quarta-feira, 12 de julho de 2017

Eunício Oliveira, o homem da escuridão

terça-feira, 11 de julho de 2017

Eunício Oliveira, o homem da escuridão

Por Altamiro Borges

Para evitar o rolo compressor na aprovação da contrarreforma trabalhista, senadoras da oposição – entre elas, Gleisi Hoffmann (PT), Lídice da Mata (PSB) e Vanessa Grazziotin (PCdoB) – ocuparam nesta terça-feira (11) a Mesa do Plenário do Senado Federal. Diante da combativa e inesperada atitude, o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB), mandou cortar a luz, o som dos microfones e o ar condicionado. Numa postura arrogante, o capacho dos patrões – que desejam extinguir os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e impor a volta da escravidão ao país – ainda esbanjou valentia em uma entrevista ao jornal Estadão: “Deixa elas lá comendo marmita. Nesses três dias não é possível que elas não saiam de lá”.

O “coronel” Eunício Oliveira, um dos apoiadores do “golpe dos corruptos” que depôs a presidenta Dilma Rousseff e alçou ao poder a quadrilha de Michel Temer, adora a escuridão. Ele já foi denunciado por vários crimes praticados na penumbra. Nesta segunda-feira (10), a própria revista Época, que milita pela aprovação da contrarreforma trabalhista, postou uma notinha bem minúscula sobre o sombrio peemedebista. “O presidente do Senado, Eunício Oliveira, será um dos personagens principais das novas informações que o grupo J&F está levantando para entregar ao Ministério Público. Segundo um dos delatores, Oliveira fazia questão de buscar a propina paga. Desconfiava de assessores”.

Diante da grave denúncia, que até mereceria uma chamada de capa na revista da famiglia Marinho, a assessoria do senador divulgou uma nota ríspida. “É falsa a informação contida na nota VIPs da coluna Expresso desta semana. Jamais, em tempo algum, o senador Eunício Oliveira manteve relação imprópria com executivos ou sócios da JBS. A revista, por sua vez, sequer procurou ouvir o outro lado antes de publicar suposta informação injuriosa e caluniosa... Reparações serão buscadas nos devidos foros”. A tréplica foi protocolar. “Nota da Redação: Expresso mantém o que publicou”. Nada mais se falou sobre a inflamável denúncia – talvez para não prejudicar a votação da contrarreforma trabalhista.

Esta não é a primeira vez que Eunício Oliveira é tirado da escuridão. Quando da sua eleição para a presidência do Senado, em 1º de fevereiro deste ano, a revista CartaCapital publicou uma longa reportagem sobre o “Índio”. Vale conferir alguns trechos:

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Em 2014, quando disputou o governo do Ceará (e perdeu para Camilo Santana, do PT), Eunício Oliveira declarou patrimônio de 99 milhões de reais. A maior parte está na Remmo Participações S/A, uma holding que detém diversas companhias, como a Confederal e a Corpvs, ambas do ramo de segurança e vigilância. Na sexta-feira [28 de janeiro], reportagem do jornal O Estado de S.Paulo mostrou que as duas companhias de Eunício têm contratos de 703 milhões de reais com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, bancos controlados pela União e largamente influenciados pelo PMDB. Os contratos tiveram início em 2011, quando começou o mandato do cearense, e vão até 2019, quando acaba o mandato.

Outra parte dos milhões de Eunício está na Santa Mônica Agropecuária e Serviços, uma enorme propriedade rural com mais de 21 mil hectares localizada entre os municípios goianos de Alexânia e Corumbá de Goiás. Como CartaCapital mostrou em setembro de 2014, da estrada que atravessa a propriedade, é possível avistar represas, aeroporto particular regularizado pela Agência Nacional de Aviação Civil, várias casas, benfeitorias e pastagens a perder de vista. Todas as entradas são vigiadas por seguranças particulares.

A Santa Mônica foi invadida duas vezes pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em agosto de 2014 e junho de 2015. Nas duas ocasiões, os ativistas deixaram o local após receberem a promessa de que seriam contemplados em assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Nas duas ocasiões, o MST salientou suas dúvidas a respeito de como Eunício Oliveira conseguiu amealhar tantas terras conjugadas para criar seu latifúndio. Como também mostrou CartaCapital, em outubro de 2014, Eunício é acusado de ter pressionado diversos pequenos agricultores para conseguir criar seu latifúndio.

