segunda-feira, 8 de abril de 2019

LULA AGRADECE ATOS CONTRA SUA PRISÃO: RENOVA MEU ESPÍRITO DE LUTA

Prefeitos do PT repudiam medidas antipopulares do governo Bolsonaro

Prefeitos do PT repudiam medidas antipopulares do governo Bolsonaro

 

O Partido dos Trabalhadores (PT) promoveu nesta segunda-feira (8), Em Brasília, o 2º Encontro Nacional de prefeitos e vice-prefeitos que aprovou uma carta política em defesa dos direitos da população das cidades, ameaçadas pelos cortes e a redução de programas sociais, o desemprego, a violência urbana e a ausência de um projeto de desenvolvimento econômico do país.
Os gestores municipais expressam preocupação com as consequências das decisões do atual governo e principalmente com o desmonte de ministérios importantes como o da Saúde, da Educação e das Cidades, que têm ações de forte impacto nos municípios.
Os prefeitos, prefeitas e vices também pediram a liberdade imediata do ex-presidente Lula.
Confira a íntegra da carta, aprovada no encontro realizado nesta segunda-feira (8):
Um mal-estar ronda as nossas cidades.
Desemprego, medo, insegurança, intolerância e sobretudo uma angustiante incerteza em relação ao futuro.
Esse sentimento alimenta-se da precarização das condições de vida de uma grande parcela de nossa população, que cada vez mais tem dificuldades para suprir suas necessidades na saúde, educação, cultura, moradia, lazer e mobilidade. O desemprego, a redução de sua renda e de seu poder aquisitivo, agravados pela insuficiente oferta e reduzida qualidade dos serviços públicos, produzem uma profunda decepção em relação aos governos e governantes. A política e os políticos perdem credibilidade.
A inflexão política e econômica, que tem início com o golpe contra a Presidenta Dilma e a prisão ilegal e injusta do Presidente Lula, está conduzindo o país a uma situação insustentável. A estagnação econômica, a queda da arrecadação, o congelamento dos investimentos federais com a aprovação da Emenda Constitucional 95, os cortes ou fim de programas – como “ Bolsa Família”, “ Minha Casa Minha Vida”, “ Mais Médicos”, “Farmácia Popular”, “ Luz para Todos”, “ PRONAF”, fornecimento de máquinas e equipamentos, creches, escolas, transporte e merenda escolar, Institutos Federais, “ PROUNI”, “ FIES”, proposta de privatização do saneamento (MP 868) e outras políticas públicas -, estão levando as prefeituras a um impasse.
A reorientação em curso do Estado Brasileiro está conduzindo a Federação Brasileira a uma encruzilhada que compromete os direitos políticos, econômicos, sociais e civis.
Os Prefeitos, Prefeitas e Vices do Partido dos Trabalhadores, em Encontro Nacional, manifestam ao movimento municipalista, aos partidos políticos, ao Congresso Nacional e às forças democráticas da cidadania, comprometidos com o pacto republicano de 1988, suas preocupações com as consequências das medidas levadas à efeito pelo atual governo. Essa política afeta e prejudica sobremaneira a população de todos os municípios brasileiros. É nas Prefeituras que a população busca e cobra solução para o agravamento dos seus problemas e para a fazer face à deterioração das condições de vida.
As propostas do atual governo não trazem esperança de dias melhores. Pelo contrário, várias ações conduzem à dilapidação do patrimônio nacional, ferem a soberania da nação, os interesses econômicos do país e a perspectiva de desenvolvimento, social, regional, cultural e ambientalmente sustentável, impactando ainda mais negativamente a vida do nosso povo.
