terça-feira, 24 de setembro de 2013

Temos que impedir o "leilão" . Divulguem

Libra: por que não a Petrobras?


Brasil é tecnicamente capaz de explorar maior reserva petrolífera do Ocidente. Por trás da licitação, pressões financeiras e lógica imediatista
 
23/09/2013
 
André Garcez Ghirardi
 
 
Em 18 de setembro, começou a tramitar no Senado Federal um Projeto de Decreto Legislativo (PDL 203/2013) que suspende a realização do primeiro leilão para exploração de reservatórios de petróleo do pré-sal, previsto para 21 de outubro próximo. Formalmente, um decreto legislativo regula matérias de competência exclusiva do Congresso, entre elas sustar atos normativos da Presidente da República. No caso, o projeto pretende sustar as resoluções 4 e 5 de 2013 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), e um Edital de Licitação da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Que está em jogo?
O leilão de Libra é diferente dos outros que já ocorreram, envolvendo o petróleo brasileiro –inclusive os realizados ou previstos, sem sobressaltos, em maio (11ª Rodada), ou para novembro (12ª Rodada). No leilão de Libra será oferecida pela primeira vez uma área do pré-sal, a formação geológica descoberta pela Petrobras em 2007, que contém a maior acumulação conhecida de petróleo no hemisfério ocidental. A oferta pública será feita sob uma nova modalidade de contrato: partilha de produção. É diferente da concessão, utilizada nos outros leilões.
Devido às características físicas dos reservatórios, a extração de toda essa riqueza apresenta risco muito baixo para a companhia vencedora. Nas descobertas já feitas pela Petrobras, no pré-sal da Bacia de Santos, houve sucesso em 10 dos 10 poços perfurados (100%); no pré-sal como um todo, houve sucesso em 41 de 47 poços perfurados (87%). É taxa altíssima, em comparação à média mundial da indústria, em torno de 20%.
Além disso, os volumes existentes são colossais: conforme consta da Justificativa do PDL 203, já se tem confirmada a existência de 60 bilhões de barris de petróleo nas áreas investigadas. O volume corresponde a quatro vezes as reservas provadas do Brasil, neste momento; seria suficiente para abastecer o país por mais de 80 anos, aos níveis atuais de consumo.
A riqueza a ser gerada é também gigantesca: conforme o PDL 203, o valor estimado do petróleo recuperável em Libra é de R$ 1,6 trilhões – ou seja, 64% do valor de mercado de todas as empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Baixo risco, grandes volumes e alto valor: são esses os motivos pelos quais foi instituído o novo regime de contratação – a partilha de produção. Nele, a participação do Estado nas receitas é maior. Além disso, o petróleo produzido é de propriedade do Estado, que tem autoridade sobre a comercialização do que for produzido. No contrato de concessão, o petróleo era de propriedade da empresa concessionária, que tinha total liberdade para comercializar seu produto. É por isso que o leilão das áreas do pré-sal é diferente de todos os que ocorreram até agora.
Mas a razão central da controvérsia não é o tipo de contrato: é o leilão em si. O que se questiona é se deve ou não haver licitação. As normas legais abrem espaço para optar. A lei 12.351/2010, que rege exploração de petróleo pelo regime de partilha, diz, no caput do Artigo 8º: “A União, por intermédio do Ministério de Minas e Energia, celebrará os contratos de partilha de produção: I - diretamente com a Petrobras, dispensada a licitação; ou II - mediante licitação na modalidade leilão”.
Está explicitamente prevista, portanto, a possibilidade de contratação direta da Petrobras, tratada em seção específica (1). É neste último artigo que se apoia a justificativa do decreto legislativo 203/2013. Ele afirma que o bloco de Libra “é uma área de energia do mais alto interesse estratégico para o País, e, em conformidade com o art. 12 da Lei 12.351/10, a ANP deveria negociar um contrato de partilha com a Petrobras ... mantendo essa riqueza no País para o bem do povo brasileiro”. Não há, na lei vigente, nenhuma disposição que obrigue a oferta em leilão. O Brasil o fará se quiser.
