
domingo, 27 de setembro de 2015
A nova roupa da direita
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Política
Agência Pública
A nova roupa da direita
por por Marina Amaral, da Agência Pública — publicado 25/06/2015 03h46
Rede de conservadores dos EUA financia jovens latino-americanos para combater governos de esquerda da Venezuela ao Brasil e defender velhas bandeiras com um nova linguagem
Fernando Conrado

A guatemalteca Gloria Álvarez durante evento em Porto Alegre
“O corpo é a primeira propriedade privada que temos; cabe a cada um de nós decidir o que quer fazer com ele”, brada em espanhol a loirinha de voz firme, enquanto se movimenta com graça no palco do Fórum da Liberdade, ornado com os logotipos dos patrocinadores oficiais – Souza Cruz, Gerdau, Ipiranga e RBS (afiliada da Rede Globo). O auditório de 2 mil lugares da PUC-RS, em Porto Alegre, completamente lotado, explode em risos e aplausos para a guatemalteca Gloria Álvarez, 30 anos, filha de pai cubano e mãe descendente de húngaros.
Gloria ou @crazyglorita (55 mil seguidores no Twitter e 120 mil em sua fanpage do Facebook) ascendeu ao estrelato entre a juventude de direita latino-americana no final do ano passado, quando um vídeo em que ataca o “populismo” na América Latina durante o Parlamento Iberoamericano da Juventude em Zaragoza (Espanha) viralizou na internet. No principal fórum da direita brasileira, Gloria e o ex-governador republicano da Carolina do Sul David Bensley são os únicos entre os 22 palestrantes, brasileiros e estrangeiros, escalados para os keynote – palestras-chave que norteiam os debates nos três dias do evento, batizado de “Caminhos da Liberdade”.
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Radialista há dez anos, hoje com um programa na TV, Gloria é uma show-woman cativante. Conduz com desenvoltura a plateia formada majoritariamente por estudantes da PUC gaúcha, uma das melhores e mais caras universidades do Sul do país. “Quem aqui se declara liberal ou libertarista que levante a mão?”, pede ao público, que responde com mãos erguidas. “Ah, ok”, relaxa. Sua missão é ensinar a seus pares ideológicos como “seduzir e enamorar os públicos de esquerda” e vencer “os barbudos de boina de Che”, explica a jovem líder do Movimiento Cívico Nacional (MCN), uma pequena organização que surgiu em 2009 na Guatemala na esteira dos movimentos que pediam – sem êxito – o impeachment do presidente social-democrata Álvaro Colom.
A primeira lição é utilizar nas redes sociais o hashtag criado por ela, “república x populismo”, para superar “a divisão obsoleta entre direita e esquerda”. “Um esquerdista intelectualmente honesto tem de reconhecer que a única saída é o emprego, e um direitista do século 21, que já se modernizou, tem de reconhecer que a sexualidade, a moral, as drogas são um problema de cada um; ele não é a autoridade moral do universo”, continua, sob uma chuva de aplausos. Nada de culpa, nem moral nem social, ensina. A mensagem é liberdade individual, “empoderamento” da juventude, impostos baixos, Estado mínimo – a plataforma da direita liberal (em termos econômicos) no mundo todo: “A riqueza não se transfere, senhores, a riqueza se cria a partir da cabecinha de cada um de vocês”, diz. Da mesma maneira, Gloria rebate programas sociais de assistência aos mais pobres, política de cotas para mulheres, negros, deficientes e até mesmo a existência de minorias: “Não há minorias, a menor minoria é o indivíduo, e a ele o que melhor serve é a meritocracia”.
“Há uma verdade que todo ser humano deve alcançar para ter paz, se não quiser viver como um hipócrita. Todos nós, 7 bilhões e meio de seres humanos que habitamos este planeta, somos egoístas. É essa a verdade, meus queridos amigos do Brasil, todos somos egoístas. E isso é ruim? É bom? Não, é apenas a realidade”, diz, definitiva. “Há pessoas que não aceitam essa verdade e saem com a maravilhosa ideia: ‘Não! [imita a voz de um homem], eu vou fazer a primeira sociedade não egoísta’. Cuidem-se, brasileiros; cuide-se, AméricaLatina! Esses espertinhos são como Stálin, na União Soviética, como Kim Jong-il, Kim Jong-un, na Coreia do Norte, Fidel Castro, em Cuba, Hugo Chávez, na Venezuela.” E por que “seguimos como carneirinhos” atrás desses “hipócritas”? Porque [faz careta e vozinha de velha] “nos ensinam que é feio ser egoísta e que pensar em nós mesmos é pecado. Quantos de vocês já não viram alguém dizer ‘ah, necessitamos de um homem bom, que não pense só em si”, diz, encurvando-se à medida que fala para em seguida recuperar a postura altiva: “Mira, señores, a menos que seja um marciano, esse homem não existe, nunca existiu, nem existirá jamais”. Aplausos frenéticos.
Mas, explica, os “defensores da liberdade” também tem sua parcela de responsabilidade. Eles não sabem comunicar suas ideias, usar a tecnologia para “empoderar os cidadãos” e “libertar” a América Latina. “Se ficarmos discutindo macroeconomia, PIB etc., vamos perder a batalha. Temos que aprender com os populistas a falar o que as pessoas entendem, fazer com que se identifiquem”, ela diz. “E aqui vou lhes dar outro conselho porque dizem que nós, os liberais, somos malditos exploradores”, ironiza. “Encontrei um maneira muito bonita de definir o conceito de propriedade privada. E com esse conceito de propriedade privada os esquerdistas fazem assim: Ôooooo! [inclina o corpo para trás].” A propriedade privada, diz, é o que acumulamos em toda uma vida, a partir de nossas primeiras propriedades: corpo e mente. O passado, afirma, não é igual para ninguém, esse acúmulo é pessoal. “Isso nos humaniza, dá um coraçãozinho a nós, liberais, tão desgraçados.” Risos. Aplausos.
“Há pessoas que querem o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia. A ONU agora quer até o direito universal à internet”, desdenha, embora tenha acabado de dizer que a tecnologia é a chave para mudar o mundo. “Imaginem que, nesse auditório, alguns queiram o direito à educação, outros o direito à saúde, outros o direito à moradia. Então, se eu dou a vocês a educação, todos aqui vão pagar por isso, e vocês vão ser VIPs, e eles, cidadãos de segunda categoria. Se eu dou a eles a saúde, todos neste auditório vão pagar pela saúde deles, e eles vão ser VIPs. Se eu dou a esses as moradias, vou ter que tirar de todos vocês para dar moradia a eles, e eles vão ser esses VIPs. Isso não é justiça social, é desigualdade perante a lei”, conclui, novamente sob risos e aplausos.
“Se cada um na América Latina tiver direito à vida, liberdade e propriedade privada, então cada um que vá atrás da educação que queira, da saúde que queira, da casa onde quer morar, sem precisar de super-Chávez, super-Morales, super-Correa”. Ovação. Assobios. Antes de encerrar os 40 minutos de exposição, Gloria convida os presentes a contrapor a visão de mundo que “vitimiza os latino-americanos”, “joga a culpa nos ianques”, mina a “autoestima” e a coragem de assumir riscos que exige o espírito empreendedor. A plateia aplaude de pé.
Neoliberais e libertaristas
Gloria Álvarez não representa nada exatamente novo. A grande diferença é a linguagem. O MCN (movimento a que ela pertence) recebe “fundos de algumas das maiores empresas da elite empresarial tradicional, conta o jornalista investigativo Martín Rodríguez Pellecer, diretor do site guatemalteco Nómada, parceiro da Pública. “Por fontes próximas, soube que uma das indústrias que os apoiam para campanhas de massa e lobby no Congresso é a Azúcar de Guatemala, um cartel poderosíssimo de treze empresas (a Guatemala é o quarto maior exportador mundial de açúcar) e as usinas guatemaltecas têm, inclusive, investimentos em usinas no Brasil.”
O mesmo pode-se dizer em relação a suas ideias. Apesar do título sedutor, os libertarians – libertaristas em português – “são um segmento minoritário entre as correntes que ganharam influência no pós-guerra em oposição às políticas intervencionistas de inspiração keynesiana”, explica o economista Luiz Carlos Prado, da Universidade Federal no Rio de Janeiro.
A partir da crise do petróleo dos anos 1970, economistas pró-mercado como o austríaco Friedrich Hayek (Prêmio Nobel de 1974), monetaristas da Escola de Chicago de Milton Friedman (Prêmio Nobel de 1976) e os novo-clássicos associados a Robert Lucas (Prêmio Nobel de 1995) passaram a dominar o pensamento econômico global e se tornaram conhecidos do grande público sob um único rótulo: “neoliberal”. Seus conceitos foram trazidos para a América Latina pelo setor mais conservador americano, representado principalmente pelos think tanks ligados a Ronald Reagan, que depois de ter perdido as primárias republicanas em 1968 e 1976, se elegeu presidente em 1980, tendo Friedman como principal conselheiro. Também predominaram no governo de Margaret Thatcher (1979-1991) na Inglaterra. “Os defensores do liberalismo clássico eram também defensores da liberdade política, mas a corrente chamada de ‘neoliberal’ defendia essencialmente a não intervenção do Estado na economia sem uma preocupação particular com a questão da liberdade política, chegando, em alguns casos, a apoiar sem constrangimentos governos ditatoriais como o de Pinochet no Chile”, observa Luiz Carlos Prado.
