sábado, 27 de abril de 2019

Regime militar matou poucas pessoas, diz Mourão ao Le Monde

Romério Cunha/VPR

Regime militar matou poucas pessoas, diz Mourão ao Le Monde

Jornal francês conta ainda que vice evita empregar o termo ditadura para evocar o regime que se seguiu ao golpe de estado de 1964 e prefere falar de "presidências militares".

REDAÇÃO
 Paris (França) 
RFI RFI
O jornal Le Monde que chegou às bancas nesta quinta-feira (25/04) traz matéria de quase página inteira com o vice-presidente brasileiro, o general Hamilton Mourão, atualmente no epicentro de um embate polêmico com um dos filhos do clã presidencial, o vereador Carlos Bolsonaro. Mourão foi entrevistado pela correspondente do vespertino francês no Brasil, Claire Gatinois.
Le Monde titula a frase de Mourão durante a entrevista, que diz "Fizemos de Jair Bolsonaro um estereótipo". A matéria assinada pela correspondente do Le Monde no Brasil relata o ambiente estranho que reinava nos corredores do anexo do palácio presidencial, onde Mourão conversou com a jornalista francesa. "Na falta de uma oposição organizada", diz Gatinois, o governo "cria inimigos internos".
O texto comenta a situação delicada causada pelas acusações de Carlos Bolsonaro ao general, que afirma que o vice-presidente deseja tomar o lugar do pai. "A causa desse ataque [de Carlos Bolsonaro] são as repetidas intervenções do general para apagar o fogo das polêmicas criadas pelo presidente brasileiro", explica o jornal.
“Em seus escritórios, com os olhos vermelhos pelo cansaço, o militar da reserva descarta os ataques do filho de Bolsonaro, considerados por sua equipe como problemas psiquiátricos", diz Le Monde. Na entrevista, Mourão relata que Carlos Bolsonaro não o conhece. "Ele nunca se sentou comigo para conversar", completa o vice-presidente. Mourão disse ainda ao vespertino que não "desempenha um papel importante": "eu sou um auxiliar, não sou um agente moderador, nem um intérprete do presidente", assegurou.
“Adesão de 100%” a Jair Bolsonaro
Le Monde ressalta que Hamilton Mourão confirma sua adesão de 100% ao líder da extrema direita brasileira e chega a minimizar os numerosos problemas dos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro. "A situação não é assim negativa. São problemas, é verdade, mas a maioria das pessoas que critica Bolsonaro não se dá conta que ele teve problemas de saúde seríssimos. Essas coisas ligadas ao Twitter, a seus filhos, são de menor importância, fazem parte da aclimatação do governo" insistiu o general da reserva.
Apresentando-se como um homem preocupado com a questão ecológica, Mourão afirma, no entanto, segundo o jornal francês, quando o assunto é abrir os territórios indígenas à exploração de metais preciosos, "que o índio brasileiro não pode ficar preservado dentro uma bolha como se fosse um cidadão de segunda categoria". Le Monde conta ainda que o vice evita empregar o termo ditadura para evocar o regime que se seguiu ao golpe de estado de 64 e prefere falar de "presidências militares".
A grande conquista desse período, segundo Mourão, teria sido "impedir o Brasil de ter caído na ditadura do proletariado". "No final, o regime militar matou muito poucas pessoas", disse o vice-presidente brasileiro ao jornal francês, que lembra que, segundo o relatório da comissão da verdade, 434 assassinatos aconteceram durante a ditadura militar no Brasil.

Duas bombásticas revelações da inteligência russa na América Latina: avanço intervencionista dos EUA e penetração de Al-Qaeda e EI no subcontinente

Duas bombásticas revelações da inteligência russa na América Latina: avanço intervencionista dos EUA e penetração de Al-Qaeda e EI no subcontinente

''Os resultados dessas atividades desestabilizadoras (dos Estados Unidos na América Latina) já são visíveis em países como Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia'', afirmou o chefe-adjunto do Departamento Central de Inteligência russo.

