Por
que eles têm medo do Lula?
Emir Sader
Lula virou o diabo para a direita brasileira, comandada por seu
partido: a mídia privada. Pelo que ele representa e por tê-los derrotado três
vezes sucessivas nas eleições presidenciais, por se manter como o maior líder
popular do Brasil, apesar dos ataques e manipulações de todo tipo que os donos
da mídia – que não foram eleitos por ninguém para querer falar em nome do País
– não param de maquinar contra ele.
Primeiro, ele causou medo quando surgiu como líder operário, que trazia
para a luta política aos trabalhadores, reprimidos e superexplorados pela ditadura durante mais de uma década e o pânico que
isso causava em um empresariado já acostumado ao arrocho salarial e à
intervenção nos sindicatos.
Medo de que essa política que alimentava os superlucros das grandes
empresas privadas nacionais e estrangeiras – o santo do chamado “milagre
econômico” – terminasse e, com ela, a possibilidade de seguirem lucrando tanto
à custa da superexploração dos trabalhadores.
Medo também de que isso tirasse as bases de sustentação da ditadura –
além das outras bases, as baionetas e o terror – e eles tivessem de voltar às
situações de incerteza relativa dos regimes eleitorais.
Medo que foi se acalmando conforme, na transição do fim do seu regime
de ditadura militar para o restabelecimento da democracia liberal, triunfavam
os conservadores. Derrotada a campanha das diretas, o Colégio Eleitoral
consagrou um novo pacto de elite no Brasil, em que se misturavam o velho e o
novo, promiscuamente na aliança PMDB/PFL, para dar nascimento a uma democracia
que não estendia a democracia às profundas estruturas econômicas, sociais e
midiáticas do país.
Sempre havia o medo de que Lula catalisasse os descontentamentos que
não deixaram de existir com o fim da ditadura, porque a questão social
continuava a arder no país mais desigual do continente mais desigual do mundo.
Mas os processos eleitorais pareciam permitir que as elites tradicionais
retomassem o controle da vida política brasileira.
Aí veio o novo medo, que chegou a pânico, quando Lula chegou ao segundo
turno contra seu novo queridinho, Collor, o filhote da ditadura. E foi
necessário usar todo o peso da manipulação midiática para evitar que a força
popular levasse Lula à Presidência do Brasil, da ameaça de debandada geral dos
empresários se Lula ganhasse, à edição forjada de debate, para tentar evitar a
vitória popular.
O fracasso do Collor levou a que Roberto Marinho confessasse que eles
já não elegeriam um presidente deles, teriam que buscar alguém no outro campo,
para fazê-lo seu representante. Se tratava de usar de tudo para evitar que o
Lula ganhasse. Foram buscar ao FHC, que se prestou a esse papel e parecia se
erigir em antidoto permanente contra o Lula, a quem derrotou duas vezes.
Como, porém, não conseguem resolver os problemas do País, mas apenas
adiá-los – como fizeram com o Plano Real –, o fantasma voltou, com o governo
FHC também fracassando. Tentaram alternativas – Roseana Sarney, Ciro Gomes,
Serra –, mas não houve jeito.
Trataram de criar o pânico sobre a possibilidade da vitória do Lula,
com ataque especulativo, com a transformação do chamado “risco Brasil” para
“risco Lula”, mas não houve jeito.
Alívio, quando acreditaram que a postura moderada do Lula ao assumir a
Presidência significaria sua rendição à politica econômica de FHC, ao
“pensamento único”, ao Consenso de Washington. Por um lado, saudavam essa
postura do Lula, por outro incentivavam os setores que denunciavam uma
“traição” do Lula, para buscar enfraquecer sua liderança popular. No fundo
acreditavam que Lula demoraria pouco no governo, capitularia e perderia
liderança popular ou colocaria suas propostas em prática e o país se tornaria ingovernável.
Quando se deram conta que Lula se consolidava, tentaram o golpe em
2005, valendo-se de acusações multiplicadas pela maior operação de marketing
político que o País já conheceu – desde a ofensiva contra o Getúlio, em 1954 –,
buscando derrubar o Lula e sepultar por muito tempo a possibilidade de um
governo de esquerda no Brasil. Colocavam em prática o que um ministro da
ditadura tinha dito: Um dia o PT vai ganhar, vai fracassar e aí vamos poder
governar o País sem pressão.
Chegaram a cogitar um impeachment, mas tiveram medo do Lula, de sua
capacidade de mobilização popular contra eles. Recuaram e adotaram a tática de
sangrar o governo, cercando-o no Parlamento e por meio da mídia, até que,
inviabilizado, fosse derrotado nas eleições de 2006.
