quinta-feira, 28 de agosto de 2014

É hora de conhecer um pouco mais a realidade

É HORA DE CONHECER UM POUCO MAIS A REALIDADE

Fidel Castro

Pedi aos editores do Granma que me dispensassem nesta ocasião da honra de publicar o que vou escrever na primeira página do órgão oficial de nosso Partido, pois penso expressar pontos de vista pessoais sobre temas que, por conhecidas razões de saúde e de tempo, não pude apresentar nos órgãos coletivos de direção do Partido e do Estado, como os Congressos do Partido, ou as reuniões pertinentes da Assembleia Nacional do Poder Popular.

Em nossa época os problemas são cada vez mais complexos e as notícias se propagam com a velocidade da luz, como muitos sabem. Nada ocorre hoje em nosso mundo que não nos ensine algo a todos os que desejamos e ainda somos capazes de compreender novas realidades.

O ser humano é uma estranha mistura de instintos cegos, por um lado, e de consciências, por outro.

Somos animais políticos, como não sem razão afirmou Aristóteles, que quiçá influiu mais do que qualquer outro filósofo da antiguidade no pensamento da humanidade através de quase 200 tratados, segundo se afirma, dos quais se conservaram apenas 31. Seu mestre foi Platão, o qual legou para a posteridade sua famosa utopia sobre o Estado Ideal, que em Siracusa, onde tratou de aplicá-lo, quase lhe custa a vida.

Sua Teoria Política ficou como apelativo para qualificar as ideias como más ou boas. Os reacionários a utilizaram para qualificar tanto Marx, como Lênin, de teóricos, sem tomar em conta que suas utopias inspiraram a Rússia e a China, os dois países chamados a encabeçar um mundo novo que permitiria a sobrevivência humana se o imperialismo não desatar antes uma criminosa e exterminadora guerra.

A União Soviética, o Campo Socialista, a República Popular da China e a Coreia do Norte nos ajudaram a resistir, com abastecimentos essenciais e armas, ao bloqueio econômico implacável dos Estados Unidos, o império mais poderoso de todos os tempos. Apesar de seu imenso poder, não pôde esmagar o pequeno país que a poucas milhas de suas costas resistiu durante mais de meio século às ameaças, aos ataques piratas, sequestros de barcos pesqueiros e afundamentos de navios mercantes, destruição em pleno voo do avião da Cubana de Aviação em Barbados, incêndio de escolas e outros delitos.

Quando tentou invadir nosso país com forças mercenárias na vanguarda, transportadas em barcos de guerra dos Estados Unidos como primeira etapa, foi derrotado em menos de 72 horas. Mais tarde os bandos contrarrevolucionários, organizados e equipados por eles, cometeram atos de vandalismo que provocaram a perda da vida ou da integridade física de milhares de compatriotas.

No estado da Flórida se localizou a maior base de atividades contra outro país que existia naquele momento. Com o passar do tempo o bloqueio econômico se estendeu aos países da OTAN e outros muitos aliados da América Latina, que foram durante os primeiros anos cúmplices da criminosa política do império, que despedaçou os sonhos de Bolívar, Martí e centenas de grandes patriotas de irredutível conduta revolucionária na América Latina.

A nosso pequeno país não só se negava seu direito a ser uma nação independente, como a qualquer outro dos numerosos Estados da América Latina e do Caribe, explorados e saqueados por eles, mas também o direito à independência de nossa Pátria que seria totalmente despojado, quando o destino manifesto concluía sua tarefa de anexar nossa ilha ao território dos Estados Unidos da América do Norte.

Na recém-concluída reunião de Fortaleza se aprovou uma importante Declaração entre os países que integram o grupo BRICS.
Os BRICS propõem uma maior coordenação macroeconômica entre as principais economias, em particular no G-20, como um fator fundamental para o fortalecimento das perspectivas de uma recuperação efetiva e sustentável em todo o mundo.

Anunciaram a assinatura do Acordo constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento, com a finalidade de mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável dos países BRICS e outras economias emergentes e em desenvolvimento.

O Banco terá um capital inicial autorizado de US$ 100 bilhões. O capital inicial subscrito será de US$ 50 bilhões, dividido em partes iguais entre os membros fundadores. O primeiro presidente da Junta de Governadores será da Rússia. O primeiro presidente do Conselho de Administração será do Brasil. O primeiro presidente do Banco será da Índia. A sede do Banco será em Xangai.

Anunciaram também a assinatura de um Tratado para o estabelecimento de um Fundo Comum de Reservas de Divisas para situações de contingência, com um tamanho inicial de US$ 100 bilhões.

Reafirmam o apoio a um sistema multilateral de comércio aberto, transparente, inclusivo e não discriminatório; assim como a conclusão exitosa da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Reconhecem o importante papel que as empresas estatais desempenham na economia; assim como o das pequenas e médias empresas como criadores de emprego e riqueza.

Reafirmam a necessidade de uma reforma integral das Nações Unidas, incluído seu Conselho de Segurança, com a finalidade de torná-lo mais representativo, eficiente e eficaz, de maneira que possa responder adequadamente aos desafios globais.

Reiteraram sua condenação ao terrorismo em todas as suas formas e manifestações, onde quer que ocorra; e expressaram preocupação pela contínua ameaça do terrorismo e do extremismo na Síria, ao mesmo tempo em que chamaram todas as partes sírias a que se comprometam a pôr fim aos atos terroristas perpetrados pela Al-Qaeda, seus filiados e outras organizações terroristas.

Condenaram energicamente o uso de armas químicas em qualquer circunstância; e deram boas-vindas à decisão da República Árabe Síria de aderir à Convenção sobre Armas Químicas.

Reafirmaram o compromisso de contribuir a uma justa e duradoura solução global do conflito árabe-israelense sobre a base do marco legal internacional universalmente reconhecido, incluindo as resoluções pertinentes das Nações Unidas, os Princípios de Madri e a Iniciativa de Paz Árabe; e expressaram apoio à convocação, na data mais próxima possível, da Conferência sobre o estabelecimento de uma zona do Oriente Médio livre de armas nucleares e outras armas de destruição em massa.

