sábado, 15 de setembro de 2018

SEMINÁRIO INTERNACIONAL Globalização desigual e avanço do capital ameaçam a democracia

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SEMINÁRIO INTERNACIONAL

Globalização desigual e avanço do capital ameaçam a democracia

Evento em São Paulo reúne expoentes da política mundial para identificar possíveis causas da atual "desordem" mundial, que se expressa na crise das instituições e no crescimento do ódio político
por Tiago Pereira, da RBA publicado 15/09/2018 12h07
BRASIL DE FATO
Seminário Ameaças à democracia
Ex-secretário-geral da Anistia Internacional diz que o Brasil perde credibilidade ao não cumprir decisão de comitê da ONU
São Paulo – A intolerância e o ódio político avançam e todo o mundo. Não são causas, mas consequências de um processo maior de desarranjo das instituições internacionais e nacionais, sob ataque das forças econômicas do mercado, que pregam a desregulamentação. Querem acabar com a política como esfera de mediação de conflito na sociedade, substituindo-a pelos critérios supostamente técnicos e gerenciais, com as disputas sendo resolvidas pela via jurídica. O "totalitarismo do mercado" pretende reduzir todas as esferas da vida social a um único modelo de organização: a empresa. 
Esta é uma parte do diagnóstico apontado por pensadores e políticos de prestígio internacional que se reuniram em São Paulo nesta sexta-feira (14) no seminário Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar, iniciativa do ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa Celso Amorim e da Fundação Perseu Abramo. 
A primeira mesa, que debateu mais detidamente a crise do multilateralismo, contou com a participação do ex-primeiro-ministro francês Dominique Villepin, do ex-primeiro-ministro italiano Massimo D’Alema, do ex-secretário geral da Anistia Internacional Pierre Sané, do ex-ministro argentino das Relações Exteriores Jorge Taiana e da filosofa Marilena Chaui, professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Desordem 

Villepin apontou desequilíbrios geopolíticos, ideológicos e sociais que ameaçam a ordem internacional. Uma "potência decadente", os Estados Unidos, que vê a China como um rival em ascensão. Um presidente, Donald Trump, que aposta no "caos" e não tem receio de atacar organismos internacionais e romper tratados. Trump também é símbolo, segundo o francês, do fortalecimento do conservadorismo populista ou supremacista, julgando que alguns países, grupos sociais ou pessoas que querem mandar nos demais. 
Ele diz que, nos últimos anos, o Brasil foi um "ator maior" do jogo internacional, oferecendo estabilidade e novas linhas de abordagem para assuntos tradicionais, baseadas na cooperação, com destaque para os Brics. Agora, segundo Villepan, o país enfrenta um "ponto de inflexão", e deve escolher entre o caminho da democracia ou se vai embarcar em direção à violência política, com mais ódio e medo. Segundo ele, os regimes democráticos também devem dar respostas efetivas sobre questões como a crescente desigualdade e a imigração, para não parecer que os regimes autoritários são mais eficazes.
Segundo ele, a política e a história são mais importantes agora que em qualquer outro momento, num mundo tomado por discussões que se desenvolvem em redes sociais, em que "uma ideia vai rechaçando a outra", para apontar caminhos democráticos que resolvam as desigualdades sociais, evitando erros do passado. Apesar do quadro dramático, Villepin diz ser otimista e acredita que a democracia brasileira vai se levantar de novo. 

Desigualdade

O italiano Massimo D'Alema afirmou que uma "visão otimista" sobre a globalização, durante os anos 1990, que imaginou que um "liberalismo temperado com valores da social-democracia europeia" poderiam ser a solução para os problemas do mundo, acabou por subestimar o crescimento das desigualdades e do fortalecimento do capitalismo financeiro, que ameaçam a democracia. Ao mesmo tempo em que se criou uma enorme riqueza "apropriada por poucos", o trabalho era "depreciado", o emprego diminuía, as as populações se viam "impotentes frente ao avanço do capital financeiro". 
Segundo ele, sem a busca por justiça social e a redução das desigualdades, a democracia ficou reduzida a regras formais que servem muito mais às classes dominantes. Elas ainda contam com novas formas de influenciar a disputa política, por meio das diversas possibilidades de manipulação abertas pelas redes sociais. Além de contribuir para a disseminação do ódio político, as redes também colaboram com a desinformação, segundo D'Alema, citando a campanha anti-vacina que também atingiu a Itália. "A internet, que pode ser uma forma incrível para emponderar democracia, corre risco de se tornar ferramenta para manipular e envenenar a vida pública." 
Sobre o Brasil, ele diz que todos estão muito preocupados com a escalada de violência na política, principalmente após o episódio da facada no candidato Jair Bolsonaro (PSL). Contudo, ele citou o golpe do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ignorando posicionamento do Comitê de Direitos Humanos da ONU, são precedentes importantes que levaram à atual situação. Após visita ao ex-presidente em Curitiba, D'Alema diz que o encontrou "um pouco ferido pelas injustiças", mas afirmou que Lula é um lutador e sabe que o que está em jogo, nesse momento, é a democracia.