Não concordamos com a ideia da desvinculação de receitas para fazer frente às despesas obrigatórias com saúde, educação e fundos constitucionais. Essa medida inviabiliza importantes políticas públicas, não desonera as prefeituras e ainda pode sobrecarregá-las ao reduzir os investimentos estaduais e federais nessas áreas. Queremos discutir de fato o Pacto Federativo: a realização de uma urgente e necessária reforma fiscal e tributária e a revisão da repartição constitucional de competências e receitas.
Consideramos o debate sobre a Previdência e a Seguridade Social necessário, mas não o seu desmonte, transferindo a conta do ajuste para os trabalhadores. Posicionamo-nos em defesa dos mais vulneráveis, como os beneficiários da LOAS, os aposentados rurais e por invalidez, as mulheres, entre outros. O custo não pode recair sobre os que mais precisam da proteção previdenciária. Além do que, estudos comprovam o quanto prejudicam a economia local, o corte dos benefícios dos mais pobres, em especial nos médios e pequenos municípios. Somos contra essa reforma e rejeitamos a proposta de “desconstitucionalizar” a Previdência Social e de criar o Regime de Capitalização. Torna-se urgente dialogar com governadores e prefeitos sobre as questões previdenciárias que afetam os estados e municípios como entes federados.
Reafirmamos a importância da participação popular e da governança democrática no governo das cidades. O fortalecimento dos Conselhos e da atividade sindical são conquistas constitucionais a serem mantidas e consolidadas. Repudiamos medidas autoritárias, como a Medida Provisória 873, que proíbe o desconto sindical em folha.
Para fazer face ao momento que vive o país, é necessário impulsionar um grande diálogo sobre as alternativas políticas e modelo de Estado que norteiam o atual governo. Precisamos construir consensos em relação às propostas apresentadas. A crise do municipalismo não poderá ser enfrentada apenas com soluções individuais.
Nesse sentido, propomos às entidades nacionais de prefeitos, ao Congresso Nacional, às lideranças municipalistas, da Academia, dos Movimentos Sociais e das organizações da Sociedade Civil, a realização de uma Conferência Nacional de Prefeitos e Municipalistas. Uma conferência para analisar os efeitos da recessão, do desemprego, do teto de gastos, das consequências de uma reforma da previdência e da desvinculação de receitas em nossas cidades. Uma conferência para definir medidas emergenciais e um pacto para superar a encruzilhada em que se encontram as cidades e seus governos.
Por fim, julgamos imprescindível construir ampla unidade para garantir a aprovação de projetos em tramitação no Congresso Nacional que destinam mais recursos para estados e municípios. No Senado Federal, o PL 1538/2019 e o PL 1980/2019 referente aos recursos do pré-sal e a PEC 24, que amplia e torna permanente o Fundeb. Na Câmara dos Deputados, a PEC 391 já aprovada no Senado, que destina 1% a mais no FPM e o PLP 92/2015, pronto para votação no plenário, que exclui dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal as despesas de pessoal com programas federais e estaduais.
#LulaLivre
Prefeitas, prefeitos e vices do PT

