segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

SEM PALAVRAS

REUTERS/Ricardo Moraes

A INDIGÊNCIA DA ROUPA NEM SE COMPARA COM A INDIGÊNCIA MENTAL

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Esquerda (ser de)

Política

Esquerda (ser de)

A expressão designava o conjunto dos deputados que se sentavam à esquerda no plenário da Assembléia constituída na Revolução Francesa

 
17/02/2019 15:38
 
 
A expressão cujo significado se quer explicitar tem um uso eminentemente político, desde a sua origem, que designava o conjunto dos deputados que se sentavam à esquerda no plenário da Assembléia constituída na Revolução Francesa.

Aqueles representantes da esquerda buscavam sempre, nos seus votos e nas suas argumentações, alargar e aprofundar o sentido da igualdade, na Lei e na vida, entre os “cidadãos” da República. Numa definição bem esquemática, os deputados que se sentavam à direita enfatizavam a primeira reivindicação do trinômio revolucionário, a Liberdade, enquanto os da esquerda exigiam uma ênfase tão grande ou maior no segundo termo do trinômio, a Igualdade.

Talvez a radicalização destas posições tenha levado a um certo esquecimento da terceira expressão do grande lema revolucionário: a Fraternidade entre os cidadãos.

Liberté – Egalité – Fraternité

Ser de Esquerda, politicamente falando, significa, pois, desde há cerca de duzentos anos, defender a igualdade estrutural entre os seres humanos, a Igualdade entre todos perante a Lei e perante a Sociedade, respeitando suas individualidades de sentimentos e preferências.

A Direita, por oposição, sustenta que os homens são diferentes na sua essência, por sua natureza, uns valorizam mais o trabalho, a poupança, a previdência, outros o prazer da vida em cada momento; uns trazem da natureza algum talento especial, artístico ou executivo, outros se conformam às qualidades mais comuns da maioria; uns são mais ambiciosos e buscam com mais esforço o destaque e a liderança, outros preferem a alegria natural da vida comum. E assim, pela força da natureza, dizem eles, se formam as desigualdades econômicas naturais entre as pessoas dentro de uma sociedade, que tendem a se acentuar, também naturalmente, pela natural proteção dos pais aos filhos. Desigualdades que acabam sendo naturalmente reconhecidas e aceitas por todos.

Para nós, de esquerda, esta é uma visão ingênua e interessada da realidade da vida, uma visão que se recusa a perceber o fato óbvio de que as desigualdades das posições sociais não se manifestam no curso da vida mas estão presentes na própria estrutura da sociedade, desde o nascimento das pessoas.

A Esquerda não aceita estas desigualdades que mar cam as pessoas desde a origem, do nascimento, desigualdades da própria estruturação socioeconômica das sociedades, as chamadas classes sociais que caracterizam as sociedades estruturadas segundo o modelo de produção capitalista.

As pessoas, no mundo capitalista, já nascem pertencentes a uma dessas classes, que têm, cada uma, seus interesses, sua visão própria do mundo; interesses que forçosamente se conflitam com os da outra classe.

Por isto mesmo, na concepção clássica da sociologia política, a Esquerda está associada à defesa do socialismo como modelo mais evoluído de estruturação produtiva capaz de eliminar ou reduzir profundamente estas diferenças de classe, características da propriedade privada dos meios de produção.

Na conceituação mais atualizada e abrangente, entretanto, que engloba o debate político dentro do próprio modelo capitalista, a Esquerda aceita o modelo como um interregno mas combate o processo de acentuação das desigualdades que o próprio modelo produz através do mecanismo do Mercado. E exige uma ação política do Estado sobre o Mercado, no sentido de, permanentemente, corrigir esta deformação e reduzir as desigualdades.

A Esquerda compreende, assim, todos aqueles que não aceitam como natural esta grande divisão da sociedade entre pobres e ricos, consideram-na uma teratologia do próprio sistema capitalista, do sistema de propriedade privada, e exigem, enquanto durar este sistema, a intervenção explícita do Estado, através de políticas econômicas e sociais que sejam eficazes na correção desta injustiça, na redução das diferenças de classe.

Vejo aí a essência da Esquerda.

Consequência deste posicionamento estrutural que a caracteriza primordialmente, a Esquerda amplia sua visão e sua ação nas políticas específicas de defesa de segmentos da sociedade oprimidos ou rebaixados pelo sistema capitalista: camponeses sem terra, trabalhadores sem formação, mulheres em geral, negros em geral, homossexuais, e transexuais.

