quarta-feira, 1 de março de 2017

TEMER E A POUCA VERGONHA DE NOSSOS TEMPOS

Temer e a pouca vergonha de nossos tempos

Eugênio Aragão


As frações de informação tornadas públicas na entrevista do advogado José Yunes, insistentemente apresentado pelos esbulhadores do Palácio do Planalto como desconhecido de Michel Temer, embrulham o estômago, causam ânsia de vômito em qualquer pessoa normal, medianamente decente.

Conclui-se que Temer e sua cambada prepararam a traição à Presidenta Dilma Rousseff bem antes das eleições de 2014. A aliança entre o hoje sedizente presidente e o correntista suíço Eduardo Cunha existia já em maio daquele ano, quando o primeiro recebeu no Palácio do Jaburu, na companhia cúmplice de Eliseu Padilha, o Sr. Marcelo Odebrecht, para solicitar-lhe a módica quantia de 10 milhões de reais. Não para financiar as eleições presidenciais, mas, ao menos em parte, para garantir o voto de 140 parlamentares, que dariam a Eduardo Cunha a presidência da Câmara dos Deputados, passo imprescindível na rota da conspiração para derrubar Dilma.

Temer armou cedo o golpe que lhe daria o que nunca obteria em uma disputa democrática: o mandato de Presidente da República. Definitivamente, esse sujeitinho não foi feito para a democracia. É um gnomo feio, incapaz de encantar multidões, sem ideias, sem concepções, sem voto, mas com elevada dose de inveja e vaidade. Para tomar a si o que não é seu, age à sorrelfa, à imagem e semelhança de Smeágol, o destroncado monstrengo do épico "O Senhor dos Anéis".

Muito ainda saberemos sobre o mais vergonhoso episódio da história republicana brasileira, protagonizado por jagunços da política, gente sem caráter e vergonha na cara, que só conseguiu seu intento porque a sociedade estava debilitada, polarizada no ódio plantado pela mídia comercial e reverberado com afinco nas redes sociais, com a inestimável mãozinha de carreiras da elite do serviço público.

O resultado está aí: o fim de um projeto nacional e soberano de desenvolvimento sustentável e inclusivo. A mais profunda crise econômica que o país já experimentou. A desconstrução do pouco de solidariedade que nosso Estado já prestou aos mais necessitados. A troca do interesse da maioria pela mesquinhez gananciosa e ambiciosa da minoria que, "em nome do PIB" ou "do mercado", se deu o direito de rasgar os votos de mais de 54 milhões de brasileiras e brasileiros. Rasgaram-nos pela fraude e pelo corrompimento das instituições, com o único escopo de liquidar os ativos nacionais e fazer dinheiro rápido e farto, como na privatização de FHC. Dinheiro que o cidadão nunca verá.

É assim que se despedaça e trucida a democracia: dando o poder a quem perdeu as eleições, garantindo aos derrotados uma fatia gigantesca do governo usurpado e até a nomeação de um dos seus para o STF, para assegurar vida mansa a quem tem dívidas com a justiça.

A piscadela de Alexandre de Moraes a Edison Lobão, na CCJ, diz tudo.

Assistiremos a tudo isso sem nenhum sentimento de pudor?

A essa altura dos acontecimentos, o STF e a PGR só podem insistir na tese da "regularidade formal" do impedimento da Presidenta Dilma Rousseff com a descarada hipocrisia definida por Voltaire como "cortesia dos covardes".

Caiu o véu da mentira. Não há mais como negar: o golpe foi comprado e a compra negociada cedinho, ainda no primeiro mandato de Dilma. O golpe foi dado com uma facada nas costas, desferida por quem deveria portar-se com discreta lealdade diante da companheira de chapa. O Judas revelado está.

E os guardiões da Constituição?

Lavarão as mãos como Pilatos - ou tomarão vergonha na cara?


*Eugênio Aragão é sub-procurador-geral da República e foi ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff antes do golpe.


XADREZ DO ELO DESCONHECIDO ENTRE TEMER E YUNES

Xadrez do elo desconhecido entre Temer e Yunes


Qual a razão do primeiro amigo de Michel Temer, José Yunes, ter entrado em pânico, quando seu nome apareceu em delação de executivo da Odebrecht, a ponto de procurar o Ministério Público Federal para uma delação sem sentido.
Luis Nassif

Aos jornalistas, José Yunes disse que lhe foi solicitado por Elizeu Padilha – ministro-chefe licenciado da Casa Civil – que recebesse “documentos” em seu escritório. Os tais “documentos”, na verdade, eram propinas pagas pela Odebrecht e levadas até ele pelo notório doleiro Lúcio Funaro.