Chama atenção no histórico de Eunício o crescimento patrimonial que teve em um período de quatro anos. Em 2010, quando disputou o Senado, Eunício tinha uma patrimônio declarado de 36 milhões de reais. Em 2014, na disputa pelo governo do Ceará, o patrimônio era de 99 milhões de reais. O rápido crescimento na fortuna não incomodou a Receita Federal, fenômeno que ocorreu com Eunício também alguns anos antes. Em 2006, o então candidato à Câmara não declarou a posse de nenhum boi ou vaca ao Tribunal Superior Eleitoral. Um ano depois, em maio de 2007, a Agrodefesa de Goiás computou ao peemedebista a ‘posse de 9.258 animais bovinos’. Em maio de 2008, dois anos após declarar não possuir gado, Eunício detinha em seus registros estaduais 19.411 animais. De sitiante, o parlamentar tornou-se o maior criador de gado nelore da região.

Na Operação Lava-Jato, Eunício tem um papel de destaque. Em sua delação, Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, relata o pagamento pela empreiteira, entre 2006 e 2014, de mais de 80 milhões de reais em propina, caixa dois e doações legais de campanha a quase 50 políticos. Nas 82 páginas do documento, Melo Filho detalha sua relação com os dois principais grupos do PMDB, o do Senado, capitaneado por Renan Calheiros, Eunício e Romero Jucá (RR), e o da Câmara, historicamente liderado por Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco.

No Senado, Jucá era o principal interlocutor do ex-diretor da construtora. Por estratégia pessoal, diz Melo Filho, ele focado sua atuação junto a Jucá, Renan e Eunício, que assumem os respectivos codinomes de ‘Caju’, ‘Justiça’ e ‘Índio’, por serem essas figuras fortes no Congresso, capazes de guiar as votações. Não à toa, Melo Filho afirma que eles são o ‘núcleo dominante’ do PMDB no Senado. Segundo a mesma delação, Calheiros recebeu cerca de 6 milhões de reais e Eunício, 2 milhões, para atuarem em favor da Odebrecht no Senado em emendas benéficas à empresa.


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Mais recentemente, em abril deste ano, uma nova denúncia saiu da penumbra contra o presidente do Senado. Através de um levantamento feito no site da Procuradoria-Geral da Fazenda descobriu-se que uma das empresas de Eunício Oliveira, a Confederal Vigilância e Transporte de Valores, tem cerca de R$ 8,4 milhões em dívidas previdenciárias com a União. O total corresponde a três débitos. A maior dívida da empresa é de R$ 5,943 milhões referente à unidade em Brasília. Os outros dois calotes previdenciários são de R$ 1,479 milhão, no Rio de Janeiro, e de R$ 1,054 milhão, em Aparecida de Goiânia (GO). Os débitos estão inscritos na Dívida Ativa da União.

Eunício Oliveira não é o único senador que sonega impostos, mas que deseja euforicamente suprimir os direitos trabalhistas e acabar com a aposentadoria no país. Recente matéria do site Repórter Brasil comprova que empresas de 86 parlamentares devem milhões em tributos. “Enquanto debatem a reforma da Previdência, deputados federais e senadores estão associados a empresas que devem R$ 372 milhões ao INSS. Segundo levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), 73 deputados e 13 senadores estão ligados a grupos devedores da Previdência, um em cada sete congressistas. As empresas presentes no levantamento têm parlamentares como sócios, presidentes, fundadores ou administradores. Casos em que os CNPJs estão vinculados aos CPFs dos congressistas. Entre elas, há redes de televisão e rádio, hotéis, frigoríficos, companhias siderúrgicas e até diretórios de partidos políticos”, relataram os jornalistas Piero Locatelli, Ana Magalhães e Ana Aranha.

Esta roubalheira talvez explique porque Eunício Oliveira mandou apagar as luzes na votação da contrarreforma trabalhista.

