

Africano, revolucionário, humanista

A morte de Nelson Mandela comoveu a humanidade. A emoção se justifica
18/12/2013
Miguel Urbano Rodrigues
A história registra poucos casos de uma fusão tão harmoniosa de um homem com as aspirações e o combate do seu povo pela liberdade e a independência. Mandela foi o iniciador e o guia da luta revolucionária dos negros sul-africanos contra a engrenagem monstruosa que os oprimia. A sua palavra e o seu exemplo foram decisivos para conduzir à vitória a luta de classes que tornou possível a  destruição do apartheid que durante décadas contou com a cumplicidade do imperialismo anglo-americano e o apoio de poderosas transnacionais mineiras.
O seu gigantesco funeral e a atmosfera que o envolveu não surpreendem. Mas a unanimidade dos elogios ao homem e ao estadista não ajudam a compreender nem a sua personalidade, nem a sua complexa intervenção na História. O coro dos elogios agora entoado por aqueles que durante anos identificaram nele um perigoso terrorista quase abafou opiniões críticas sobre decisões polêmicas tomadas por Mandela quando assumiu a presidência.
Mas para os historiadores essas críticas existiram e devem ser tema de reflexão. O herói quase mítico da independência tem sido censurado porque, eleito, não cumpriu parte do programa do Congresso Nacional Africano (CNA) . Críticas, a meu ver, improcedentes. Se Mandela tivesse levado avante a prometida Reforma Agrária, nomeadamente a expropriação dos grandes fazendeiros de origem europeia, proprietários das melhores terras do país, a esmagadora maioria dos 5 milhões de brancos teria abandonado massivamente a África do Sul num gigantesco êxodo. A economia do país teria ruído. É um fato que o rumo da África do Sul desiludiu os que esperavam que ela se encaminhasse para o socialismo. Essa era, porém, uma aspiração romântica apos a desagregação da URSS, num contexto histórico hegemonizado pelo imperialismo estadunidense.
Transcorridos 18 anos sobre a vitória eleitoral do CNA e o fim do apartheid, a África do Sul continua a ser uma sociedade capitalista marcada por profundas e chocantes desigualdades. Nela se formou uma próspera arrogante e corrupta burguesia negra. Essa realidade facilita a compreensão dos entusiásticos elogios póstumos a Mandela vindos dos governantes e dirigentes políticos dos EUA e da União Europeia. A admiração que hoje manifestam pelo herói africano é tardia e profundamente hipócrita. Durante os 28 anos em que permaneceu no cárcere da Ilha de Robben apoiaram o apartheid e a repressão.
É oportuno recordar que em 1987, quando a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução exigindo a libertação imediata de Mandela, somente três países votaram contra, Os EUA de Ronald Reagan, o Reino Unido de Thatcher e, para vergonha nossa, o Portugal de Cavaco Silva.
Hoje, os sacerdotes do capital simulam esquecer que o humanista Mandela foi um revolucionário consequente, omitem que o Mandela dialogante não foi um Gandhi africano. Iluminam a imagem do estadista da concórdia entre negros  e brancos, mas ocultam a do defensor da luta armada contra o apartheid.
Seria incômodo para Obama (que pronunciou em Joanesburgo um discurso farisaico) Cameron, Hollande e outros dirigentes imperialistas reconhecer que Mandela foi membro do Partido Comunista da África do Sul e, tal como Marx, não ignorava que a violência tem sido a parteira da história.
A mídia do capital que enaltece em 2013 a grandeza do humanista Mandela apagou dos seus arquivos as fotos da visita que o apologista da luta armada contra o apartheid fez em l962 à Argélia de Bem Bella, do abraço fraterno a Fidel Castro e da solidariedade ao palestino Yasser Arafat e ao líbio Muamar Kadhafi .
A grandeza de Nelson Mandela não é minimamente afetada por ter erigido a luta armada em pilar do seu combate contra a opressão racista. Essa opção é inseparável do seu humanismo revolucionário.
Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português.