 
26/04/2019 11:33
 
 
Após alguns meses reunindo informações sobre o subcontinente, os agentes russos entregaram um relatório cujo conteúdo foi revelado nesta quinta-feira (25/4), em entrevista coletiva do chefe-adjunto do Departamento Central de Inteligência (GRU, por sua sigla em russo) Igor Kortiukov.

A primeira delas tem a ver com os planos dos Estados Unidos para fortalecer sua presença militar na América Latina, com o objetivo principal de viabilizar um ataque contra a Venezuela

Segundo Kortiukov, os Estados Unidos têm a intenção de promover uma “transição forçada (na Venezuela), utilizando os esforços da Colômbia”.

O funcionário russo revelou que as informações recebidas por seus informantes “demonstram que as atividades subversivas dos Estados Unidos contra a República Bolivariana se incrementaram, e visam crias as condições para um ataque ao país, especialmente com as ações para gerar um sentimento de inconformidade na população, e sua posterior transformação em uma explosão social, até a implementação de cenários de força contra Caracas”. As declarações aconteceram durante sua intervenção na VIII Conferência sobre Segurança Internacional, em Moscou.

“Washington quer organizar uma invasão do território venezuelano, através dos seus aliados, principalmente a Colômbia”, acrescentou.

As informações da GRU também relatam a conformação de grupos armados ilegais integrados por desertores venezuelanos, membros de organizações criminosas de países centro-americanos e de grupos rebeldes colombianos, que já estão operando em sabotagens contra as infraestruturas da nação bolivariana.

Não obstante, a Kostiukov também afirmou que os Estados Unidos “não se importam com o fato de que a população civil é a primeira vítima a sofrer as consequências de suas ações”.

Anteriormente, o presidente estadunidense, Donald Trump indicou a intervenção militar na Venezuela é “uma das opções” sobre a mesa para resolver a situação que enfrentada pela nação sul-americana.

Kostiukov também indicou que o país norte-americano gasta anualmente 1,5 milhões de dólares na “intensificação de sua influência” na América Latina, e denunciou que “a política exterior estadunidocentrista” de Washington no hemisfério ocidental é a “principal ameaça para a segurança na região latino-americana”.

“Washington está praticamente pronto para declarar o governo venezuelano como `patrocinador do terrorismo internacional´, e usar este pretexto para justificar o uso da força e mais sanções contra Caracas Os resultados dessas atividades desestabilizadoras já são visíveis em países como Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia”, completou o funcionário.

Por outro lado, o chefe-adjunto do GRU advertiu que a “revolução colorida” que os Estados Unidos tentam introduzir na Venezuela poderia ser aplicada, futuramente, em países próximos como Nicarágua e Cuba.

Por sua parte, a porta-voz do Ministério de Assuntos Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, declarou nesta mesma quinta-feira que os Estados Unidos continua trabalhando para aumentar a probabilidade do uso da força na Venezuela, apesar de que a “a grande maioria dos países se opõem claramente” a uma intervenção armada neste país latino-americano.

Presença de Al-Qaeda e Estado Islâmico
A segunda revelação feita pelo chefe-adjunto do Departamento Central de Inteligência russo, (GRU, por sua sigla em russo), o vice-almirante Igor Kostiukov, diz respeito ao surgimento na América Latina de campos de treinamento jihadista, e que extremistas islâmicos vinculados ao Estado Islâmico (EI) e à rede Al-Qaeda estão operando na região.

“Entre os novos fatores de risco existentes no subcontinente, é possível destacar a aparição de campos de treinamento e refúgios jihadistas”, assegura Kostiukov.

Segundo o funcionário russo, os extremistas vinculados às organizações terroristas atuam “recrutando combatentes para engrossar suas filas no Oriente Médio e no norte da África, arrecadando fundos financeiros necessários e promovendo a ideologia extremista” na América Latina.