Desrepeito

O senegalês Pierre Sané ressaltou que os governos que integram o sistema internacional, como o Brasil, devem respeitar os direitos humanos e as decisões do comitê da ONU, órgão que fui instituído por esses mesmos governos para garantir a preservação dos direitos em todo o mundo. Ele citou concepções de John Keane, autor do livro Vida e Morte da Democracia (Edições 70), para dizer que as aspirações por democracia são universais, com raízes históricas de mais de 5 mil anos. 
Citando Keane, Sané destacou que a democracia é a forma de governo "dos humildes, pelos humildes e para os humildes", e afirmou que Lula e o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela são a "personificação" dessa forma de governar, e lamentou a que Lula esteja preso "por acusações sem muito respaldo". 
Ele disse que Senegal, que importou do Brasil experiências no combate à miséria, como o Bolsa Família e Fome Zero, agora sofre também com a judicialização da política. Sané afirmou acompanhar o desdobramento dessas ações por aqui, pois, o fogo que consome as instituições no Brasil podem "incendiar nossas casas, no continente africano, consumindo a nossa democracia".

Tragédia

Marilena Chaui classificou o momento por qual passa o Brasil não apenas como "sombrio e dramático", mas até mesmo "trágico". Ela destacou que a "desinstitucionalização" e a "desmontagem" da democracia, por aqui e ao redor do mundo, são resultado do poder, explícito ou disfarçado, da economia política neoliberal. O neoliberalismo, segundo ela, que atua para destruir instituições  como o parlamento, partidos e sindicatos, representa uma nova forma de "totalitarismo". 
Além de querer transformar as instituições públicas em empresas, privatizando direitos, o neoliberalismo cria ainda uma "nova subjetividade" narcisista e individualista, em que os indivíduos, privados de qualquer laço social, se tornam "empresários de si mesmos". Aos perdedores, é atribuída a culpa pelo fracasso, que desencadeia "ódios e violências de todo o tipo". A judicialização da política, segundo ela, é a reprodução na sociedade do modo empresarial de solução de conflito que nega a política. Dentro dessa lógica, as eleições deste ano se transformaram em um "problema" para as forças capitalistas, ainda mais pelo "vigor político" que os setores progressistas vêm demonstrando, com possibilidades reais de fazer um vencedor.

Desafios

O ex-chanceler argentino Jorge Taiana ressaltou que o seu país também vive cenário parecido com o do Brasil, com retirada de direitos dos trabalhadores, combinada com a perseguição jurídica a políticos. Até mesmo o tom dos editoriais jornalísticos são parecidos, difundindo mentiras "vergonhosas" para descredibilizar o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Segundo ele, os países da América Latina conseguiram certo nível de desenvolvimento autônomo, no final dos anos 1990 e início de 2000, quando os Estados Unidos estavam envolvidos com a chamada "guerra ao terror".
A crise mundial, que começou em 2008 e a mudança de concepção de defesa norte-americana, que passou a priorizar a contenção da China e da Rússia, fez com que os Estados Unidos buscassem restaurar uma ordem na América Latina que os favoreça, recuperando antigos privilégios, e combatendo caminhos de desenvolvimentos autônomos que tiveram o venezuelano Hugo Chávez e Lula como seus principais expoentes, de acordo com Taiana.