É possível, sim, transcender o âmbito mais estrito da política e caracterizar posições de esquerda e de direita nas concepções gerais de cada ser humano no que concerne à vida em geral. Direitistas seriam os mais conservadores, que valorizam a ordem, o respeito à ordem, sempre a ordem estabelecida; e esquerdistas os que anseiam pelo que consideram avanços na organização da sociedade; desejam e se empenham na superação da ordem estabelecida por avanços sociais cujo sentido seria dado pela evolução de longo prazo da História, da própria Humanidade.

A Humanidade já aceitou ditaduras cruéis, monarquias absolutas, privilégios de classe, de nobreza,, já aceitou a escravidão de seres humanos, penas cruéis, de crucificação, de empalamento, já aceitou a tortura como método corriqueiro de extrair a verdade, coisas que hoje nos horrorizam. A noção de Direitos Humanos tem só duzentos anos, tendo sido reafirmada com mais ênfase há cerca de 50 anos, depois da calamidade da segunda guerra.

Guerreiro Ramos, nosso grande sociólogo do ISEB, afirmava que direita e esquerda são atributos da sociedade humana que existem e existirão sempre, havendo certamente uma direita e uma esquerda na organização do Vaticano, como havia no Nazismo do Terceiro Reich, e também no Comitê Central do Partido Comunista da URSS.

Reiterando a definição pela clivagem que evoluiu desde a caracterização original, pode-se dizer que a Direita valoriza a realidade, o presente, o concreto, a Direita teme o aventureirismo dos idealistas; enquanto a Esquerda busca a evolução sempre no sentido humanitário, luta pela construção de um futuro mais justo, de realidades mais aperfeiçoadas pelo sentimento da igualdade e da justiça entre os seres humanos.

Neste sentido mais largo, pode-se abrir, esquematicamente, uma divisão muito ampla entre as pessoas, segundo uma clivagem do seu modo de ser, ou da essência do seu pensamento, ou sentimento, chamando-as de Direita ou de Esquerda, a partir do seu sentimento, e mesmo do seu comportamento no dia a dia, em relação à divisão das pessoas entre ricos e pobres.

Numa tal perspectiva, não se pode definir o “ser de Esquerda”, sem se referir, e definir, paralelamente, o “ser de Direita”, faces de uma mesma moeda.

Marighella: o filme e a resistência de ontem e de hoje

Marighella: o filme e a resistência de ontem e de hoje

Direto de Berlim, Flávio Aguiar escreve sobre a estreia de "Marighella", de Wagner Moura: "Retratando os guerrilheiros como participantes de uma luta desesperada para se contrapor ao regime ditatorial, num momento em que todas as liberdades e garantias democráticas eram anuladas pela ditadura de então, o filme não deixa de mostrar todas as contradições e limites da luta armada que abraçaram."

Por Flávio Aguiar.