Reafirmaram a vontade de que a exploração e utilização do espaço extraterrestre deve ser para fins pacíficos.

Reiteraram que não há alternativa a uma solução negociada para a questão nuclear iraniana e reafirmaram apoio à sua solução através de meios políticos e diplomáticos.

Expressaram preocupação pela situação no Iraque e apoiaram o governo iraquiano em seus esforços para superar a crise, defender a soberania nacional e a integridade territorial.

Expressaram preocupação pela situação na Ucrânia e fizeram um chamamento por um diálogo amplo, a diminuição do conflito e a moderação de todos os atores envolvidos, com a finalidade de encontrar uma solução política pacífica.
Reiteraram a firme condenação ao terrorismo em todas as suas formas e manifestações. Assinalaram que as Nações Unidas têm um papel central na coordenação da ação internacional contra o terrorismo, que deve ser levada a cabo conforme o direito internacional, incluída a Carta das Nações Unidas, e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

Reconheceram que a mudança climática é um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta, e fizeram um chamamento a todos os países a construir sobre as decisões adotadas na Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), com vistas a chegar a uma conclusão exitosa para o ano de 2015 das negociações no desenvolvimento de um protocolo, outro instrumento legal ou um resultado acordado com força legal sob a Convenção aplicável a todas as Partes, de conformidade com os princípios e disposições da CMNUCC, em particular o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e suas respectivas capacidades.

Expressaram a importância estratégica da educação para o desenvolvimento sustentável e o crescimento econômico inclusivo; assim como destacaram o vínculo entre a cultura e o desenvolvimento sustentável.

A próxima Cúpula dos BRICS será na Rússia, em julho de 2015.

Pareceria que se trata de mais um acordo entre os muitos que aparecem constantemente nos despachos das principais agências ocidentais de imprensa. Contudo, o significado é claro e rotundo: A América Latina é a área geográfica do mundo onde os Estados Unidos impuseram o sistema mais desigual do planeta, o desfrute de suas riquezas internas, o fornecimento de matérias primas baratas, comprador de suas mercadorias e o depositante privilegiado de seu ouro e seus fundos que escapam de seus respectivos países e são investidos pelas companhias norte-americanas no país ou em qualquer lugar do mundo.

Nunca ninguém encontrou uma resposta capaz de satisfazer às exigências do mercado real que hoje conhecemos, mas tampouco poderia duvidar-se de que a humanidade marcha para uma etapa mais justa do que até nossos tempos tem sido a sociedade humana.

Repugnam os abusos cometidos ao longo da história. Hoje o que se avalia é o que sucederá em nosso planeta globalizado em um futuro próximo. Como poderiam escapar os seres humanos da ignorância, da carência de recursos elementares para alimentação, saúde, educação, habitação, emprego decente, segurança e remuneração justa. O que é mais importante, se isto será possível ou não, neste minúsculo rincão do Universo. Se meditar sobre isto serve para algo, será para garantir na realidade a supremacia do ser humano.

Por minha parte, não abrigo a menor dúvida de que quando o presidente Xi Jinping termine as atividades para concluir seu giro neste hemisfério - assim como o presidente da Federação Russa, Vladimir Pútin - ambos os países estarão culminando uma das maiores proezas da história humana.

Na Declaração dos BRICS, aprovada em 15 de julho de 2014 em Fortaleza, defende-se uma maior participação de outros países, especialmente os que lutam por seu desenvolvimento com vistas a fomentar a cooperação e a solidariedade com os povos e de modo particular com os da América do Sul, assinala-se em um significativo parágrafo que os BRICS reconhecem em particular a importância da União das Nações Sul-americanas (UNASUL) na promoção da paz e da democracia na região, na conquista do desenvolvimento sustentável e na erradicação da pobreza.

Já fui bastante extenso, apesar de que a amplitude e a importância do tema demandavam a análise de importantes questões que requeriam alguma réplica.

Pensava que nos dias subsequentes haveria um pouco mais de análise séria sobre a importância da Cúpula dos BRICS. Bastaria somar os habitantes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul para compreender que totalizam neste momento a metade da população mundial. Em poucas décadas o Produto Interno Bruto da China superará o dos Estados Unidos; muitos Estados já solicitam iuans e não dólares, não só o Brasil, mas vários dos mais importantes da América Latina, cujos produtos como a soja e o milho competem com os da América do Norte. O aporte que a Rússia e a China podem fazer na ciência, na tecnologia e no desenvolvimento econômico da América do Sul e do Caribe é decisivo.

Os grandes acontecimentos da história não se forjam em um dia. Enormes provas e desafios de crescente complexidade se vislumbram no horizonte. Entre a China e a Venezuela foram assinados 38 acordos de cooperação. É hora de conhecer um pouco mais as realidades.