Fracassaram uma vez mais, quando o Lula convocou as mobilizações
populares contra os esquemas golpistas, ao mesmo tempo que a centralidade das
políticas sociais – eixo do governo Lula, que a direita não enxergava, ou
subestimava e tratava de esconder – começava a dar seus frutos. Como resultado,
Lula triunfou nas eleições de 2006, ao contrário do que a direita programava,
impondo uma nova derrota grave às elites tradicionais.
O medo passou a ser que o Brasil mudasse muito, tirando suas bases de
apoio tradicionais – a começar por seus feudos políticos no Nordeste –,
permitindo que o Lula elegesse sua sucessora. Se refugiaram no “favoritismo” do
Serra nas pesquisas – confiando, uma vez mais, na certeza do Ibope de que o
Lula não elegeria sua sucessora.
Foram de novo derrotados. Acumulam derrota atrás de derrota e
identificam no Lula seu grande inimigo. Ainda mais que nos últimos anos do seu
segundo mandato e na campanha eleitoral, Lula identificou e apontou claramente
o papel das elites tradicionais, com afirmações como a de que ele demonstrou
“que se pode governar o Brasil, sem almoçar e jantar com os donos de jornal”.
Quando disse que “não haverá democracia no Brasil, enquanto os políticos
tiverem medo da mídia”, entre outras afirmações.
Quando, depois de seminário que trouxe experiências de regulações
democráticas da mídia em várias partes insuspeitas do mundo, elaborou uma
proposta de lei de marco regulatório para a mídia, que democratize a formação
da opinião pública, tirando o monopólio do restrito número de famílias e
empresas que controlam o setor de forma antidemocrática.
Além de tudo, Lula representa para eles o sucesso de um presidente que
se tornou o líder político mais popular da história do Brasil, não proveniente
dos setores tradicionais, mas um operário proveniente do Nordeste, que se
tornou líder sindical de base desafiando a ditadura, que perdeu um dedo na
máquina – trazendo no próprio corpo inscrita a sua origem e as condições de
trabalho dos operários brasileiros.
Enquanto o queridinho da direita partidária e midiática brasileira,
FHC, fracassou, Lula teve êxito em todos os campos – econômico, social,
cultural e de políticas internacionais –, elevando a autoestima dos brasileiros
e do povo brasileiro. Lula resgatou o papel do Estado – reduzido à sua mínima
expressão com Collor e FHC – para um instrumento de indução do crescimento
econômico e de garantia das políticas sociais. Derrotou a proposta
norte-americana da ALCA – fazer a América Latina uma imensa área de livre
comércio, subordinada aos interesses dos EUA –, para priorizar os projetos de
integração regional e os intercâmbios com o Sul do mundo.
Lula passou a representar o Brasil, a América Latina e o Sul do mundo,
na luta contra a fome, contra a guerra, contra o monopólio de poder das nações
centrais do sistema. Lula mostrou que é possível diminuir a desigualdade e a
pobreza, terminar com a miséria no Brasil, ao contrário do que era dito e feito
pelos governos tradicionais.
Lula saiu do governo com praticamente toda a mídia tradicional contra
ele, mas com mais de 80% de apoio e apenas 3% de rejeição. Elegeu sua sucessora
contra o “favoritismo” do candidato da direita.
Aí acreditaram que poderiam neutralizá-lo, elogiando a Dilma como
contraponto a ele, até que se rendem que não conseguem promover conflitos entre
eles. Temem o retorno do Lula como presidente, mas principalmente o temem como
líder político, como quem melhor vocaliza os grandes temas nacionais, apontando
para a direita como obstáculo para a democratização do Brasil.
Lula representa a esquerda realmente existente no Brasil, com liderança
nacional, latino-americana e mundial. Lula representa o resgate da questão
social no Brasil, promovendo o acesso a bens fundamentais da maioria da
população, incorporando definitivamente os pobres e o mercado interno de
consumo popular à vida do país.
Lula representa o líder que não foi cooptado pela direita, pela mídia,
pelas nações imperiais. Por tudo isso, eles tem medo do Lula. Por tudo isso,
querem e tentam desgastar sua imagem. Por isso 80% das referências ao Lula na
mídia são negativas. Mas 69,8% dos brasileiros dizem que gostariam que ele
voltasse a ser presidente do Brasil. Por isso eles têm tanto medo do Lula.