Anteriormente, o Ministério de Assuntos Exteriores da Rússia havia advertido que o Estado Islâmico estava intensificando seus esforços para criar “posições” em diferentes regiões do mundo, o que inclui a América Latina. O vice-diretor do Departamento de Novos Desafios e Ameaças (ligado ao mesmo Ministério), Dmitri Feoktistov, expressou sua preocupação pela “intensificação das atividades de recrutamento dos extremistas”, especialmente em países do Caribe, “onde há uma alta proporção de cidadãos que professam o islã”.

Ademais, Feoktistov indica que os países latino-americanos “poderiam ser utilizados como uma zona de trânsito para os complexos esquemas de rotas de contrabando” do EI. O funcionário declarou que os jihadistas pretendem utilizar seus próprios canais para movimentar os ativos na região, e recordou que Moscou trabalha para prestar mais atenção a qualquer tentativa dos terroristas de obter acesso aos sistemas financeiros e a outras infraestruturas desses países.

Com informações de RT en españolhttps://actualidad.rt.com/actualidad/312825-inteligencia-rusia-eeuu-derrocar-gobierno-venezuela-colombia e https://actualidad.rt.com/actualidad/312830-rusia-surgir-america-latina-campos

O recorde do desemprego e da subutilização da força de trabalho no Brasil

O recorde do desemprego e da subutilização da força de trabalho no Brasil

A verdade sobre o desemprego e o subemprego dói para os ocupantes do Palácio do Planalto, mas dói muito mais para quem não tem como ganhar a vida honestamente com o suor do próprio rosto

 
26/04/2019 11:53
 
 
“Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”
Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948)


O Brasil coleciona notícias ruins na criação de oportunidades de emprego e na área do direito ao trabalho. A PNAD Contínua (PNADC) do IBGE mostra que o desemprego e a subutilização da força de trabalho no Brasil bateram recorde no trimestre que vai de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019. O Presidente da República, em vez de reconhecer o problema, preferiu criticar a metodologia utilizada pelo IBGE.

É claro que nenhum governo gosta de notícias ruins. Não é a primeira vez que os números do emprego e do desemprego são questionados para favorecer os governantes de plantão. O presidente Jair Bolsonaro poderia até dizer que herdou a crise do mercado de trabalho e que está tomando medidas para aumentar os índices de ocupação, mas preferiu revelar ignorância ao criticar uma metodologia que é antiga e reconhecida internacionalmente.



A verdade sobre o desemprego e o subemprego dói para os ocupantes do Palácio do Planalto, mas dói muito mais para quem não tem como ganhar a vida honestamente com o suor do próprio rosto.

Segundo a PNADC a taxa de desocupação (pessoas que não estavam trabalhando, mas estavam procurando emprego) foi de 12,4% no trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2019, subiu 0,9 ponto percentual em relação ao trimestre de setembro a novembro de 2018 (11,6%). Esta subida ocorreu em função de fatores sazonais, pois no início de cada ano a ocupação é, geralmente, menor do que no final do ano. Em relação ao trimestre móvel de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, quando a taxa foi estimada em 12,6%, o quadro foi de estabilidade. Mas é uma estabilidade perversa, pois significa 13 milhões de pessoas que desejam trabalhar, mas não conseguem vagas no mercado de trabalho.

Contudo, este quadro terrível de desemprego não retrata um problema mais grave do mercado de trabalho brasileiro. A PNADC mostra uma realidade mais tenebrosa, quando aplica a metodologia da taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial). Por este indicador o desemprego e o subemprego foi de 24,6% no trimestre compreendido entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, com altas de 0,8% em relação ao trimestre de setembro a novembro de 2018 (23,9%) e de 0,4% no confronto com o trimestre móvel de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018 (23,2%).