Yunes declarou ter sido apanhado de surpresa. E, assim que se deu conta do ocorrido, procurou o amigo Michel Temer, que o acalmou.

Ao Ministério Público Federal, declarou que nada disse a Temer.

De sua parte, Temer mandou informar aos jornais que exigirá explicações de Padilha.

O que está por trás dessa dança dos lobos, tão desesperada e tão sem nexo?
Dias atrás, o grupo Anonymous divulgou um pacote de documentos sobre negócios de Yunes, Temer e outros sócios.

No primeiro artigo da série, mostramos que a principal suspeita levantada – a associação de Yunes com grandes bilionários – na verdade era uma sociedade para um condomínio a ser construído na Bahia.

Vamos, agora, à parte perigosa revelada pelos documentos, ajudado por comentaristas do Blog que passaram informações centrais para fechar a narrativa.

Peça 1 – as diversas formas de lavagem de dinheiro

Por que interessa conhecer os negócios de José Yunes, o primeiro amigo?

Primeiro, porque, após a delação do executivo da Odebrecht, descobriu-se que ele participava dos esquemas de captação de recursos de Michel Temer.

Depois, porque um dos modus operandi de muitos políticos é o de receberem no exterior, através de depósitos em fundos de investimento com aparência de legalidade.

Em vez de contas convencionais em países estrangeiros, fundos de investimento através dos quais entram no Brasil como investimento externo.

De certo modo, é o caso de José Serra, conforme esmiuçado por Amaury Ribeiro Jr. no livro A privataria tucana.

O fundo de investimentos de sua filha Verônica (de Serra) acumulou um patrimônio significativo. Em pelo menos um caso, sabe-se que foi utilizado para troca de favores com empresas.

Foi o caso da Serasa-Experian, que, no final do mandato de Serra como governador de São Paulo, ganhou de graça o Cadin estadual (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais).

Assim que Serra deixou o governo, Verônica intermediou para a Serasa-Experian a venda de um site de e-mail marketing, a Virid. Na época, o mercado avaliava o preço em no máximo R$ 30 milhões. A Experian pagou R$ 104 milhões. Empresa de capital aberto na Bolsa de Londres, manteve o valor da transação em sigilo. Para todos os efeitos, foi um lucro legalizado do fundo de investimentos de Verônica Serra.

Sérgio Machado tinha investimentos no exterior, através de um filho que era alto funcionário do Credit Suisse – e, ao que consta, foi sacrificado pela gula do pai e do irmão político.

Portanto, há uma probabilidade de que as empresas de Yunes possam ter servido para abrigar recursos políticos captados por Temer.

Não faltará paraíso fiscal no purgatório político em que se meteu Yunes, caso os Anjos Gabriel do Ministério Público Federal resolvam investigar a sério.
O dossiê disponibilizado pelo grupo Anonymous na internet traz algumas pistas que precisam ser bem investigadas, das empresas dos Yunes.

Peça 2 – o Banco Pine

Aqui, aí se chega no elo desconhecido, o Banco Pine, ou First Pinebank, Inc, ou FPB.

O Banco Pine é o sucessor do BMC (Banco Mercantil de Crédito), da família Pinheiro, do Ceará, de três irmãos, Norberto, Nelson e Jaime Pinheiro, que chegaram a montar um banco médio, bem-sucedido. Assim como outros bancos cearenses, especializou-se em AROs (Antecipação de Receita Orçamentária) para prefeituras e em crédito consignado para funcionários públicos.

Depois, o banco foi vendido por R$ 800 milhões ao Bradesco e, de suas entranhas, nasceu, em 1997, o Banco Pine, brasileiro, o First Pinebank que, depois de uma passagem turbulenta pelos Estados Unidos, tornou-se um banco panamenho; e a BR Partners, uma associação de Ângela Pinheiro, filha do patriarca Jaime Pinheiro, com Ricardo Lacerda, ex-presidente da Goldman Sachs do Brasil.