Fidel Castro Ruz

21 de julho de 2014, às 22h15

www.vermelho.org.br

Juros e Previdência


Juros e Previdência

21/8/2014 14:36
Por Paulo Kliass - de Paris

Um dos temas preferidos pelos colunistas conservadores é a necessidade de mudança na lei de reajuste do salário mínimo
Um dos temas preferidos pelos colunistas conservadores é a necessidade de mudança na lei de reajuste do salário mínimo
O avanço da agenda do debate eleitoral começa a colocar a questão econômica no centro do palco. Diz respeito à discussão a respeito das alternativas que se colocam para o Brasil para o próximo quadriênio. No entanto, as dificuldades e os impasses vividos por nossa economia no momento atual não deve abrir espaço para o retorno de pretensas soluções milagreiras, que já foram ultrapassadas pela história.
Na verdade, assiste­se a uma tentativa das forças conservadoras de pautar os meios de comunicação quanto à suposta “inevitabilidade” de um profundo choque ortodoxo para o ano que vem. E dá­lhe espaço para os “especialistas” de plantão ­ todos eles ligados aos interesses do financismo ­ criando falsas unanimidades quanto à inflação descontrolada, à necessidade de um tarifaço energético ou à urgência de cortes profundos nas despesas orçamentárias.
Assessores econômicos e consultores do mercado financeiro saem logo a divulgar o catastrofismo de plantão. O foco da estratégia é a insistência em desqualificar toda e qualquer tentativa de enfrentar os desafios econômicos lançando mão dos instrumentos da chamada heterodoxia. Esses personagens são os mesmos que justificam a alta ou a baixa da cotação das ações da Petrobrás em função de boatos a respeito de suposta divulgação de resultado de pesquisa eleitoral. São eles também os responsáveis pela divulgação de informações responsabilizando o governo argentino, nessa disputa que trava a equipe de Cristina Kirchner contra os chamados “fundos abutres”. Enfim, segundo eles, nada disso pode ser qualificado como especulação que tangencia a esfera do econômico e do político ­trata­se tão somente da avaliação das conhecidas forças de mercado…
No caso aqui tratado, saem clamando contra a dita irresponsabilidade do governo da Presidenta Dilma por ter relaxado a rigidez na condução da política econômica.
O discurso do retrocesso pretende retomar o arrocho, por meio do restabelecimento da radicalidade do tripé da política econômica. Isso significaria não mais aceitar o regime de metas de inflação com um centro e as bandas superior e inferior. Isso significaria não mais aceitar qualquer tipo de intervenção da autoridade monetária (ainda que branda, como a atual) no mercado de câmbio. Finalmente, isso significaria promover uma elevação no superávit primário, comprimindo despesas com rubricas sociais do orçamento, para drenar recursos para o pagamento de juros e encargos da dívida pública.
Um dos temas preferidos pelos colunistas conservadores é a necessidade de mudança na lei de reajuste do salário mínimo. O modelo atual tem validade até 2015 e prevê um reajuste com dois componentes: i) a reposição da inflação anual e ii) um ganho real associado ao crescimento do PIB da economia no ano anterior. Nada mais justo para a imensa maioria do povo brasileiro, que recebe esse piso como remuneração mensal. Como se pode imaginar, a proposta de alteração vem no sentido de redução de direitos, de diminuição do valor real do salário mínimo. Uma loucura!
Todo mundo sabe que uma das bases para o processo de redução da miséria e melhoria das condições de vida dos que estão na base da pirâmide social de nosso País foi a recuperação do piso da renda do trabalhador. Ao lado de outros instrumentos importantes de políticas públicas (como o Programa Bolsa Família), a elevação do rendimento das famílias, por meio da valorização do salário mínimo, foi também responsável pela melhoria das condições de consumo, assegurando a recuperação da nossa economia pela demanda interna ­ mesmo no quadro da crise internacional.
Mas isso pouco importa nessa espécie de fixação tresloucada das forças conservadoras co a redução de direitos e o enxugamento da presença do Estado na economia. Alguns “especialistas” do financismo já voltam a martelar na necessidade de um pacote de diminuição das despesas orçamentárias. E o principal alvo, como sempre, é a previdência social. Afinal, eles nunca engoliram o fato de que nosso Regime Geral de Previdência Social (RGPS) não tenha sido privatizado, como foram obrigados a fazer Chile e Argentina. Caminho, aliás, que logo em seguida abandonaram e se arrependeram da aventura irresponsável. Afinal, o olho gordo dos que lidam com patrimônio financeiro próprio e alheio não consegue ficar imune às cifras do volume movimentado pelo sistema gerido pela União. São mais de R$ 436 bilhões relativos a pagamentos de benefícios gerais da previdência social, dos quais R$ 357 bi voltados ao pagamento de aposentadorias e pensões do INSS. Imaginem só mais essa massa de dinheiro sendo operada pelas mãos dos bancos privados!
As manchetes de alguns jornais já começam a metralhar: “Rombo da previdência deve atingir R$ 55 bilhões em 2014”. As estimativas são feitas com base nas atualizações dos números oficiais, que falam da “necessidade de financiamento” de R$ 40 bi para o RGPS. A diferença de tratamento não é gratuita! A previdência social não é deficitária e não cabem as expressões preferidas por seus inimigos, como “rombo”, “buraco”, etc. O que existem são 2 grandes subgrupos que não podem receber o mesmo tipo de tratamento. Os trabalhadores urbanos compõem um conjunto que está mais do que equilibrado: ele é mesmo superavitário. Em 2013, por exemplo, arrecadou R$ 307 bi e teve uma despesa equivalente a R$ 282 bi. Isso significa que as receitas das empresas e dos trabalhadores são mais do que suficiente para cobrir os benefícios pagos. E ainda sobraram R$ 25 bi.
Já os trabalhadores rurais compõem um outro subconjunto que apresenta um quadro distinto. Eles foram incorporados ao RGPS apenas depois da década de 1990, em razão da previsão da constituição cidadã. Com isso, uma parcela importante dessas famílias passou a ter direito a receber a aposentadoria de 1 salário mínimo (sm), mas nunca haviam contribuído ao longo de sua vida passada.
A responsabilidade dessa contrapartida deveria ser efetuada por meio de aportes do Tesouro Nacional ao regime previdenciário, uma vez que não se trata de nenhum tipo de “desequilíbrio estrutural”. Pelo contrário, foi uma decisão histórica do País em reconhecer a injustiça anterior e incorporar essa parcela de nossa população a critérios mínimos de vida republicana e de igualdade de direitos. Por essas razões, a receita arrecadada pelos rurais é de apenas R$ 6 bi, ao passo que as despesas com benefícios alcançam R$ 82 bilhões. À medida que as gerações forem avançando, essa diferença vai diminuir, uma vez que os mais novos contribuem para o regime e ele deverá tornar­se tão equilibrado quanto o dos urbanos.
No entanto, a diferença de tratamento dos órgãos de comunicação é muito diferente quando se trata de outra despesa do Estado: os gastos com juros. Não se vê nenhuma indignação ou manchete escandalosa denunciando o “rombo de R$ 251 bilhões!”. Sim, pois é exatamente esse o montante de recursos que a Administração Pública dedicou ao pagamento de juros ao longo dos últimos 12 meses. Isso significa que 5% do PIB são destinados a uma despesa totalmente descolada do setor real da economia, um verdadeiro gasto parasita.
A necessidade de financiamento do RGPS para cumprir as transferências a dezenas de milhões de famílias da “fortuna” de um salário mínimo mensal é apontada como um enorme descalabro. Já o aporte de valores orçamentários muito superiores a esses a título de desoneração tributária, de subsídio de empréstimos oficiais ou de pagamento de juros não parece incomodar muito o financismo.
Esse desajuste estrutural, essa ineficiência do gasto público, esse enorme desperdício de recursos públicos não recebem jamais o destaque merecido nas páginas impressas ou nas telas. Para eles, a razão é óbvia: as despesas de natureza financeiras são intocáveis! De acordo com as orientações do oráculo, os cortes orçamentários necessários devem ocorrer apenas nas áreas de maior sensibilidade – nas contas sociais e nos investimentos. Assim, o financismo berra que 2015 deverá ser um ano de redução nas contas como saúde, educação, previdência, saneamento e assemelhadas. Tudo isso para viabilizar a sobra de recursos para o pagamento de juros da dívida pública. E vamoquevamo!
Paulo Kliass,  é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do
governo federal, e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