Na noite de sexta-feira, 15, o filme Marighella, com direção de Wagner Moura, estreou no Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale, dentro da programação principal, embora não concorresse ao Urso de Ouro nem aos demais Ursos de Prata dados em diferentes categorias, como melhor direção, melhor atuação, cenário, etc.
O filme, baseado no livro Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães, retrata os últimos anos da vida do guerrilheiro baiano, na sequência do golpe de 64, até seu assassinato em 4 de novembro de 1969, numa armadilha montada pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury (que no filme aparece com o nome de “Lúcio”) na Alameda Casa Branca, em São Paulo.
O filme foi muito aplaudido no Berlinale Palast, centro nervoso do Festival, onde se deu a estreia.
Seu Jorge faz o papel principal, com grande desempenho, e apoiado por desempenhos excelentes dos coadjuvantes, inclusive de Bruno Gagliasso, que faz o papel do delegado Lúcio, um cruel assassino como o personagem histórico que evoca.
Cerca de 30 atores acompanharam Moura na estreia do filme, o que é raro em termos de um Festival. O diretor salientou o fato em sua rápida fala, em inglês, ao final do filme. Moura sublinhou que o filme é uma homenagem aos que lutaram contra a opressão do regime ditatorial de 1964, mas também aos que lutam agora pela democracia e direitos humanos no Brasil de hoje, evocando Marielle Franco, que, igual ao guerrilheiro dos anos 60, foi assassinada tiros dentro de um carro, no Rio de Janeiro, quase 50 anos depois.
Bruno Gagliasso no papel do delegado “Lúcio” em fotograma de Marighella (2019), de Wagner Moura.
Como no caso do delegado “Lúcio”, o filme toma diversas liberdade poéticas, por assim dizer, em relação aos fatos históricos e outros personagens e seus nomes, mas mantido-se fiel ao roteiro básico da vida do guerrilheiro e àqueles momentos dramáticos do final dos anos 60. Mesmo assim, é possível reconhecer vários dos personagens reais, como o “Velho”, apelido de Joaquim Câmara Ferreira, ou “Toledo”, também assassinado pela equipe de Fleury no ano seguinte, Virgílio Gomes da Silva, o “Jonas”, que atuaram no sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, junto com Vera Magalhães, ou “Dadá”, além de outros e outras personagens. Virgílo foi capturado e assassinado no DOI-CODI, em São Paulo, no final de setembro de 1969, menos depois de um mês depois do sequestro do diplomata.
Retratando os guerrilheiros como participantes de uma luta desesperada para se contrapor ao regime ditatorial, num momento em que todas as liberdades e garantias democráticas eram anuladas pela ditadura de então, o filme não deixa de mostrar todas as contradições e limites da luta armada que abraçaram. O filme está longe de ser uma apologia da violência, embora, como disse seu diretor na entrevista coletiva que antecedeu a apresentação do filme, não queira fazer o julgamento post-mortem dos que escolheram o caminho da guerrilha urbana, nem daqueles que sobreviveram até hoje.
Moura também ressaltou a importância de estrear o filme em Berlim, num momento em que prevê dificuldades para mostra-lo no Brasil, devido à polarização política e o caminho de intolerância e de violência trilhado pela extrema-direita no país.
De todo modo, pode-se dizer que foi uma consagração para o filme, a equipe de atores e seu diretor estreante.
Além de no cinema, em rua próxima do Berlinale Palast houve protestos pela atual situação política no Brasil, evocando as ameaças aos direitos humanos em nosso país e a morte de Marielle Franco, além de pedirem a liberdade de Lula.
Equipe de Marighella (2019) no tapete vermelho da Berlinale.
P.S.: Como costuma acontecer, o cinema brasileiro saiu bem no filme da Berlinale. Espero a tua (re)volta, emocionante documentário de Eliza Capai, sobre a ocupação das escolas em São Paulo, em 2015, ganhou dois prêmios: o da Anistia Internacional e o Premio Internacional da Paz, dado pela Fundação Heinrich Böll, a Fundação Zehlendorf Peace e a Weltfriedendienst. Greta, de Armando Praça, mereceu uma menção no prêmio Teddy, dado a filmes de temática LGBTQI. O 1º prêmio nesta categoria foi para Breve história do planeta Verde, de Santiago Loza, um filme argentino em co-produção com o Brasil, que também ganhou o prêmio Teddy Readers. Outros filmes que impactaram o público foram Estou me guardando para quando o carnaval chegar, documentário algo memorialístico de Marcelo Gomes sobre a cidade de Toritama, no Agreste Pernambucano, declarada “a capital do jeans no Brasil”; Divino Amor, de Gabriel Mascaro, ficção científica sobre o predomínio das religiões pentecostais no Brasil, num futuro não muito distante. Chão, documentário de Camila Freitas sobre o MST em Goiás, também foi indicado para o prêmio da Anistia, ganho por Espero a tua (re)volta. Este foi aplaudido de pé em todas as sessões em que foi apresentado, inclusive na primeira, na Casa das Culturas do Mundo (Haus der Kulturen der Walt), cujo auditório, de 1250 lugares, estava completamente lotado.
***
Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés(2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Seu mais novo livro é O legado de Capitu, publicado em versão eletrônica (e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

Fonte: Blog da Boitempo

Alexandria Ocasio-Cortez, a novata que eletriza a política em Washington

Pelo Mundo

Alexandria Ocasio-Cortez, a novata que eletriza a política em Washington

A congressista de 29 anos se transformou em um fenômeno de massas que conseguiu colocar o socialismo no coração do debate político estadunidense

 
18/02/2019 07:36
(AFP)
Créditos da foto: (AFP)
 
O escritório de Alexandria Ocasio-Cortez chama a atenção, mesmo estando no final de um dos longos corredores do edifício do Congresso estadunidense. Um mural de post-its coloridos colados em ambos os lados da entrada rompe a harmonia da fileira de portas uniformes pelas que se deve passar até chegar até a sua: a de Andy Levin, representante de Michigan; a de David Scott, da Geórgia; ou a de John Ractliffe, do Texas. Nenhum deles conta tampouco com um grupo de garotas em viagem de estudos que passou horas esperando para conhecer pessoalmente a inquilina do número 229, como quem aguarda a Madonna na saída de um concerto. “Ali está ela… A-O-C!”, grita de repente uma das jovens. “Te adoramos!”, exclama outra. Efetivamente, como se fosse uma estrela pop, Ocasio-Cortez saiu por uma porta secundária. Ao ouvir suas iniciais - que se transformaram numa espécie de marca pessoal –, ela dá a volta, faz uma saudação e abre um sorriso do tamanho do Capitólio.