Aqui, começa nosso pequeno quebra-cabeça:

Em 2005, o nome do Pine Bank já apareceu associado ao doleiro Toninho Barcelona, no escândalo do Banestado (https://goo.gl/wQh4dq)
Em julho passado, a Lava-Jato já tinha batido no Pine (https://goo.gl/opDxOv), através da Operação Caça-Fantasmas, da 32ª fase. Identificou o FPB Bank Inc. – àquela altura, um banco panamenho, mas de propriedade de Nelson Pinheiro, um dos três irmãos sócios do BMC –, o PKB da Suíça e o Carregosa, de Portugal, suspeitos de montarem representações clandestinas para clientes interessados em abrir contas em paraísos fiscais. Outro nome que apareceu no FPB foi o de Eduardo Rosa Pinheiro, também da família Pinheiro.

A suspeita da Lava-Jato é que esse esquema teria sido usado por doleiros e operadores de propina para esconder o dinheiro da corrupção da Petrobras e de outras empresas públicas, investigadas pelas operações Lava-Jato, Custo Brasil, Saqueador e Recebedor.
Os bancos tinham ligação direta com a Mossak Fonseca. A Polícia Federal e o MPF pediram prisão preventiva dos funcionários do banco, mas o juiz Sérgio Moro permitiu apenas condução coercitiva. Alegou que as evidências levantadas pela Lava-Jato apenas apontavam atuação clandestina no país.

Assim como na batida na Mossak Fonseca, quando se constatou que não havia pistas que levassem a Lula – mas a alguns bilionários influentes –, abafou-se a investigação e mantiveram-se em sigilo as descobertas.

Mas outros países atuaram. No dia 10 de fevereiro de 2017, menos de duas semanas atrás, a Superintendência Bancária do Panamá suspendeu a licença de corretagem do Pine Bank, a partir de informações levantadas pela Lava-Jato (https://goo.gl/KYF0gc). No Panamá, era um banco pequeno, com US$ 134 milhões em depósitos e apenas US$ 13 milhões de capitalização declarada.

Constatou-se que o banco recorria apenas à Serasa para analisar sua carteira de clientes, em vez de colocar relatórios reais das empresas. Além disso, a FPB tinha montado 44 empresas através dos escritórios da Mossak Fonseca, provavelmente para desviar dinheiro de suborno.

Os jornais do Panamá apontavam o fato do site do banco não informar nada sobre seus proprietários e acionistas. Sabia-se apenas que o banco pertencia a uma família de empresas debaixo do guarda-chuva de Brickell Group.

O jornal Panama News anotava que o FBK tinha um presidente de nome Eduardo Pinheiro, um gerente geral chamado José Palucci e um convidado especial para a inauguração da sede, de nome Mailson da Nóbrega.

O jornal levantou o nome da consultoria Brickell Management Services Inc., de Miami, com apenas 6 funcionários. E constatou que Pine Bank foi acusado pelo FED de violar vários pontos da lei antilavagem de capitais, tendo encerrado as operações nos Estados Unidos. Segundo o jornal, “propriedade anônima, gestão aparentemente ausente – um banco estranho para se fazer negócios, exceto se houver algum propósito especial”.

Peça 3 – os negócios da família Yunes

Ao longo das últimas décadas, a família de José Yunes expandiu seus negócios por vários setores. Aparentemente, tem dois filhos bastante empreendedores, dos quais Marcos Mariz de Oliveira Yunes é o que fica à frente dos negócios.

A principal empresa do grupo é a Yuny.

Trata-se de uma grande incorporadora criada em 1996 (https://goo.gl/9iirmz). Em 2007 recebeu aporte de R$ 700 milhões do Golden Tree InSite Partners. Pode ser coincidência de nomes, mas há uma Golden Tree Insite Partners no Reino Unido (https://goo.gl/0WddPa) que, em 2010, foi declarada insolvente.

Mais tarde, a VR tornou-se sócia da Yuny. Hoje em dia, do conselho participam Abraham Szajman e Ury Rabinowitz, este alto funcionário da Brasil Telecom nos tempos de Daniel Dantas – em princípio, significa apenas que é um executivo requisitado. Depois, montou uma joint-venture com a Econ Construtora, a Atua Construtora, para imóveis de baixa renda.

No grupo, há outras empresas menos transparentes.

Uma delas é a Stargate do Brasil Estética de Produtos e Serviços.

Criada em 30 de abril de 2007, é sociedade de José Yunes com Arlito Caires dos Santos. No Google, consegue-se chegar próximo com um Carlito Aires dos Santos – trocando o C do sobrenome para o nome, empresário mato-grossense de Peixoto de Azevedo, cuja empresa foi aberta em 20 de março de 2015 (https://goo.gl/lv7cpF).