A guerrilha das mídias alternativas


A guerrilha das mídias alternativas

22/8/2014 14:57
Por Altamiro Borges - de São Paulo

A imprensa sindical, iniciada pelos anarquistas estrangeiros, pode ser considerada a origem da “mídia alternativa”
A imprensa sindical, iniciada pelos anarquistas estrangeiros, pode ser considerada a origem da “mídia alternativa”
Já há consenso nas esquerdas políticas e sociais brasileiras de que a mídia privada, controlada por meia dúzia de famílias, manipula informações e deforma valores. Ela atua como “aparelho privado de hegemonia do capital”, conforme a clássica definição de Antonio Gramsci. Ainda segundo o intelectual italiano, ela cumpre o papel de autêntico partido das forças da direita. Esta postura, que atenta contra a democracia, hoje é ainda mais agressiva. Como confessou recentemente Judith Brito, ex-presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do Grupo Folha, a velha mídia adota a “posição oposicionista” diante do governo Dilma, já que a “oposição está fragilizada”. Não é para menos ela também passou a ser rotulada de “PIG – Partido da Imprensa Golpista”, a partir de uma ironia difundida pelo irreverente blogueiro Paulo Henrique Amorim.
Diante desse poder ditatorial, inúmeros atores sociais já perceberam que têm dois desafios simultâneos e titânicos pela frente. O primeiro é o de quebrar a força deste exército regular das classes dominantes. Daí a urgência da luta pelo novo marco regulatório do setor, que hoje se expressa na campanha liderada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) de coleta de 1,4 milhão de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) da mídia democrática. O segundo é o de multiplicar e fortalecer os veículos próprios de comunicação das forças populares, construindo uma mídia contra-hegemônica que se contraponha às manipulações do poderoso PIG. Estes instrumentos atuam como uma guerrilha no enfrentamento ao exército regular dos impérios midiáticos, numa prolongada operação de cerco e fustigamento.
A história do Brasil está repleta de ricas experiências de construção desta “imprensa alternativa” – desde os anarquistas, no início do século XX, passando pelos comunistas durante várias décadas, até chegar à heroica fase do jornalismo de resistência à ditadura militar. Na fase recente, estas iniciativas se multiplicaram, conectaram-se com as novas tecnologias e adquiriram novo impulso. Elas ainda não conseguiram se constituir em fortes veículos nacionais contra-hegemônicos, como já ocorre em outros países da rebelde América Latina. Mesmo dispersos, porém, estes veículos promovem a guerrilha informativa e incomodam os barões da mídia. O texto a seguir trata de quatro destas experiências, que não são as únicas: a imprensa sindical, a TV dos Trabalhadores, o movimento dos “blogueiros progressistas” e os novos coletivos de ativistas digitais.
A força da imprensa sindical
A imprensa sindical, iniciada pelos anarquistas estrangeiros, pode ser considerada a origem da “mídia alternativa”. Ela enfrentou a violência das classes dominantes, com o empastelamento de vários jornais e a prisão de centenas de gráficos e comunicadores populares. Na frágil democracia brasileira, inúmeras vezes abortada por golpes militares e ondas autoritárias, a imprensa sindical atuou com coragem e dedicação, contrapondo-se aos ataques dos veículos patronais contra as lutas dos trabalhadores por seus interesses imediatos e futuros. Após o colapso das concepções anarquistas, os comunistas passaram a hegemonizar o sindicalismo e sempre trataram como prioridade a comunicação nas entidades de classe.
O golpe militar de 1964, apoiado pelos mesmos barões da mídia dos dias atuais, interrompeu o avanço das lutas dos trabalhadores. Os generais intervieram em centenas de sindicatos, prenderam seus líderes, nomearam “pelegos” e transformaram as entidades em “repartições públicas”. A imprensa sindical quase faliu – restando apenas boletins de “colunas sociais”, de confraternização dos velhos pelegos com os empresários e os carrascos da ditadura. Mas a luta dos trabalhadores não cessou, com a criação de centenas de “jornais de fábrica” e a construção de oposições sindicais. Com a retomada do movimento grevista, no final da década de 1970, a imprensa sindical voltou a florescer.
Pesquisa realizada pelo ex-metalúrgico Vito Giannotti e pela jornalista Cláudia Santiago, do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), apontou a existência, no final dos anos 1990, de centenas veículos sindicais. Somente nas entidades filiadas à CUT, a maior central do Brasil, trabalhavam mais de 300 jornalistas, que produziam mensalmente quase 7 milhões de exemplares de jornais e boletins. Como brinca Vito Giannotti, “maior do que a redação cutista só existia a das Organizações Globo”. De lá para cá, ocorreram muitas mudanças na área, mas o movimento sindical não perdeu a sua força comunicativa. Ele passou a investir também em programas de radio e tevê, na internet e em outras ferramentas.
Segundo o jornalista João Franzin, criador da Agência Sindical, esta vasta produção tem papel fundamental na conscientização e organização dos trabalhadores. “A imprensa sindical brasileira publica mais de 10 milhões de exemplares por mês, basicamente boletins e jornais, distribuídos nos locais de trabalho, entregues de mão em mão, no contato direto entre os sindicalistas e os trabalhadores”. Para ele, ainda há problemas nesta comunicação, especialmente na linguagem e no trato dos temas nacionais. Mas ele garante que estes meios alternativos são decisivos para os avanços da luta classista. “A imprensa sindical informa, orienta e combate abusos. Ela ajuda o trabalhador a construir sua cidadania concreta”.
A experiência da TV dos trabalhadores
Foi no bojo destes avanços sindicais que nasceu a TVT, a primeira emissora outorgada a uma entidade de trabalhadores. Ela entrou no ar em 23 de agosto de 2010, resultado de 23 anos de pressão do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista sobre o governo. Formalmente, ela pertence à Fundação Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho, entidade cultural sem fins lucrativos, criada e mantida pelo sindicato. Vários conteúdos próprios são produzidos pela equipe, em especial um jornal ao vivo de trinta minutos – “Seu Jornal”. Também foram firmadas parcerias com a TV Brasil e outras emissoras públicas, que completam a grade de programação. Os programas são transmitidos na tevê a cabo e pela internet.
A decisão de investir numa emissora de televisão, conhecida pelos elevados custos, evidenciou a compreensão da direção sindical sobre o papel da comunicação na atualidade. Segundo Valter Sanches, presidente da fundação, a TVT emprega quase 100 profissionais. Só com equipamentos foram investidos R$ 1 milhão. O custo mensal da programação gira em torno de R$ 400 mil. E para garantir a outorga da concessão pública, o sindicato precisou fazer um aporte financeiro de R$ 15 milhões com recursos próprios na conta da fundação. Mesmo assim, a outorga só foi conquistada em outubro de 2009, por meio de um decreto assinado pelo ex-presidente Lula, que se projetou na luta operária do ABC paulista.