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O apito da panela de pressão

11/07/2017 18:00 - Copyleft

O apito da panela de pressão

Frente ao atual quadro, é compreensível a indagação de quem não entende a passividade da maioria. Até quando aguardar para que ouçamos o apito da panela?


Paulo Kliass *
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O primeiro semestre deste ano marca o quadragésimo aniversário de uma importante etapa do movimento de luta contra a ditadura militar, que havia se instalado em nosso País em 1º de abril de 1964. Entre maio e junho de 1977 os estudantes foram às ruas em várias capitais denunciando prisões arbitrárias, a repressão generalizada e também as questões específicas da pauta na área da educação. As primeiras manifestações ocorreram na capital paulista.
 
Parte dessa mobilização, até então inédita desde as passeatas de 1968, foi registrada na forma de um importante documentário realizado por estudantes da USP no calor dos acontecimentos. O filme recebeu o título de “O apito da panela de pressão” e foi divulgado pelo Brasil afora, apesar de proibido pelo governo do General Geisel. O exemplo vindo das imagens registradas em São Paulo operou como catalisador do sentimento generalizado de repúdio ao regime, mostrando que havia espaço para ampliar as lutas.
 
À época, o acúmulo de medidas impopulares patrocinadas pelos militares e a piora nas condições de vida da maioria da população contribuíram para o isolamento ainda maior do regime. As manifestações dos estudantes soavam como o apito de uma panela no fogo, anunciando de forma ampla que a pressão e a temperatura haviam atingido um patamar próximo do limite do suportável.
 
Temperatura e pressão no limite do suportável.
A exemplo do que ocorria naquele período, hoje em dia muita gente se pergunta o que estaria acontecendo nas bases de nossa sociedade nos tempos atuais. Não haveria motivos suficientes para o surgimento de um amplo e sólido movimento que oferecesse uma alternativa política e institucional a essa crise que se arrasta há tanto tempo? Desde os primeiros passos que culminaram no êxito do golpeachment o Brasil profundo parece que assiste passivamente - impávido colosso? - ao desenrolar da conjuntura. A direção do processo permanece em mãos das classes dominantes, em especial do sistema financeiro e dos meios de comunicação.
 
Ao que tudo indica, estariam presentes por agora tanto as chamadas condições objetivas quanto as subjetivas para que o governo Temer fosse destituído e novas eleições fossem convocadas. Essas seriam as diretivas consignadas em #ForaTemer e #DiretasJá espalhadas pelo País afora. As condições objetivas se expressam na multiplicidade de aspectos negativos derivados da política econômica do austericídio e que afetam a piora evidente das condições de vida e trabalho da grande maioria da população. As condições subjetivas abundam na sucessão de escândalos políticos que são revelados a cada dia, envolvendo o Presidente e sua equipe mais próxima, além da profunda crise moral e institucional que se generaliza.
 
Ora, mas então o que estaria faltando na conjuntura atual para que o apito da panela de pressão passe a revelar de forma estrondosa e ruidosa que o limite do aceitável foi mesmo atingido?
 
Desemprego, falência, fome e que mais?
Os níveis de desemprego não param de crescer a cada nova pesquisa realizada por todas as entidades que se ocupam do tema. De acordo com os últimos dados do IBGE, havia 14,2 milhões de desempregados em todo o País. Esse levantamento, além da gravidade dos números, tende a subestimar a realidade das áreas metropolitanas, uma vez que a informalidade terminou por incorporar parte dos demitidos e a metodologia da pesquisa ignora os obstáculos para procurar novo emprego em quadro de tamanhas dificuldades. Tanto que os dados do DIEESE apontam para uma taxa de desemprego próxima 19% na região metropolitana de São Paulo.
 
A atividade econômica de forma geral também aponta para a maior recessão de nossa História. Já corremos o risco de nos aproximarmos de um terceiro ano consecutivo de retração do PIB, que já recuou 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. Com isso, aprofundou-se de maneira ainda mais trágica o processo de desindustrialização de nosso País, com a perda crescente de participação da atividade manufatureira no produto interno. Com isso, observa-se um aumento da dependência de nosso parque econômico à importação de bens industrializados de todo tipo. Desde os itens de consumo de massa de baixíssimos preços até os produtos mais sofisticados de alto valor agregado.
 