Fonte:Brasil de Fato

AI-5 foi luz verde para a tortura

“AI-5 foi luz verde para a tortura”

45 anos depois, jornalista Cid Benjamin, autor do livro Gracias a la vida: Memórias de um militante, descreve o contexto e analisa as consequências do AI-5

17/12/2013
Vivian Virissimo,
do Rio de Janeiro
No dia 13 de dezembro, completou- se 45 anos de um dos capítulos mais sombrios da recente história do país: a edição do Ato Institucional número 5, o AI-5, que vigorou por uma década durante a ditadura militar.
Para analisar o instrumento que deu amplos poderes aos militares, o Brasil de Fatoentrevistou o jornalista Cid Benjamin, autor do livro Gracias a la vida: Memórias de um militante. Cid lutou contra a ditadura e foi barbaramente torturado enquanto esteve preso em 1970.
Brasil de Fato – No livro, você fala que o AI-5 tornou a repressão escancarada. Onde você estava e como era o contexto da época quando esse ato passou a vigorar?
Cid Benjamin – O AI-5 foi editado em dezembro de 1968. O endurecimento da ditadura era um processo que já se previa. Em um dado momento, foi votado na Câmara o pedido que a ditadura tinha feito para que houvesse licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves. Ele tinha feito um discurso bobo, perto do 7 de setembro, conclamando as mocinhas a não dançarem com os cadetes, por conta da ditadura militar. Como a Câmara não deu licença para que o deputado fosse processado, isso foi tomado como pretexto para a edição do AI- 5 que já vinha sendo preparado e aconteceria de qualquer forma. Eu estava na rua, semiclandestino, ainda não tinha começado a fazer ações armadas. Nossas primeiras ações foram em fevereiro do ano seguinte, mas já estava fazendo treinamento com armas quando houve a confirmação do AI-5. Não foi surpresa, era algo que já vinha se delineando, já era esperado esse fechamento maior da ditadura. Mas os termos não eram conhecidos.
O que mudou com o AI-5?
Diferentemente dos quatro atos anteriores, ele não tinha prazo para acabar. Os outros duravam 30, 60 dias etc. Eles permitiam uma série de medidas como a censura à imprensa, cassação de mandatos, demissão de funcionários públicos... Já o AI-5 ampliou o leque de arbitrariedades. Ele permitiu uma limpa no Judiciário, que até então estava sendo poupado, e proibiu a concessão de habeas corpus para acusados de crimes políticos. Isso significava, na verdade, a luz verde para a tortura. Porque a pessoa era presa e ficava incomunicável na mão dos carcereiros pelo tempo que eles quisessem. Quando fui preso, por exemplo, em abril de 1970, a minha prisão só foi legalizada 20 dias depois. Eu poderia ter morrido e desaparecido nesse período inicial de torturas e não havia nenhum registro oficial. Esse contexto permaneceu até o último dia do governo Geisel, 31 de setembro de 1978.

   
   O jornalista Cid em foto atual. Foto: Divulgação
O que o AI-5 revela sobre governos militares?
Ele instrumentalizou a ditadura para o ápice do autoritarismo. Ele deu todos os poderes. Nada poderia ser contestado. Como o Judiciário, a imprensa e o Congresso estavam cada vez mais castrados, o clima de medo se instituiu de forma muito grande. Qualquer denúncia de um vizinho, de um professor ou de um aluno poderia levar à prisão do denunciado com as consequências mais variadas. Garantias legais foram inteiramente suprimidas. Quando entrei pela primeira vez na principal sala de torturas
do Doi-Codi no Rio, haviam dois cartazes rústicos, feitos a mão com os dizeres: “Aqui advogado só entra preso” e “Aqui é o lugar que filho chora e a mãe não vê”. As torturas que já aconteciam ganharam outro patamar. O AI-5 significou, entre outras coisas, o sinal verde para que a tortura se transformasse em uma política de Estado.
Quarenta e cinco anos depois qual é a herança do AI-5 para a sociedade brasileira?
É a pior possível. Regimes autoritários tendem a embrutecer o país. Em todos os sentidos, não só no plano intelectual, como no plano das relações sociais e políticas. Estou convencido de que se não tivesse havido o AI-5 e, portanto, a tortura não tivesse sido uma política de Estado desenvolvida tão amplamente, casos como o pedreiro Amarildo não acontecessem tanto no país.
Você acha que a tendência é que a Comissão da Verdade seja encerrada sem ter acesso aos arquivos da ditadura?
Acho um risco grave. Mas mesmo assim se pode avançar muito. Embora o avanço substancial fosse com o acesso a esses arquivos. Falta disposição para criar um barulho com as Forças Armadas. Afinal, a presidência da República é a comandante das Forças Armadas. Não vejo a presidenta peitando os militares e exigindo esses arquivos dando um soco na mesa.