Todos estes investimentos e esforços empreendidos, segundo Valter Sanchez, foram necessários e valem a pena para enfrentar as manipulações da mídia monopolizada. Já nas greves operárias do final da década de 1970 ficou evidente o ódio de classe das emissoras privadas de televisão, que fizeram de tudo para satanizar os grevistas e derrotar o nascente movimento operário. “O sindicato abraçou o desafio de esperar 22 anos na fila por uma concessão de radiodifusão porque percebeu a importância estratégica da comunicação. Entendeu que precisamos lutar, também, no campo da mídia”. Para alavancar ainda mais o alcance da TVT, a fundação articula agora novas parceiras e novos investimentos.
No final de julho passado, a fundação firmou um acordo com a direção do Sindicato dos Bancários de São Paulo para produzir novos programas e ampliar o alcance da transmissão. A TVT não consegue ainda mensurar sua audiência, mas desde o ingresso na tevê a cabo, via NET, os sinais da vitalidade da emissora ficaram mais nítidos. A meta agora é ampliar este alcance, dialogando principalmente com a juventude que saiu às ruas na jornada de junho de 2013. “As pessoas buscam ter voz, querem divulgar suas ações. E para isso não existe espaço na mídia tradicional”, explica Valter Sanchez. Ele lembra que a TV Globo foi um dos alvos dos protestos juvenis, o que revela o despertar de maior senso crítico na sociedade.
O barulho dos “blogueiros sujos”
O senso crítico realçado pelo dirigente da TVT tem buscado também outros canais de expressão, que se somam às antigas formas de organização da sociedade, como sindicatos, entidades estudantis e movimentos comunitários. Neste sentido, a brecha tecnológica aberta com a descoberta e a difusão da internet permite que novos atores entrem em cena, produzam conteúdo e ampliem ainda mais o vasto campo da chamada “mídia alternativa”. No mundo inteiro, a experiência do ciberativismo, que ganhou impulso no início do século, desafia o poder dos impérios midiáticos, resultando na queda abrupta da tiragem dos jornalões, na redução da audiência de emissoras de televisão e na crise do seu modelo de gestão.
No Brasil, o mesmo fenômeno está em curso e já provoca muito barulho, incomodando os barões da mídia. Através de sites e blogs, milhares de ativistas digitais fazem o contraponto às manipulações da velha imprensa, divulgam os movimentos sociais, lutam pela ampliação da democracia no país. No seu esforço cotidiano da guerrilha informativa, eles ajudam a quebrar o monopólio da palavra da mídia monopolizada. Não é para menos que geram tanto ódio das forças autoritárias, contrárias à verdadeira liberdade de expressão. José Serra, o eterno candidato deste setor, inclusive criou o rótulo de “blogs sujos” para tentar estigmatizar estes militantes virtuais. Na sua irreverência, os blogueiros até adotaram o título!
Segundo Leonardo Vasconcelos Cavalier Darbilly, em sua tese de doutorado para a Fundação Getúlio Vargas, “o surgimento da blogosfera política no Brasil, caracterizada pela divergência com relação ao posicionamento de grande parte da mídia tradicional, ocorreu ao longo da década de 2000”. O primeiro “blog sujo” foi o Viomundo, criado pelo jornalista Luiz Carlos Azenha em 2003. Em 2005 nasceram os blogs de Renato Rovai e Antônio Mello; Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim, e o blog de Luis Nassif surgem em 2006; no ano seguinte nasce o Blog da Cidadania, criado por Eduardo Guimarães; já o blog Escrevinhador, de Rodrigo Vianna, apareceu em 2008.
Neste período, por todos os cantos do país – nas capitais e também em importantes cidades do interior – brotaram centenas de páginas pessoais que se contrapõem às forças políticas conservadoras e que polemizam com a mídia tradicional. Muitos jornalistas, descontentes com a cobertura enviesada da chamada grande imprensa, utilizam esta ferramenta para expor as suas posições criticas e independentes. Mas a blogosfera não se limita a este setor, permitindo que profissionais de diversas áreas exponham seus pontos de vista sobre vários temas. A maioria dos blogs ainda é produzida de forma amadora, sem recursos financeiros ou apoio logístico. Em função destes obstáculos, muitos não resistem por muito tempo.
Mesmo assim, a blogosfera foi se constituído num importante espaço da mídia contra-hegemônica. Ela atua como uma rede horizontal, sem a organicidade dos sindicatos e dos movimentos sociais estruturados, mas demonstra grande capacidade de interferir nos debates nacionais. O seu primeiro grande teste ocorreu eleições presidenciais de 2010, quando ela ajudou a desmascarar a cobertura partidarizada do famoso PIG. Com o tempo, os sites e blogs progressistas também se articularam, promovendo quatro encontros nacionais que primaram pela busca da “unidade na diversidade”. Hoje, a blogosfera é um instrumento decisivo na construção de uma influente mídia alternativa no Brasil.
Mídia Ninja e os novos coletivos
Outro elemento decisivo neste rico processo foi o florescimento de novos coletivos digitais, que agregam jovens criativos e ousados nascidos na era da internet. O mais conhecido é o Mídia Ninja – nome do grupo “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”. Ele foi criado em 2011, mas ganhou projeção nacional durante da jornada de protestos do ano passado, que abalou o país. Usando câmeras de celulares e unidades móveis montadas em carrinhos de supermercado, estes guerrilheiros virtuais transmitiram ao vivo centenas de passeatas, atos e choques com a polícia em todo o Brasil. Em alguns momentos, eles chegaram a pautar a paquidérmica e rancorosa mídia tradicional.
O Mídia Ninja teve origem na experiência do Pós-TV, uma iniciativa inovadora organizada pelo coletivo cultural Fora do Eixo. Sempre identificado com as lutas libertárias, ele cobriu a “marcha da maconha”, a “marcha das vadias” e as manifestações em defesa dos povos indígenas Guarani-Kaiowá. A partir da “jornada de junho”, porém, ele passou a ser alvo das forças de direita, sediadas nas redações da chamada grande imprensa. Este ataque resultou numa maior aproximação com os movimentos sociais organizados e com os setores da mídia alternativa. Como argumenta Rafael Vilela, integrante do coletivo, “ficou mais nítida a necessidade da união com os movimentos sociais na luta pela democratização do país”.
Para ele, a comunicação e o luta social são inseparáveis. “Por isso entramos em lugares que a mídia convencional não vai. Damos voz direta aos personagens, sem intermediários”. Na sua visão, o “Mídia Ninja é um laboratório de comunicação, que visa desmascarar o que a grande mídia edita e mostra como única verdade existente”. Do ponto de vista do futuro, Rafael Vilela defende que a iniciativa “não é nem deve ser um núcleo de cobertura de protestos, mas sim um canal midiático cidadão, trabalhando com diversas editorias, que vá dos protestos ao lazer e à cultura, sem abrir mão da crítica”. Neste rumo, a experiência é uma importante contribuição ao fortalecimento da mídia alternativa no Brasil.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB – Partido Comunista do Brasil, autor do livro Sindicalismo, resistência e alternativas (Editora Anita Garibaldi).