Por sua vez, a Stargate é sócia da Golden Star, Serviços e Participações Ltda. Aparentemente, a intenção da sociedade foi a aquisição dos bens do panamenho Kamal Mohan Mukhi Mirpuri por Gilberto Pereira de Brito. O endereço de Kamal remete às proximidades do Trump International Hotel em Colon, Panamá. Kamal é proprietário da Multitrade Export Ltda, do Panamá.

Não é o único elo panamenho na nossa história, como se viu no caso do Pinebank.

Peça 4 – as ligações do Pine com os Yunes

Como já se viu, o Banco Pine foi apontado como um dos canais para o dinheiro da corrupção das empresas investigadas pela Lava-Jato.

Em outros tempos, uma das maneiras de “esquentar” dinheiro frio, depositado fora do país, era através de uma operação cruzada. O investidor depositava seus dólares nas agências externas do banco; e elas serviam de garantias para empréstimos que eram concedidos, aqui, para empresas controladas por ele. Foi assim com o Banco Excel, de um membro da família Safra, que chegou a adquirir a massa falida do Econômico, mas quebrou quando a apreciação do real promoveu o descasamento das garantias externas com os financiamentos internos.

No dossiê do Anonymous são inúmeras as evidências de ligações comerciais do Pine com as empresas dos Yunes, particularmente com a incorporadora Yuny.

Em setembro de 2010, a Atua Construtora e Incorporadora convoca AGE para autorizar a contratação de financiamento de R$ 5 milhões junto ao Banco Pine

Em dezembro de 2011, outra AGE para autorizá-la a tomar mais R$ 5 milhões com o Pine.

Em 18 de julho de 2013, outros R$ 5 milhões (ou renovação do crédito rotativo) novamente junto ao Pine.

Peça 5 – os negócios de Temer com Yunes

Os caminhos de Michel Temer, da família Pinheiro, do Banco Pine e da incorporadora Yuny se cruzam em vários imóveis de Michel Temer e de sua holding Tabapuã.

Temer tem duas unidades no edifício Lugano, na rua Pedroso Alvarenga 900, uma construção luxuosa com conjuntos comerciais de 102 a 202 metros quadrados.



A incorporadora é a Yuny, dos Yunes.


Temer possui duas salas no edifício na Rua Iguatemi (https://goo.gl/4XecSC), com escritórios que vão de 350 a 700 metros quadrados. Na região, escritórios de 350 metros quadrados custam de R$ 3,5 a R$ 7 milhões.

Trata-se de uma obra faustosa também da Yuny.

Em 23 de maio de 2011, transferiu para a Tabapuã, empresa que tem em sociedade com a filha Luciana Temer.

Quem aluga o escritório é Andréa Pinheiros, da BR Partners, e uma das herdeiras do banco Pine, filha de Jaime Pinheiro, o patriarca.

Conclusão do jogo

Tem-se, então, todas as peças do jogo:

1.           O melhor amigo de Temer, José Yunes, participava dos processos de arrecadação de propinas das empresas investigadas pela Lava-Jato.

2.           As empresas de Yunes tinham financiamento farto com o Banco Pine, da família Pinheiro, envolvido com os escândalos da Lava-Jato, fechado nos Estados Unidos por acusação de lavagem de dinheiro e, há duas semanas, fechado também no Panamá.

3.           Temer com grandes investimentos em projetos da Yuny, a incorporadora da família Yunes, convidando o patriarca José Yunes para assessor especial.

Dificilmente toda essa movimentação passaria despercebida pela Lava-Jato, ainda mais depois de invadir os escritórios da Mossak Fonseca e ter identificado o papel do Pine Bank.

Um dia se saberá ao certo a razão de terem segurado essas informações.


A entrevista do genaral




terça-feira, 28 de fevereiro de 2017


A entrevista do general

O comandante do exército brasileiro, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, concedeu no dia 17 de fevereiro uma longa entrevista ao jornal Valor.


A entrevista pode ser lida no endereço http://www.valor.com.br/cultura/4872438/somos-um-pais-que-esta-deriva

O pretexto da entrevista são as greves de policiais militares e os massacres em presídios.

A entrevista foi percebida de diferentes maneiras, na esquerda brasileira.