Confira a primeira parte das discussões


https://youtu.be/QDDVZsU2AvU?t=14

FORMAÇÃO Instituto Lula oferece curso online sobre economia política do Brasil

FORMAÇÃO

Instituto Lula oferece curso online sobre economia política do Brasil

O economista Márcio Pochmann lecionará as aulas, divididas em quatro blocos

Brasil de Fato | São Paulo (SP)
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Ouça a matéria:
Os cursos foram criados para estimular doações financeiras ao Instituto / Divulgação
O segundo módulo dos Cursos Instituto Lula de Formação Política tem como tema principal a economia política brasileira. Nesta segunda fase da formação, o economista Márcio Pochmann será responsável por lecionar as aulas. 
O curso "Crítica à economia política do desenvolvimento capitalista no Brasil: trajetória e perspectivas" é dividido em quatro aulas, que abordarão temas como a hierarquização trabalhista e a divisão internacional do trabalho; a economia brasileira em transformação e seus impactos na sociedade; a formação do sistema interestatal e a consolidação do Brasil como sociedade urbana industrial; e a globalização e a situação atual do país.



Orientado pela filósofa Marilena Chauí, o primeiro módulo teve a democracia como tema, conteúdo que também estará disponível para os alunos até o fim do ano.
Destinados a militantes, movimentos sociais, estudantes e profissionais de diversas áreas, as formações foram criadas para estimular doações financeiras afim de manter o instituto ativo. Dessa forma, aqueles que doarem R$ 200 ou mais poderão escolher qual curso fazer.



Nos próximos meses, novos cursos serão ministrados pelo advogado Ricardo Lodi, pela filósofa Marcia Tiburi e pelo cientista político Emir Sader. Acompanhe a programação no site do Instituto Lula.

SEMINÁRIO INTERNACIONAL Para líderes e intelectuais, eleição no Brasil é decisiva para América Latina e o mundo


SEMINÁRIO INTERNACIONAL

Para líderes e intelectuais, eleição no Brasil é decisiva para América Latina e o mundo