Desde a sua chegada à Câmara de Representantes, no dia 3 de janeiro, Alexandria Ocasio-Cortez colocou Washington de pernas pro ar. Transforma em ouro midiático tudo o que toca, arrasta hordas de millennials e foi capaz de colocar as propostas mais esquerdistas do espectro ideológico americano no centro do debate. Para entender a magnitude do fenômeno que esta mulher de 29 anos (a mais jovem da história a chegar ao Congresso estadunidense), devemos recordar que há pouco mais de um ano ela ganhava a vida atrás de um balcão de um restaurante de tacos em Nova York. Sua vitória nas primárias, durante o verão passado, superando uma das vacas sagradas do Partido Democrata, foi uma das grandes zebras do ano passado. Conseguiu uma eloquente vitória nas eleições de novembro, na disputa por uma vaga como representante do distrito de Queens-Bronx, setor bastante progressista da cidade. Agora, como deputada, deixou de ser mera curiosidade.

Em um país que ainda associa o termo “socialismo” às ditaduras comunistas, Ocasio-Cortez se define como uma socialista-democrática, na mesma linha de Bernie Sanders, e luta por um imposto de até 70% para as rendas superiores aos 10 milhões de dólares, proposta que foi elogiada por economistas de corte progressista como, o vencedor do Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman. Ademais, com o debate migratório como um dos principais temas do país nos últimos tempos, ela defende o desmantelamento da polícia fronteiriça (ICE, por suas siglas em inglês), medida que ganhou a adesão posterior de outros colegas do Partido Democrata, como a pré-candidata presidencial Kirsten Gillibrand.

Seu primeiro discurso no pleno da Câmara de Representantes durou quatro minutos e bateu o recorde de audiência da história do C-SPAN, o canal que cobre a atividade parlamentar. Em apenas 12 horas, já havia sido visto por mais de um milhão de pessoas. Mas isso não é nada comparado com o que aconteceria semanas depois. Seu interrogatório numa audiência sobre o financiamento de campanhas, no qual expôs todos os vazios legais que podem ser utilizados a favor do lobby das grandes corporações dentro da política estadunidense – mostrando que tanto o presidente como os congressistas estão mais à mercê dos que os financiam que dos eleitores – quebrou todos os parâmetros da Internet, com 37 milhões de visualizações.

Nas redes sociais, ela arrasa: criou uma audiência fiel no Instragram, onde conta o dia-a-dia menos conhecido do Congresso, e seu volume de interações no Twitter supera o de qualquer grande meio informativo e qualquer outra figura democrata (incluindo Barack Obama) ou republicana, com exceção de Trump, o único que a supera, segundo um informe da Axios que analisa o período entre 17 de dezembro e 17 de janeiro.

“Ela produz uma espécie de `Efeito Oprah Winfrey´. Oprah tem um status de celebridade tamanho que quando ela apresenta algo ao público, um novo creme, um novo livro, um sapato esportivo, todo mundo se interessa, e a coisa apresentada se transforma em febre nacional. A política é diferente, mas está ocorrendo algo parecido. Ocasio-Cortez fala de coisas que talvez já tenham sido ditas antes, mas nunca forma capazes de captar a atenção das pessoas dessa maneira”, explica por telefone Stephanie Kelton, ex economista-chefe do partido democrata, para o Comitê Orçamentário, e agora professora de políticas públicas na Universidade Stony Brook.

“Ela consegue isso graças a uma combinação de fatores. É muito dinâmica, tem senso de humor, e o mais importante, ela é muito autêntica. Chegou à política sem ter se preparado durante anos para isso, e tem esse olhar refrescante sobre o que acontece em Washington. Viu o que acaba de escrever sobre os indigentes?”, agrega Kelton. Na quarta-feira passada (17/2), a congressista publicou a foto de uma fila de pessoas sem teto em um corredor do Congresso, denunciando uma velha prática existente na capital: os lobistas pagam os pobres para que façam fila por eles antes dos comitês ou audiências, e assim têm assegurados um posto na sala. “A palavra `choque´ não chega nem perto de ser suficiente para descrever isso”, disse.