Quem propôs o leilão e por que? A proposta é da competência do CNPE, órgão criado pela Lei do Petróleo (lei 9.478/97) e vinculado diretamente à presidência da República – que pode acatar ou rejeitar a sugestão do CNPE. No caso de Libra, o CNPE propôs e a Presidente da República acatou a realização do leilão. Por que não contratar diretamente a Petrobras? Pelo Artigo 12 citado acima, a contratação direta é feita segundo dois critérios: “preservação do interesse nacional” e “atendimento dos demais objetivos da política energética”.
O leilão de Libra preserva o “interesse nacional”? O conceito é obviamente amplo e admite muitas interpretações diversas. Contrariamente ao que prevaleceu no CNPE, a objeção apresentada no Senado considera que o interesse nacional estará mais bem atendido se a produção do petróleo de Libra for contratada diretamente com a Petrobras. Se tomarmos por referência a história da indústria do petróleo, o principal atributo do interesse nacional, neste caso, é a chamada “segurança energética”, entendida como a garantia de suprimento de petróleo para o funcionamento da economia doméstica em caso de restrição de abastecimento no mercado mundial. É esse o movente principal de todos os Estados nacionais com respeito a petróleo. Além desse argumento, por si decisivo, também poderiam ser citados a favor do entendimento do PDL 203 outros objetivos de política energética (e seus respectivos números de ordem, na Lei do Petróleo): promover o desenvolvimento (II), proteger os interesses do consumidor (III), promover a conservação de energia (IV), garantir o fornecimento de derivados de petróleo (V). Sob essa perspectiva histórica, meu entendimento é que o interesse nacional (segurança de abastecimento) estaria mais protegido se a exploração de Libra fosse contratada diretamente com a Petrobras.
A favor da proposta do CNPE poderia ser alegado principalmente o objetivo de atrair investimentos na produção de energia (X). É certo que, com a participação de diversas empresas, obteremos imediatamente um volume de investimento e produção maior do que seria possível apenas com a Petrobras. Não é tão certo, porém, que esse seja um objetivo importante para a exploração do pré-sal. A atração de investimento é importante nos empreendimentos de alto risco – que não é o caso do pré-sal. A licitação de Libra atrairá petroleiras, principalmente as internacionais de grande porte, que vêm no petróleo do mega-campo uma grande oportunidade de negócios de baixo risco e altamente rentáveis.
Mas elas agregarão relativamente pouco, em termos de compartilhamento de risco. A participação dessas empresas foi e continua sendo importante na exploração de áreas relativamente desconhecidas, nas quais ainda é alto o risco de insucesso. No caso do pré-sal, interessa atrair investimentos não das petroleiras, e sim das companhias com produtos de tecnologia de ponta, que prestam serviços de apoio à produção de petróleo. Trata-se de empresas que já estão se instalando no Brasil e que estarão presentes de toda maneira.
Além de contribuir pouco para reduzir o “risco” de Libra, existe a desconfiança de que a atração de grandes petroleiras estrangeiras para o leilão seja motivada por objetivos imediatos de política econômica, conflitantes com os objetivos de política de petróleo. Ao fazer a licitação, o governo federal terá uma receita imediata com o “bônus de assinatura” dos contratos, fixado em R$ 15 bilhões. É um desembolso imediato gigantesco, que a Petrobras não poderia suportar, conforme disse a presidente da companhia, Graça Foster. A dimensão fica mais clara se considerarmos que o lucro total da companhia, em todo o primeiro semestre de 2013, foi de R$ 14 bilhões o lucro da companhia. Graça afirmou, em audiência no Senado (19/9/2013), que é exclusivamente de ordem financeira a restrição que impede a Petrobras de empreender, sem sócios, o desenvolvimento de Libra. Esclareceu que a Petrobras teria plenas condições técnicas e operacionais para explorar 100% do campo. Mas admitiu que a realidade financeira atual não permite que a empresa banque sozinha o alto “bônus de assinatura” exigido pelo governo brasileiro.