Isto significa que, no trimestre de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019, havia aproximadamente 27,9 milhões de pessoas subutilizadas no Brasil, o maior contingente da série histórica. Ou seja, depois de dois anos de grande recessão (2015 e 2016) e depois de dois anos de lenta recuperação (2017 e 2018) a subutilização da força de trabalho, ao invés de diminuir, alcançou o seu nível mais alto, mostrando que o Brasil está em uma rota insustentável e está desperdiçando os melhores momentos do bônus demográfico.

A PNADC detalhe este desperdício, mostrando que contingente de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas (6,7 milhões) teve redução de -4,8% em relação ao trimestre anterior (-341 mil pessoas) e subiu 7,9% (mais 491 mil pessoas) em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018.

O contingente fora da força de trabalho (65,7 milhões) subiu em 595 mil pessoas (0,9%) comparado ao trimestre de setembro a novembro de 2018 e foi o maior da série histórica. Frente ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, o indicador subiu 1,2% (mais 754 mil pessoas).

A população desalentada (4,9 milhões) ficou estável em relação ao trimestre setembro a novembro de 2018 e subiu 6,0% em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018 (4,6 milhões). Esse contingente atingiu seu maior nível na série histórica.

O percentual de pessoas desalentadas em relação à população na força de trabalho ou desalentada(4,4%) se manteve no recorde da série histórica, ficando estável em relação ao trimestre anterior e subindo 0,2 ponto percentual contra trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018 (4,2%).

A força de trabalho (pessoas ocupadas e desocupadas), foi de 105,2 milhões de pessoas e ficou estável em relação ao trimestre anterior. Frente ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, houve alta de 1,0% (mais 1,0 milhão de pessoas).

O número de pessoas ocupadas (92,1 milhões) teve queda (-1,1%) em relação ao trimestre anterior (menos 1,062 milhão de pessoas). Em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, houve alta de 1,1% (mais 1,036 milhão de pessoas).

O nível da ocupação (percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar) foi de 53,9% no trimestre encerrado em fevereiro, com queda de -0,8 p.p frente ao trimestre anterior (54,7%). Em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, houve estabilidade.

Na série da PNADC que começou em 2012, o recorde de pessoas ocupadas foi de 92,9 milhões de pessoas no quarto trimestre de 2014. De lá para cá, este número caiu, chegou a 92,1 milhões no último 12/2018 a 02/2019. Esta queda no número da força de trabalho ocupada é ainda mais preocupante quando se considera que a população total do país passou de 199,2 milhões de habitantes em 2012 para 209,2 milhões em 2018. Assim, a taxa de ocupação que chegou ao pico de 57% em 2014 caiu para cerca de 54%.

Portanto, a taxa de ocupação diminuiu no país em um momento de estagnação da produtividade, queda da renda e aumento da pobreza. Sem trabalho, o Brasil não tem futuro. Nunca houve tantas pessoas em idade de trabalhar no país. Mas o desperdício representado pelo alto nível de desemprego, subemprego e baixa taxa de ocupação é o mesmo que jogar fora a janela de oportunidade que a mudança na estrutura etária gerou e que vai se fechar em pouco tempo. Não existe exemplos históricos de nações que enriqueceram depois de envelhecer. O Brasil está desprezando os melhores anos de uma relação intergeracional favorável à decolagem do desenvolvimento.

São 27,9 milhões de brasileiros e brasileiras sem o direito humano básico ao trabalho decente. A continuar desta forma, a economia brasileira vai ficar eternamente presa na armadilha da renda média e vai dar adeus ao sonho de ser uma nação desenvolvida, não só como os parceiros mais ricos da OCDE, mas mesmo em relação às nações que são “rabos de elefante”, como Portugal e Grécia. Deixaremos de ser país “em desenvolvimento” para assumir, talvez para o resto da vida, o carimbo de nação subdesenvolvida e submergente.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Referência:
IBGE. PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 12,4% e taxa de subutilização é de 24,6% no trimestre encerrado em fevereiro de 2019, Agencia de Notícias, abril de 2019

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/24109-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-4-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-24-6-no-trimestre-encerrado-em-fevereiro-de-2019

A Espanha deveria aumentar sua cooperação com os países em desenvolvimento?