A briga de mentirinha: GLOBO AFASTOU LEILANE E WALDVOGEL POR 5 DIAS APÓS CRÍTICAS A BOLSONARO

NOVO MINISTRO DA EDUCAÇÃO É TÃO OBSCURANTISTA QUANTO VÉLEZ RODRIGUEZ

Os 100 dias de um idiota no poder

Os 100 dias de um idiota no poder

Adriano Machado - Reuters
A eleição de Jair Bolsonaro foi um protesto da população brasileira. Um protesto financiado e produzido pela elite colonizada e sua imprensa venal, mas, ainda assim, um "protesto". Para a elite o que conta é a captura do orçamento público e do Estado como seu "banco particular" para encher o próprio bolso. A reforma da previdência é apenas a última máscara desta compulsão à repetição.
Mas as outras classes sociais também participaram do esquema. A classe média entrou em peso no jogo, como sempre, contra os pobres para mantê-los servis, humilhados e sem chances de concorrer aos privilégios educacionais da classe média. Os pobres entraram no jogo parcialmente, o que se revelou decisivo eleitoralmente, pela manipulação de sua fragilidade e pela sua divisão proposital entre pobres decentes e pobres "delinquentes". Juntos, a guerra social contra os pobres e entre os pobres, elegeu Bolsonaro e sua claque.
Foi um protesto contra o progresso material e moral da sociedade brasileira desde 1988 e que foi aprofundado a partir de 2002. Estava em curso um processo de aprendizado coletivo raro na história da sociedade brasileira. Como ninguém em sã consciência pode ser contra o progresso material e moral de todos, o pretexto construído, para produzir o atraso e mascará-lo como avanço, foi o pretexto, já velho de cem anos, da suposta luta contra a corrupção.
A "corrupção política", como tenho defendido em todas as oportunidades, é a única legitimação da elite brasileira para manipular a sociedade e tornar o Estado seu banco particular. A captura do Estado pelos proprietários, obviamente, é a verdadeira corrupção que, inclusive, a "esquerda" até hoje, ainda sem contra discurso e sem narrativa própria, parece ainda não ter compreendido.
Agora, eleição ganha e Bolsonaro no poder, começam as brigas intestinas entre interesses muito contraditórios que haviam se unido conjunturalmente na guerra contra os pobres e seus representantes. Bolsonaro é um representante típico da baixa classe média raivosa, cuja face militarizada é a milícia, que teme a proletarização e, portanto, constrói distinções morais contra os pobres tornados "delinquentes" (supostos bandidos, prostitutas, homossexuais, etc.) e seus representantes, os "comunistas", para legitimar seu ódio e fabricar uma distância segura em relação a eles. Toda a sexualidade reprimida e toda o ressentimento de classe sem expressão racional cabem nesse vaso. O seu anticomunismo radical e seu antintelectualismo significam a sua ambivalente identificação com o opressor, um mecanismo de defesa e uma fantasia que o livra de ser assimilado à classe dos oprimidos. Olavo de Carvalho é o profeta que deu um sentido e uma orientação a essa turma de desvalidos de espírito.
A escolha de Sérgio Moro foi uma ponte para cima com a classe média tradicional que também odeia os pobres, inveja os ricos, e se imagina moralmente perfeita porque se escandaliza com a corrupção seletiva dos tolos. Mas apesar de socialmente conservadora, ela não se identifica com a moralidade rígida nos costumes dos Bolsonaristas de raiz que estão mais perto dos pobres. Paulo Guedes, por sua vez, é o lacaio dos ricos que fica com o quinhão destinado a todos aqueles que sujam a mão de sangue para aumentar a riqueza dos já poderosos.
Os 100 dias de Bolsonaro mostram que a convivência desses aliados de ocasião não é fácil. A elite não quer o barulho e a baixaria de Bolsonaro e sua claque que só prejudicam os negócios. Também a classe média tradicional se envergonha crescentemente do "capitão pateta". Ao mesmo tempo sem barulho nem baixaria Bolsonaro não existe. Bolsonaro "é" a baixaria. Sérgio Moro, tão tolo, superficial e narcísico como a classe que representa, é queimado em fogo brando já que o Estado policial que almeja, para matar pobres e controlar seletivamente a política, em favor dos interesses corporativos do aparelho jurídico-policial do Estado, não interessa de verdade nem a elite nem a seus políticos. Sem a mídia a blindá-lo, Sérgio Moro é um fantoche patético em busca de uma voz.
O resumo da ópera mostra a dificuldade de se dominar uma sociedade marginalizando, ainda que em graus variáveis, cerca de 80% dela. Bolsonaro e sua penetração na banda podre das classes populares foi útil para vencer o PT. Mas ele é tão grotesco, asqueroso e primitivo que governar com ele é literalmente impossível. A idiotice dele e de sua claque no governo é literal no sentido da patologia que o termo define. Eles vivem em um mundo á parte, comandado pelo anti-intelectualismo militante, o qual não envolve apenas uma percepção distorcida do mundo. O idiota é também levado a agir segundo pulsões e afetos que não respeitam o controle da realidade externa. Um idiota de verdade no comando da nação é um preço muito alto até para uma elite e uma classe média sem compromisso com a população nem com a sociedade como um todo. Esse é o dilema dos 100 dias do idiota Jair Bolsonaro no poder.

SORORIDADE EM PAUTA Ditadura no campo: a memória da violência contra as mulheres camponesa



Ditadura no campo: a memória da violência contra as mulheres camponesa

Conselheira da Comissão de Anistia fala sobre a repressão e assassinato da ditadura às mulheres camponesas