É contundente a comparação feita na Justificativa do PDL 203/13: o valor que a empresa brasileira será obrigada a desembolsar para o governo, a título de bônus de assinatura pela participação de 30% na exploração do campo, é equivalente ao custo total de uma unidade flutuante completa, que poderia ser usada para produção. Coincidência ou não, o leilão de Libra, se ocorrer, virá num momento em que o governo federal se vê obrigado a contingenciar despesas para equilibrar seu orçamento, e em que a saída de divisas deprecia a moeda brasileira. Essa conjunção de fatos dá margem à suspeita de que a decisão de licitar Libra, em vez de contratar diretamente a Petrobras, possa ter sido determinada por objetivos de curto prazo na política fiscal e na política monetária. Se isso de fato aconteceu, haverá muito a lamentar.
Deixo para um próximo momento outras supostas irregularidades no edital de licitação e no modelo de contrato que, segundo o PLD 203/2013, justificariam o cancelamento da licitação prevista para 21 de outubro. Irregularidades tais como definir taxas variáveis de remuneração para a União, ou incluir entre os custos reembolsáveis, pelas empresas vencedoras, as despesas com bônus de assinatura. Apesar de serem também relevantes, esses pontos parecem menos importantes do ponto de vista estratégico. Mas vale debater, desde já, dois temas: a possível comunicação entre os campos de Libra e Franco e a espionagem norte-americana, que causou o cancelamento da visita oficial que a presidente da República faria aos EUA, dois dias após o leilão de Libra.
Entre os argumentos apresentados contra a realização do leilão, o PDL 203/2013 afirma que a Petrobras já teria pagado por Libra. Isto porque este campo manteria comunicação com o de Franco, adquirido pela empresa brasileira no processo de capitalização concluído em setembro de 2010. Não existe, até o momento, nenhum dado documentado que sustente essa afirmação. Embora sejam de fato adjacentes, os campos ocupam áreas muito extensas, cujas características geológicas não são ainda totalmente conhecidas. Dada sua proximidade dos campos, é até possível que se venha a descobrir alguma ligação entre eles mas, neste momento, isso é apenas uma hipótese. Nada mais.
Por fim, a argumentação do projeto legislativo traz, como agravante de todas as razões contra a realização do leilão, o fato da Petrobras ter sido mencionada como alvo, nas denúncias de espionagem do governo americano no Brasil. A presidente da Petrobras considera pouco provável que tenha ocorrido qualquer vazamento significativo de informação técnica sensível. Graça Foster avalia que a extensão e complexidade dos processos envolvidos no trabalho da companhia tornam praticamente impossível que uma atividade de espionagem se aproprie do conhecimento da Petrobras sobre Libra (Folha 19/9/2013). Mas, mesmo que não tenha ocorrido dano real, houve sim dano simbólico. Será inevitável o questionamento do resultado em 21 de outubro, caso alguma empresa norte-americana faça parte do grupo vencedor.
Em 18 de setembro, a Presidência do Senado encaminhou o PDL 203/2013 à Comissão de Constituição e Justiça. O projeto deverá também ser examinado pela Comissão de Assuntos Econômicos e pela Comissão de Assuntos de Infraestrutura, antes de ir a plenário para votação. É impossível prever se chegará a voto antes do leilão e, caso chegue, se será ou não aprovado pelo Congresso. A pouco mais de um mês da data prevista, é ainda cedo para saber se de fato acontecerá a licitação Libra.
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1. Seção V, Artigo 12º: “O CNPE proporá ao Presidente da República os casos em que, visando à preservação do interesse nacional e ao atendimento dos demais objetivos da política energética, a Petrobras será contratada diretamente pela União para a exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção”
 