A Espanha deveria aumentar sua cooperação com os países em desenvolvimento?

Espero que o novo governo que sairá das urnas no dia 28 de abril entenda esta necessidade, seja ele de esquerda ou de direita

 
26/04/2019 12:00
 
 
Algumas políticas públicas deveriam ser “políticas de Estado”. A cooperação para o desenvolvimento é uma delas. Estamos na Espanha comprometidos com o desenvolvimento. Há um consenso social?

Em seguida, darei minhas razões para justificar a necessidade de uma política de Estado neste âmbito, mas antes, deixem-me dizer que, em nosso país, equivocadamente, a direita sempre considerou que a ajuda internacional era coisa da esquerda – dessas organizações empenhadas em “distribuir” em vez de “produzir”, segundo a alegação clássica. A esquerda, ou a centro-esquerda, por sua parte, se apropriou assim, sem maior, problema, desta política pública, como coisa sua, ao menos até que chegou a grande crise. Então, a sacrificou em parte: o último governo de Zapatero deu uma primeira tesourada. Depois, o governo de Rajoy foi mais profundo: em vez de tesoura, preferiu usar um machado.

Em cifras, e em síntese, a política de cooperação ao desenvolvimento espanhol passou dos 4,8 bilhões de euros (0,45% do PIB) em 2008 a menos da metade dez anos depois. O orçamento de 2018 se planteava chegar somente a um 0,22% do PIB (2,6 bilhões de euros), e nunca se executa em sua totalidade. Não há outra política pública que tenha sofrido um corte semelhante. Nada de estranho: os desfavorecidos do mundo não votam aqui. Como dado de referência, a Espanha agora dedica à sua Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) cerca de um terço do que fazem os países da União Europeia (uma média de 0,51% do PIB). A pergunta obrigatória que deveriam fazer tanto a direita quanto a esquerdas é muito clara: temos que aumentar a cooperação com os países em desenvolvimento?

Vejamos as principais razões a favor e contra. A primeira razão favorável é a solidariedade com os que têm menos, com os pobres do mundo, cujos países, em muitas ocasiões – não nos esqueçamos –, sofreram adversidades provocadas pelas potências: escravismo, colonialismo, guerras… Esta também é a razão que menos convence a direita, que sempre se pergunta: “já não basta com `ajudar´ o próximo, os nossos próprios desempregados, os nossos próprios pobres, e agora temos que nos ocupar também do que vivem além das nossas fronteiras?”. Sem entrar nos sentimentos e crenças de cada um, recordemos ao menos que existem alguns compromissos internacionais assinados por todos os países do mundo, para cobrir as necessidades humanitárias mais categóricas. Por exemplo, os efeitos das crises provocadas pelas guerras ou pela crise climática. Quando algum país deixa de cumprir com esses compromissos de forma efetiva é considerado, e com razão, como um “aproveitador” ou “oportunista”, pois seu comportamento egoísta se justifica com a ideia de que “as demais nações vão agir para aliviar os efeitos dessas catástrofes”.

Ausentes na Colômbia
Os países “cara-de-pau” acabam pagando uma fatura. Ou alguém pensa que a “influência”, o “status” ou a “consideração” que um país obtém a nível internacional é igual caso cumpra ou não com suas responsabilidades internacionais? Esse “reconhecimento”, ou a ausência do mesmo, tem efeitos práticos consideráveis: por exemplo, a possibilidade de contar ou não com esse país nas ações que levam aos processos de paz que são tão necessários, como o ainda recente ocorrido na Colômbia, do qual a Espanha esteve clamorosamente ausente. Ou que suas empresas sejam vistas como as de um país sério e comprometido com o desenvolvimento ou, pelo contrário, que sejam apontadas como insensíveis com respeito à sorte dos países onde operam. E se pensamos na Europa, alguém pode acreditar que nossa influência na EU, se somos sócios reconhecidos e queridos pelos países latino-americanos, ou pelos do Norte da África, será a mesma que se não formos?