Uma pergunta que seus críticos fazem com frequência é sobre o quanto dessa euforia se transformará em ações legislativas. Não é normal se esperar tanto de uma congressista novata, menos ainda em seus primeiros meses de atividade, mas tudo o que envolve a jovem e atraente Ocasio-Cortez é exagerado, incluindo as expectativas. O que parece sim evidente é a sua capacidade de agitar o debate político e obrigar o Partido Democrata a se plantear – uma vez mais – o seu “ser ou não ser”. Se o caminho à Casa Branca em 2020 passa por se aproximar do centro ou por uma guinada à esquerda.

Um Green New Deal para os moderados
Um grande exemplo é o Green New Deal, um ambicioso plano meio-ambiental de nome rooseveltiano, apresentado no dia 7 de fevereiro por ela e pelo senador de Massachusetts, Ed Markey. Com forma de resolução, o projeto planteia toda uma transformação da economia que permita o uso de 100% de energias limpas até 2050. O lançamento despertou certo ceticismo entre alguns democratas. A líder do partido no Congresso, Nancy Pelosi, mostrou seu desdém em uma entrevista à imprensa local, mas depois se retificou: “será uma das muitas propostas que impulsaremos”, afirmou, para logo completar: “o green dream (sonho verde) ou seja lá como se chame, ninguém sabe o que é, mas eles vão apostar nisso, não?”. Diga-se de passagem, Ocasio-Cortez não forma parte do Comitê sobre a Crise Climática que Pelosi apresentou no mesmo dia em que se conheceu o Green New Deal. Entretanto, ela é membro de um dos comitês mais poderosos do Capitólio, o de Serviços Financeiros, que aborda a regulação bancária e a independência da Reserva Federal.

Outro caso que colocou as diferentes sensibilidades dos democratas frente a frente tem a ver com a gigante Amazon, que acaba de cancelar seus planos de construir uma nova sede em Nova York – o que supostamente significaria 25 mil novos postos de trabalho – graças à oposição dos políticos locais, especialmente Ocasio-Cortez, que criticaram as vantagens fiscais que a empresa exigia.

Para a rede de notícias conservadora Fox News, a jovem já se tornou uma espécie de belzebu. Entre os democratas, os militantes mais progressistas a adoram e os moderados temem os efeitos que ela pode causar. Em uma coisa todos parecem estar de acordo: Alexandria Ocasio-Cortez não é um acidente. Nesta semana, pelas normativas do Congresso, ela teve que retirar os post-its coloridos de um dos lados da porta do seu escritório. Deixou o outro como está. Uma das mensagens, com letra redonda, diz o seguinte: “continue lutando, acreditamos no que você faz”.

*Publicado originalmente em elpais.com | Tradução de Victor Farinelli

Tragédia de Brumadinho: As principais técnicas para lidar com 'lixo da mineração' que foram ignoradas pela Vale

Tragédia de Brumadinho: As principais técnicas para lidar com 'lixo da mineração' que foram ignoradas pela Vale

O que a mineração trata como lixo já foi transformado em tijolo, pavimento, telha, ladrilho hidráulico, madeira plástica, concreto asfáltico, pigmento, sais para saneamento básico e até mesmo em mais minério

 
18/02/2019 12:27
Lama e areia da Samarco viraram blocos intertravados e em 'madeira' plástica (Divulgação BeGreen/Boulevard Shopping BH)
Créditos da foto: Lama e areia da Samarco viraram blocos intertravados e em 'madeira' plástica (Divulgação BeGreen/Boulevard Shopping BH)
 
Da lama e da areia que sobram do beneficiamento do minério, normalmente ricas em quartzo, óxido de ferro e argila, foram construídas casas protótipos em Ouro Preto (MG) e em Pedro Leopoldo (MG), além de um espaço de convivência num shopping em Belo Horizonte e do calçamento de um bairro em Guarapari (ES).

Em parceria com universidades, mineradoras e o poder público financiaram projetos que provaram ser bem sucedidos como solução não só para evitar o armazenamento de rejeitos em barragens por meio do beneficiamento a seco do minério como também para reciclar resíduos, transformando-os, principalmente, em insumos para a construção civil.

Para Alberto Sayão, professor de engenharia civil da PUC-Rio, a principal alternativa a ser pensada é reduzir a quantidade de água usada no beneficiamento do minério. "Os rejeitos têm muita água porque o método mais usado hoje é por via hidráulica. A água fica armazenada nos reservatórios e isso representa um risco enorme, como temos visto nos últimos anos com uma série de rompimentos", afirma.