Mau exemplo de jornalismo


Mau exemplo de jornalismo

22/8/2014 15:00
Por Mário Augusto Jakobskind, do Rio de Janeiro

William Bonner e Patrícia Poeta tentaram massacrar a presidenta Dilma numa entrevista no Jornal Nacional.
William Bonner e Patrícia Poeta tentaram massacrar a presidenta Dilma numa entrevista no Jornal Nacional.
 Em tempo de campanha eleitoral, Wiliam Bonner e Patrícia Poeta deram mau exemplo de jornalismo na entrevista feita a Dilma Rousseff no Jornal Nacional, edição de segunda-feira (18). Fizeram perguntas quilométricas e com o visível objetivo de comprometer a Presidenta candidata.
Em um só instante foi colocado o tema que ocupa o noticiário nacional. Ou seja, nenhuma pergunta relacionada com a tragédia em Santos que vitimou Eduardo Campos e seus assessores. Preferiram dizer que o Brasil vai de mal a pior e por culpa do atual governo. Mais parecia que estavam dando uma mãozinha para os candidatos de oposição como Aécio Neves e agora Marina Silva do que outra coisa.
Por estas e outras, a cada dia que passa Bonner e Poeta perdem a credibilidade enquanto jornalistas, mas ganhando ponto em outras paragens.
A TV Globo deveria de uma vez por todas tirar a máscara da imparcialidade e dizer em alto e bom som se agora apoia Marina Silva ou Aécio Neves. A cada edição que passa, seja do Jornal Nacional o do jornal O Globo, fica muito claro que o objetivo das Organizações da família Marinho é evitar a reeleição de Dilma Rousseff.
É um direito que assiste o esquema Globo ter esta posição. Mas o que é inaceitável é que esse posicionamento se reflita numa hora de entrevistas com candidatos ou na cobertura propriamente dita.
Neste início de campanha eleitoral, a mídia hegemônica conservadora não tem escondido suas preferências ideológicas. Jornalões e telejornalões não deveriam continuar com a postura falsa da imparcialidade. Deveriam de uma vez por todas fazer como fazem jornais no exterior como o The New York Times e Washington Posto, entre outros, divulgando a preferência por este ou aquele candidato.
Agora, ficar fingindo imparcialidade e em horas marcantes, como no caso das entrevistas presidenciais feitas no Jornal Nacional, os âncoras se posicionarem visivelmente para prejudicar a candidata Dilma Rousseff, depõe contra a própria emissora.
Quanto à tragédia que resultou na morte de Eduardo Campos, não deveria também servir de objeto de manipulação informativa. É lamentável que isso ocorra. É um abuso a qualquer código de ética jornalística se aproveitar da emoção para induzir leitores, telespectadores e ouvintes a se voltar contra ou a favor de determinados candidatos ou candidatas.
Valeria um debate amplo sobre o tema, mas resta saber em que espaço midiático isso seria possível.
Em tempo: na cobertura inicial da tragédia em Santos, o jornalismo da Globo News ganhou o troféu cascata ao entrevistar um popular que se apresentava como voluntário e um dos primeiros a chegar ao local do acidente com o Cesna que vitimou Eduardo Campos.
Depois de afirmar que retirou do local garotos queimados, o entrevistado disse ter reconhecido o corpo de Eduardo Campos confirmando que ao abrir os olhos da vítima viu a coloração verde.
Ou seja, enquanto todos já sabiam que seria difícil encontrar os restos das vítimas em função do forte impacto do choque do aparelho na queda, o entrevistado cascateiro localizou o corpo quase intacto.
É isso que dá a corrida desenfreada atrás de um eventual furo, no caso totalmente inconsequente e sem eira nem beira. Melhor teria feito o editor da Globo News naquele momento se tirasse do ar o entrevistado antes dele jogar a cascata para evitar o constrangimento geral.
Já que estamos em ritmo de campanha eleitoral não custa nada lembrar fatos, já que muitas vezes a memória é curta. A candidatíssima Marina Silva em recente pronunciamento antes de acertar acordo político com Eduardo Campos saiu-se com o seguinte papo: “minha briga, neste momento, não é para ser Presidente da República, é contra o PT e o chavismo que se instalou no Brasil”.
Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil); preside a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI – seus livros mais recentes: Líbia – Barrados na Fronteira; Cuba, Apesar do Bloqueio e Parla (no prelo).
Direto da Redação é editado pelo jornalista Rui Martins com o apoio do Correio do Brasil.