André Garcez Ghirardi é professor licenciado da UFBa.
Publicado originalmente no blog Outras Palavras.

Bashar al-Assad: entrevista

Bashar al-Assad: entrevista ao jornal Clarín, Buenos Aires

19/9/2013 (enviado especial a Damasco, Marcelo Cantelmi)

 
 
Clarín: Por que a crise na Síria estendeu-se e se aprofundou mais do que em qualquer outro país árabe?

Presidente Bashar al-Assad: Muitos elementos internos e externos contribuíram para a crise, o mais importante dos quais é a intervenção externa adversa; daí que, porque os cálculos dos países que intervieram na Síria eram cálculos errados, a crise se prolongou. Aqueles estados acreditavam que o plano deles teria sucesso em semanas ou meses, o que não aconteceu. Aconteceu que o povo sírio resistiu e continuamos resistindo. Estamos defendendo nosso país.


Clarín: O senhor sabe que, segundo a ONU, essa guerra já fez mais de 70 mil mortos?

Presidente Bashar al-Assad:
Seria preciso conhecer as fontes dos que plantam esses números. Todas as mortes são horríveis, mas muitos dos que morreram em território sírio são mercenários que vieram para matar sírios. Tampouco se pode esquecer que há muitos sírios desaparecidos. Qual o número de sírios mortos e de mercenários estrangeiros mortos? Quantos desaparecidos? Não se conhece ainda o número exato. E esse número muda muito, porque os terroristas matam e às vezes enterram suas vítimas em covas coletivas.


Clarín: O senhor descarta que pode ter havido uso de força excessiva, desproporcional, pelos seus soldados da repressão?

Presidente Bashar al-Assad: Como é que alguém pode saber se a força foi excessiva ou não? Qual é a fórmula. Nada disso é informação objetiva. Cada um responde conforme o tipo de terrorismo que o ataca. No início, o terrorismo era local. Em seguida começou o terrorismo que vinha de fora, e esses terroristas traziam armamento sofisticado. O que se deve discutir não é o volume de força empregada ou o tipo de armas, mas o volume do terrorismo que se organizou contra a Síria e que a Síria teve de combater.


Clarín: No início da crise não teria sido possível um diálogo que evitasse esse desenlace?
Presidente Bashar al-Assad: As demandas iniciais eram reformistas, embora essa fosse apenas uma fachada, uma camuflagem, para dar a um plano, que já havia, um aspecto de reivindicação reformista. Mas fizemos as reformas. Mudamos a Constituição, leis, o estado de emergência foi anulado e anunciamos um diálogo com as forças da oposição. E a cada passo das reformas, aumentava o terrorismo. A pergunta lógica que se tem de fazer é: que relação há entre os terroristas e os reformistas?


Clarín: O que o senhor responde?
Presidente Bashar al-Assad: Terrorismo não pode ser o caminho para reformas. Que relação pode haver entre um terrorista checheno e as reformas na Síria? Que relação pode haver entre um terrorista vindo do Iraque, do Líbano ou do Afeganistão e as reformas na Síria. Levantamento recente nos mostrou que há mercenários de 29 nacionalidades em combate na Síria. Que relação pode haver entre todos eles e as nossas reformas na Síria? Não faz sentido algum. Quanto a nós, nós fizemos reformas e agora também temos uma iniciativa política para o diálogo. A base para qualquer solução política tem de ser o desejo do povo da Síria. Isso só se pode conhecer nas urnas. Não se conhece outra forma. E quanto ao terrorismo, ninguém deseja negociar com terroristas. O terrorismo feriu os EUA e a Europa. E nenhum governo dialogou com terroristas. O diálogo só é possível entre forças políticas, não com grupos terroristas, que degola, mata, usa gases venenosos.


Clarín: O senhor denuncia presença de mercenários estrangeiros na Síria, mas sabe-se que aqui também há combatentes do Hezbollah e do Irã.

Presidente Bashar al-Assad:
Síria tem 23 milhões de habitantes e não precisa de mais gente para ajudar, venha de onde vier. Para nossa segurança, temos exército e forças especiais. Não precisamos do Irã e do Hezbollah para nos defender. Há aqui, sim especialistas do Hezbollah e do Irã, mas não estão em combate e já estavam aqui antes do início dessa crise.


Clarín: Entre aquelas reformas da Constituição de que o senhor falou, considera-se garantir irrestrita liberdade de imprensa?