A Guatemala de Gloria Álvarez é um bom exemplo de como as ideias libertarians se traduziram na América Latina. Em 1971,“uma parte muito representativa da elite econômica guatemalteca assumiu como projeto político o libertarismo de direita, quando fundou a Universidade Francisco Marroquín (UFM)”, conta o jornalista Martín Rodríguez Pellecer. “O fundador da universidade, Manuel Ayau, conhecido como El Muso, em alusão a Mussolini, se uniu ao projeto fascista anticomunista da MLN. Desde então, a UFM vem formando quadros políticos e acadêmicos para desacreditar o Estado e a justiça social e converter a Guatemala no país que arrecada menos impostos na América Latina (11% em relação ao PIB) e o que menos redistribui”, explica. Foi nessa universidade que Gloria estudou e “se converteu em uma libertarista um tanto menos conservadora que seus professores, uma mistura de neoliberais e Opus Dei. Álvarez se declara ateia e a favor do aborto e, embora tenha se tornado uma estrela da direita latino-americana, na Guatemala é uma referência menor para a direita, não tem base política nem vai ser candidata. Eu a vejo mais como uma enfant terrible libertarista”, diz Martín.
Os libertarians ressurgiram com força nos Estados Unidos depois da crise de 2008 – e ao clamor subsequente pela regulamentação do mercado – e em decorrência da ascensão do democrata Barack Obama ao poder. Pregam a predominância do indivíduo sobre o Estado, a liberdade absoluta do mercado, a defesa irrestrita da propriedade privada. Afirmam que a crise econômica que jogou 50 milhões de pessoas na pobreza não se deveu à falta de regulação do mercado financeiro, mas pela proteção do governo a alguns setores da economia. E rejeitam enfaticamente os programas sociais do governo Obama. No entanto, uma parte significativa dos libertaristas tem se distanciado do tradicionalismo da direita no campo do comportamento, defendendo posições associadas à esquerda, como a defesa da liberação das drogas e a tolerância aos homossexuais, em nome da liberdade do individual. O senador republicano Rand Paul, pré-candidato à presidência, é um de seus representantes mais conhecidos.
“Os libertarians que estão com os conservadores no Tea Party (a corrente radical de direita no Partido Republicano americano) estão em think tanks como o Cato Institute e compõem a direita pós-moderna, representada, por exemplo, por Cameron, na Inglaterra, que modernizou a agenda da redução do estado do bem-estar social”, resume o professor. Ele acha graça quando falo em libertarians brasileiros, seguidores da escola austríaca de economia de Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. “A escola austríaca é uma corrente muito minoritária mesmo na academia”, diz. “Quem são esses libertarians? O que temos no Brasil são economistas sofisticados que seguem correntes como a dos novo-clássicos do prêmio Nobel Robert Lucas e outras similares, políticos de direita pouco elaborados como o Ronaldo Caiado (senador do DEM-GO) e essa classe média conservadora que lê Rodrigo Constantino na Veja”, resume.
Caiado e Constantino são participantes veteranos do Fórum da Liberdade em Porto Alegre. A novidade é que os libertarians do Tea Party mostraram-se enfim capazes de se apresentar como a face convidativa da direita para a juventude brasileira.
Vem pra rua, ciudadano
Na véspera do Fórum, no dia 12 de abril, Gloria Álvarez discursou contra o “populismo maldito” vestida com uma camiseta de lantejoulas formando a bandeira do Brasil para cerca de 100 mil pessoas na avenida Paulista, em São Paulo, na segunda rodada de manifestações “Fora Dilma”. Do alto do caminhão do Vem pra Rua, o líder do movimento, Rogério Chequer, a apresentou à multidão como “uma das maiores representantes da batalha contra o populismo do Foro de São Paulo” e se manteve o tempo todo ao seu lado. Gloria, que havia anunciado antecipadamente sua presença nos protestos em uma entrevista no programa de Danilo Gentili no SBT, tinha dado uma palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, assistida pelo próprio ex-presidente, três dias antes.

Entre os que lideraram os protestos de março e abrilcontra o governo, o movimento de Chequer foi um dos últimos a assumir a bandeira do impeachment, o que lhe valeu um pito público do vetusto Olavo de Carvalho, que o acusou de “paumolice tucana”. O Movimento Brasil Livre, conhecido principalmente através da figura de Kim Kataguiri, assumiu desde o início a bandeira do impeachment e rompeu publicamente com Chequer, divulgando fotos dele ao lado do senador José Serra (PSDB-SP) na campanha de Aécio Neves – tachado de “traidor” pela hesitação em pedir o impeachment da presidente eleita. Voltaram às boas depois que a comissão de senadores liderada por Aécio e Ronaldo Caiado (DEM-GO) fez sua controversa expedição a Caracas.
Caiado, aliás, estava no debate de abertura da edição do Fórum deste ano. Sem a graça irreverente de Glorita, o senador ruralista conservador arrancou aplausos da plateia com frases de efeito contra a corrupção do governo, menções ao “Foro de São Paulo”, pedido de “renúncia” à presidente Dilma e ataques ao BNDES. Curiosamente, as acusações de Caiado foram feitas sob os logotipos da Gerdau e Ipiranga – do grupo Ultra –, que estão entre os maiores tomadores de empréstimos do BNDES segundo os dados levantados pela Folha de S.Paulo. Ambos obtiveram individualmente mais de R$ 1 bilhão de recursos do banco apenas entre 2008 e 2010.
O empresário gaúcho Jorge Gerdau é um dos idealizadores do Fórum da Liberdade, que surgiu em 1988 com a intenção de promover o debate entre diversas correntes de pensamento. Em suas primeiras edições, o Fórum incluiu o ex-presidente Lula, o ex-ministro José Dirceu e o falecido ex-governador Leonel Brizola entre os debatedores, sem prejudicar sua identidade como principal fórum conservador do país.
Foi ali que, em 2006, foi lançado oficialmente o principal think tank da direita no Brasil, o Instituto Millenium. Armínio Fraga (escolhido para ser ministro da Fazenda de Aécio Neves se ele vencesse as eleições) é sua figura mais conhecida no campo econômico. Seus mantenedores são a Gerdau, a editora Abril e a Pottencial Seguradora, uma das empresas de Salim Mattar, dono da locadora de veículos Localiza. A Suzano, o Bank of America Merrill Lynch e o grupo Évora (dos irmãos Ling) também são parceiros. William Ling participou da fundação do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) em 1984, que, formado por jovens líderes empresariais, organiza o Fórum desde a primeira edição; seu irmão, Wiston Ling, é fundador do Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul; o filho, Anthony Ling, é ligado ao grupo Estudantes pela Liberdade, que criou o MBL. O empresário do grupo Ultra, Hélio Beltrão, também está entre os fundadores do Millenium, embora tenha o próprio instituto, o Mises Brasil.
A rede de think tanks liberais e libertaristas no Brasil se completa com mais duas entidades: o Instituto Ordem Livre – que realiza seminários para a juventude – e o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, do Rio de Janeiro, ligado ao Opus Dei. O jurista Ives Gandra, autor do controverso parecer sobre a existência de base jurídica para o impeachment da presidente Dilma, faz parte de seu conselho.
A exemplo do Millenium, a grande maioria desses institutos foi criada recentemente. A semente original foi o Instituto Liberal, criado em 1983 pelo engenheiro civil carioca Donald Stewart Jr., falecido em 1999. De acordo com a tese de doutorado do historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), “A ditadura dos empreiteiros (1964-1985)”, a Ecisa (Engenharia Comércio e Indústria S.A.), empresa de Stewart Jr., foi uma das maiores empreiteiras durante a ditadura militar e Stewart Jr. se associou à construtora norte-americana Leo A. Daly para construir escolas no Nordestepara a Sudene. A participação de companhias dos EUA nas obras era exigência dos financiamentos da Usaid – a agência de desenvolvimento americana que funcionava como braço da CIA durante as ditaduras latino-americanas.
Donald Stewart Jr. também era um velho amigo de um personagem crucial nessa história, o argentino radicado nos Estados Unidos Alejandro Chafuen, 61 anos, ambos membros da seleta Mont Pelèrin Society, fundada pelo próprio Hayek em 1947 na Suíça e sediada nos Estados Unidos, que reúne os mais fiéis libertarians. El Muso, o fundador da universidade onde estudou Gloria Álvarez, foi o primeiro latino-americano a presidir aMont Pelèrin, e seu atual reitor, Gabriel Calzada, participa da diretoria com a brasileira Margaret Tsé, CEO do Instituto da Liberdade, o suporte ideológico do IEE. O atual presidente da Mont Pelèrin Society é o espanhol Pedro Schwartz Girón, semeador de think tanks vinculados à FAES, a fundação do Partido Popular (PP) presidida por José María Aznar, que promoveu o Parlamento Iberoamericano da Juventude, de onde Gloria Álvarez foi catapultada para a fama. Pedro Schwartz, Alejandro Chafuen e o colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, coautor do livro Manual do perfeito idiota latino-americano, um hit da juventude de direita, participaram do painel “América Latina”, no Fórum da Liberdade. Chafuen também participou discretamente dos protestos de 12 de abril em Porto Alegre. Não resistiu, porém, a postar em seu Facebook uma foto em que aparece vestido com a camisa da CBF abraçado ao jovem cientista político Fábio Ostermann, da coordenação do Movimento Brasil Livre – nome que assumiu nas ruas o grupo Estudantes pela Liberdade (EPL).

O gaúcho Ostermann, o mineiro Juliano Torres e o gaúcho Anthony Ling são fundadores do EPL, a versão local do Students for Liberty, uma organização-chave na articulação entre os think tanksconservadores americanos – especialmente os que se definem como libertários – e a juventude “antipopulista” da América Latina. Mr. Chafuen, presidente da Atlas Network desde 1991, é o seu mentor.
A Atlas Network (nome fantasia da Atlas Economic Research Foundation desde 2013) é uma espécie de metathink tank, especializada em fomentar a criação de outras organizações libertaristas no mundo, com recursos obtidos com fundações parceiras nos Estados Unidos e/ou canalizados dos think tanksempresariais locais para a formação de jovens líderes, principalmente na América Latina e Europa oriental. De acordo com o formulário 990, que todas as organizações filantrópicas tem de entregar ao IRS (Receita nos EUA), a receita da Atlas em 2013 foi de US$ 11,459 milhões. Os recursos destinados para atividades fora dos Estados Unidos foram de US$ 6,1 milhões: dos quais US$ 2,8 milhões para a América Central e US$ 595 mil para a América do Sul.
