Em entrevista concedida às jornalistas
Andrea Dip, Marina Amaral, Natalia Viana e Vera Durão, publicada nesta segunda-feira 27, a
presidente eleita Dilma Rousseff conversa sobre diversos assuntos, faz duras
críticas ao governo interino e volta a denunciar o "golpe
parlamentar" ocorrido no País para tirá-la do poder.
Ao comentar o tratamento dado a ela pela
imprensa, Dilma admitiu passar "surpresa todos os dias". "Passei
surpresa desde o início do meu mandato, não só por ser mulher, mas também pelo
projeto que eu represento. Eu não sou propriamente uma pessoa cujos aspectos
positivos são realçados", analisa.
A presidente acredita que quem mais
perdeu com as manifestações de rua em defesa do impeachment foi o PSDB, que
"cometeu um gravíssimo equívoco político", porque se "endireitou
do ponto de vista dos valores" ao se aliar a "um movimento que era
baseado em algumas questões inadmissíveis. Como é que o PSDB se mistura com um
movimento que defende o golpe militar?".
Para ela, o PMDB também deu uma
"guinada" à direita, "quando o Cunha assume a hegemonia dele.
Porque ele teve a hegemonia. E essa hegemonia está expressa no governo do
Michel Temer. Ele é Cunha. O Jucá não mente quando diz que Michel é Cunha. Um dos grandes problemas desse governo é esconder o
Cunha. Porque o Eduardo Cunha não é uma pessoa lateral deles. Ele é o líder
deles. Líder em todos os sentidos".
Em algumas das críticas contra o governo
provisório, ela aponta os prejuízos que deverão trazer a nova política de gastos
públicos e diz que na questão da política externa, o chanceler interino José
Serra faz crítica a uma "coisa que não existe", ao dizer que irá
"impedir a ideologização que o Brasil faz". "Então denuncia
coisa que não existe. E a imprensa apoia", afirma Dilma.
Questionada sobre a possibilidade de
interferência de outros países para a realização do golpe no Brasil, ela
sustenta que "não é necessário para discutir o golpe no Brasil atribuir
responsabilidade a nenhum outro país do mundo. Eles foram competentes na arte
de dar um golpe aqui no Brasil; não precisamos de fora para fazerem o golpe.
Este golpe é endógeno. A responsabilidade por ele é das oligarquias locais.
Pode ter gente muito feliz – é outra coisa. Pode ter gente até que deu uma
mãozinha – é outra coisa. Mas não é relevante".
Para ela, o que "está
ocorrendo" é "uma nova forma de retirar governos que criam
descontentamento em relação à oligarquia econômica, ou política, ou um grupo de
interesses, que se considera descontente em relação a alguma das
características do governo em exercício. Aí o que eles fazem? Dão um golpe
parlamentar. Em que consiste um golpe parlamentar? Ele não é igual a um golpe
militar. Um golpe militar não só extingue o governo em questão, mas acaba
também com o regime democrático".
Dilma vê possibilidade de o caso do
Brasil acontecer também em outros países da América Latina. "Acho que
pode. Não só eu acho, como chefes de Estado da América Latina, todos temem
isso. Qualquer um".
A presidente diz ter "imensa
indignação" com o "uso político das investigações da Lava Jato",
mas diz estar "vacinada" ao comentar a possibilidade de interferência
das últimas denúncias da investigação no processo de impeachment no Senado.
"Eu acho que eu estou em um nível de vacinação absoluta contra isso. Isso
tem sido feito sistematicamente contra mim. Sistematicamente. A última que
arquivaram foi aquela em que quase caiu o mundo na minha cabeça porque eu
liguei para o Lula e falei: 'Vou mandar aí o Bessias'. Agora foi arquivado.
Agora, o pato que eu pago enquanto não está arquivado é imenso".
Sobre seu retorno ao poder, afirmou:
"Eu farei basicamente um governo de transição. Porque é um governo que vai
ter dois anos, e o que nós temos de garantir neste momento é a qualidade da
democracia no Brasil, o que vai ocorrer em 2018. Eu farei isso, sobretudo. Acho
que cabe a discussão de uma reforma política no Brasil, sem dúvidas. Nós
tentamos isso depois de 2013 e perdemos fragorosamente. Tentamos Constituinte,
tentamos reforma política, tentamos..."
Questionada sobre convocar um plebiscito
para consultar a população sobre novas eleições antes de 2018, Dilma disse não
saber se há força para isso, e negou que haja um "compromisso" dela
já firmado sobre esse tema. "Está em discussão isso. Não há um consenso. É
uma das coisas. Uma das propostas colocadas na mesa. Agora, há de todo mundo
uma opção por eleição direta, né? Sempre".