domingo, 4 de outubro de 2020

*ADOECEU DE BOLSONARO*

 *ADOECEU DE BOLSONARO*


(Fernando Tenório)

Estava conversando com um paciente que é militar sobre o isolamento
social e as dificuldades de quem - como ele - mora sozinho. Lá pelas
tantas, perguntei ao homem como estava fazendo para manter contato com
os amigos e ele respondeu:

*- Não tenho tido contato com meus amigos.*

- Mas é importante manter alguma relação com as pessoas próximas,
manter essa solidão em todos os âmbitos pode não fazer bem -
retruquei.

*- Aí que mora a minha questão, pois eu já não os reconheço mais. Não
sei se são tão próximos.*

- Como assim?

*- Adoeceram de Bolsonaro, cara. Não sei se você votou nesse homem,
mas ele entrou na cabeça das pessoas feito doença.* Lá no trabalho
virou uma coisa estranha. Ele parece ser um familiar das pessoas. Elas
o defendem com unhas e dentes. O que ele fala vira verdade de forma
instantânea.

O rapaz continuou falando sobre as dificuldades de estar em um meio no
qual não se reconhece, afirmando que evita dar seus posicionamentos no
ambiente militar:

*- A minha resistência é o silêncio.* Não pode falar de política nas
forças armadas, no entanto se for para falar bem do Bolsonaro, pode.
Então lá eu não me pronuncio. *Eu reconheço quem pensa parecido comigo
pelo silêncio. Quem cala não consente nesse caso.* Quem cala não foi
infectado por essa doença.

- E você trata isso como doença por quê?

- Porque, como em algumas doenças mentais, não há argumento lógico que
dê conta. *Eu tentei conversar com amigos, parentes e todos ficam
agressivos quando confrontados com as contradições.* Parece um transe
coletivo.

Continuamos conversar e eu falei que ele deveria ter outros amigos
além do trabalho. Foi quando o militar sorriu laconicamente e disse:

*- Estou cercado por todos os lados.* Meus amigos de adolescência
foram feitos na igreja evangélica que eu frequentava desde a infância.
Quer dizer, que eu ainda frequento. Todos doentes de Bolsonaro também.

- E como se deu isso?

- O pastor de lá, sempre foi um cara do bem, e assumiu o voto no atual
presidente e foi reproduzindo ‘fake news’ nos grupos, postando coisas
que abalavam a nossa fé. *Foi adoecendo e adoecendo outros. Ficou
duro, rígido, odioso e beligerante.* Fez arminha com a mão no culto.

- Sério?

- Sério. Cada vez ele inflamava uma parcela da igreja com as notícias
falsas. Eram tantas que cada pessoa ou grupo ia se identificando com
uma. Não demorou para que a simpatia ao Bolsonaro fosse menor do que o
ódio a quem se dizia progressista, de esquerda, feminista... *Muita
gente votou por ódio e isso não dá em boa coisa.* Eu entrei nesse
lugal de ser odiado por ser "esquerdista", simplesmente por não ter
contraído essa "doença".

- E você se posicionou?

- Eu tentei e em alguns grupos trouxe informações verdadeiras
conflitando com as do pastor, mas logo fui retirado da liderança da
banda da igreja e excluído de alguns grupos. Ninguém me procurou.
Senti o peso do que é ter um pastor contra você. *Fui sendo evitado
pelas pessoas, meus amigos começaram a me ver como um perigo.*

- Mas você ainda frequenta?

- Não sei dizer direito. Hoje vou mais pela força do hábito e pela
culpa. Desde quando uma das salas foi liberada para um grupo sobre
terraplanismo pudesse debater, vi que ali não era o lugar de amor que
eu idealizei a vida toda. *Eu fiquei decepcionado não com Deus, mas
com o que fazem em nome dele. Aí silenciei e não participo mais da
coletividade que era o que me dava a noção de pertencimento. Eu vou,
oro sozinho, e volto pra casa.*

Tentei fugir daquele discurso duro e que não deixava margem para
apontamentos e provoquei:

- Seus pais frequentam essa igreja também. Você os encontra? E sua
família também adoeceu de Bolsonaro?

- Essa é a minha maior tristeza. Meu pai adoeceu e levou minha mãe junto.

- Como foi isso?

- Meu pai era meu maior orgulho. Começou a vida como engraxate e foi
para vida militar. Sujeito boa praça que chegava aqui nos botecos no
subúrbio e era amado. Torcedor do Bangu, fazia uma fé no bicho, tinha
papo sobre tudo. Era da igreja, mas sabia fazer críticas e vivia
feliz.

- Era?

- Sim. Ele adoeceu de Bolsonaro em 2018 e virou o avesso do que era.
Ficou triste, com uma linguagem toda estereotipada de "esquerdalha",
“esquerdopata”, "globolixo", "volta AI-5". *Virou um zumbi e não
questiona nenhuma conduta do cara.* Compartilha tudo que chega contra
a esquerda, PT, Lula ... Não importa se é verdade, ele já vai postando
ou compartilhando sem nenhuma crítica. Eu não consigo mais conversar
com ele. Esse é o único assunto. Perdeu alguns amigos e só vive nos
grupos bolsonaristas de Whatsapp e virou um ditador em casa. Foi por
isso que fui morar sozinho.