Com exceção do Instituto Fernando Henrique Cardoso, todas as organizações citadas até agora compõem a rede da Atlas Network no Brasil, incluindo o MCN de Gloria Álvarez, a Universidade Francisco Marroquín e o Estudantes pela Liberdade, uma organização que nasceu dentro da Atlas em 2012. Como veremos, além dos recursos citados há projetos bem mais vultosos financiados por outras fundações e executados pela Atlas.
Students For Liberty e o Movimento Brasil Livre
Juliano Torres, o diretor executivo do Estudantes pela Liberdade (EPL), foi mais claro sobre a ligação entre o EPL e o Movimento Brasil Livre (MBL), uma marca criada pelo EPL para participar das manifestações de rua sem comprometer as organizações americanas que são impedidas de doar recursos para ativistas políticos pela legislação da receita americana (IRS). “Quando teve os protestos em 2013 pelo Passe Livre, vários membros do Estudantes pela Liberdade queriam participar, só que, como a gente recebe recursos de organizações como a Atlas e a Students for Liberty, por uma questão de imposto de renda lá, eles não podem desenvolver atividades políticas. Então a gente falou: ‘Os membros do EPL podem participar como pessoas físicas, mas não como organização para evitar problemas. Aí a gente resolveu criar uma marca, não era uma organização, era só uma marca para a gente se vender nas manifestações como Movimento Brasil Livre. Então juntou eu, Fábio [Ostermann], juntou o Felipe França, que é de Recife e São Paulo, mais umas quatro, cinco pessoas, criamos o logo, a campanha de Facebook. E aí acabaram as manifestações, acabou o projeto. E a gente estava procurando alguém para assumir, já tinha mais de 10 mil likes na página, panfletos. E aí a gente encontrou o Kim [Kataguiri] e o Renan [Haas], que afinal deram uma guinada incrível no movimento com as passeatas contra a Dilma e coisas do tipo. Inclusive, o Kim é membro da EPL, então ele foi treinado pela EPL também. E boa parte dos organizadores locais são membros do EPL. Eles atuam como integrantes do Movimento Brasil Livre, mas foram treinados pela gente, em cursos de liderança. O Kim, inclusive, vai participar agora de um torneio de pôquer filantrópico que o Students For Liberty organiza em Nova York para arrecadar recursos. Ele vai ser um palestrante. E também na conferência internacional em fevereiro, ele vai ser palestrante”, disse em entrevista por telefone na sexta-feira passada.
Remunerado por seu cargo na EPL, Juliano conta que tem duas reuniões online por semana com a sede americana e que ele e outros brasileiros participam anualmente de uma conferência internacional, com as despesas pagas, e de um encontro de lideranças em Washington. O budget do Estudantes pela Liberdade no Brasil deve alcançar R$ 300 mil este ano. “No primeiro ano, a gente teve mais ou menos R$ 8 mil, o segundo foi para R$ 20 e poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu bastante. A gente recebe de outras organizações externas também, como a Atlas. A Atlas, junto com a Students for Liberty, são nossos principais doadores. No Brasil, as principais organizações doadoras são a Friederich Naumann, que é uma organização alemã, que não são autorizados a doar dinheiro, mas pagam despesas para a gente. Então houve um encontro no Sul e no Sudeste, em Porto Alegre e Belo Horizonte. Eles alugaram o hotel, a hospedagem, pagaram a sala do evento, o almoço e o jantar. E tem alguns doadores individuais que fazem doação para a gente.”
A fundação da EPL no Brasil veio depois de Juliano ter participado de um seminário de verão para trinta estudantes patrocinado pela Atlas em Petrópolis, em 2012. “Ali mesmo a gente fez um rascunho, um planejamento e daí, depois, a gente entrou em contato com a Students for Liberty para oficialmente fazer parte da rede”, diz.
Depois disso, ele passou por quase todo tipo de treinamento na Atlas. “Tem um que eles chamam de MBA, tem um treinamento em Nova York também, treinamentos online. A gente recomenda para todas as pessoas que trabalham em posições de mais responsabilidade que passem pelos treinamentos da Atlas também.”
Os resultados obtidos pelos brasileiros têm impressionado a sede nos Estados Unidos. “Em 2004, 2005 tinha uma dez pessoas no Brasil que se identificavam com o movimento libertário. Hoje, dentro da rede global do Students for Liberty, os resultados que a gente tem são muito bons. Uma das maneiras de medir o desempenho das regiões é o número de coordenadores locais. Em todas as regiões, contando a América do Norte, a África, a Europa, a gente tem mais coordenadores que qualquer região separadamente. Nos Estados Unidos, a organização existe há oito anos; na Europa, há quatro; aqui, há três anos. Então, a gente está tendo mais resultado em muito pouco tempo que acaba traduzindo em maior influência na organização.”
Há dois brasileiros no International Board do Students for Liberty (entre dez membros), e o relatório deste ano dedica uma página especialmente às manifestações do MBL no Brasil. A brasileira Elisa Martins, formada em Economia na Universidade de Santa Maria (RS), é a responsável pelos programas internacionais de bolsas de estudo e treinamento de lideranças jovens na Atlas Network.
Os programas são realizados em parceria com outras fundações, principalmente o Cato Institute, a Charles G. Koch Charitable Foundation e o Institute of Human Studies – fundações ligadas à família Koch, uma das mais ricas do mundo. Juntas, as 11 fundações dos Koch despejaram 800 milhões de dólares nas duas últimas décadas na rede americana de fundações conservadoras. Outra parceira importante é a John Templeton Foundation, de outro bilionário americano. Essas fundações têm orçamentos bem maiores do que a Atlas e desenvolvem programas de fellowships em que entram com recursos e a Atlas, com a execução. Um exemplo desses projetos é o financiamento da expansão da Rede Students for Liberty com recursos da John Templeton, fechado em 2014 com mais de US$ 1 milhão de orçamento.
Por isso, embora apareça em terceiro lugar entre as financiadoras do Students for Liberty, a Atlas levanta um volume bem maior de recursos para a organização através de suas parceiras. Todos os maiores doadores do Students for Liberty também são doadores da Atlas. Nem sempre é possível saber a origem do dinheiro, apesar da obrigação legal de publicar os formulários 990 – entregues ao IRS (Receita). As fundações conservadoras americanas escoam dinheiro por uma grande multiplicidade de canais, o que torna impossível, ao final, saber qual a origem inicial do dinheiro que chega a cada um dos receptores.
Além disso, preocupadas com a vigilância que exercem sobre elas projetos como o Transparency Conservative e órgãos de imprensa, que já revelaram uma série de escândalos envolvendo o uso desses recursos para lobbies no Congresso e nos governos estaduais, bem como para causas controversas como a negação do aquecimento global, em 1999 as fundações criaram dois fundos de investimento filantrópico – Donors Trust e Donors Capital Management – que dispensam os doadores de ter o nome exposto em formulários 990. O Donors Trust é o maior doador do Donors Capital Management (e vice-versa). Como se vê no quadro, o primeiro está entre os maiores doadores da Atlas, e o segundo é o maior doador do Students for Liberty. As fundações Koch são as maiores suspeitas de despejar dinheiro nesses fundos.
O relatório 2014-2015 da Students for Liberty mostra uma arrecadação de fundos impressionante: US$ 3,1 milhões comparados a apenas US$ 35,768 mil dólares obtidos em 2008, quando a organização foi fundada. Desses, US$ 1,7 milhão veio de fundações, segundo o relatório que não detalha o volume doado por cada instituição. O Charles Koch Institute consta no relatório da Students for Liberty, mas, segundo o formulário, doa bolsas apenas para estudantes americanos, enquanto a Charles Koch Foundation, que doa bolsas para estudantes em uma série de fundações, não é citada no relatório. O Institute of Human Studies (IHS) – outra fundação da família Koch – é um dos principais responsáveis pelos programas de Fellowship para estudantes. Só em 2012 foram distribuídos 900 mil dólares em doações de acordo com o formulário entregue ao IRS.
A Atlas é uma das principais parceiras do IHS. O currículo de Fábio Ostermann, por exemplo, coordenador do MBL, diz que ele foi Koch Summer Fellow na Atlas Economic Research Foundation. Ostermann é assessor do deputado Marcel van Hattem (PP-RS), apontado por Kim Kataguiri como o único político a abraçar totalmente as convicções do MBL. O jovem deputado, que foi eleito com doações da Gerdau e do grupo Évora – do pai de Anthony Ling, fundador do EPL –, também participou de cursos na Acton Institute University, a mais religiosa das fundações libertaristas que compõem a rede de fellowship da Atlas e da Koch Foundation. Entre os seus princípios consta o “pecado”, por exemplo, relacionado de maneira singular com a necessidade de reduzir o Estado.
A festa do mate
O Fórum da Liberdade, afinal, se encerrou como as manifestações de rua que o antecederam: aos gritos de “Fora Dilma”, “Fora PT”. O deputado Marcel van Hattem fez uma apresentação exaltada, depois de ter agradecido ao fórum o cargo – “Se eu sou deputado hoje, devo também ao Fórum da Liberdade” – e fez uma interessante distinção entre as manifestações de 2013 – pluripartidária e desorganizada – e as deste ano – “quando tínhamos pauta”.
O programa foi modificado com a chegada de Kim Kataguiri, que não constava como palestrante. Foi abraçado pelos patrocinadores, como Jorge Gerdau e Hélio Beltrão, posou para fotos com diversos fãs e, com o amigo Bene Barbosa, que lançava um livro pela liberação das armas de fogo para qualquer cidadão, foi para o auditório, novamente lotado de estudantes.
Sentadinho no sofá, Kim esperou Van Hattem desfiar as acusações de praxe – contra o Foro de São Paulo, o poder totalitário do PT e “o maior escândalo de corrupção do universo” –, arrancando aplausos a cada frase de efeito. Também despertou entusiasmo mostrando sua identificação com a plateia: “A vanguarda, hoje, não é esquerdista, é liberal. O jovem bem informado vai para as ruas e pede menos Marx, mais Mises. Curte Hayek, não Lênin. Levanta cartazes hashtag ‘Olavo tem razão’”.