Alguns apreciaram certas passagens da entrevista. E consideram tornar o general um interlocutor.

Outros lembraram certas atitudes recentes do general, por exemplo contra o memorial dedicado a Jango. Ademais, consideram que esta entrevista não deveria ter sido pedida, nem concedida.

Afinal, não compete a um general da ativa dar opiniões sobre a situação política do país. 

Não importa quais opiniões. 

Aliás, para que mesmo temos um ministro da Defesa?

A extrema-direita quer os militares como protagonistas ativos da situação política do país.

Não quaisquer militares, obviamente.

Aos que ocupam posição subalterna, vale a hierarquia mais dura.

A esquerda deve adotar outra postura: os militares têm o direito de votar. 

Mas se querem participar da luta política enquanto protagonistas, precisam ir para a reserva. 

A entrevista do general Villas Bôas é protagonismo político direto. E, por isto, inaceitável.

Quanto ao mérito -- pois já que a entrevista foi concedida, pode e deve ser lida -- confirmam-se os motivos de preocupação.

O general obviamente não quer as Forças Armadas substituindo a policia.

Mas considera que "empregos pontuais" são inevitáveis, devido à deterioração da estrutura de segurança nos estados.

Entretanto, diz ele, falta proteção jurídica adequada, que só existiria em caso de Estado de Defesa ou Estado de Sítio.

Cada um entenda como quiser esta parte.

Mas a parte seguinte é explícita.

O general considera que somos um "país à deriva".

Diferente de antes. Mas o "antes" dele não refere-se aos governos Lula e Dilma.

Segundo o general, até os anos 1970, 1980, tínhamos "identidade forte", "sentido de projeto", "ideologia de desenvolvimento".

Ou seja, quanto mais perto da redemocratização, mais nossa "identidade" estaria se acabando.

O general não esconde o que pensa. 

Ele considera que a Lava Jato é a "esperança", que o "protagonismo" do Ministério Público e da Justiça são são importantes.

E -- se alguém não entendeu -- diz que os que pedem a intervenção das Forças Armadas, pedem porque consideram que as Forças Armadas são o "reduto" que preservou os "valores".

Ou seja: os que clamam pela intervenção militar não são cavernícolas, são pessoas de valores.

Não perguntaram -- ou não publicaram -- qual a opinião do general sobre a contribuição do golpe de 1964 para garantir esta "identidade forte", este "sentido de projeto", esta "ideologia de desenvolvimento" que ele aclama.

Mas o general fala claramente que a diferença entre 1964 e os dias de hoje, é que agora as instituições estariam funcionando. Como e para quem, sua resposta sobre a Lava Jato já deixou claro.

Agora, se as instituições deixarem de funcionar...

Aliás, sobre 2018 o general achou por bem manifestar sua preocupação com o surgimento de candidaturas "populistas".

Se populistas de direita ou de esquerda, a entrevista não esclarece.

Mas seja como for, é inaceitável que um general na ativa dê opinião sobre supostas candidaturas presidenciais.

As demais respostas que o general dá -- sobre as drogas, sobre as fronteiras, sobre a Colombia e sobre a previdência -- são previsíveis. E vão no mesmo rumo geral das anteriores, com um claro componente corporativista no caso da previdência.

A entrevista como um todo é muito grave.

Que ela tenha sido dada neste momento, em que o governo Temer está sob fogo cerrado, é ainda mais grave. Pois objetivamente joga água no moinho dos que querem uma saída não democrática para a crise.

A esquerda não pode aceitar que um general da ativa intervenha no debate político. Nem deve alimentar ilusões acerca da postura das Forças Armadas. Especialmente num país com a história recente do Brasil.

VAREJO PRESIDENCIAL É CLIMA DE FIM DE FEIRA

Varejo presidencial é clima de fim de feira

Fernando Brito


Certamente não é por gosto que Michel Temer assumirá, pessoalmente, o troca-troca com a Câmara dos Deputados para a aprovação – “no que der” – da reforma da Previdência. Porque passar, tal como está, nem mesmo nos seus delírios noturnos ele sabe ser impossível.

É absoluta e desastrosa necessidade.

A confirmação de que a licença médica de Eliseu Padilha se estenderá por até três semanas, dada por Sonia Racy, no Estadão – talvez a agonia política do quase ex-Ministro da Casa Civil não dure tanto – ratifica o que todos vêm percebendo: caíram ou foram para o canto do tabuleiro todas as peças em torno do Rei e ele passa a ter de se defender com movimentos próprios, que são extremamente limitados quando se é presidente da República.