NÃO DEIXE DE LER. Erundina assume coordenação de Marina como "rainha da Inglaterra", diz PML


Erundina assume coordenação de Marina como ‘rainha da Inglaterra’, diz PML

22/8/2014 14:24
Por Redação - de São Paulo

mídia
A deputada Luiza Erundina é coordenadora da campanha de Marina
Apenas algumas horas depois de escolhida a deputada Luiza Erundina (SP) para a coordenação da campanha presidencial de Marina Silva, em uma indicação direta do Diretório Nacional do PSB, que tem o deputado Beto Albuquerque (RS) como vice, não faltaram críticas à decisão. A notícia foi divulgada na noite passada, em nota oficial no site do PSB. Luiza Erundina substitui Carlos Siqueira, que abandonou a coordenação-geral da campanha de Marina Silva pouco após a nomeação da ex-senadora como candidata à Presidência no lugar de Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo no litoral de Santos no último dia 13.
Nascida em Uiraúna (PB), Erundina é professora e está em seu quarto mandato como deputada federal por São Paulo, todos pelo PSB, partido ao qual é filiada desde 1997. Antes de entrar no PSB, ela passou 17 anos no PT (1980-1997). Como petista foi vereadora e prefeita de São Paulo e deputada estadual. Ela esteve no ato de filiação de Marina Silva ao PSB. Erundina, no entanto, é apontada em um artigo do jornalista Paulo Moreira Leite, o PML, diretor do site de notícias 247, em Brasília, como uma espécie de ‘rainha da Inglaterra’, no sentido de ocupar o cargo de mando quando, na realidade, quem mandaria na campanha seria Maria Alice Setúbal, uma das proprietárias do banco Itaú, uma das maiores instituições financeiras do país, ligada à extrema direita.
Leia, a seguir, o artigo de Paulo Moreira Leite:
Na década de 1960, quando o embaixador norte-americano Lincoln Gordon dava seguidas e constrangedoras demonstrações de poder junto aos generais que tentavam dar a impressão de mandar no Brasil após o golpe militar, o jornalista Paulo Francis cunhou uma frase que ficou famosa: “chega de intermediários. Lincoln Gordon para presidente.”
Sessenta anos se passaram e o Brasil mudou bastante desde então. Morto em 1997, o próprio Paulo Francis tornou-se um barítono da direita brasileira, servindo de mestre para um conservadorismo que não conseguia renovar-se por si próprio.
O país se democratizou, os brasileiros fizeram uma constituição democrática e, dentro de poucas semanas, irão votar para presidente pela sétima vez consecutiva, em ambiente de paz e plena liberdade de expressão — isso nunca aconteceu na república brasileira, em período algum.
Com um histórico de desigualdade e exclusão, na última década o país conseguiu avanços memoráveis na luta contra a pobreza, por uma melhor distribuição de renda. É inegável.
Mas nem tudo se modificou, como mostra Fernando Rodrigues, na Folha de hoje.
A entrevista de Maria Alice Setúbal, a herdeira do Itaú, que, manda a tradição aristocrática brasileira, prefere ser tratada em público como Neca, apelido familiar, é um assombro.
Educadora, por profissão, Neca é, também, bilionária por herança. É uma conversa sem rodeios nem inibições. Desde a confirmação da candidatura Marina, a herdeira do Itaú foi confirmada como coordenadora do programa de governo. Lembra de Antonio Palocci, que teve um papel essencial na estruturação do governo Lula, depois da vitória de 2002, inclusive com a Carta ao Povo Brasileiro? Seu lugar no organograma era o mesmo. Imagine o poder de Neca.
Maria Alice fala do ponto mais importante: autonomia do Banco Central, medida que, nós sabemos, concentra o ponto fundamental da campanha de 2014 — permitir ao sistema financeiro recuperar o controle absoluto da política econômica, definindo a taxa de juros conforme análises e projeções de instituições privadas que atuam no mercado.
Nós sabemos que, hoje, o governo Dilma procura manter a inflação sob controle e tem obtido vitórias importantes — há quatro meses os preços estão em tendência de queda e as projeções indicam um movimento semelhante no próximo levantamento. Apesar disso, o governo não abre mão de proteger os salários e de tomar toda medida a seu alcance para manter o emprego, em seu mais baixo nível da história. Isso só é possível porque, mesmo sem dar ordens ao Banco Central, a presidência da República tem o poder de indicar e demitir seu presidente.
A autonomia do BC é a senha para se mudar isso. Em vez de deixar a política econômica em mãos de tecnocratas que respondem a uma autoridade eleita, o que se quer é dar independência aos diretores do banco, que passam a ter mandato e assim por diante. Independência de quem? Das autoridades que de uma forma ou outra expressam a soberania popular.
Eduardo Campos já havia se declarado a favor da autonomia do BC, postura que causou espanto nos aliados que recordavam a herança do avô Miguel Arraes. Marina disse na época que não era favorável. Parecia resistir. “Enfim”, concordou, explica Maria Alice, esclarecendo que se quer definir o assunto em lei.