O linguista norte-americano Noam Chomsky e o ex-primeiro-ministro da Espanha José Luís Zapatero, entre outros, ressaltaram a importância de Lula não só como presidente do Brasil, mas como líder mundial
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 15/09/2018 08h17, última modificação 15/09/2018 15h34
SÉRGIO SILVA | FPA
Noam Chomsky
Seminário da Fundação Perseu Abramo discutiu o neoliberalismo como ameaça à democracia
São Paulo – Intitulada “O progressismo e o neoliberalismo em um mundo em desenvolvimento”, a segunda mesa do seminário Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar – realizado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) nessa sexta-feira (14) – foi marcada por um amplo debate a respeito das relações conflituosas entre a democracia e o neoliberalismo. A questão brasileira foi analisada no contexto histórico desde o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, até as eleições que acontecem em outubro no país, com a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Participaram da segunda mesa Noam Chomsky, professor emérito em linguística do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Estados Unidos); Cuauhtémoc Cárdenas, ex-governador do Distrito Federal do México; José Luís Rodrigues Zapatero, ex-primeiro-ministro da Espanha; o chileno Carlos Ominami, ex-senador e diretor da Fundación Chile 21; e Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. A mesa foi coordenada pela ex-ministra do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão Miriam Belchior. O seminário foi uma iniciativa do ex-chanceler Celso Amorim.
Segundo Chomsky, "abandonados" pelo neoliberalismo forma parte do eleitorado da extrema-direitaOs participantes ressaltaram a importância de Lula não só como presidente do Brasil, mas enquanto líder mundial. “Não podemos deixar de pensar na pessoa que deveria ser nosso candidato à presidência. Conheci-o há dez anos e fiquei muito impressionado”, disse Noam Chomsky, com 91 anos, ao iniciar sua fala, na qual ressaltou o avanço da direita e extrema-direita em vários países na Europa. Segundo ele, o Brasil se tornou respeitável no mundo sob o governo Lula e com Amorim nas Relações Exteriores.
Chomsky citou a Suécia como exemplo do crescimento da extrema-direita. Nesse país, eleições gerais realizadas na quinta-feira (13) deram vitória ao bloco de esquerda, mas com importante crescimento da direita extremista.
Embora resultados como esse sejam atribuídos aos efeitos da imigração – explicou –, há razões mais profundas para o avanço neonazista na Europa. “O aumento dos votos para a extrema-direita vem de setores que têm pouco contato com os imigrantes, mas foram esquecidos pelo Estado e achavam, com razão, que foram abandonados pelas instituições políticas.” Segundo ele, desde o assalto do neoliberalismo na geração anterior, a recessão profunda de 2008, com impactos catastróficos, agravou o abandono social e deixou um legado “que nos empurrou ao abismo”.
Carlos Ominami apontou para duas “ausências sentidas” no atual quadro político brasileiro e latino-americano: Marco Aurélio Garcia (que morreu em 20 de julho de 2017) e Lula, para ele “o líder politico mais importante do Brasil e principal líder progressista do mundo”. “Desaparecido Mandela, resta Lula. Principalmente pela sua liderança, tentaram destruí-lo. Não conseguiram. Hoje ele é maior do que ontem. E, vendo o que acontece na América Latina hoje, como Marco Aurélio faz falta”, exclamou.
Zapatero fez uma exposição chamando a esquerda e setores progressistas ao otimismo. Se disse motivado pela campanha de Fernando Haddad à Presidência da República. “É uma campanha decisiva para o Brasil, a América Latina e a ordem global.” Na opinião do ex-primeiro-ministro espanhol, o Brasil é uma “referência decisiva” para a América Latina, após o governo petista. “O Brasil de Lula deixou legados importantes: nunca ninguém tinha empenhado uma força contra a miséria no mundo como Lula, e sem ele não haveria compromisso no mundo para erradicar a morte por fome.”
O líder espanhol baseou sua argumentação em alguns pontos, principalmente a ideia de que a política é uma prática da esquerda. “A direita é que não gosta da politica. Nossa tarefa é fazer com que se acredite nas instituições. Façam o esforço para que outubro (nas eleições) abra uma porta diferente no Brasil. Vimos o Brasil construir os melhores momentos de sua história nos últimos anos.”
Reafirmando seu otimismo, Zapatero acrescentou, com uma exortação: “Fernando (Haddad) vai ser o presidente. Eu sei disso. Vai ser uma vitória generosa. Deem esse exemplo de generosidade. Digam isso ao conjunto da América Latina.”
Ele lembrou que o México elegeu em julho deste ano o esquerdista Andrés Manuel López Obrador. “(A situação) começou a mudar a partir do México. A direita pode frear alguns processos, mas a esquerda vai se impor. Convençam-se disso”.
O mexicano Cuauhtémoc Cárdenas descreveu a realidade de seu país – governado por um projeto neoliberal e alinhado aos Estados Unidos há décadas – como muito semelhante ao que acontece ao Brasil de Michel Temer. O México também conta com uma enorme concentração da riqueza. Houve privatizações em larga escala de empresas estratégicas, desindustrialização, perda da qualidade na educação, redução do alcance da Previdência Social, reforma trabalhista com retirada de direitos e reformas estruturais. 

O país passou por um processo pelo qual se desfez de boa parte de sua riqueza energética. “Isso nos fez perder constitucionalmente o controle dos recursos do subsolo, com o desmonte da indústria petroleira, que tinha sido o motor da industrialização e foi desmontada, e os recursos estão sendo entregues”, disse Cárdenas.
Também para o chileno Ominami, uma eventual vitória de Fernando Haddad no Brasil terá um "peso extraordinário" na geopolítica da região. “Obrador e Haddad representam 70% da população da América Latina. Enquanto isso, (Maurício) Macri, a ‘grande estrela’, hoje vive um ocaso”. Segundo ele, “a deposição de Dilma Rousseff é o fato mais grave na América Latina desde a derrubada de (Salvador) Allende”. Embora não se possa comparar a brutal intervenção militar que depôs o chileno em 1973 com o impeachment de Dilma, este “é um golpe branco, mas é um golpe”.
Zapatero, que fez a intervenção mais longa na mesa da tarde, observou que considera “incrível tantos políticos levantarem a voz contra a Venezuela, mas ficarem em silêncio diante do impeachment no Brasil”.
Na opinião do economista Bresser-Pereira, há uma visível “piora” na democracia brasileira, mas ela não está ameaçada por algo semelhante ao quadro instaurado após o golpe de 1964. “Imaginar a volta a um regime autoritário, eu não creio nisso. Existem classes trabalhadoras e a classe média que não vão aceitar. Aceitaram o golpe que vitimou Dilma. Mas não aceitariam uma ditadura por 20, 30 anos.”
Ainda ressaltando o otimismo, Zapatero manifestou a expectativa de que, com a vitória progressista no México, e com o Brasil seguindo o mesmo caminho, a situação na Venezuela comece a ser revertida. “Espero que, após as eleições, o Brasil ajude a mudar os métodos que querem implantar na Venezuela. Mantenham o otimismo, porque os valores da esquerda foram os que mudaram os destinos de milhões”, concluiu o espanhol.
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Eleições, sabatinas e alguns pensamentos