O professor lembra que, além disso, mineradoras têm optado pelo tipo de barragem chamado "a montante", considerada a mais barata, a que ocupa menos espaço e, também, a menos segura - esse tipo de construção foi proibido em Minas depois que a Mina do Feijão, da Vale, rompeu em Brumadinho em janeiro, deixando mais de duas centenas de mortos e desaparecidos.

A Justiça em Minas proibiu novos licenciamentos, e o governo mineiro deu três anos para o fechamento de todas as 50 barragens a montante no Estado - dessas, 27 ainda estão em operação.

Não se sabe, contudo, se as empresas vão investir em métodos alternativos, ou se vão continuar usando outros tipos de barragens.

Beneficiamento a seco

No mercado, já há pelo menos duas metodologias de deposição a seco de rejeitos. Uma delas propõe a filtragem e a compactação do resíduo (em forma de pilha ou disposto em locais de descarte de materiais). A outra usa uma tecnologia chamada de pasta mineral, que promove o adensamento de material muito fino.

A Vallourec, empresa que opera em Minas e mantém um centro de pesquisas instalado no Parque Tecnológico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), já usa um equipamento chamado de filtro prensa, que dispensa a construção de barragens.

Depois de cinco anos de pesquisa para eliminar os riscos de instabilidade inerentes às barragens, a Mina Pau Branco, em Minas, passou a operar em novembro de 2015 com o filtro prensa que retira água dos rejeitos e permite o empilhamento dos resíduos drenados.

"Mas esse equipamento ainda é caro", afirma Sayão, lembrando que a água filtrada pode ser reutilizada no processo de beneficiamento do minério.

No entanto, o beneficiamento a seco ainda é exceção no mercado da mineração, em especial em Minas Gerais.

As barragens são responsáveis pela destinação de 94,6% dos rejeitos da mineração de mais de 300 empresas em Minas Gerais que, em 2017, contribuíram para a produção de 562 milhões de toneladas de descartes - metade desse montante é de rejeitos, como os que varreram Brumadinho em janeiro e recentemente forçaram a retirada de famílias que vivem perto de barragens em Itatiaiuçu e em Barão de Cocais, em Minas, diante do risco de rompimento.

Esses dados são do Inventário de Resíduos da Mineração 2018, divulgado pela Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas) em janeiro e que leva em conta a produção de 2017.

Dos rejeitos da mineração em Minas, além das barragens, se usam numa proporção bem menor os métodos de pilha (2,87%), bota fora (0,72%) e depósito de estéril (0,66%). A Feam não especifica o método responsável pelo 1,72% restante.

Os números indicam ainda que empresas têm ignorado várias técnicas da mineração que permitem não apenas a eliminação de barragens no processo de beneficiamento do minério de ferro como também o reaproveitamento de rejeitos, em especial na construção civil.

Reciclagem de rejeitos

Se depender dos projetos elaborados nas universidades em Minas Gerais, muitos deles em parceria com as próprias mineradoras, os resíduos do beneficiamento a seco e mesmo os armazenados em barragens podem ser reutilizados, principalmente na construção civil.

Apesar de haver um certo estigma entre empresas e consumidores em relação a material produzido a partir dos resíduos da mineração, pesquisadores garantem que o rejeito não é tóxico, corrosivo nem inflamável.

"O processo da mineração é hidrofísico, portanto, essa lama não representa risco toxicológico", salienta Ricardo Fiorotti, professor de engenharia e integrante do Grupo Reaproveitamento de Resíduos e da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto). Coordenador do projeto que usa rejeitos da mineração e da siderurgia para erguer uma vila sustentável de casas populares no campus da Ufop, Fiorotti destaca que os resíduos do processo da mineração permitem reduzir o uso de matéria prima como areia e brita.

Desde 2005 pesquisando reciclagem de resíduos da mineração, Fernando Soares Lameiras, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, ele explica que já existe tecnologia que dispensa, por exemplo, alterar a composição ou fazer beneficiamento especifico para transformar resíduos em insumos para construção civil, como tijolo, telhas, blocos.

Já o uso da lama para pigmentos, observa o professor, exige processamento especial. "O mais importante é, antes de iniciar a produção, demonstrar que o material não é perigoso e que cumpre as especificações da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]. Essa tem que ser a primeira preocupação", completa Lameiras.