Presidente Bashar al-Assad: O senhor talvez não saiba que, entre várias novas leis já vigentes, há uma nova lei de imprensa.


Clarín: No...

Presidente Bashar al-Assad: Nós partimos do conceito de que o primeiro passo tem de ser dialogar com as forças políticas. Desse diálogo viria uma Carta Magna a ser submetida a referendo popular. Essa Constituição garantirá maiores liberdades em geral. Depois dela e baseadas nela virão novas leis e é previsível que visem a garantir liberdades políticas e mediáticas. Mas não se pode falar de liberdade de imprensa, onde não haja liberdades políticas em geral.


Clarín: Como o senhor avalia a conferência sobre Síria planejada para fins de setembro, por Rússia e EUA?

Presidente Bashar al-Assad: Recebemos bem a reaproximação de Rússia e EUA, e esperamos que o encontro internacional ajude os sírios. Mas não acreditamos que muitos países ocidentais desejem uma solução efetiva na Síria. Não acreditamos que muitas das forças que apoiam os terroristas desejem alguma solução. Apoiamos a gestão que russos e norte-americanos estão fazendo, mas temos de ser realistas. Na Síria não funcionará solução unilateral. Precisamos reunir, no mínimo, dois lados claros, para dialogar.


Clarín: Quem não quer solução? As forças que se opõem ao seu governo ou as grandes potências?

Presidente Bashar al-Assad: Na prática, os que se opõem ao nosso governo estão vinculados a países de fora e não têm capacidade para tomar decisões próprias. Vivem do que recebem de fora e fazem o que são mandados fazer pelos países que os sustentam, recebem fundos e fazem o que aqueles países decidam. São praticamente a mesma coisa e são os que já disseram que não querem dialogar com o estado sírio. Disseram várias vezes. A última, foi semana passada.


Clarín: Quando o senhor fala em diálogo, pensa em dialogar com quem, do outro lado?

Presidente Bashar al-Assad: Já declaramos que dialogaremos com qualquer um que queira dialogar, sem exceção. Dialogaremos em todos os casos e circunstâncias em que esteja respeitada a capacidade livre e soberana da Síria para decidir. Mas isso não inclui grupos terroristas. Nenhum estado do mundo jamais dialogou com terroristas. Desde que os grupos armados deponham armas e sentem-se para dialogar, dialogaremos com todos. Supor que alguma conferência política conseguirá conter o terrorismo é irrealismo.


Clarín: Que possibilidade há de que o diálogo inclua essas forças externas, como os EUA, por exemplo, que supostamente estariam apoiando os terroristas?

Presidente Bashar al-Assad: Desde o início, sempre dissemos que dialogamos com qualquer país e com qualquer grupo, desde que não sejam grupos ou países armados. É nossa única condição. Exceto essa condição, não há outras. Entre os grupos armados que há na Síria há bandidos condenados, procurados pela Justiça. E nem esses grupos foram excluídos do diálogo, sob a única condição que deponham as armas. Entendemos que temos de ouvir todos os sírios. O povo sírio decidirá quem luta por ele e quem luta contra ele. Nunca dissemos que só aceitaríamos solução que convenha ao governo. Nunca sequer dissemos o que o governo supõe que seja melhor para a Síria. Nós realmente entregamos a solução ao povo sírio.


Clarín: Com relação à conferência internacional ...

Presidente Bashar al-Assad: Para nós, a questão básica de que deverá tratar qualquer conferência internacional é deter o fluxo de dinheiro e de armas para a Síria e deter o envio de terroristas que vêm da Turquia, financiados pelo estado qatari e outros estados do Golfo, como a Arábia Saudita. Enquanto esses países, que não têm interesse em pôr fim à violência na Síria, nem têm interesse em encontrar solução política, o terrorismo continuará.


Clarín: Onde o senhor coloca Israel nessa crise?

Presidente Bashar al-Assad: Israel apoia diretamente e por duas vias os grupos terroristas, dá-lhes apoio logístico e os informa sobre como e quais locais atacar. Por exemplo, atacaram uma estação do sistema de defesa antiaérea que detecta qualquer avião que venha de fora, especialmente de Israel.