Eleições, sabatinas e alguns pensamentos

Ao assistir Haddad - e Boulos e Ciro em outras oportunidades -, eu me admiro com a maestria deles, embora cada um exiba um estilo.
Fernando Haddad deu um baile nesta sexta (14), no Jornal Nacional!
Seu brilhante desempenho me evocou lembranças. Fiz uma campanha para governador de São Paulo (PSOL), em 2014, que tem residual importância histórica.
Assistindo o petista – em situação mil vezes mais importante e dramática – me voltaram sensações que talvez todo candidato em desafios semelhantes tenha. Digo dos candidatos que não rezam pela cartilha dominante.
Montamos há quatro anos uma pequena e dedicada equipe, com a qual aprendi muito. Entre eles estavam Francisvaldo Mendes de SouzaDenise Simeão , Edson Carneiro ÍndioGesiel Monteiro e Pedro EkmanBia Barbosa e Cláudio Camargo também deram apoio fundamental
A primeira sensação que se tem em debates desse tipo é uma solidão quase absoluta.
A SOLIDÃO – Você está num estúdio, com jornalistas à sua frente que – quase sempre – querem apenas jogar cascas de banana esperando você fazer um papelão. Ao entrar e se sentar, você está só – sozinho! – e com uma responsabilidade monumental nos ombros. Se vacilar ou falar bobagem, centenas de camaradas, candidatas e candidatos que dão o sangue para construir uma ideia, um projeto e um partido podem ser rejeitados nas ruas e nas urnas. Vale uma analogia.
Fui nadador desde a adolescência e participei de dezenas de campeonatos. É talvez o esporte mais solitário existente. Quando você é chamado para a borda da piscina, posta-se atrás da baliza e aguarda o apito do juiz para subir. Entre o segundo silvo, para se abaixar, e o tiro de largada, passa-se no máximo um segundo. Nesse microtempo, você olha cinquenta metros de água adiante e a solidão é parecida. É você com você. Uma saída malfeita, uma entrada torta na água ou uma virada ruim, pronto! Está comprometido não apenas seu desempenho, mas a pontuação de toda a equipe.
A OFENSIVA – A segunda sensação nos debates é que você está num jogo de esperteza, muito mais do que numa troca de idéias. Se vacilar, dança. Não pode baixar a guarda em momento algum É algo extremamente tenso.
Haddad começou nervoso e foi se assenhorando do ambiente. É essencial nunca deixar a bancada tomar a ofensiva. Ou seja, as perguntas não podem lhe pautar. Há que virar o jogo e tentar você definir o ritmo da batalha. Como dizia Brizola, “Estamos numa democracia, você pergunta o que quiser e eu respondo o que quero”.
Nesse ponto, eu fazia outra comparação. “Estou numa guerra e ninguém aqui é meu amigo”, pensava. E me vinha à mente uma longa conversa mantida há exatas duas décadas com M. Roger Brochet, um francês de 80 anos, casado com Mme. Suzanne, uma extrovertida e divertida professora de francês, dois anos mais velha que ele. Moravam ambos numa casinha com quintal ao fundo, no bairro de Perdizes em São Paulo, desde o final dos anos 1940, quando chegaram ao Brasil.
M. Roger me fascinava. Fora piloto de caça na II Guerra Mundial. Com a França ocupada, integrou-se a uma esquadrilha de Spitfires da RAF, sediada em Nice. Sua história nada tinha de romântica: dos 72 pilotos, apenas ele e outro conterrâneo sobreviveram. Falava com amargor de episódios que eu via como heroicos.
Duas frases grudaram na minha cabeça. A primeira é: “Nunca deixe o inimigo ficar em sua cauda. A possibilidade de ser atingido é de 110%”. A segunda era: “Quando você o tiver na alça de mira, não vacile, abra fogo. Em combate não existe segunda chance”.
Nos debates, a analogia da solidão se completava com as palavras de M. Roger, que em gestos contidos desenhava no ar manobras realizadas mais de meio século antes.
JUNTO E MISTURADO – Não permita que assumam a ofensiva, quando puder, vá para cima, não os deixe pautá-lo, mentalize o tempo de fala, vá direto ao assunto, não enrole, não demonstre intimidade com quem está no estúdio. Isso repetiam meus camaradas de campanha nas reuniões preparatórias. E sobretudo, lembre-se, diziam eles, você não está conversando com quem está à sua frente. Abstraia-os. Tem de falar com quem está em casa!
Piscina, Spitfires e a paciência dos amigos se fundiam em vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Eu ia com um frio na espinha para as emissoras. Às vezes me saia bem, às vezes malomenos.
A campanha, como disse, foi microscópica. Não quero fazer nenhuma egotrip aqui. Detesto ser cabotino.
Mas ao assistir Haddad – e Boulos e Ciro em outras oportunidades -, eu me admiro com a maestria deles, embora cada um exiba um estilo. Encaram situações muito mais duras e cheias de armadilhas do que as enfrentadas por mim. Tenho enorme orgulho em ver gente do nosso lado dando show de arte e competência!
P. S. Disso tudo, só uma tristeza fica. Nunca mais vi M. Roger. Não havia celulares em profusão há vinte anos. Quando, tempos depois, busquei a casinha em Perdizes, um edifício tinha lhe tomado o lugar.
M. Roger Brochet, herói da luta contra o nazismo, faria cem anos neste 2018. Sei lá, tem tudo a ver com o que vivemos…