Segundo os professores que se dedicam a reciclar resíduos, a China é referência mundial em reutilização de rejeitos da mineração. "A Austrália já faz, mas a China é a mais adiantada. Fazemos exatamente os mesmos produtos que eles, a diferença é que eles fazem em escala industrial. Isso é frustrante pra gente", lamenta Lameiras.

Telhas com qualidade superior

A Universidade Federal de Lavras (Ufla) usou resíduos do Fundão, depois que a barragem da Samarco rompeu em Mariana em 2015, para desenvolver uma série de produtos como piso, tijolo, blocos e telhas. O professor Rafael Farinassi Mendes, responsável pela pesquisa, diz que o material que desenvolveu tem um diferencial: o uso de fibras vegetais para potencializar a durabilidade e o conforto térmico.

"Nossas telhas já têm qualidade duas vezes superior à das disponíveis no mercado", defende Mendes.

O professor diz que o laboratório da Ufla ficou pequeno demais, já que sua equipe conseguiu aplicar a tecnologia em escala industrial. Três empresas de Lavras, uma cidade de 100 mil habitantes no Sul de Minas, já se mostraram interessadas em produzir o material a partir do resíduo da mineração. Falta, contudo, matéria-prima, diz Mendes.

"A gente tinha conversado com a Vale, que ficou de indicar uma ou mais barragens, mas as conversas ainda não avançaram como gostaríamos, estão paradas há oito meses", conta.

Casas erguidas da lama

O projeto Reciclos, da Ufop, ganhou prêmio por propor uma vila sustentável com casas populares construídas com rejeitos numa área da universidade. O concreto, a argamassa, os blocos para alvenaria e para pavimentação foram produzidos a partir de rejeitos retirados de barragens de mineradoras.

As casas são protótipos que usam ainda energia solar, cobertura verde e tecnologia para reutilizar a água.

Ricardo Fiorotti, professor de engenharia e integrante do Reciclos, diz que o projeto foi apresentado a mineradoras e, se tivesse já sido aplicado fora dos laboratórios da universidade, poderia reduzir consideravelmente os níveis das barragens de rejeitos e economizar no custo total de uma obra.

Mas, por falta de recursos, o projeto está parado desde 2016. "Os recursos da pesquisa foram contingenciados. Infelizmente está tudo parado naquele ponto, à espera de financiamento", diz Fiorotti.

"É possível reutilizar os resíduos da mineração de forma econômica e dá para fazer dinheiro com rejeitos, mas a escala da mineração envolve valores muito altos. Essas técnicas alternativas parecem não atrair muito o interesse das mineradoras", observa.

A UFMG também já produziu uma casa protótipo com o que um dia foi lama de barragem. Ela fica no Laboratório de Geotecnia e Geomateriais de Produção Sustentável da UFMG, na cidade de Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Desde 1997, a universidade desenvolve técnicas para transformar os coprodutos da mineração em diferentes insumos para construção civil, como tijolo e cimento.

Espaço de convivência em shopping

Outro método desenvolvido nos laboratórios da UFMG é a pelotização de rejeitos. As pelotas podem ser usadas na produção de concreto para substituir a brita.

Os pesquisadores já provaram que a lama da mineração pode ser transformada em material mais refinado.

Com a ajuda do CDTN (Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear), rejeitos da Samarco foram aplicados na primeira fazenda urbana da América Latina. É um espaço de produção de hortaliças sem agrotóxicos, de criação de peixes e de convivência que funciona dentro de um shopping na capital mineira.

Desde 2017, quem passa pelo Boulevard Shopping pode caminhar, sentar e observar de perto o resultado do processo que transformou lama e areia da Samarco em blocos intertravados, usados como piso, e em madeiras plásticas, usadas na fabricação de decks, mesas e cadeiras do espaço ao ar livre.

"A lama também foi usada como pigmento para pintar e colorir o espaço", diz Fernando Soares Lameiras, professor da UFMG e pesquisador do CDNT, que participou do projeto piloto.

Por que as mineradoras não investem?

Mas, segundo pesquisadores, para esses projetos deixarem de ser protótipos, saírem dos laboratórios ou experiências isoladas e passarem a ser produzidos em escala industrial, ainda é preciso convencer as mineradoras a investirem em métodos a seco e a cederem matéria prima, além de ser necessário incentivo governamental para concorrer no competitivo mercado da construção civil.

"Rejeito é o lixo da produção mineral. É custo para as mineradoras, não representa beneficio e elas preferem descartar da maneira mais barata possível. É uma questão de preço, é um problema econômico", diz o professor de engenharia civil da PUC-Rio Alberto Sayão.