Recessão proporciona prejuízos também para o capital e não apenas para os trabalhadores. As empresas, em especial de pequeno e médio porte, não resistem à queda da demanda e aos elevados custos financeiros. Com isso, as estatísticas oferecem dados impressionantes a respeito de pedidos de falência e de recuperação judicial. Em 2015, quando os sinais da crise chegaram com maior força, houve um crescimento de 31% nesse índice. Em 2016, os pedidos de recuperação judicial de empresas haviam crescido 45% em relação ao ano anterior.
 
Os números relativos a vendas no comércio também reforçam o mesmo quadro desesperador. O faturamento geral das empresas do setor realizado ao longo de 2016 apontou uma queda de 6,2% em relação ao ano anterior, conferindo ao ano passado a marca de pior marca desde o início da série em 2001. Essa tendência era mesmo de se esperar, uma vez que a recessão induzida pelo cardápio da ortodoxia diminui a capacidade de consumo das famílias, dos indivíduos e das empresas.





 
A panela de pressão ainda não apitou?
Outro ponto sensível nesse modelito imposto pelo financismo é a queda de receitas do próprio Estado. Assim, a capacidade arrecadatória fica comprometida e a sanha pela austeridade fiscal a qualquer custo faz das políticas sociais uma verdadeira terra arrasada. E dá-lhe Emenda Constitucional nº 95/2016, com a imposição de um teto de gastos públicos por longos 20 anos. E dá-lhe Reforma Trabalhista com retirada de direitos e volta ao início do século XX. E dá-lhe Reforma da Previdência com a destruição do regime de seguridade social público e universal.
 
Além disso, as demais dotações orçamentárias para saúde, educação, assistência social, investimentos, pessoal e outros ficam também reduzidas. Passam a explodir crises em hospitais, escolas, universidades, ao ponto de redução ou eliminação de programas como emissão de passaportes, financiamento estudantil, Programa Minha Casa Minha Vida, acesso ao Bolsa Família e tantos outros. O retorno aos patamares anteriores de desigualdade social e econômica se combina ao aumento dos índices de pobreza e precariedade social.
 
A barbaridade é tamanha que as entidades encarregadas de acompanhar o comportamento da fome e da miséria já alertam para os riscos do Brasil voltar a frequentar o Mapa da Fome no Mundo elaborado pela ONU. Isso porque são grandes as possibilidades de que mais de 5% de nossa população esteja passando por graves necessidades e não consiga se alimentar com o mínimo necessário.
 
Frente a um quadro clamoroso como esse, é mais do que compreensível a indagação de quem não entende a passividade da maioria da população. Até quando será necessário aguardar para que ouçamos o apito da panela no fogão? Qual o limite do (in)suportável em termos de aumento de temperatura e de pressão para evitar os estragos irrecuperáveis em termos de nosso tecido social?
 
 
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.


Créditos da foto: .

COMPRA DE APOIO PARLAMENTAR CONSOME ORÇAMENTO

Compra de apoio parlamentar consome Orçamento
Beto Barata


De acordo com a economista Laura Carvalho, a permanência de Michel Temer na Presidência não é só “vergonhosa”, como também está “custando caro demais para a população”. Isso porque, denuncia a professora da USP, a compra de apoio parlamentar tem consumido boa parte do Orçamento.

Enquanto isso, o Bolsa Família fica sem reajuste e tira-se verba de um setor para cobrir outro.

“Em vez de livrar-nos de um governo corrupto e ilegítimo, cada novo escândalo acaba fazendo com que se gaste mais para manter coesa a base aliada e, consequentemente, com que sobre menos recursos ainda para as áreas prioritárias”, escreve Laura, em artigo na Folha de S. Paulo.

Ela destaca que, na ânsia de evitar o prosseguimento da denúncia de corrupção passiva que é analisada na Câmara, Temer abriu seu gabinete e passou 13 horas recebendo políticos.

No centro das conversas, articulações para tentar barrar o avanço da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente. As negociações incluíram liberação de emendas e oferta de cargos.