Então, Van Hattem saiu do púlpito e, caminhando pelo palco, foi em direção a Kim. “O próximo passo depende de vocês, mas é difícil. O sistema brasileiro é refratário a novas ideias. Hoje mesmo, Kim, o deputado comunista Juliano Roso te chamou de fascista”, disse. E por fim: “Eu só quero concluir dizendo aquilo que as ruas estão dizendo: ‘Fora PT’. Aplausos, gritos. A plateia canta em coro: “Olê, olê, olê, olê, estamos na rua só pra derrubar o PT”.
Foi a deixa para a entrada de Kim. De tênis, andando pelo palco, Kim conclamou “os institutos liberais “a sair da nossa bolha liberal, da nossa bolha libertária, da nossa bolha conservadora e tomar o país.” E afirmou: “Chegou a hora da gente tirar o monopólio da esquerda da juventude. A gente tem que acabar com essa imagem de que quem defende o livre mercado é aquele tiozão de coturno que defende o regime militar. A oposição é a gente. A gente quer privatizar a Petrobras. A gente quer o Estado mínimo. Brasília não vai pautar o povo. É o povo que vai pautar Brasília”.
Três dias depois do Fórum, Kim Kataguiri partia para sua Marcha pela Liberdade em direção a Brasília, com minguada adesão, enquanto Gloria Álvarez empreendia um périplo que a levaria da Argentina a Venezuela noticiado efusivamente em suas redes sociais. Na Argentina, passou por Buenos Aires e pela cidade de Azul, convidada pela Sociedade Rural de Argentina. Em Tucumán, suas palestras na Universidade Nacional foram organizadas pela Fundación Federalismo y Libertad, que tem em seu conselho internacional a Atlas Foundation, a Heritage Foundation, Cato Institute, o Hispanic American Center for Economic Research, o CEDICE Libertad (Venezuela) e o Instituto Ecuatoriano de Economía Política (Equador).
Todas essas organizações fazem parte da Atlas Network, assim como as outras fundações que encomendaram o passeio de Glorita: Estudiantes pela Libertad (Bolívia e do Equador), o Cedice, na Venezuela, e a Fundación Para El Progresso, no Chile.
O episódio mais interessante de sua viagem, porém, não foi registrado em suas redes sociais, nem mesmo nos jornais do Chile. No dia 23 de abril, ela e a blogueira cubana Yaoni Sanchez, encontraram-se com o ex-presidente conservador Sebastián Piñera depois de terem realizado palestras na Universidade Adolfo Ibañez em Viña del Mar.
O encontro com o ex-presidente – que também é a única foto em que aparecem juntas – foi noticiado pelo twitter do economista Cristián Larroulet, ex-ministro de Piñera com a legenda “O Presidente Piñera com Yoani Sánchez e Gloria Álvarez, dois exemplos de mulheres latino-americanas que lutam pela liberdade”. Larroulet, é fundador do think tank Libertad y Desarrollo, obviamente parceiro da Atlas Network.
Originalmente publicado na Agência Pública
Somente destruição dos bancos salvará humanidade de um desastre financeiro futuro, diz economista francês
Somente destruição dos bancos salvará humanidade de um desastre financeiro futuro, diz economista francês
Vittorio De Filippis | Outras Palavras - 24/09/2015 - 06h00
Balanço dos 28 maiores bancos do mundo supera a dívida pública de todos os países do mundo; oligopólio da banca se tornou uma 'hidra devastadora para economia mundial'
A transferência, para os Estados, das dívidas privadas tóxicas de 28 grandes bancos “sistêmicos”, durante a última crise financeira, explica as políticas de austeridade praticadas na Europa.
Francesas, europeias ou norte-americanas, todas as autoridades bancárias asseguram: se o mundo viver uma nova crise financeira, comparável à de 2007-08, nem os Estados, nem os contribuintes vão pagar as consequências. É possível acreditar?
O economista François Morin, professor emérito da Universidade de Toulouse e membro do conselho do Banco Central francês, tem uma resposta categórica: não. Em L’Hydre Mondial [A Hidra mundial], um livro publicado em maio, e no qual ele menciona dados inéditos, Morin mostra como 28 bancos de porte mundial constituem um oligopólio totalmente distanciado do interesse público.
Para colocar os cidadãos a salvo de desastres financeiros futuros, o autor considera que é necessário destruir estes bancos, que ele compara a uma hidra, e resgatar a moeda para a esfera pública. Eis sua entrevista:
Outras Palavras: Como um punhado de bancos tomou a forma de uma hidra mundial?
François Morin: O processo é perfeitamente claro. Depois da liberalização da esfera financeira iniciada nos anos 1970 [taxas de câmbio e de juros definidas pelo mercado e não mais pelos Estados, e liberalização de movimento do capital], os mercados monetários e financeiros tornaram-se globais em meados dos anos 1990. Os maiores bancos tiveram então de adaptar a sua dimensão a esse novo espaço de intercâmbio, por meio de fusões e reestruturações. Reuniram-se as condições para o surgimento de um oligopólio em escala global. O processo assumiu rapidamente escala internacional e tornou-se gigantesco: o balanço total dos 28 bancos do oligopólio (50,341 trilhões de dólares) é superior, em 2012, à dívida pública global (48,957 trilhões de dólares)!
François Morin: O processo é perfeitamente claro. Depois da liberalização da esfera financeira iniciada nos anos 1970 [taxas de câmbio e de juros definidas pelo mercado e não mais pelos Estados, e liberalização de movimento do capital], os mercados monetários e financeiros tornaram-se globais em meados dos anos 1990. Os maiores bancos tiveram então de adaptar a sua dimensão a esse novo espaço de intercâmbio, por meio de fusões e reestruturações. Reuniram-se as condições para o surgimento de um oligopólio em escala global. O processo assumiu rapidamente escala internacional e tornou-se gigantesco: o balanço total dos 28 bancos do oligopólio (50,341 trilhões de dólares) é superior, em 2012, à dívida pública global (48,957 trilhões de dólares)!
Desde 2012, descobriu-se também que esses bancos muito grandes se entenderam entre si de forma fraudulenta a partir de meados dos anos 2000. A partir desse momento, esse oligopólio transformou-se numa hidra devastadora para a economia mundial.
OP: Em que esses bancos são sistêmicos?
FM: Estes 28 bancos foram declarados, acertadamente, “sistêmicos” pela reunião do G20 de Cannes, em 2011. A análise das causas da crise financeira da crise iniciada em 2007-2008 não podia deixar pairar qualquer dúvida sobre a responsabilidade desses bancos no desencadeamento do processo. Estão em causa os produtos financeiros “derivativos”, que espalharam-se na época e ainda continuam a ser difundidos em todo o mundo. Lembremo-nos de que estes derivativos são produtos que visam oferecer garantias a seus possuidores, em caso de dificuldades econômicas – e alguns deles têm caráter muito especulativo. Sua conversão em dinheiro pode tornar-se catastrófica, em caso de uma crise. No entanto, apenas 14 bancos com importância sistêmica “fabricam” estes produtos, cujo valor imaginário (o montante dos valores segurados) chega a 710 trilhões de dólares — ou seja, mais de 10 vezes o PIB mundial!
FM: Estes 28 bancos foram declarados, acertadamente, “sistêmicos” pela reunião do G20 de Cannes, em 2011. A análise das causas da crise financeira da crise iniciada em 2007-2008 não podia deixar pairar qualquer dúvida sobre a responsabilidade desses bancos no desencadeamento do processo. Estão em causa os produtos financeiros “derivativos”, que espalharam-se na época e ainda continuam a ser difundidos em todo o mundo. Lembremo-nos de que estes derivativos são produtos que visam oferecer garantias a seus possuidores, em caso de dificuldades econômicas – e alguns deles têm caráter muito especulativo. Sua conversão em dinheiro pode tornar-se catastrófica, em caso de uma crise. No entanto, apenas 14 bancos com importância sistêmica “fabricam” estes produtos, cujo valor imaginário (o montante dos valores segurados) chega a 710 trilhões de dólares — ou seja, mais de 10 vezes o PIB mundial!
OP: E você afirma que eles praticam acordos fraudulentos?
FM: Múltiplas análises demonstraram que esses bancos ocupam posições dominantes sobre vários grandes mercados (de câmbio, de títulos de dívida e de produtos derivados). É característico de um oligopólio. Mas desde 2012, as autoridades judiciais dos Estados Unidos, britânicas e a Comissão Europeia aumentaram investigações e multas que demostram que muitos desses bancos – sobretudo onze entre eles (Bank of America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland, UBS) – montaram sistematicamente “acordos organizado em bandas”. A imposição de multas de muitos bilhões de dólares, contra a manipulação do mercado de câmbio ou da Libor [taxa de referência para juros interbancários, estabelecida em Londres], demonstra que esta prática existe.
FM: Múltiplas análises demonstraram que esses bancos ocupam posições dominantes sobre vários grandes mercados (de câmbio, de títulos de dívida e de produtos derivados). É característico de um oligopólio. Mas desde 2012, as autoridades judiciais dos Estados Unidos, britânicas e a Comissão Europeia aumentaram investigações e multas que demostram que muitos desses bancos – sobretudo onze entre eles (Bank of America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland, UBS) – montaram sistematicamente “acordos organizado em bandas”. A imposição de multas de muitos bilhões de dólares, contra a manipulação do mercado de câmbio ou da Libor [taxa de referência para juros interbancários, estabelecida em Londres], demonstra que esta prática existe.
OP: O mundo está sentado sobre uma montanha de bombas-relógio financeiras montadas unicamente por este punhado de bancos?