Ex-jornalista de O Globo e diretor da ABI diz sentir vergonha de entrevista com Haddad no JN

Ex-jornalista de O Globo e diretor da ABI diz sentir vergonha de entrevista com Haddad no JN

Para Arcírio Gouvêa Neto, entrevista de Haddad no Jornal Nacional "não foi jornalismo"
Como jornalista, diretor da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e secretário de uma comissão de defesa da liberdade de expressão, me sinto envergonhado vendo o jornalismo brasileiro acabar de ser vilipendiado e ultrajado por Willian Bonner e Renata Vasconcellos nesta sessão de inquisição aos melhores moldes dos inquisidores da Idade Média. Isso não foi e jamais será jornalismo.
Trabalhei em duas oportunidades no jornal O Globo, desfrutei da companhia de mestres do jornalismo da empresa e tenho certeza absoluta que mesmo os jornalistas do passado que lá trabalharam se vissem o que vi hoje estariam tão revoltados quanto eu. Uma coisa é você ter sua ideologia política na vida pessoal, outra coisa é você transportar essa ideologia à vida profissional, para seguir servilmente à determinação do patrão. Já vi muita gente boa se recusar a fazer um papel asqueroso como o dessa dupla essa noite e eu sou uma delas.
Sinto pelo trabalho correto e ilibado de velhos companheiros que deram a vida pelo engrandecimento da imprensa em nosso país e não mereciam o que aconteceu hoje. Acho que o mínimo que poderia ocorrer em um estado democrático de direito é sua população se indignar com o que houve essa noite.

Como o processo de sonegação da Globo sumiu da Receita Federal e sobreviveu no mundo do crime

Como o processo de sonegação da Globo sumiu da Receita Federal e sobreviveu no mundo do crime. Por Joaquim de Carvalho