Além disso, entre as razões derivadas de uma visão humanística ou solidária e do interesse próprio do doador, associado à sua imagem e a de suas empresas, uma terceira razão para a cooperação ao desenvolvimento se encontra nos interesses comuns entre os diferentes países, que esta política não pode ignorar. Nenhum país, por maior e mais poderoso que seja, pode enfrentar sozinho os desafios que a humanidade enfrenta atualmente, como a crise climática, a perda de biodiversidade, a possibilidade de crises financeiras sistêmicas, as epidemias que poderiam se propagar em poucos dias por todo o planeta, a insegurança e o terrorismo. O contrário desses problemas: a qualidade médio-ambiental, a estabilidade financeira, a saúde global, a segurança… são denominadas, no linguajar dos estudiosos do desenvolvimento, como “bens públicos mundiais”; e sua provisão exige uma ação coletiva internacional, pois os problemas globais não conhecem fronteiras. De que adianta que um país reduza suas emissões de gás carbônico se os demais as aumentam? Os países em desenvolvimento contam com recursos escassos para realizar as políticas relacionadas com a provisão destes bens públicos mundiais” – como as necessárias para controlar as emissões –, e por isso o apoio internacional a este desenvolvimento é tão necessário. A Agenda 2030, aprovada pelas Nações Unidas, também exige um reforço à cooperação internacional para tornar possíveis os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Reparações
Consideremos agora, por outro lado, dois argumentos contra a cooperação. O primeiro: diversos estudos criticam o fato de que a ajuda ao desenvolvimento não é tão eficaz quanto se espera. É um argumento sério, porém baseado em uma relativização, já que essa citada ineficácia deriva, em boa parte, do comportamento dos próprios países doadores, que muitas vezes utilizam a AOD para objetivos distintos ao da redução da pobreza e da promoção do desenvolvimento. Há exemplos clássicos disso, como os casos em que a AOD é utilizada para dar um uso aos excedentes agrícolas do país doador e acaba provocando um efeito nocivo nos preços internos desses países e desincentivando a produção local – uma boa alternativa nestes casos seria a de reunir esses alimentos dentro do próprio país com problemas, ou desde alguma nação limítrofe, em vez de ser uma doação do país doador. Em outras ocasiões, a cooperação é utilizada como uma “arma política”, para premiar os países aliados e castigar os rebeldes. A ajuda norte-americana, que sempre foi polpuda nos tempos da Cuba de Fulgencio Batista e da Nicarágua de Anastasio Somoza, agora é inexistente para a Cuba revolucionária e a Nicarágua sandinista dos Anos 80, para ficar em dois casos paradigmáticos neste sentido. Finalmente, os fundos da AOD também foram utilizados para favorecer as exportações do próprio país doador, que buscavam os créditos do Fundo de Ajuda ao Desenvolvimento, geridos pelo Ministério de Comércio espanhol até há poucos anos atrás – créditos relacionados, em muitas ocasiões, com a cobrança de preços superfaturados e, em algumas outras, envolvidos em casos de corrupção. Então, quando a cooperação não busca o desenvolvimento, é esperável que não consiga mostrar seus melhores resultados.

Inclusive, sem essas “segundas intenções”, uma política de cooperação bem-intencionada por mostrar efeitos escassos. Por exemplo, quando o país sócio recebe, por determinadas circunstâncias, recursos elevados com relação ao seu PIB, sua “capacidade de absorção” para investi-los adequadamente é geralmente limitada. Ou também quando, como acontece com as rendas do petróleo, os fundos de AOD recebidos permitem ao governo do país sócio prescindir de um sistema fiscal eficiente e afrouxar os controles do gasto, e por isso aumentam as possibilidades de que a gestão dos recursos internos e externos seja inade2qada.