Isso é uma regra básica que, aliás, Temer ignorou no seu famoso jantar no Palácio do Jaburu, quando pediu quantia certa e com destino (já não tão certo) ao empresário Marcelo Odebrecht , o que lhe rende os “pacotes” em que se vê embrulhado agora.

É que há distância entre intenção e gesto.
Da intenção, no máximo, poderia tratar aquele homem que queria ser rei e se tornou, afinal, pela traição.

O gesto fica para outra hora, nunca a mesma, e para seus auxiliares.

Mesmo que as moedas sonantes, agora, sejam “apenas” cargos e influências, igual não conviria que o próprio presidente tivesse de tratar, nos seus detalhes, dos gestos da cooptação, sobretudo com uma clientela bem menos discreta que Marcelo Odebrecht.

Não conviria, mas não há outro jeito, porque aquilo que sobrou a Temer para usar como interposta pessoa é menos que nada, é contraproducente.

O que era possível quando tinha Cunha, Geddel e Padilha, o “Trio Parada Dura” para lidar com o baixo clero, não é possível fazer diretamente, ainda mais agora que há sinais cada vez mais evidentes de que a mídia parou de lhe dar encobrimento total, como na tardia “descoberta” da Globo de que o “Fora Temer” desfilou no Carnaval.

A ida de Temer para o balcão é – e seus “clientes” nada bobos percebem – o clima de fim de feira de um governo que, com tudo na mão – da mídia à inflação – só conseguiu em seus dez meses de usurpação do poder degastar-se e sofrer baixas.

Há um clima de “não me deixem só” em Brasília.


PODE UM PAÍS VIVER À ESPERA DO QUE DIGAM BANDIDOS?

Pode um país viver à espera do que digam bandidos?
Fernando Brito
A política brasileira está com as vísceras expostas  – e nem todos as vísceras expostas da mesma maneira, porque há os intestinos amigos –  e o país vai se desmanchando a olhos vistos.

Passamos agora – e já há algum tempo- a ter, como definição da política o que disseram e o que vão dizer pessoas do calibre de Eduardo Cunha, Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro, Delcídio do Amaral e – daqui a pouco, quem sabe –  Eliseu Padilha, Geddel e Jucá.

O país é colocado sob o tacão de um justiceiro de província e ameaça chegar ao impensável de ver um neonazista caricato e feroz elevado à condição de favorito à eleição, se levarem adiante o plano de impugnar Lula, entregando a ele o terreno do povão, onde os nomes da direita convencional não entram.

Está sendo servido um bolo envenenado ao nosso país sob o alvo glacê do moralismo.

À sua maneira, o Estado Islâmico também é.

Temos uma presidente eleita afastada, um presidente golpista recluso, um Congresso acanalhado, denunciado ou com um cento e meio de investigados.

Um procurador-geral da República que apressa-se quando se trata de atacar Lula e impedi-lo de assumir a Casa Civil e representar uma chance de salvar a democracia, mas que ralenta suas ações – quando não ele, o STF – quando se trata de Eduardo Cunha ou de Aécio Neves, só agora instado a dar explicações sobre uma denúncia feita há dois anos por Alberto Youssef. E o próprio Supremo atirado à lama da inconfiabilidade e do atrelamento à quadrilha que  se sabe no poder.

Mas o que ocorre no mundo real? A produção cai, os empregos se fecham, as empresas são vendidas na bacia das almas e com o bonito nome de “fusões e aquisições” e o Brasil regride à desindustrialização, com a insanidade de uma política cambial que “substitui”  a retenção dos preços administrados como poção anti-inflacionária.

O petróleo do pré-sal se vai, os direitos sociais e trabalhistas de mais de 70 anos estão na bica de serem tirados, o Brasil vai voltando à eficiente Lei da Selva. E com direito a selvagens urrando.

Os tolos procuram explicações sofisticadas para o crescimento das intenções de voto de Lula porque não conseguem entender, mandões do povo que são, que a população vê tudo isso mais com desânimo que ódio, mais como sofrimento que raiva, mais como desejo de estabilidade que com ilusão que deste processo saia um novo Brasil, remido de pecados.

É por isso que precisam fazer uma violência contra ele. Porque a população, que o tem vivo na memória, sabe que Lula é o antônimo de crise.