- E sua mãe?

- Era uma senhora bondosa. Gostava muito de ir à igreja e fazer
caridades. Todo mundo gostava dela, porém virou aquelas coroas que vai
de verde e amarelo para Orla de Copacabana pedir a volta da ditadura
militar. Uma professora que pede a volta da ditadura. Logo ela que
sofre com uma em casa...

O paciente seguiu falando que *as vezes não reconhecia as pessoas que
ele jurava conhecer tão bem.* Do nada, começou a chorar e disse:

*- Eu só queria meus pais, meus amigos e minha igreja de volta. Eu
queria que essa doença passasse de uma vez e a gente pudesse voltar a
conversar sobre tudo. Eu queria poder discordar sem me sentir mal ou
odiado por isso.* Eu queria gritar um gol do Bangu com meu pai, fazer
uma feijoada com a minha mãe ou fazer um som com meus amigos. Eu
queria trabalhar sem medo de ser perseguido por meu silêncio diante do
ufanismo da maioria. *Vai demorar, mas estou esperando que eles voltem
desse transe.*

Tá tudo tão triste!

(Fernando Tenório é psicanalista, professor adjunto do Departamento de
Psicologia da PUC)

__._,_.___

A rede Atlas

 

Sábado, 3 de outubro de 2020
A rede Atlas

 

 

Nesta semana nós falamos sobre aqueles garotos que iam mudar o mundo. Foram três reportagens que mostraram a verdadeira natureza do MBL: interferindo na imprensa para punir um adversário, rompendo com o bolsonarismo por qualquer outro motivo menos a corrupção da qual Flavio Bolsonaro é acusado, e tramando artimanha ilegais para fundar ser próprio partido. O que o MBL diria sobre o que o MBL andou fazendo.

A newsltetter de hoje é para sugerir que vocês voltem ao passado. Em uma reportagem de 2017, nosso colega do Intercept dos EUA, Lee Fang, mostrou como movimentos estilo MBL foram gestados na América Latina para derrubar governos de esquerda. Quando falo em público sobre o trabalho de Fang, muita gente pensa que é teoria da conspiração. Então leia isso:

“Chafuen cita diversos líderes ligados à Atlas que conseguiram ganhar notoriedade: ministros do governo conservador argentino, senadores bolivianos e líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), que ajudaram a derrubar a presidente Dilma Rousseff – um exemplo vivo dos frutos do trabalho da rede Atlas, que Chafuen testemunhou em primeira mão.

“Estive nas manifestações no Brasil e pensei: ‘Nossa, aquele cara tinha uns 17 anos quando o conheci, e agora está ali no trio elétrico liderando o protesto. Incrível!’”, diz, empolgado. É a mesma animação de membros da Atlas quando o encontram em Buenos Aires; a tietagem é constante no saguão do hotel. Para muitos deles, Chafuen é uma mistura de mentor, patrocinador fiscal e verdadeiro símbolo da luta por um novo paradigma político em seus países.”

Alejandro Chafuen é “um argentino-americano, passou a vida adulta se dedicando a combater os movimentos sociais e governos de esquerda das Américas do Sul e Central, substituindo-os por uma versão pró-empresariado do libertarianismo.” Ele comanda a Rede Atlas, uma organização que conseguiu alterar o poder político em diversos países, uma extensão tácita da política externa dos EUA – os think tanks associados à Atlas são discretamente financiados pelo Departamento de Estado e o National Endowment for Democracy (Fundação Nacional para a Democracia – NED), braço crucial do soft power norte-americano.

Escreve Fang: “A rede é extensa, contando atualmente com parcerias com 450 think tanks em todo o mundo. A Atlas afirma ter gasto mais de US$ 5 milhões com seus parceiros apenas em 2016.” Em 2016, vocês sabem, Dilma foi apeada do poder.”

É importante seguir de perto o MBL e não desprezar seu poder de influência. Eles fizeram mais de um milhão de votos na última eleição e seguem com uma máquina de propaganda ativa. Seu candidato a prefeito de São Paulo, Arthur do Val, o Mamãe Falei, vai mal nas pesquisas, mas é o segundo candidato que mais anda bem nas redes sociais, uma arena decisiva, cada vez mais. Tudo o que conhecemos hoje como “gabinete do ódio” foi testato pelo MBL lá atrás – pressão em personalidades, escracho público, mentiras – com treinamento e dinheiro de fora do país. O MBL segue por aí, é parte do futuro da política. Eu sugiro que vocês leiam a reportagem do Lee e depois leiam a nossa série (que está logo aqui abaixo, e que tem áudios). 

Bom final de semana.

 

Leandro Demori
Editor Executivo

 

Destaques

 

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