FM: Há várias evidências de muitas bolhas financeiras que podem estourar a qualquer momento. As bolha do mercado de ações só pode ser explicada pelas enormes injeções de liquidez, por parte dos bancos centrais. Mas, acima de tudo, há a bolha da dívida pública que atingiu todas as grandes economias. As dívidas privadas tóxicas do oligopólio bancário foram maciçamente transferidas para os Estados, na última crise financeira. Este superendividamento público, devido exclusivamente à crise e a esses bancos, explica as políticas de “rigor” e “austeridade” praticadas em cada vez mais países. Este superendividamento é a ameaça principal, como se vê na Grécia.
FM: Há várias evidências de muitas bolhas financeiras que podem estourar a qualquer momento. As bolha do mercado de ações só pode ser explicada pelas enormes injeções de liquidez, por parte dos bancos centrais. Mas, acima de tudo, há a bolha da dívida pública que atingiu todas as grandes economias. As dívidas privadas tóxicas do oligopólio bancário foram maciçamente transferidas para os Estados, na última crise financeira. Este superendividamento público, devido exclusivamente à crise e a esses bancos, explica as políticas de “rigor” e “austeridade” praticadas em cada vez mais países. Este superendividamento é a ameaça principal, como se vê na Grécia.
OP: Regulação de derivativos – inclusive de crédito –, luta contra o “sistema bancário da sombra”, reforço dos fundos próprios, separação entre bancos de depósito e de investimento… não se pode dizer que nada foi feito para estabelecer algum controle sobre os bancos.
FM: Vamos olhar mais de perto. O “sistema bancário sombra”, ou seja, o sistema financeiro não regulamentado, não para de crescer – notadamente através do oligopólio bancário – para escapar das normas de supervisão e, em primeiro lugar, para negociar com derivativos. O reforço de capital próprio dos maiores bancos foi ridiculamente baixo. E em nenhuma legislação em vigor há uma verdadeira separação “patrimonial” das atividades bancárias. Em suma, olobby bancário, muito organizado em escala internacional, tem sido eficaz, e o oligopólio pode continuar na mesma lógica financeira deletéria que praticava antes da crise.
FM: Vamos olhar mais de perto. O “sistema bancário sombra”, ou seja, o sistema financeiro não regulamentado, não para de crescer – notadamente através do oligopólio bancário – para escapar das normas de supervisão e, em primeiro lugar, para negociar com derivativos. O reforço de capital próprio dos maiores bancos foi ridiculamente baixo. E em nenhuma legislação em vigor há uma verdadeira separação “patrimonial” das atividades bancárias. Em suma, olobby bancário, muito organizado em escala internacional, tem sido eficaz, e o oligopólio pode continuar na mesma lógica financeira deletéria que praticava antes da crise.
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OP: Como os Estados tornaram-se reféns do oligopólio sistêmico que são os bancos?
FM: Depois dos anos 1970, os Estados perderam toda a soberania monetária. Eles são responsáveis. A moeda agora é criada pelos bancos, na proporção de cerca de 90%, e pelos bancos centrais (em muitos países, independentes dos Estados) para os restantes 10%. Além disso, a gestão da moeda, através de seus dois preços fundamentais (as taxas de câmbio e taxas de juros) está inteiramente nas mãos do oligopólio bancário, que tem todas as condições para manipulá-los. Assim, os grandes bancos têm nas mãos as condições monetárias para o financiamento dos investimentos, mas sobretudo do para o financiamento dos déficits públicos. Os Estados não são apenas disciplinados pelos mercados, mas sobretudo reféns da hidra mundial.
OP: Há portanto uma relação quase destrutiva desses bancos com relação aos Estados
FM: Essa relação é, de fato, devastadora. Nossas democracias esvaziam-se progressivamente, em razão da redução (ou da ausência) de margem de manobra para a ação pública. Além disso, o oligopólio bancário deseja instrumentalizar os poderes dos Estados, para evitar eventuais regulações financeiras, ou limitar o peso das multas às quais deve fazer face quando é pego com a boca na botija. Quer evitar especialmente processos de repercussão pública.
FM: Essa relação é, de fato, devastadora. Nossas democracias esvaziam-se progressivamente, em razão da redução (ou da ausência) de margem de manobra para a ação pública. Além disso, o oligopólio bancário deseja instrumentalizar os poderes dos Estados, para evitar eventuais regulações financeiras, ou limitar o peso das multas às quais deve fazer face quando é pego com a boca na botija. Quer evitar especialmente processos de repercussão pública.
OP: Mas os bancos não permitem aos Estados financiar os déficits orçamentários?
FM: Não devemos esperar que os bancos privados defendam interesses sociais! Os bancos veem primeiro os seus lucros, que eles podem realizar por meio de suas atividades financeiras particulares, ou de suas atividades especulativas. Seus gestores olham para os Estados como para qualquer outro ator econômico endividado. Medem os riscos e a rentabilidade de um investimento financeiro. As dívidas do Estado são vistas por eles como um ativo financeiro, tal como qualquer outro – que se compra ou se vende, e sobre o qual é igualmente permitido especular.
FM: Não devemos esperar que os bancos privados defendam interesses sociais! Os bancos veem primeiro os seus lucros, que eles podem realizar por meio de suas atividades financeiras particulares, ou de suas atividades especulativas. Seus gestores olham para os Estados como para qualquer outro ator econômico endividado. Medem os riscos e a rentabilidade de um investimento financeiro. As dívidas do Estado são vistas por eles como um ativo financeiro, tal como qualquer outro – que se compra ou se vende, e sobre o qual é igualmente permitido especular.
Flickr/CC/epSos .de

OP: Na mitologia grega, Hércules é o encarregado deve matar a hidra. E em nosso mundo: onde está o Hércules capaz de matar a hidra bancária mundial?
FM: Sobre isso, não há dúvidas. Nosso Hércules de amanhã será um ator coletivo, uma futura comunidade internacional, de legitimidade democrática incontestável, libertada de seus dogmas neoliberais, e suficientemente consciente de seus interesses de longo prazo para organizar o financiamento da atividade econômica mundial. Dito de outra forma, um ser ainda imaginário! Um primeiro passo seria dado, contudo, se um novo Bretton Woods fosse convocado para criar uma moeda comum em escala internacional, e não apenas no contexto das soberanias monetárias nacionais restauradas.
FM: Sobre isso, não há dúvidas. Nosso Hércules de amanhã será um ator coletivo, uma futura comunidade internacional, de legitimidade democrática incontestável, libertada de seus dogmas neoliberais, e suficientemente consciente de seus interesses de longo prazo para organizar o financiamento da atividade econômica mundial. Dito de outra forma, um ser ainda imaginário! Um primeiro passo seria dado, contudo, se um novo Bretton Woods fosse convocado para criar uma moeda comum em escala internacional, e não apenas no contexto das soberanias monetárias nacionais restauradas.
OP: Você aposta na inteligência política?
FM: Sim, certamente! Mas, sobretudo, aposto na inteligência dos cidadãos do nosso planeta. As redes sociais podem ser instrumentos formidáveis para criar esta inteligência política, de que temos extrema necessidade hoje.
FM: Sim, certamente! Mas, sobretudo, aposto na inteligência dos cidadãos do nosso planeta. As redes sociais podem ser instrumentos formidáveis para criar esta inteligência política, de que temos extrema necessidade hoje.
OP: Estariamos caminhando para um desastre de escala sem precedentes?
FM: Ele está diante de nós. Todas as condições estão maduras para um novo terremoto financeiro ocorrer, quando os Estados estão exangues. Ele será ainda mais grave do que o precedente. Ninguém pode desejá-lo, porque seus efeitos econômicos e financeiros serão desastrosos e suas consequências políticas e sociais podem ser dramáticas. Podemos vê-los na Grécia. Urgência democrática e lucidez política tornaram-se indispensáveis e urgentes.
FM: Ele está diante de nós. Todas as condições estão maduras para um novo terremoto financeiro ocorrer, quando os Estados estão exangues. Ele será ainda mais grave do que o precedente. Ninguém pode desejá-lo, porque seus efeitos econômicos e financeiros serão desastrosos e suas consequências políticas e sociais podem ser dramáticas. Podemos vê-los na Grécia. Urgência democrática e lucidez política tornaram-se indispensáveis e urgentes.
OP: Os bancos estão todos podres? As finanças, necessariamente perversas?
FM: Quando um oligopólio superpoderoso administra o dinheiro como um bem privado, não podemos ser surpreendidos pela lógica financeira que resulta daí. Os bancos buscam metas de lucro, com a tentação recorrente, entre os maiores, de fazer acordos oligopolistas. A hidra bancária nasceu há cerca de dez anos, e já tomou conta de todo o planeta. O confronto de poderes, entre bancos avassaladores e poderes políticos enfraquecidos, parece agora inevitável. Um resultado positivo desta luta – a priori desigual – só pode ocorrer por meio mobilização de cidadãos que estejam plenamente conscientes do que está em jogo.
FM: Quando um oligopólio superpoderoso administra o dinheiro como um bem privado, não podemos ser surpreendidos pela lógica financeira que resulta daí. Os bancos buscam metas de lucro, com a tentação recorrente, entre os maiores, de fazer acordos oligopolistas. A hidra bancária nasceu há cerca de dez anos, e já tomou conta de todo o planeta. O confronto de poderes, entre bancos avassaladores e poderes políticos enfraquecidos, parece agora inevitável. Um resultado positivo desta luta – a priori desigual – só pode ocorrer por meio mobilização de cidadãos que estejam plenamente conscientes do que está em jogo.
*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras com o título Os 28 bancos que controlam o dinheiro do mundo
** Tradução: Inês Castilho
A MOSCA AZUL DO LÍDER DA OPOSIÇÃO
A MOSCA AZUL DO LÍDER DA OPOSIÇÃO
Roberto Amaral
Roberto Amaral
Ao sentar-se em cima do processo e impedir conclusão do julgamento quando a decisão era conhecida, Gilmar Mendes conspirava contra os esforços do TSE e do STF de zelar pela ética na política.
Finalmente, teve fim a chicana imposta ao Supremo Tribunal Federal pelo líder da oposição naquela Corte, o ministro Gilmar Mendes.
Relembro.