Na última terça (4), matéria da Reuters noticiou que, em junho, o governo federal ampliou - e muito - a liberação de recursos para emendas parlamentares. A iniciativa ocorreu após a delação dos executivos da JBS envolvendo o presidente.

De acordo com dados do SIAFI, nos cinco primeiro meses de 2017, o governo transferiu R$ 959 milhões em emendas parlamentares e restos a pagar. Só em junho, esse valor foi de R$ 529 milhões, o que fez com que o montante acumulado no ano chegasse a cerca de R$ 1,48 bilhão.

“A título de comparação, no dia 9 de maio — poucos dias antes da divulgação da delação que implicou Temer feita por executivos da JBS -  a liberação acumulada no ano era de R$ 531,5 milhões”, diz o texto da Reuters.

No seu artigo, Laura Carvalho lembra que o governo aprovou uma Emenda Constitucional que impõe limite aos gastos públicos, alegando que haveria maior eficiência na alocação de verbas. Para os defensores da regra, com o teto de despesas, o governo teria que gastar com o que seria mais importante.

“Mas qual a escala de prioridades do governo? Na feira do apoio parlamentar, garante-se primeiro o Orçamento para a rejeição à denúncia e depois para a aprovação das reformas”, escreve.

Para ela, tentar passar a ideia de que o PMDB poderia ser o “bastião da reponsabilidade fiscal” seria uma contradição, mas pensar que impor a regra do teto de gastos seria suficiente para “livrar-nos do fisiologismo é muita ingenuidade”.


E O BANQUEIRO DECIDIU COBRAR A CONTA DO GOLPE

E o banqueiro decidiu cobrar a conta do golpe
Paulo Moreira Leite


Os interessados num curso rápido sobre Política Brasileira nos tempos de Michel Temer-Henrique Meirelles devem debruçar-se diante do artigo "A importância da Reforma Trabalhista", do banqueiro Roberto Setúbal. Um dos homens mais ricos do país -- em 2012 a Forbes estimou sua fortuna em R$ 6,2 bilhões -- Roberto Setúbal é um dos herdeiros do Itaú Unibanco, o maior banco do país, com ativos da ordem de R$ 1,4 trilhão.

Foi o principal executivo da instituição nas duas últimas décadas. Há menos de um mês, o banco anunciou sua substituição por Cândido Bracher.

Numa época em que a maioria das empresas enfrenta a pior recessão desde 1948 e os brasileiros encaram um desemprego como nunca foi registrado, os bancos em geral e o Itaú em particular acumulam números risonhos de prosperidade. No primeiro trimestre de 2017, o lucro da instituição chegou a R$ 6,05 bilhões. Foi um crescimento espetacular -- 19,6% -- em comparação com o ano passado.

Como era previsível considerando seu papel destacado na articulação que derrubou Dilma, o Itaú emplacou um homem de confiança na posição mais estratégica do mercado financeiro: Ilan Goldfarb, presidente do Banco Central, era o economista-chefe do banco. Num sintoma das mudanças implementadas desde então, nunca mais se ouviu os porta-vozes do Estado Mínimo engrossarem o coro sobre a Independência do Banco Central, que tanta discussão causou na campanha de 2014. Não é mais preciso, pois o mercado passou a mandar.

(E manda tanto que, mesmo em caso de queda do presidente da República, os patronos do golpe já trabalham para que a equipe econômica permaneça intocável).

Poucos meses depois da posse de Temer no Planalto e de Henrique Meirelles na Fazenda, os bancos estatais, que haviam reforçado a musculatura na década anterior para acolher clientes abandonados pelo setor privado, começaram a ceder espaço. Enquanto o BNDES era esterilizado, o Banco do Brasil perdeu tamanho: 400 agencias foram fechadas e outras 400 foram reduzidas a postos bancários. Em nome do equilíbrio financeiro, as instituições que haviam assumido a liderança na recuperação de 2008-2009 tornaram-se menos competitivas, abandonando o esforço de ampliar a própria clientela. A Caixa passou a cobrar a segunda maior taxa de juros do crédito rotativo. O Banco do Brasil tornou-se dono do juro mais alto, entre os cinco maiores bancos, para a compra de veículos. Não surpreende que, com a economia em queda, o estoque geral de crédito tenha encolhido. A redução foi da ordem de 6,4% em relação ao ano anterior. Mas a queda foi maior entre bancos estatais -- 7,7% -- do que nos privados, 4,8%.