“Uma mulher
Se tece em
Cardos
Cordas
Cordeiras aspirações
Assim é
Assim quer
O dono da noite
Mas
Uma mulher é capaz
De paz
E de guerra
Uma mulher”
– Militantes da Guerrilha do Araguaia
sobre a militante Helenira Resende
Quando Walter Benjamin abandonou a Alemanha para tentar fugir da barbárie do regime nazista, colocou em sua pequena maleta lembranças de uma vida que deixava para trás. Dentre seus poucos tesouros, escolheu uma obra de arte não muito conhecida na época, mas com imenso valor simbólico. A pintura original de Paul Klee, o Angelus Novus, acompanhou Benjamin até o dia em que ele, encurralado pelas tropas de Hitler, colocou fim à própria vida para não ser submetido ao confinamento nos campos de concentração.
Nos fragmentos de sua última obra, “Teses Sobre o Conceito de História”, Benjamin utiliza a figura do anjo – esse ser espiritual situado entre os seres humanos e Deus – para trazer uma mensagem de superação da própria história. Nos lembra que, nessa busca desenfreada pelo “progresso”, não podemos nos esquecer de tudo o que nos trouxe até aqui. Nossos olhos devem se voltar para o passado, não apenas lembrando os acontecimentos que entraram para a história, mas também todos os fatos esquecidos. Os sonhos que ficaram pelo caminho, os desejos frustrados e tudo o que tentou, mas não conseguiu ser.
Esse anjo fragmentado indica que a história não é linear ou neutra.
A forma como os fatos são registrados nos livros e nos documentos é o resultado de uma disputa de forças pela narrativa oficial. E aí surge a importância de cultivarmos a memória para entendermos o presente e para pensarmos em um novo projeto de futuro.
Nesses tempos em que se pretende reescrever a história do Brasil – omitindo elementos importantes de violência estatal e rebatizando o golpe de “movimento” ou “revolução” –, nada melhor do que ouvirmos essa grande mulher, Ana Maria Oliveira, que, depois de longa experiência na advocacia pública e na Fundação Cultural Palmares, durante 15 anos participou da Comissão da Anistia.
Para a coluna Sororidade em Pauta, Ana Oliveira vai contar um pouco sobre as mulheres camponesas, não raro esquecidas nessa narrativa de sucessivas violências. Seu testemunho é de valiosa importância para entendermos os fragmentos do passado que hoje voltam ao presente, ressuscitando monstros que há muito estavam adormecidos.
Com a palavra, Ana Oliveira:
Exerci o encargo público de Conselheira da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça do Brasil durante 15 anos. Trabalho pro bono, de relevante serviço prestado ao povo brasileiro, ao país e à democracia, dedicado à memória, verdade e justiça, o tripé da Justiça de Transição. Dar voz aos que lutaram pelas liberdades, conceder reparação pelas violações sofridas e pedir desculpas em nome do Estado Democrático de Direito pelo arbítrio cometido pelo Estado de Exceção foi sem dúvida um dos melhores trabalhos da minha vida.
O golpe civil-militar de 1 de abril de 1964 produziu, em 21 anos, violações transgeracionais. A tentativa de omissão desse capítulo da história, depois de 55 anos, pelo atual governo, é uma continuidade nas graves violações aos direitos humanos ocorridas em tempos passados, além de uma falta de respeito com as vítimas, especialmente mulheres, que foram submetidas a todo tipo de violência praticada pelos agentes ditatoriais. Estudantes ou leigas, ricas ou pobres, do campo ou da cidade, as mulheres são vítimas da atroz ditadura.
Das mulheres da cidade há farto material disponível, de muitas delas ouvi relatos contundentes que expõem a barbárie da tortura e seus algozes.
Muitas das militantes das esquerdas revolucionárias tiveram participação na política do Brasil, se filiando a partidos e exercendo cargos políticos após a redemocratização. O exemplo mais visível é a eleição de Dilma Rousseff para o cargo máximo do executivo, a se tornar a primeira presidenta mulher do Brasil.
Mas das camponesas pouco ou nada se fala, especialmente das mulheres da região sul do Pará, o meu Estado. Pobres, analfabetas, que viviam com seus companheiros na floresta, com parcos recursos, tirando o sustento da terra e criando seus filhos. Vida simples, sem rádio e, portanto, sem saber o que se passava Brasil a fora, pois ali reinava a tranquilidade e a paz.   
Nada sabiam sobre conflitos entre capitalismo ou comunismo, já que nem mesmo os serviços públicos mais essenciais lá chegavam. Tiveram suas pacatas rotinas impactadas durante a Ditadura Militar, em razão da chamada Guerrilha do Araguaia. Entre os anos 1967 e 1974, militantes do PcdoB buscaram refúgio na região e foram perseguidos pelas forças armadas.
NA FOTO, LÚCIA MARIA DE SOUZA, CONHECIDA COMO SÔNIA E OSVALDO ORLANDO DA COSTA, O FAMOSO OSVALDÃO, AMBOS GUERRILHEIROS NO ARAGUAIA.