Em qualquer caso, quando os recursos da cooperação estão bem encaminhados e comprometidos com o desenvolvimento do país sócio, eles são utilizados de forma transparente e da forma mais consensual possível, de forma a manter certas cautelas –como a de agir conforme a “capacidade de absorção” já citada –, e a cooperação ao desenvolvimento mostra bons resultados.

O segundo argumento contrário à cooperação com desenvolvimento se baseia em se realmente é necessária, tendo em conta que os países receptores ou sócios podem ter acesso a recursos externos a partir de outras fontes, tão ou mais importantes que a AOD, como as remessas dos imigrantes, os empréstimos internacionais ou os investimentos empresariais diretos. Claro, a maior parte desses investimentos se concentram nos países “emergentes”, como China, Índia e Brasil. Ademais, no caso das remessas, elas também se dirigem principalmente a países de renda média e com elevada população, que são os grandes emissores de imigrantes. Portanto, para os países de baixos recursos e de menor desenvolvimento a AOD é indispensável, ainda quando o peso dos investimentos diretos ou das remessas também sejam importantes.

Ademais, a AOD também pode ser muito útil a países de renda média, sobretudo em modalidades como a cooperação técnica, a qual pode servir tanto para colaborar com o fortalecimento de suas instituições e a melhora da qualidade de suas políticas públicas, como para enriquecer suas capacidades científicas e tecnológicas. Não obstante, para esses países – como muitos dos sul-americanos ou os do norte da África – mais importante que a AOD é o que a linguagem especializada chama de “coerência de políticas com o objetivo de desenvolvimento”. O termo se refere às políticas públicas impulsadas por países desenvolvidos, que são diferentes da política de cooperação, mas que mostram um grande impacto nas condições de vida dos habitantes dos países em desenvolvimento. Entre elas, está a abertura comercial aos produtos desses países, as que promovem o investimento no exterior, as políticas meio ambientais, as políticas migratórias, as que fomentam a difusão de novas tecnologias e as que promovem a paz, junto ao trabalho das Nações Unidas.

A resposta é sim
Voltemos agora à nossa pergunta inicial. A resposta é sim: deveríamos aumentar a nossa cooperação com os países em desenvolvimento, tanto por razões de responsabilidade internacional – que incluem as humanitárias e os interesses comuns que nos unem aos demais países, como por nosso próprio interesse. E seria razoável que a incrementássemos até para o nível médio dos países do nosso entorno.

Claro que, para fazer um melhor uso desses recursos, é preciso algumas melhoras no sistema espanhol de cooperação. Espero que o novo governo que sairá das urnas no dia 28 de abril entenda isso, seja ele um governo de esquerda ou de direita.

Manuel de la Iglesia (Caruncho) é doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Complutense de Madri, especializado em Economia Internacional e Desenvolvimento. Trabalhou com os projetos de cooperação espanhóis, passando por distintos cargos na Agência Espanhola de Cooperação Internacional, e durante os quase quinze anos em que atuou em países como Nicarágua, Honduras, Cuba e Uruguai. Também viveu um ano na Inglaterra, onde colaborou com o Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento, da Universidade de Sussex

*Publicado originalmente em mundiario.com | Tradução de Victor Farinelli

Amor em tempos de ira e de ódio

Amor em tempos de ira e de ódio

O sistema mundial imperante não ama as pessoas. Ele ama bens materiais, ama a força de trabalho do operário, seus músculos, seu saber, sua produção artística e sua capacidade de consumo. Mas não ama gratuitamente as pessoas como pessoas

 
26/04/2019 13:10
 
 
Vivemos no Brasil bolsonariano e no mundo afora tempos de ira e de ódio, fruto do fundamentalismo e da intolerância como se viu em Siri Lanka onde centenas de cristãos foram assassinados no momento em que celebravam a vitória do amor sobre morte na festa de ressurreição.

Este cenário macabro nos faz renovar a esperança de que, apesar de tudo, o amor é mais forte do que a morte.