Clarín: Caso o diálogo avance, o senhor prevê um cronograma para que a oposição entregue as armas?

Presidente Bashar al-Assad: Eles não são uma só entidade, são grupos e bandos, não são dezenas, mas centenas. São misturados, cada grupo tem um cabeça local. São milhares. Quem consegue unir milhares de pessoas? A pergunta é essa. Não se pode falar de cronograma, se se trata também de um outro lado que não sabemos quem seja. Quando tiverem alguma estrutura unificada, poderemos responder sobre cronogramas.


Clarín: O senhor estaria disposto a dar um passo atrás, para uma solução definitiva? O senhor está disposto a renunciar?

Presidente Bashar al-Assad: Minha permanência ou não depende do povo sírio. Não é decisão que caiba a mim, se ficou ou se parto. Cabe ao povo sírio. Se quiserem, fica-se, se não quiserem que se fique, parte-se. Depende da Constituição e das urnas. Nas eleições de 2014, o povo decidirá.


Clarín: Foi sugerida a alternativa de que o senhor se demita, como condição para o fim do conflito.

Presidente Bashar al-Assad: Sou presidente eleito e só o povo decidirá sobre minha permanência. Não se admite que alguém diga que o presidente da Síria tem de sair porque os EUA desejam que saia, ou porque os terroristas dizem que seria condição imposta por eles. É inadmissível.


Clarín: Barack Obama deu sinais de que não considera intervir no seu país. Mas o chanceler norte-americano, John Kerry, disse que qualquer avanço teria de incluir sua saída do cargo.

Presidente Bashar al-Assad: Não tenho conhecimento de que Kerry ou outro receberam mandato do povo sírio para falar em nome do povo sírio sobre quem fica ou quem sai. Já disse que qualquer decisão sobre reformas na Síria ou ação política são decisões sírias, e não se permite que EUA nem qualquer outro estado intervenha nessas decisões. Somos Estado independente, não aceitamos que outros definam o que teríamos de fazer, nem os EUA nem ninguém. Os sírios votarão nos candidatos que se apresentarem e todos podem vencer ou perder. Será decidido pelo povo sírio. Não é possível ir àquela conferência supondo que ali se decidirá algo que o povo sírio ainda não decidiu.


E há outro aspecto: o país está em crise e, com o barco em meio a uma tormenta, renunciar é fugir. O presidente não pode fugir, como o capitão de um navio. Tem o dever de devolver o barco ao ponto onde tem de estar e então as coisas poderão ser decididas. Não sou pessoa que fuja à responsabilidade.


Clarín: França, Grã-Bretanha e o próprio Kerry denunciaram que o exército usou armas químicas, gás sarín, contra população civil...

Presidente Bashar al-Assad: Não precisamos perder nosso tempo com essas declarações. Armas químicas são armas de destruição massiva. Dizem que nós as teríamos usados em áreas residenciais. Se uma bomba nuclear fosse lançada sobre uma cidade e houvesse dez ou vinte mortos, alguém acreditaria? Se se tivessem usado armas químicas em zona residenciais, haveria milhares, dezenas de milhares de mortos em minutos. Todos sabem disso. Quem poderia ocultar tal coisa?


Clarín: Então, a que o senhor atribui essa denúncia?

Presidente Bashar al-Assad: O tema das armas químicas entrou em circulação quando terroristas as utilizaram em Aleppo, em Khan al-Assal, há cerca de dois meses. Recolhemos as provas, o míssil usado e as substâncias químicas. Analisamos tudo e enviamos carta ao Conselho de Segurança para que enviassem missão de investigação. EUA, França e Grã-Bretanha viram-se em situação embaraçosa e disseram que queriam enviar missão para investigar a existência de armas químicas em outras áreas, onde alegam que teriam sido usadas. Fizeram isso, para não investigar o ponto onde se produziu o fato real, que já comprovamos. Um membro dessa comissão, Carla del Ponte, disse que os terroristas eram os responsáveis. Mas nem a ONU prestou atenção ao que ela declarou.