Com o recurso do ‘pedido de vista’, o inefável ministro reteve por nada menos que um ano e cinco meses (posto que desde 2 de abril de 2014) os autos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB contra dispositivos da legislação eleitoral ordinária permissivos do financiamento empresarial das eleições.
Mas não se tratava, este, de um ‘pedido de vista’ qualquer. Se era e é injustificável o tempo durante o qual o julgamento ficou sobrestado, mais inexplicável é o fato de ser apresentado quando o julgamento estava objetivamente concluído, a saber, quando, em colégio de onze ministros, a votação da ADI contava 6 a 1 (seis votos a favor da decretação da inconstitucionalidade do financiamento privado da política), ou seja, quando já estava definida a causa.
Por que então o pedido de vista?
Explique-se o ministro, e explique porque reteve por um ano e cinco meses o processo em seu gabinete, impedindo, assim, a proclamação do direito.
Ao sentar-se em cima do processo e assim – de forma autoritária e desrespeitosa (e também covarde, porque deixa sem ação o pensamento oponente) – impedir a conclusão do julgamento quando a decisão era conhecida, ou seja, mais precisamente impedir a proclamação do resultado, o ministro inefável conspirava contra os esforços do TSE e do próprio STF de zelar pela ética na política, pois, reconheça-se, os dois tribunais superiores de há muito tentam – e vêm tentando mesmo o Legislativo – senão impedir, pelo menos reduzir a perniciosa participação do poder econômico no processo eleitoral, fonte de grande parte das misérias que hoje atacam a combalida democracia representativa brasileira.
Explica-se a manobra simples e rasteira do ministro. Com o pedido de vista, o líder oposicionista: 1) deixava a matéria indefinidamente ‘sub judice’ e 2), dava tempo ao baixo clero do Congresso para tentar aprovar emenda à Constituição (defendida ainda agora pelo conhecido deputado Eduardo Cunha) de sorte a amparar o império do poder econômico sobre o processo eleitoral brasileiro.
Tudo isso, deixando o país e sua dignidade sem recurso.
‘Pedir vistas’ significa sustar o julgamento para que o juiz ainda sem convicção firmada sobre o feito disponha de mais tempo, um tempo razoável não definido em norma específica, para estudar a causa e pronunciar seu voto. Não se condena esse instrumento. Ocorre que, sem qualquer limite de tempo, a medida pode transformar-se em instrumento de prevaricação (não se diz que seja o caso vertente), como tem ocorrido, aliás e consabidamente, com a concessão abusiva de liminares nos juízos de primeira instância.
Separemos as duas hipóteses. Uma é aquela da tese, a eventualidade de um juiz pedir vistas de um processo em apreciação para assim melhor poder conhecê-lo e assim melhor decidir. Outra é a alternativa de que tratamos, ou seja, quando o pedido de vista tem escandaloso propósito protelatório (quando o processo deve perseguir a celeridade), e quando o pronunciamento do Tribunal (isto é, a decisão da causa) já é conhecido, sem possibilidade de reversão, no momento do pedido.
Perguntar-se-á, pergunta a OAB, pergunta a sociedade, por quanto tempo pode o juiz sentar-se sobre a causa, amparado no instituto do pedido de vista, impedindo um julgamento? E qual a justificativa jurídica e ética para um pedido de vista em julgamento já definido, o caso de que tratamos, quando era e é evidente que o móvel é simplesmente impedir que o direito se realize? Em benefício de quem? Da Justiça não pode ser.
De fato, o tempo do inefável ministro no julgamento dessa ação era o necessário para que o presidente da Câmara dos Deputados, de quem o ministro se fez aliado fático, manobrasse, com o autoritarismo peculiar e o recurso a chicanas regimentais, para, numa reforma política que não passa de uma contrarreforma, aprovar o financiamento empresarial de campanha, de candidatos e de partidos. A saber, o financiamento corruptor de legisladores e governantes, fonte de escândalos políticos que transitaram das páginas nobres dos jornais para a seção policial.
Só assim e só então, ou seja, depois de vencida a matéria na Câmara dos Deputados, com a aprovação, no dia 9 de setembro, do Projeto de Lei legalizador da corrupção (PL nº 5.735-F), é que o inefável ministro, no dia seguinte, anunciou seu voto vencido, liberando o pleno do STF para concluir a votação interrompida desde 2 de abril de 2014, como vimos.
O dispositivo aguarda o veto presidencial.
Na sessão do STF do dia 17, o ministro Mendes leva ao Tribunal o seu voto conhecido e antecipadamente vencido, prolatado, porém, mediante exaustivo discurso de cinco horas, algaravia que pôs em xeque a paciência civilizada de seus ouvintes compulsórios.
Tratava-se, como de hábito, de voto sem substância, cheio de remoques, pleno de recalques, idiossincrasias e partidarismo primário. E assim, e só assim, passados um ano e cinco meses, a Suprema Corte pôde retomar o julgamento intempestiva e injustificadamente interrompido, para, como esperado, decretar (8 votos a 3) a inconstitucionalidade do financiamento de campanhas eleitorais por empresas.
Mas o ministro, boquirroto e sempre em palanque, depois de ofender a Justiça com seus 565 dias sentado em cima de um julgamento de alto interesse político para o país e seu futuro, ofende a inteligência de quantos tiveram de ouvi-lo, ao afirmar em alto e bom som, com direito aos bordões de praxe – e, acredite o leitor, sem corar ou tremer a voz – que a proibição do imoral financiamento empresarial das campanhas eleitorais era tão-só uma tentativa do PT de sufocar a oposição, oposição que, acrescento, no Supremo, está, pelo ministro Mendes, muito melhor representada do que no Senado por Aécio Neves.
E ainda mais, diz o ministro em seu lamentável comício que o Conselho Federal da Ordem os Advogados do Brasil – a quem tanto deve a democracia brasileira – entrava na história pura e simplesmente como serviçal de manobra do PT. O voto está gravado e pode ser lido e ouvido, e ficará guardado nos Anais do STF.
O que dirão STF de hoje os leitores do futuro!
Eis como o ministro Mendes ofende o direito, a Constituição Federal e a OAB, no resumo trazido pela FSP, edição desse dia 17 de setembro:
“Segundo Mendes, o PT manobrou a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), autora da ação que questiona a legalidade das doações privadas, interessado em impedir a alternância de poder no país. Com fortes ataques ao PT, o ministro sugeriu que o partido é contra as doações de empresas porque foi mentor do esquema de corrupção da Petrobras, beneficiando-se dos desvios na estatal e, com isso, teria dinheiro para financiar campanhas até 2038”.
Em qual país do mundo essa diatribe pode ser aceita como argumento constitucional, e é admissível na boca de um ministro de sua mais alta Corte? Isso é tudo menos raciocínio jurídico, e ainda menos linguajar digno de um Tribunal superior.
Pronunciado sob a proteção da toga mal vestida é – verdadeiro discurso de ponta de rua – absurdamente incompatível com o decoro que a sociedade deve esperar de um ministro do Supremo. De fato, o ministro não está votando, pois seu discurso procura outras plagas, na tentativa de oferecer-se como alternativa eleitoral à direita em 2018. Com a proteção da toga que lhe queima as costas faz do STF seu o palanque politico.
O fato de um partido qualquer ser contra as doações privadas não desqualifica esse combate, nem muito menos pode ser apresentado como argumentação jurídica justificadora da manutenção dessas doações. Ademais, sabe o ministro que o fim das doações privadas é reivindicação que envolve vários partidos e a sociedade civil, incluídas a OAB e a CNBB, e envolve mesmo o Poder Judiciário, de que é eloquente testemunho a própria votação da ADI.
O Judiciário precisa cuidar-se. Não deve permitir que à sua inércia judicante – que tantos e irrecuperáveis danos causa diariamente ao país e ao nosso povo – se some procedimento desse jaez, que nada fica a dever à elegância parlamentar da Câmara Municipal de Duque de Caxias.
Posta de lado qualquer apreciação ética relativamente ao comportamento do inefável Mendes, é de serra acima que a sociedade, via STF, não disponha de condições de evitar manipulação processual tão condenável.
No caso, tratava-se de pleito acerca de questão eminentemente política, e, por isso mesmo, aparentemente livre de qualquer suspeita de envolvimento econômico. Mas, em outras hipóteses, e são quase todas, envolvendo interesses patrimoniais, poderia o STF aguardar por mais de um ano – sem razão de mérito – por mera manobra processual a que podem recorrer as partes por seus advogados, a protelação de um julgamento de desfecho já conhecido, com o objetivo puro e simples de evitar a eficácia da sentença inevitável?
Esta, a questão: se o resultado fosse uma condenação pecuniária de que resultasse um pagamento de importância vultosa, quanto teria lucrado a parte vencida, beneficiada por quase dois anos sem o peso da condenação certa mas adiada?
Lamentavelmente, a grave crise política em que estamos envolvidos, de par com a crise de legitimidade do Legislativo, uma agravante no quadro geral, impede uma discussão séria sobre a reforma do Estado, e nela, do Poder Judiciário, e nele do Supremo, que não pode permanecer como poder monárquico, protegidos seus ministro pelo privilégio antirrepublicano da vitaliciedade, sujeitos seus membros a processos de responsabilidade. O Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, precisa, como os demais poderes, de ser objeto de fiscalização externa, ofício que não pode ser exercido por órgão corporativo.
Evandro Lins e Silva, advogado de um tempo em que se exigia dos ministros dos tribunais superiores mais do que se cobra hoje, em termos de formação jurídica, postura política e decoro, profligava – ele que fôra ministro dos mais eminentes –, o que chamava de ‘promiscuidade de Brasília’, o trânsito fácil entre partes e julgadores, o convívio nos jantares da capital, retirando do juiz aquele distanciamento que emprestava ainda mais dignidade ao ofício excelso.
Aos jovens estudantes e jovens advogados, e aos futuros juízes, é preciso dizer que nem sempre foi como é hoje. No Supremo já fulguraram as mais altas expressões do direito brasileiro e figuras moralmente ilibadas – no passado recente lembremos, além de Evandro, Nelson Hungria, Orozimbo Nonato e Vitor Nunes Leal – e lá já se destacou a bravura de estadistas como Adauto Lúcio Cardoso, Ribeiro da Costa e Gonçalves de Oliveira.