O vasto material produzido sobre a Guerrilha, com inúmeros livros, filmes, reportagens, pouco refere sobre a violência praticada pelos agentes da ditadura contra os camponeses e camponesas do Araguaia – que atingiu homens e mulheres de forma distinta.
Os homens, acusados de proteger os guerrilheiros paulistas, foram presos em buracos na base da Bacaba em Marabá. Lá foram torturados com mais variados métodos e muitos ficaram impotente sexualmente (como ouvi pelo relato das mulheres, já que os homens tinham vergonha de falar ou já estavam mortos, segundo elas, pelas sequelas das doenças que contraíram nessa ocasião).  
As mulheres campesinas, por sua vez, sofreram violência de toda ordem. Os relatos são dramáticos. Muitas estavam grávidas e recebiam cuidado e remédio das guerrilheiras e, com estas, acabaram criando laços de afeto. Relatam convites para madrinha das crianças e outras situações de proximidade. Entretanto, ao serem interrogadas pelos militares sobre o paradeiro dos terroristas, com a informação de que eram pessoas más, elas respondiam que não sabiam onde eles estavam e ressaltavam que eles não faziam mal a ninguém. Imediatamente eram acusadas, então, de acobertar terroristas e acabavam sendo expulsas violentamente do lugar que viviam, com seus companheiros e filhos.
Enquanto os homens saíam com os militares pela mata, na tentativa de localização dos guerrilheiros, as mulheres e crianças eram obrigadas a ficar em casa. Crianças adoeciam, morriam, sem que essas mães pudessem ir até a cidade buscar assistência, pois estavam impedidas de sair. Eram forçadas a cozinhar para os soldados, inclusive destinando a eles os seus melhores animais criados para o sustento da família.
Quando forram expulsas da terra que ocupavam – na segunda e mais violenta incursão dos militares nas matas –, a situação das mulheres foi ainda pior. Passaram a viver na periferia das cidades, sem trabalho, sem pão para dar de comer seus filhos e sem remédio. Muitas viram seus filhos perecer.
A violência moral, a violência pela imposição do medo, da força e da fome não foi mais repugnante que a violência sexual. É um tabu ainda hoje. Impera o silencio. O tema segue invisibilizado. Muito pela vergonha que as mulheres violadas carregavam, às vezes como culpa, já que muitas delas eram casadas e o sentimento de impotência por não ter conseguido se libertar da humilhação.
Mesmo aquelas que reuniram coragem para fazer os relatos, as dificuldades que enfrentamos enquanto conselheiros da Comissão de Anistia é que parte dos arquivos da ditadura jamais foram abertos. Os casos ocorridos nas cidades normalmente eram documentados, mas isso nem sempre ocorria nas violações ocorridas nos campos – especialmente no caso do Araguaia em que o Estado não reconhece sequer a ocorrência da guerrilha.
LIVRO CATIVEIRO SEM FIM, DE EDUARDO REINA, CONTA A HISTÓRIA DE CRIANÇAS SEQUESTRADAS PELA DITADURA, DESMONTANDO UM MITO DE QUE A DITADURA BRASILEIRA NÃO ADOTAVA ESSA PRÁTICA COMO ÀS VIZINHAS SUL-AMERICANAS.
Não eram raros os relatos que ouvíamos e sabíamos que tinham acontecido, mas não surgia nenhuma prova a demonstrar a violação aos direitos, como a lei exige para que seja concedida a anistia. Recebemos quase mil casos de pedidos de anistia de camponeses durante o período em que atuei, mas a grande maioria envolvia denúncias de violações praticadas contra homens.
As mulheres foram multiplamente violentadas. De um lado, perderam suas casas, suas terras e seus filhos; e, de outro, foram sexualmente violentadas. Não raro surgiram boatos, inclusive, de que filhos foram frutos dessas violações. Imagina o drama dessas mulheres. A grande maioria casada era violentada pelos militares que se diziam bons, já que os maus eram os terroristas.
Eduardo Reina, no livro “Cativeiro Sem Fim”, revela outra face perversa da ditadura contra Mulheres do Araguaia: o sequestro dos seus filhos e as adoções ilegais.  
A violência que recaiu sobre aquelas camponesas impactou para sempre a sua trajetória de vida. Mantê-las no esquecimento, longe dos livros de história, é menosprezar toda a dor e sofrimento provocado por um Estado que, até então, não se lembrava delas nem sequer para fornecer os serviços públicos mais básicos. Temos que iluminar as suas histórias, esquecidas até hoje pela narrativa oficial.
É uma falácia o discurso dos que defendem o arbítrio, dizer que o golpe foi pedido pela sociedade contra o avanço do comunismo e que somente os comunistas foram perseguidos. As mulheres camponesas foram violentadas em seus direitos humanos básicos e fundamentais. Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça: justiça para as mulheres camponesas!

Imagem destacada: mulheres que foram assassinadas na repressão à guerrilha do Araguaia. Jana Moroni, Helenira Rezende e Dinaelza Santana Coqueiro