 
Os originais do processo
Os originais do processo
Esta reportagem está sendo republicada por motivos óbvios.
É a segunda reportagem especial da série sobre o processo da sonegação da Globo, fruto de nosso projeto de crowdfunding no Catarse.
Na primeira, detalhamos a operação para aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.
No dia 2 de julho de 2013, um grupo de blogueiros, com o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé e o Mega Cidadania à frente, foi ao Ministério Público Federal no Rio de Janeiro e entregou uma representação com 25 páginas do processo da Receita Federal em que os donos da TV Globo são responsabilizados pela prática de crime contra a ordem tributária.
O procurador recebeu os documentos e encaminhou para a Polícia Federal, que abriu inquérito. “Tinha grande esperança de que o crime fosse, finalmente, apurado, em razão da independência do Ministério Público”, diz Alexandre César Costa Teixeira, autor do blog Mega Cidadania.
No último 7 de outubro, dois dias depois do primeiro turno das eleições, o inquérito foi arquivado, por decisão do delegado Luiz Menezes, da Delegacia Fazendária da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro. A decisão teve endosso do Ministério Público e foi acatada pela 8ª Vara Federal Criminal do Estado.
“A frustração é muito grande. Eu me empenhei muito para que esse caso não ficasse impune”, disse Alexandre, ao saber que a representação dele e de seus amigos acabou no arquivo da Justiça Federal.
“Eles não chamaram nenhum de nós para depor, mesmo sabendo que fomos nós que conseguimos as páginas do processo que havia desaparecido da Receita. É um absurdo”, afirma. “O sentimento é de indignação”, diz ele, que já foi funcionário do Banco do Brasil e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Alexandre faz parte de uma rede que atuou na internet, em junho do ano passado, para fortalecer as manifestações de rua. Foi ele quem entregou a Miguel do Rosário, do site O Cafezinho, os documentos que incriminavam a Globo, o que provocou, em julho de 2013, uma manifestação em frente à porta da Globo, na rua Von Martius, Jardim Botânico, em que foram distribuídos adesivos com a frase “Sonegação é a maior corrupção”.
O processo desapareceu da Receita Federal no dia 2 de janeiro de 2007, quando já estava separado para que uma cópia fosse encaminhada ao Ministério Público Federal, com uma representação para fins penais, em que Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho e José Roberto Marinho são apontados como responsáveis por crimes contra a ordem tributária.
Uma investigação da Receita Federal apontou a agente administrativa Cristina Maris Meinick Ribeiro como responsável pelo sumiço. A prova mais forte contra ela é um vídeo que registra a entrada e a saída da Delegacia da Receita Federal.
Na entrada, Cristina Maris aparece com uma bolsa. Na saída, além da bolsa, ela tem uma sacola, onde, segundo testemunhas, estavam as três pastas do processo.
Seis meses depois do crime, a agente administrativa acabou presa, a pedido do Ministério Público Federal, mas ficou apenas dois meses e meio atrás das grades.
Sua defesa, formada por cinco advogados, conseguiu no Supremo Tribunal Federal um habeas corpus, numa decisão em que o relator foi o ministro Gilmar Mendes.
Em janeiro de 2013, Cristina Maris foi condenada a 4 anos e onze meses de prisão. O juiz que assina a sentença escreveu que Cristina agiu “com o evidente propósito de obstar o desdobramento da ação fiscal que nele se desenvolvia, cujo montante ultrapassava 600 milhões de reais.”
No mesmo processo em que foi condenada por ajudar a Globo, Cristina Maris respondeu à acusação de interferir no sistema de informática da Receita Federal para dificultar a cobrança de impostos de outras três empresas.
Cristina Maris vive hoje num apartamento da avenida Atlântica, esquina com a rua Hilário de Gouveia, em Copacabana, mas não dá entrevista. Informado de que eu gostaria de conversar com ela, o porteiro acionou o interfone e, depois de falar com alguém, disse que ela não estava.
O processo da Receita Federal permaneceu desaparecido até que Alexandre conseguiu com um amigo cópia de 25 páginas do processo e as entregou para Miguel do Rosário, que publicou em O Cafezinho.
Eu fui apresentado ao amigo de Alexandre em um apartamento no centro da cidade. Sob condição de não ter seu nome revelado, ele me levou, no dia seguinte, a uma casa no subúrbio carioca, e ali telefonou para outra pessoa, a quem pediu para trazer “a bomba”.
Não eram apenas 25 páginas, mas o processo inteiro, original.
Meia hora depois, chegaram dois homens, um deles com uma mochila preta nas cotas.