No esforço para embelezar um projeto rejeitado pelos brasileiros na proporção de 5 contra 1, conforme pesquisa DataFolha (2/5/2017), Roberto Setúbal emprega termos que a atual moda ideológica chamaria de "populistas". Escreve que "capital e trabalho são parceiros, estão no mesmo barco".

É fácil enxergar, contudo, o risco de afogamento para quem não tem hospedagem garantida na primeira classe e compreender que a desregulamentação -- peça chave da reforma -- implica, em primeiro lugar, em maiores facilidades para demitir e desempregar.

Ficando no caso específico. Entre janeiro de 2013 e maio de 2017, os bancos suprimiram 45 419 postos de trabalho, fechando, em caráter permanente, vagas que abrigavam perto de 10% da categoria. Desse total, quase a metade -- 20.553 vagas -- foram extintas em 2016, o ano em que Dilma caiu. Outras 9 621 foram fechadas nos primeiros cinco meses de 2017. Não se fala, aqui, da velha rotatividade de mão de obra, utilizada pelas empresas para pegar de volta o reajuste de salário entregue depois de cada dissídio. É supressão de emprego, sem volta.

Numa área onde a jornada de seis horas, fixa em lei, é alvo de uma guerra constante de funcionários e empresas, Setúbal apoia a jornada intermitente -- aquela que não tem hora para terminar nem para acabar, tudo de acordo com a disponibilidade do patrão-freguês, transformando o trabalho de cada dia numa "servidão voluntária," como lucidamente definiu o ministro Maurício Godinho Delgado, do TST.

Claro que Setúbal acha que a aprovação da terceirização ampliada foi uma boa ideia e reclama que o Brasil tem sindicato demais. Defende o fim do imposto sindical com palavras liberais: " a proposta oferece ao trabalhador um novo direito: o de escolher se quer ou não contribuir para a associação de sua classe profissional." Mas nada diz sobre o Sistema S, que garante às entidades patronais uma receita exclusiva de R$ 16 bilhões, que transforma o imposto sindical, do ponto de vista patronal, em mesada para crianças. Setúbal também imagina que o país vai sair ganhando caso a Justiça do Trabalho deixe de ser gratuita -- e se, antes lutar por seus direitos, todo assalariado for obrigado a pensar duas vezes antes de entrar com uma ação que, em caso de derrota, irá custar multas impagáveis no horizonte de quem vive de salário.

Um dos principais defensores da noção de que os problemas atuais da economia brasileira são herança direta dos anos Dilma, Roberto Setúbal defende as reformas em tom apocalíptico. "Computando as projeções de mercado, só em 2021 vamos recuperar o nível anterior, completando oito anos sem crescimento de renda. No mesmo período, a renda média mundial terá crescido, aproximadamente, 20%,"escreve. "Nesse contexto se insere a necessidade de fazermos reformas."

Entrevistada pelo 247, a dirigente sindical Juvandia Moreira Leite (sem parentesco com o autor destas linhas), que acumulou sete anos a frente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e tem um mandato de vice presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Setor Financeiro, diz que "os argumentos a favor da reformas estão errados pelo princípio. Em poucos países como o Brasil as empresas tem tanta facilidade de demitir, como provam os 45 000 empregos de bancários suprimidos em cinco anos. Além disso, você não consegue explicar a rotatividade anual da mão de obra, sem reconhecer a facilidade para demitir funcionários."

Para Juvandia, "o que os patrões querem é regularizar o bico, impedindo que seja motivo de ações futuras na Justiça."

A consulta a um estudo com a chancela da Organização Internacional do Trabalho ajuda colocar o debate no devido lugar. Trata-se de um levantamento em 110 países, que avalia os efeitos dos programas de desregulamentação aplicados a partir da crise de 2008-2009, disponível em inglês ("Drivers and effects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium"). Nos parágrafos finais, após dezenas de gráficos e tabelas, chega-se a uma conclusão instrutiva -- os trabalhadores nunca saíram ganhando.