Para Sayão, é por isso que mineradoras ainda optam pelas barragens a montante, consideradas mais baratas, que ocupam menos espaço e, ao mesmo tempo, são tidas como mais perigosas.

O professor Fernando Soares Lameiras, da UFMG, diz ser preciso mais que tragédias para mudar o armazenamento e uso de rejeitos da mineração.

Ele defende mudanças na legislação para estimular as empresas a investirem em técnicas alternativas. "Para a mineradora, tirar o rejeito tem um custo, e benefícios fiscais podem facilitar esse processo", diz, emendando que também é preciso de incentivos para que os produtos para a construção civil feitos dos rejeitos sejam competitivos num mercado onde a concorrência é forte.

O professor Rafael Farinassi Mendes, da Universidade Federal de Lavras, avalia que uma legislação que obrigue as mineradoras a reciclar uma porcentagem de seus rejeitos ou mesmo que incentive o poder público a fazer obras usando essa tecnologia desenvolvida em universidades pode ser um bom começo.

"A consciência vai aumentar. Com o que aconteceu em Mariana, já mudou bastante, mas não o suficiente", completa Lameiras, dizendo que as universidades deixaram apenas de testar produtos e passaram a ir ao mercado para tentar viabilizar negócios.

"Se deixar só na mão das empresas e do poder público, não anda tão rápido quanto gostaríamos", afirma, ponderando que as universidades deram um passo adiante e, além de desenvolver tecnologia, têm buscado investidores e tentado mobilizar a indústria da construção civil a apostar no uso de rejeitos.

Alberto Sayão diz que neste ano haverá uma série de debates com entidades de engenharia, especialistas e acadêmicos em diferentes cidades do Brasil para tentar propor soluções viáveis para as mineradoras. Os encontros contam com o apoio do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que reúne empresas do setor.

Procurado para falar sobre técnicas alternativas, o Ibram informou que "no momento não dispõe de alguém para conceder entrevistas" e sugeriu o nome de dois especialistas que não são do quadro da entidade, além de uma série de estudos disponíveis no site do instituto.

O que diz a Vale

A Vale informou que usa tecnologia de processamento a seco para os minérios de alto teor, tanto em Minas Gerais, quanto no Pará, desde 2013. Informou ainda que também já reaproveita material armazenado em barragens "fazendo reprocessamento e gerando produto".

Não esclareceu, contudo, por que ainda não indicou as barragens para a parceria com a Ufla nem qual é a maior dificuldade para abandonar o uso de barragens e reciclar rejeitos.

Em Minas, segundo a empresa, "o processamento a seco foi ampliado de 20%, em 2016, para 32% em 2018". Um exemplo citado pela Vale é a planta da Instalação de Tratamento de Minério da Mina do Pico, em Itabirito, que foi modificada para 100% de produção a seco.

O plano da Vale, de acordo com a assessoria de imprensa da empresa, é aumentar a parcela de produção a seco para 70% em 2023, e, consequentemente, reduzir a utilização de barragens nas operações.

Adicionalmente, informa a Vale, para tratar rejeitos de processamento a úmido, a mineradora planeja investir, a partir de 2020, aproximadamente R$ 1,5 bilhão na implementação de tecnologia de disposição de rejeito a seco.

"O processo a seco está atrelado ao teor do minério de ferro, quanto mais alto o teor, mais é favorecida a adoção do processamento a seco, sem uso de água. Tecnicamente, a mudança consiste na utilização de peneiras de classificação de alta aceleração", explica a empresa.

Segundo a Vale, atualmente, 60% das operações da empresa já usam usam o beneficiamento a seco.

A mineradora diz ainda que, além do processamento a seco, a empresa vem adotando diversas melhorias para ampliar a recuperação metálica nas usinas, reduzindo a quantidade de rejeitos. "Em uma iniciativa prevista na mudança da prática operacional, a Vale está estudando separar o rejeito fino (lama) do rejeito grosso (areia). Atualmente, ambos são misturados em uma única barragem. A Vale está estudando a disposição em pilhas para o rejeito grosso, reduzindo significativamente a necessidade de novas estruturas", diz.

"A Vale também reaproveita o material armazenado em barragens de alto teor, fazendo o reprocessamento e gerando produto, como a barragem do Geladinho, no Pará, e as barragens do Rio do Peixe e de Pontal, em Minas Gerais, além de outros projetos em implantação, como o projeto do Gelado (PA)".

*Publicado originalmente em bbc.com