Criado pela ditadura militar, o Banco Central brasileiro guarda uma peculiaridade em comparação com originais estrangeiros. O Federal Reserve Americano, por exemplo, tem o dever de defender a moeda do país — e o emprego dos cidadãos. Essa missão com duas finalidades está lá, em mármore, na porta da instituição. No Brasil, não há referência ao emprego. Outros tempos, outros governos. Entendeu, né?
A coordenadora Maria Alice não é uma eleitora qualquer, cujo voto representará 1/100 milhões na eleição. O Itaú é um gigante com US$ 468 bilhões de ativos em 2013. É um número respeitável por qualquer padrão, inclusive internacional. Numa lista com os 15 maiores bancos dos Estados Unidos, o Itau fica a frente de nove em ativos. Mas não é só.
Se você comparar a rentabilidade sobre o patrimônio, o banco da coordenadora da campanha de Marina supera mesmo os maiores bancos da maior economia do planeta. Diz a consultoria Econométrica que em 2013, o Itaú teve um rendimento da ordem de 16,70% sobre o patrimônio, algo perto de US$ 70 bilhões, só no ano.
Só para você ter uma ideia, o US Bancorp, mais lucrativo banco dos Estados Unidos, teve uma rentabilidade de 15,48%. Os maiores bancos dos EUA estão longe de exibir um desempenho comparável ao Itaú, no entanto.O Morgan, com um patrimônio mais de quatro vezes maior do que o Itau, teve um rendimento 50% menor, em termos relativos. O rendimento do Citi, três vezes maior, teve um rendimento de equivalente a um quatro daquele auferido pelo Itau, em termos proporcionais.
O Itau não é o único banco brasileiro nessa posição. Bradesco e Banco do Brasil sobrevivem em ambiente muito parecido. A diferença é que os concorrentes não colocaram uma herdeira no comando de uma campanha presidencial, o que dá um grau de proximidade particularmente perigosa.
O Banco Central que a coordenadora Maria Alice quer autônomo já define, hoje, a taxa básica de juros e isso explica a força do setor financeiro no país. Caso essa situação seja colocada em lei, a situação ficará ainda pior.
Protegidos por uma taxa de juros que já foi muito mais alta no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas segue uma das maiores do mundo, os bancos crescem e engordam recebendo rendimentos pelos títulos do governo. Com os lucros do rentismo, os bancos não tem necessidade de emprestar ao empresário nem ao consumidor, atividade que está na razão de sua existência, no mundo inteiro. A taxa média anual de juros nos empréstimos bancários, em 2013, foi de 27,3% no Brasil. Uma barbaridade. Só em Madagascar (60) e Malawi (46%) esse ganho foi maior. No Canadá ficou em 3%. Na China, em 6%. Na Italia, em 5,1% e na Suíça, 2,6%. Nos Estados Unidos, ficou em 3,2%, ou oito vezes menor do que no Brasil. Na Inglaterra, ficou em 0,50%, mais quarenta vezes menor.
Dá para entender, assim, a desenvoltura de Maria Alice Setubal.
Pode parecer arrogância, mas não é isso. É pura expressão de uma realidade política profunda. Alguém reclamava na França do Século XVII quando o Rei Sol dizia que “o Estado sou eu?” Era natural, vamos combinar.
Sem demonstrar inibições maiores, a herdeira do Itau faz críticas diretas ao estilo de Dilma Rousseff. Avançando num argumento que reúne varias camadas de preconceito, nem sempre invisíveis, falou que a presidente exerce uma “liderança masculina.” Vinte e quatro horas depois que a candidatura de Marina provocou a saída de dirigentes históricos do PSB da campanha, ela achou conveniente definir Dilma como “desagregadora”.
Marina trouxe uma representante do 1% do PIB mundial para o comando de sua campanha.
É aquela turma que atua por cima dos estados nacionais e tem ligações frágeis com as respectivas populações porque seu horizonte é o mercado global. Como se aprende com o Premio Nobel Joseph Stiglitz, são esses interesses que impedem uma recuperação firme após a crise de
2009. O povo foi a rua em várias versões de ocupação e nada acontece. O 1% não quer e não deixa.
As grandes instituições financeiras seguem dando as cartas do jogo, mesmo depois de suprimir 60 milhões de empregos e destruir o futuro de várias gerações de trabalhadores.
O que a turma de 1% quer é eliminar o Estado de Bem-Estar Social aonde existe, ou impedir seu crescimento, ande está para ser construído. Isso porque ele funciona como uma garantia contra a reconcentração de renda e preservação dos direitos democráticos, que nem sempre comovem os mercados. Em alguns países do mundo, a força destruidora da crise não fez seu trabalho. Um deles é o Brasil, onde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva se recusou a tomar medidas que criariam uma Grécia infeliz e sem futuro na América do Sul. Vem daí a campanha de ódio contra seu governo e contra sua sucessora.
É isso e apenas isso.