A palavra amor foi banalizada. É amor daqui é amor daí, amor em todos os anúncios que apelam mais para os bolsos do que para os corações. Temos que resgatar a sacralidade do amor. Não dispomos de um nome melhor ou maior para imaginar a Última Realidade, Deus, senão dizendo que ela é amor.

Precisamos inovar nosso discurso sobre o amor para que sua natureza e amplitude resplandeça e nos acalente. Para isso, importa incorporar as contribuições que nos vêm das várias ciências da Terra (Fritjof Capra), especialmente da biologia (Humberto Maturana) e dos estudos sobre o processo cosmogênico (Brian Swimme). Mais e mais fica claro que o amor é um dado objetivo da realidade global, um evento feliz da própria natureza da qual somos parte.

Dois movimentos, entre outros, presidem o processo cosmogênico e biogênico: a necessidade e a espontaneidade. A necessidade está em função da sobrevivência de cada ser; por isso um ajuda o outro, numa rede de relações includentes. A sinergia e a cooperação de todos com todos constituem as forças mais fundamentais do universo, especialmente, entre os seres orgânicos. É a dinâmica objetiva do próprio cosmos.

Junto com essa força de necessidade comparece também a espontaneidade. Seres se relacionam e interagem por pura gratuidade e alegria de conviver. Tal relação não responde a uma necessidade. Ela se instaura para criar laços novos, em razão de certa afinidade que emerge espontaneamente e que produz o deleite. É o universo do surpreendente, do fascínio, de algo imponderável. É o advento do amor.

Esse amor se dá desde os primeiríssimos elementos basilares, os quarks, que se relacionaram para além da necessidade, espontaneamente, atraídos uns pelos outros. Surge um mundo gratuito, não necessário mas possível, espontâneo e real.

Desta forma, irrompe a força do amor que perpassa todos os estágios da evolução e enlaça todos os seres dando-lhes estremecimento e beleza. Não há razão que os leve a se comporem em laços de espontaneidade e de liberdade. Fazem-no por puro prazer e por alegria de estarem juntos.

Trata-se do amor cósmico que realiza o que a mística sempre intuiu: vigência da pura gratuidade. Diz o místico Angelus Silesius: “A rosa não tem por quê. Ela floresce por florescer. Ela não cuida se a admiram ou não. Era floresce por florescer”.

Não dizemos que o sentido profundo da vida é simplesmente viver? Assim o amor floresce em nós como fruto de uma relação livre entre seres livres e com com todos os demais seres.

Mas como humanos e autoconscientes, podemos fazer do amor que pertence à natureza das coisas, um projeto pessoal e civilizatório: vive-lo conscientemente, criarmos as condições para que a amorização aconteça entre os seres inertes e vivos. Podemos nos enamorar de uma estrela distante e fazer uma história de afeto com ela.

O amor é urgente nos dias atuais onde a força do negativo, do anti-amor, parece prevalecer. Mais que perguntar quem pratica atos de terror é perguntar por que foram praticados? Seguramente o terror surgiu porque faltou o amor como relação que enlaça os seres humanos na bem-aventurada experiência de se abrir e acolher jovialmente um ao outro.

Digamo-lo com todas as palavras: o sistema mundial imperante não ama as pessoas. Ele ama bens materiais, ama a força de trabalho do operário, seus músculos, seu saber, sua produção artística e sua capacidade de consumo. Mas não ama gratuitamente as pessoas como pessoas.

Pregar o amor e gritar: “amemo-nos uns aos outros como nós mesmos nos amamos” é ser revolucionário. É ser absolutamente anti-cultura dominante.

Façamos do amor aquilo que o grande florentino, Dante Alignieri, testemunhava: “o amor que move o céu e todas as estrelas” e nós acrescentamos: o amor que move nossas vidas, amor que é o nome sacrossanto da Fonte Originária de todo o Ser, Deus.

Leonardo Boff é filósofo e teólogo e escreveu:Reflexões de um velho teólogo e pensador, Vozes 2019.

*Publicado originalmente no blog do autor