Esses nomes, desconhecidos hoje dos jovens advogados, precisam ser lembrados, mas de per si, longe de comparações contemporâneas, para que não se apequene ainda mais a nossa mais alta Corte.
Finalmente, teve fim a chicana imposta ao Supremo Tribunal Federal pelo líder da oposição naquela Corte, o ministro Gilmar Mendes.
Relembro.
Com o recurso do ‘pedido de vista’, o inefável ministro reteve por nada menos que um ano e cinco meses (posto que desde 2 de abril de 2014) os autos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB contra dispositivos da legislação eleitoral ordinária permissivos do financiamento empresarial das eleições.
Mas não se tratava, este, de um ‘pedido de vista’ qualquer. Se era e é injustificável o tempo durante o qual o julgamento ficou sobrestado, mais inexplicável é o fato de ser apresentado quando o julgamento estava objetivamente concluído, a saber, quando, em colégio de onze ministros, a votação da ADI contava 6 a 1 (seis votos a favor da decretação da inconstitucionalidade do financiamento privado da política), ou seja, quando já estava definida a causa.
Por que então o pedido de vista?
Explique-se o ministro, e explique porque reteve por um ano e cinco meses o processo em seu gabinete, impedindo, assim, a proclamação do direito.
Ao sentar-se em cima do processo e assim – de forma autoritária e desrespeitosa (e também covarde, porque deixa sem ação o pensamento oponente) – impedir a conclusão do julgamento quando a decisão era conhecida, ou seja, mais precisamente impedir a proclamação do resultado, o ministro inefável conspirava contra os esforços do TSE e do próprio STF de zelar pela ética na política, pois, reconheça-se, os dois tribunais superiores de há muito tentam – e vêm tentando mesmo o Legislativo – senão impedir, pelo menos reduzir a perniciosa participação do poder econômico no processo eleitoral, fonte de grande parte das misérias que hoje atacam a combalida democracia representativa brasileira.
Explica-se a manobra simples e rasteira do ministro. Com o pedido de vista, o líder oposicionista: 1) deixava a matéria indefinidamente ‘sub judice’ e 2), dava tempo ao baixo clero do Congresso para tentar aprovar emenda à Constituição (defendida ainda agora pelo conhecido deputado Eduardo Cunha) de sorte a amparar o império do poder econômico sobre o processo eleitoral brasileiro.
Tudo isso, deixando o país e sua dignidade sem recurso.
‘Pedir vistas’ significa sustar o julgamento para que o juiz ainda sem convicção firmada sobre o feito disponha de mais tempo, um tempo razoável não definido em norma específica, para estudar a causa e pronunciar seu voto. Não se condena esse instrumento. Ocorre que, sem qualquer limite de tempo, a medida pode transformar-se em instrumento de prevaricação (não se diz que seja o caso vertente), como tem ocorrido, aliás e consabidamente, com a concessão abusiva de liminares nos juízos de primeira instância.
Separemos as duas hipóteses. Uma é aquela da tese, a eventualidade de um juiz pedir vistas de um processo em apreciação para assim melhor poder conhecê-lo e assim melhor decidir. Outra é a alternativa de que tratamos, ou seja, quando o pedido de vista tem escandaloso propósito protelatório (quando o processo deve perseguir a celeridade), e quando o pronunciamento do Tribunal (isto é, a decisão da causa) já é conhecido, sem possibilidade de reversão, no momento do pedido.
Perguntar-se-á, pergunta a OAB, pergunta a sociedade, por quanto tempo pode o juiz sentar-se sobre a causa, amparado no instituto do pedido de vista, impedindo um julgamento? E qual a justificativa jurídica e ética para um pedido de vista em julgamento já definido, o caso de que tratamos, quando era e é evidente que o móvel é simplesmente impedir que o direito se realize? Em benefício de quem? Da Justiça não pode ser.
De fato, o tempo do inefável ministro no julgamento dessa ação era o necessário para que o presidente da Câmara dos Deputados, de quem o ministro se fez aliado fático, manobrasse, com o autoritarismo peculiar e o recurso a chicanas regimentais, para, numa reforma política que não passa de uma contrarreforma, aprovar o financiamento empresarial de campanha, de candidatos e de partidos. A saber, o financiamento corruptor de legisladores e governantes, fonte de escândalos políticos que transitaram das páginas nobres dos jornais para a seção policial.
Só assim e só então, ou seja, depois de vencida a matéria na Câmara dos Deputados, com a aprovação, no dia 9 de setembro, do Projeto de Lei legalizador da corrupção (PL nº 5.735-F), é que o inefável ministro, no dia seguinte, anunciou seu voto vencido, liberando o pleno do STF para concluir a votação interrompida desde 2 de abril de 2014, como vimos.
O dispositivo aguarda o veto presidencial.
Na sessão do STF do dia 17, o ministro Mendes leva ao Tribunal o seu voto conhecido e antecipadamente vencido, prolatado, porém, mediante exaustivo discurso de cinco horas, algaravia que pôs em xeque a paciência civilizada de seus ouvintes compulsórios.
Tratava-se, como de hábito, de voto sem substância, cheio de remoques, pleno de recalques, idiossincrasias e partidarismo primário. E assim, e só assim, passados um ano e cinco meses, a Suprema Corte pôde retomar o julgamento intempestiva e injustificadamente interrompido, para, como esperado, decretar (8 votos a 3) a inconstitucionalidade do financiamento de campanhas eleitorais por empresas.
Mas o ministro, boquirroto e sempre em palanque, depois de ofender a Justiça com seus 565 dias sentado em cima de um julgamento de alto interesse político para o país e seu futuro, ofende a inteligência de quantos tiveram de ouvi-lo, ao afirmar em alto e bom som, com direito aos bordões de praxe – e, acredite o leitor, sem corar ou tremer a voz – que a proibição do imoral financiamento empresarial das campanhas eleitorais era tão-só uma tentativa do PT de sufocar a oposição, oposição que, acrescento, no Supremo, está, pelo ministro Mendes, muito melhor representada do que no Senado por Aécio Neves.
E ainda mais, diz o ministro em seu lamentável comício que o Conselho Federal da Ordem os Advogados do Brasil – a quem tanto deve a democracia brasileira – entrava na história pura e simplesmente como serviçal de manobra do PT. O voto está gravado e pode ser lido e ouvido, e ficará guardado nos Anais do STF.
O que dirão STF de hoje os leitores do futuro!
Eis como o ministro Mendes ofende o direito, a Constituição Federal e a OAB, no resumo trazido pela FSP, edição desse dia 17 de setembro:
“Segundo Mendes, o PT manobrou a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), autora da ação que questiona a legalidade das doações privadas, interessado em impedir a alternância de poder no país. Com fortes ataques ao PT, o ministro sugeriu que o partido é contra as doações de empresas porque foi mentor do esquema de corrupção da Petrobras, beneficiando-se dos desvios na estatal e, com isso, teria dinheiro para financiar campanhas até 2038”.
Em qual país do mundo essa diatribe pode ser aceita como argumento constitucional, e é admissível na boca de um ministro de sua mais alta Corte? Isso é tudo menos raciocínio jurídico, e ainda menos linguajar digno de um Tribunal superior.
Pronunciado sob a proteção da toga mal vestida é – verdadeiro discurso de ponta de rua – absurdamente incompatível com o decoro que a sociedade deve esperar de um ministro do Supremo. De fato, o ministro não está votando, pois seu discurso procura outras plagas, na tentativa de oferecer-se como alternativa eleitoral à direita em 2018. Com a proteção da toga que lhe queima as costas faz do STF seu o palanque politico.
O fato de um partido qualquer ser contra as doações privadas não desqualifica esse combate, nem muito menos pode ser apresentado como argumentação jurídica justificadora da manutenção dessas doações. Ademais, sabe o ministro que o fim das doações privadas é reivindicação que envolve vários partidos e a sociedade civil, incluídas a OAB e a CNBB, e envolve mesmo o Poder Judiciário, de que é eloquente testemunho a própria votação da ADI.
O Judiciário precisa cuidar-se. Não deve permitir que à sua inércia judicante – que tantos e irrecuperáveis danos causa diariamente ao país e ao nosso povo – se some procedimento desse jaez, que nada fica a dever à elegância parlamentar da Câmara Municipal de Duque de Caxias.
Posta de lado qualquer apreciação ética relativamente ao comportamento do inefável Mendes, é de serra acima que a sociedade, via STF, não disponha de condições de evitar manipulação processual tão condenável.
No caso, tratava-se de pleito acerca de questão eminentemente política, e, por isso mesmo, aparentemente livre de qualquer suspeita de envolvimento econômico. Mas, em outras hipóteses, e são quase todas, envolvendo interesses patrimoniais, poderia o STF aguardar por mais de um ano – sem razão de mérito – por mera manobra processual a que podem recorrer as partes por seus advogados, a protelação de um julgamento de desfecho já conhecido, com o objetivo puro e simples de evitar a eficácia da sentença inevitável?
Esta, a questão: se o resultado fosse uma condenação pecuniária de que resultasse um pagamento de importância vultosa, quanto teria lucrado a parte vencida, beneficiada por quase dois anos sem o peso da condenação certa mas adiada?
Lamentavelmente, a grave crise política em que estamos envolvidos, de par com a crise de legitimidade do Legislativo, uma agravante no quadro geral, impede uma discussão séria sobre a reforma do Estado, e nela, do Poder Judiciário, e nele do Supremo, que não pode permanecer como poder monárquico, protegidos seus ministro pelo privilégio antirrepublicano da vitaliciedade, sujeitos seus membros a processos de responsabilidade. O Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, precisa, como os demais poderes, de ser objeto de fiscalização externa, ofício que não pode ser exercido por órgão corporativo.