Assembleia Geral da ONU aprova resolução apresentada por Brasil e Alemanha contra espionagem (com supressão)

Assembleia Geral da ONU aprova resolução apresentada por Brasil e Alemanha contra espionagem

Trecho que dizia que a espionagem doméstica e internacional constitui “violação dos direitos humanos” foi suprimido
 

A Assembleia Geral da ONU aprovou na noite desta quarta-feira (18/12), por consenso entre os 193 Estados-membros, o projeto de resolução sobre “O Direito à Privacidade na Era Digital”, apresentado por Brasil e Alemanha no mês passado. O projeto passa a ter validade imediata.

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"Reafirmamos o direito à privacidade, segundo o qual ninguém deve ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, sua família, sua residência ou sua correspondência", diz o texto da resolução. A resolução faz menção ao artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao artigo 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que citam o direito dos cidadãos de se proteger dessas práticas.
Wikimedia Commons

Assembleia Geral da ONU, em Nova York

No entanto, o trecho que dizia que a espionagem doméstica e internacional podem constituir “violações dos direitos humanos” foi suprimido. Durante as negociações, foram feitas concessões para acomodar as preocupações expressadas por vários países, entre eles Estados Unidos e Reino Unido, segundo a agência Efe.

O texto exorta os países a respeitar e proteger o direito à privacidade, inclusive no contexto das comunicações digitais, após lembrar que os direitos das pessoas também devem estar protegidos na internet, incluindo a privacidade.

O projeto também exige que os Estados adotem medidas para acabar com essas violações e criem as condições necessárias para impedí-las, garantindo que a legislação nacional se ajuste a suas obrigações em virtude do direito internacional.

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A resolução pede aos países que examinem seus procedimentos, práticas e legislação sobre vigilância e intercepção das comunicações e o armazenamento de dados pessoais, incluindo monitoramento e intercepção em grande escala.

O texto expressa "profunda preocupação" pelos possíveis efeitos negativos aos direitos humanos causados pela vigilância e a intercepção das comunicações.
 



A medida não é vinculante, mas tem peso simbólico e, apesar de não mencionar diretamente os Estados Unidos, é uma resposta às revelações feitas pelo técnico Edward Snowden sobre as ações de espionagem sem permissão judicial e incluindo chefes de Estado, realizadas pela NSA (Agência de Segurança Nacional norte-americana). O texto vinha sendo negociando há meses, desde o escândalo gerado pelo vazamento das denúncias.

Segundo as informações vazadas, a presidente Dilma Rousseff e a chanceler alemã, Angela Merkel, estavam entre os alvos da espionagem, assim como a Petrobras. Segundo a imprensa, mais de 30 chefes de Estado e governo teriam sido alvo de espionagem pelos EUA.

Para o Itamaraty, a aprovação do documento “demonstra o reconhecimento, pela comunidade internacional, de princípios universais defendidos pelo Brasil, como a proteção ao direito à privacidade e à liberdade de expressão, especialmente contra ações extraterritoriais de Estados em matéria de coleta de dados, monitoramento e interceptação de comunicações”.

O Itamaraty considera ainda a resolução “inovadora, por expressar o reconhecimento de que os direitos dos cidadãos devem ser protegidos tanto offline quanto online”.

Pressão

Com a crescente pressão sobre o caso, a Casa Branca divulgou na quarta-feira (18) o relatório apresentado por uma comissão independente criada pelo presidente Barack Obama para recomendar mudanças no programa de espionagem da NSA.

Entre as recomendações feitas por cinco especialistas em inteligência e assuntos legais está a de que qualquer operação que envolva a espionagem de líderes estrangeiros tenha de ser autorizada pelo presidente e seus conselheiros, e não pelas agências de inteligência, e passe por uma avaliação detalhada de potenciais riscos econômicos e diplomáticos.

As mudanças a serem adotadas pelos EUA só serão anunciadas por Obama no próximo mês. Nesta semana, um juiz federal considerou a espionagem feita pela NSA inconstitucional.