Abrigaram a mochila e tiraram de dentro os dois volumes do processo, mais o apenso.
globo - doc
Os documentos são originais, inclusive os ofícios da TV Globo, em papel timbrado, em que a empresa, questionada, entrega os documentos exigidos pela Receita Federal.
Alguns desses documentos são os contratos em que a Globo, segundo o auditor fiscal Alberto Sodré Zile, simula operações de crédito e débito com empresas abertas no Uruguai, Ilha da Madeira, Antilhas Holandesas, Holanda e Ilhas Virgens Britânica, a maior parte delas paraísos fiscais.
Esses contratos, que o auditor Zile classifica como fraude, têm a assinatura de Roberto Irineu Marinho e de João Roberto Marinho. TV Globo, Power, Porto Esperança, Globinter, Globo Overseas são algumas das empresas que fazem negócios entre si para, ao final, adquirir uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, a Empire, que tinha como sede uma caixa postal compartilhada com Ernst & Young Trust Corporation e detinha os direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.
Analisada superficialmente, a papelada indica que a Globo tem uma intensa atividade internacional, e está em busca de novos espaços no exterior. Vistos com lupa, como fez o auditor da Receita Federal, esses documentos mostram que tudo não passou de simulação.
As empresas são todas controladas pela família Marinho e os contratos são de mentirinha. No fundo, o que a Globo busca é se livrar do imposto de renda que deveria ser pago na fonte, ao comprar os direitos de transmissão da Copa do Mundo.
O amigo de Alexandre esclarece que os dois homens que guardam a bomba não pertencem à quadrilha que faz desaparecer processos das repartições públicas do Rio de Janeiro, a qual a ex-funcionária da Receita Federal Cristina Maris prestou serviço.
Os processos estiveram em poder da quadrilha até que o amigo de Alexandre conseguiu resgatá-lo da única maneira que se negocia com bandidos: pagando o preço do resgate. Ele não diz o valor.
Alexandre recebeu os originais e quis entregá-los à Polícia Federal num fim de semana. Mas, ao saber que se tratava do inquérito da Globo, o delegado de plantão teria se recusado a ficar com os documentos.
Alexandre decidiu então esperar ser chamado para depor, oportunidade em que entregaria uma cópia do processo ou mesmo o original, caso o delegado quisesse. Mas a intimação que ele esperava receber nunca chegou.
“Dizem que o processo da Receita Federal foi remontado, com cópias fornecidas pela Globo. Seria interessante comparar o original com esse processo remontado, se é que foi remontado”, afirma.
Na sexta-feira da semana passada, eu procurei o delegado encarregado do inquérito, Luiz Menezes.
Quando perguntei do inquérito, ele disse: “Esse inquérito já foi relatado e foi para a justiça federal.” Quando perguntei sobre a conclusão dele, respondeu: “Arquivo”. Por quê? “A Globo apresentou o DARF de recolhimento do imposto.” O senhor se lembra de quanto era o DARF? “Não”.
Na 8ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, a informação que obtive é que, no dia 7 de outubro, o processo deixou existir, tomando o caminho do arquivo, como sugerido pelo delegado, com a anuência do Ministério Público Federal.
Sobre a hipótese de ter havido crime de lavagem de dinheiro, cuja punibilidade não é extinta mesmo com o pagamento de imposto atrasado, o delegado Luiz Menezes não quis falar.
Por que um processo que desapareceu dos escaninhos da Receita Federal em janeiro de 2007, beneficiando a TV Globo, sobreviveu no submundo do crime?
Segundo o amigo de Alexandre, a situação saiu do controle da Globo quando o processo caiu nas mãos de um homem que tentou extorquir dinheiro da empresa.
“A Globo pagou para fazer desaparecer o processo da Receita e teria que pagar de novo”, diz.
Aqui entra uma versão em que é difícil separar a lenda da verdade.
Com a ajuda de um aparato policial amigo, a Globo teria tentado retomar os documentos à força, mas a operação falhou, e o processo continuou no submundo até que foi trazido à luz pela militância na internet.
Hoje, mesmo contendo informações de teor explosivo, as autoridades querem distância do processo.
“A Globo é blindada. Nós tentamos chamar a atenção para o problema, mas ninguém se dispõe a ouvir”, diz Alexandre.
Na época da Copa, Alexandre procurou as empresas de outdoor do Rio de Janeiro, para divulgar um anúncio em que informa da existência do processo e pede a apuração.
A campanha era assinada pelos blogueiros, mas nenhuma empresa de outdoor aceitou abrigar a mensagem.
Enquanto órgãos oficiais não investigam o caso, o processo da Receita Federal que envolve a Globo continuará sendo transportado em mochilas no subúrbio do Rio de Janeiro.
Alexandre "Terremoto"
Alexandre “Terremoto”