No menos pior dos casos, pode-se perceber, os trabalhadores se sacrificaram, abriram mão de direitos anteriores em troca da promessa de mais empregos mas as novas vagas não vieram. Sem qualquer espirito panfletário, como convém a uma instituição que representa pontos de vista de governos diferentes e até opostos, o documento fundamenta suas conclusões com argumentos técnicos. Avaliando mudanças sobre a jornada de trabalho (74% dos casos), contratos temporários (65%) e demissões coletivas (62%), mostra que em boa parte dos casos avaliados a desregulamentação teve um efeito nulo ou "estatisticamente insignificante" na criação de empregos, tenha custado direitos mão de direitos garantidos anteriormente.

Mas o caso é diferente, mostra a OIT, quando se analisa a situação de países que resolveram aplicar programas de desregulamentação no meio de uma crise econômica. Como podemos imaginar, é justamente este o caso do Brasil de Temer. O impacto das mudanças, neste caso, agrava a crise no emprego em vez de aliviar. "Quando os efeitos das reformas são examinados em diferentes momentos do ciclo econômico, o resultado confirma a hipótese de que, implementadas em tempos de crise, intervenções desreguladoras têm um efeito negativo a curto prazo." Ponto. Parágrafo.

Laboratórios de uma experiência social perversa, os países em estágio avançado de desregulamentação do trabalho oferecem aquele espetáculo ao alcance do olhar de todo turista: empobrecimento, queda nos serviços públicos e, em alguns casos, surtos autoritários e reações fascistas. Isso acontece porque as reformas colocam em movimento uma bola de neve negativa, que começa pela perda de renda, depois o empobrecimento e a queda no consumo, que acaba enfraquecendo a demanda e a produção -- num conjunto que bloqueia a retomada da economia, em vez de reanimá-la. Mesmo juros perto de zero não atrapalham mas estão longe de alcançar o efeito desejado.

No caso brasileiro, a destruição da CLT é mais do que uma lembrança histórica. Implica na substituição de um projeto de crescimento apoiado numa política de industrialização e construção de um mercado de massas, pela integração subordinada ao mercado mundial, onde o custo do trabalhador brasileiro precisa ser compatível com aquilo que países na mesma situação oferecem.

"Estamos falando de uma mudança muito mais profunda do que se pensa" afirma o sociólogo Clemente Ganz, do DIEESE, um aplicado estudioso da reforma. "O eixo da economia deixa de ser interno para ser determinado de fora para dentro. O rendimento de nossos trabalhadores não tem referencia suas necessidades nem as possibilidades do país mas devem competir com o de outros assalariados. Nessa perspectiva até os chineses se tornaram mais caros. A mão de obra brasileira está sendo organizada para competir com trabalhadores de países mais pobres da Asia e também da África. Deve ser compatível com isso." Clemente Ganz acha necessário debater, sim, mudanças na legislação trabalhista. "Mas isso precisa ser debatido, negociado. Não pode ser imposto numa posição de força, goela abaixo."

Quando faltam poucos dias para o Senado votar a reforma, chega a ser inquietante imaginar o tipo de sociedade que se pretende construir a partir daí. Mesmo num país conhecido pela estrutura desigual, o mapa de distribuição de renda no interior dos bancos brasileiros surpreende pelo abismo construído entre a cúpula das instituições e sua base -- aquela, do "mesmo barco". Mesmo numa instituição estatal, como o Banco do Brasil, a diferença de rendimento entre um diretor e um esrciturário é grande -- 42 vezes. No setor privado, contudo, é ainda maior. No Bradesco, a distância é de 109 vezes. No Santander, fica em 144 vezes. Mas nenhuma instituição supera o Itaú nesta matéria. Seus diretores tem um rendimento anual de R$ 12,5 milhões, o equivalente a 255 vezes aquilo que recebe um escriturário.

Olhando por essa perspectiva, é possível imaginar o que a reforma trabalhista nos aguarda, caso venha ser aprovada pelo Senado.

A vida só pode piorar.

Alguém duvida?