Evandro Lins e Silva, advogado de um tempo em que se exigia dos ministros dos tribunais superiores mais do que se cobra hoje, em termos de formação jurídica, postura política e decoro, profligava – ele que fôra ministro dos mais eminentes –, o que chamava de ‘promiscuidade de Brasília’, o trânsito fácil entre partes e julgadores, o convívio nos jantares da capital, retirando do juiz aquele distanciamento que emprestava ainda mais dignidade ao ofício excelso.
Aos jovens estudantes e jovens advogados, e aos futuros juízes, é preciso dizer que nem sempre foi como é hoje. No Supremo já fulguraram as mais altas expressões do direito brasileiro e figuras moralmente ilibadas – no passado recente lembremos, além de Evandro, Nelson Hungria, Orozimbo Nonato e Vitor Nunes Leal – e lá já se destacou a bravura de estadistas como Adauto Lúcio Cardoso, Ribeiro da Costa e Gonçalves de Oliveira.
Esses nomes, desconhecidos hoje dos jovens advogados, precisam ser lembrados, mas de per si, longe de comparações contemporâneas, para que não se apequene ainda mais a nossa mais alta Corte.
Blog de Roberto Amaral, 24/09/2015
Livro-agenda do NPC
Núcleo Piratininga de Comunicação adicionou 3 novas fotos — com Vito Giannotti.
Já foi para a gráfica nosso Livro-Agenda NPC de 2016, que tem como tema "Lutadores e Lutadoras do povo brasileiro"! Como não podia ser diferente, nessa edição homenageamos Vito Giannotti, que nos deixou esse ano e marcou seu nome nessa história de lutas e resistências, tornando-se referência de militância no país inteiro. Em breve estará à venda na nossa Livraria A. Gramsci. Encomende já a sua!
SOBRE A AGENDA
Nosso objetivo é dar visibilidade a personagens que se destacaram nas várias lutas populares ocorridas em nosso País, desde o século XIX até os dias atuais. São homens, mulheres, negros, negras, indígenas, camponeses, estudantes, operários que dedicaram suas vidas à construção de uma sociedade diferente: justa, solidária, com direitos assegurados a todos e todas, sem opressão e exploração. O material conta com a apresentação da professora e historiadora Virgínia Fontes; textos elaborados especialmente para a agenda de professores e militantes sociais; e a colaboração de companheiros do país inteiro. Um material de formação importantíssimo para os trabalhos que desejam conhecer sua história!
Nosso objetivo é dar visibilidade a personagens que se destacaram nas várias lutas populares ocorridas em nosso País, desde o século XIX até os dias atuais. São homens, mulheres, negros, negras, indígenas, camponeses, estudantes, operários que dedicaram suas vidas à construção de uma sociedade diferente: justa, solidária, com direitos assegurados a todos e todas, sem opressão e exploração. O material conta com a apresentação da professora e historiadora Virgínia Fontes; textos elaborados especialmente para a agenda de professores e militantes sociais; e a colaboração de companheiros do país inteiro. Um material de formação importantíssimo para os trabalhos que desejam conhecer sua história!
COMO FUNCIONAVA A CORRUPÇÃO NA ODEBRECHT NA DÉCADA DE 80
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COMO FUNCIONAVA A CORRUPÇÃO NA ODEBRECHT NA DÉCADA DE 80
A lista de políticos com apelidos e obras é antiga, da década de 80, e tem muitos figurões daquela época, alguns ainda em atividade política e saem por aí sustentando bravatas éticas. Este esquema de pagamentos de propinas a políticos relativo a obras públicas por empreiteiras é mais velho que nossa democracia e, pela primeira vez, é investigado a fundo, doa a quem doer.
DEGRADAÇÃO DO JUDICIÁRIO
DEGRADAÇÃO DO JUDICIÁRIO
Dalmo de Abreu Dallari
Dalmo de Abreu Dallari
Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Engenheiros denunciam: Lava-Jato está promovendo o desmonte da indústria nacional
Engenheiros denunciam: Lava-Jato está promovendo o desmonte da indústria nacional
Published setembro 19, 2015 Uncategorized 1 Comment Tags: golpe, Lava Jato, Petróleo, Petrobrásdo O CAFÉZINHO
Estamos diante de um sinistro ataque ao Brasil.
A operação Lava Jato, sob pretexto da necessária luta contra a corrupção, está promovendo um desmonte das grandes empresas nacionais de engenharia.
É o que denuncia a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros.
Sob aplausos de uma multidão manipulada pelos meios de comunicação, o Ministério Público e o Judicário mais caros do mundo estão solapando a economia nacional, destruindo empregos e empresas estratégicas.
E tudo isso para que?
Para combater a corrupção?
Não.
O combate à corrupção é movido pelo espírito do interesse público. Pelo desejo de defender o interesse público. Se o combate à corrupção se politiza a tal ponto em que o interesse público fica em segundo plano, então não estamos mais diante de uma combate genuíno à corrupção, e sim diante de uma conspiração judicial que manipula os instrumentos de uma investigação verdadeira, na qual foram apurados atos verdadeiros de corrupção, para atingir um objetivo político escuso. Tão escuso que se abandona qualquer prudência, qualquer cuidado em relação ao interesse nacional, apenas para obter os aplausos efêmeros de uma mídia decadente e golpista.
Juízes, delegados e procuradores, protegidos pela estabilidade de seu emprego, desfrutando dos mais altos salários do serviço público, estão destruindo empresas nacionais.
Com apoio da mídia, naturalmente, que blinda e abafa todos os abusos da operação, que omite todos os indícios de que a estão transformando numa caça às bruxas, que estão usando uma estratégia de terrorismo econômico, derrubando a economia brasileira com vistas a promover uma ruptura política antidemocrática.
Consultoras independentes já estimaram que a Lava Jato custará mais de R$ 140 bilhões à economia brasileira, para só falar de números. Mas se saírmos dos números, se pensarmos nas grandes estratégias econômicas do país, então o prejuízo é ainda maior.
E a mídia ainda fica alardeando que haverá “recuperação” de 1 bilhão de reais, uma gota no oceano dos prejuízos causados à economia brasileira.
É muito sintomático que, à medida que a crise econômica se aprofunda, o juiz responsável pela Lava Jato demonstra mais e mais euforia com seu trabalho sujo, tirando selfies entusiasmadas com pessoas ingênuas, manipuladas por uma imprensa historicamente descomprometida com os interesses nacionais.
Uma imprensa que não representa o interesse das empresas nacionais, uma imprensa que é antes um braço do imperialismo, como tem demonstrado ser desde a década de 50, sempre, sempre, sempre se posicionando contra o interesse do povo brasileiro, sempre contra a democracia, e sempre a favor de interesses obscuros do capital estrangeiro.
A Lava Jato está promovendo um massacre no emprego da engenharia nacional.
Dessa vez, cumpriremos aqui no Brasil a profecia de Spengler sobre o poder diabólico de manipulação da imprensa massificada.
A opinião pública vai sendo conduzida, qual um bando de zumbis desorientados, na direção de seu próprio abismo.
E o governo, acuado pelo massacre diário, e que nunca entendeu a importância de desenvolver instrumentos eficazes de comunicação, é obrigado a baixar a cabeça e a elogiar aqueles mesmos que minam a economia brasileira.
Em nome de um republicanismo mal ajambrado, um republicanismo despolitizado, um republicanismo cujos critérios não são definidos pelo interesse popular, mas por corporações que nunca foram republicanas, o governo elogia aqueles mesmos que trabalham diuturnamente para lhe destruir.
Leiam o editorial abaixo, do presidente da Federação de Engenheiros, e depois leiam a matéria de capa da revista Em Movimento, a partir da página 18, sobre a perda de empregos no setor.
***
No site da Fisenge
Em defesa da engenharia nacional e do povo brasileiro
Por Clovis Francisco do Nascimento Filho, presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros | FISENGE
“Quando o terror invade um povo, transforma muitas vezes um pusilânime num herói”, disse o ex-presidente Getúlio Vargas. A história se repete e o que estamos assistindo nos meios de comunicação é a construção de vilões e heróis diante de uma farsa maniqueísta. A operação Lava-Jato – que denuncia escândalos na Petrobrás – está promovendo um movimento de ataque à nação brasileira. Isso porque em vez de apurar com rigor e responsabilizar as pessoas, a Operação está tomando pulso em torno da destruição das empresas brasileiras, das riquezas nacionais e da soberania do país. Obras paralisadas em todo o território nacional promovem demissões em massa, estagnação da economia e interrupção de projetos e serviços. Reivindicamos a apuração e a responsabilização dos casos de corrupção, mas não permitiremos que estes fatos abram uma avenida de oportunidades para uma política entreguista e de destruição da engenharia nacional.
Este cenário é fruto de atitudes, no mínimo, irresponsáveis e nada republicanas. Em nome de um discurso falseado, juízes e parlamentares, invocados pelos setores conservadores da sociedade, vêm destruindo o país. Na Câmara dos Deputados, seu presidente atual representa o retrocesso, a face mais perversa da direita brasileira. Este cidadão lidera o avanço da agenda conservadora de retirada de direitos e ataques às minorias. O Brasil, desde 2002, retomou um importante processo de desenvolvimento com inclusão social. Milhares de brasileiras e brasileiros puderam ter acesso às universidades e ao mercado de trabalho. Vivemos um período de crise da acumulação capitalista em nível mundial por uma disputa esquizofrênica por mercados. Por outro lado, a nova geopolítica quebrou a unilateralidade com a instituição dos BRICs, bloco formado por países emergentes como Brasil, Rússia, Índia e China.
O governo precisa tomar a dianteira deste processo e aprofundar as mudanças estruturais necessárias, como a reforma política e a democratização dos meios de comunicação. Para tanto, irá contar com a participação de sindicatos ao lado dos movimentos sociais na luta por mais direitos e mais democracia. Defendemos incondicionalmente o fortalecimento da engenharia nacional, o Estado Democrático de Direito e a soberania da nação. Mais direitos e mais democracia. Não permitiremos retrocesso!
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