Clarín: O senhor acredita que a denúncia poderia abrir caminho para uma intervenção militar na Síria?

Presidente Bashar al-Assad: Se for usado como pretexto para guerra contra a Síria, sim, é provável. Ninguém esqueceu o que aconteceu no Iraque. Onde estavam as armas de destruição em massa de Saddam Hussein? O ocidente mente e falsifica, para produzir guerras, é costumeiro. Mas nenhuma guerra contra a Síria será fácil, não será um passeio. Mas, não, não se pode descartar a possibilidade de que iniciem uma guerra contra a Síria.


Clarín: Em que o senhor se baseia?

Presidente Bashar al-Assad: Já aconteceu, de parte de Israel, já houve ataques. É possibilidade presente, especialmente depois que conseguimos golpear os grupos terroristas em muitas zonas da Síria. Então outros países, que você citou encomendaram ataques a Israel, contra a Síria, para elevar a moral dos grupos terroristas. Nós supomos que, em algum momento, se produzirá algum tipo de tentativa de intervenção, mesmo que seja limitada.


Clarín: O senhor disse que controlam a situação, mas enquanto falamos ouvem-se estrondos de artilharia na periferia da cidade.

Presidente Bashar al-Assad: Eu não disse que controlamos a situação, porque a palavra “controlar” ou “não controlar” não se usa quando se está em guerra com exército estrangeiro. A situação é totalmente diferente. Os terroristas entram em zonas dispersas e fogem de um ponto para outro. Há vastas zonas nas quais se movimentam e nenhum exército do mundo conseguiria estar em todos os pontos.


Clarín: O senhor realmente acredita que os EUA cooperam com Qatar ou Arábia Saudita, para pôr no poder na Síria um regime ultra islâmico wahabista?

Presidente Bashar al-Assad: O ocidente não se preocupa com governos, sejam quais forem, desde que lhes sejam leais. Querem aqui um governo servil que faça o que eles mandem, seja que governo for. Mas o que se vê no Afeganistão comprova que nem sempre dá certo. Esses países apoiaram os Talibã e pagaram por isso um preço altíssimo. O perigo de tudo isso é que os estados wahabitas querem difundir o pensamento extremista. Na Síria temos um Islã moderado e resistiremos contra o projeto de destruir a Síria, por todos os meios.


Clarín: Nas eleições presidenciais de 2014 haverá observadores internacionais e a imprensa terá livre acesso para cobrir o evento?

Presidente Bashar al-Assad: Para ser sincero, não sei. O tema dos observadores internacionais ainda terá de ser decidido, porque parte da população síria não tolera a ideia de monitoramento, que não se faz em outros países do mundo, e implica uma questão de soberania nacional. E não confiamos no ocidente para essa tarefa. Se aceitarmos a presença de observadores, serão de países amigos, como Rússia ou China, por exemplo.


Clarín: China?

Presidente Bashar al-Assad:  ... [por que não?!]


Clarín: Na entrevista que o senhor concedeu ao Clarín em Buenos Aires, o senhor disse com firmeza que rechaçava a ideia de negar o Holocausto. Ainda mantém essa posição?

Presidente Bashar al-Assad: Perdoe-me, mas por que falar de Holocausto e não falar do que acontece na Palestina? Ou do 1,5 milhão de iraquianos assassinados? O Holocausto é tema histórico, que exige visão ampla e não pode ser usado como assunto político. Não sou historiador para determinar a verdade desse tema. As questões históricas variam conforme quem escreva a história. Por isso a história às vezes é falseada.


Clarín: Desculpe, mas há alguma autocrítica que o senhor se faça a si mesmo?

Presidente Bashar al-Assad: Não há sentido algum em autocríticas antes de as coisas estarem feitas, com sucesso ou sem. Se se assiste a um filme, é tolice criticar antes da última cena. Quando o quadro estiver completo, então saberei o que criticar e o que não criticar.


Clarín: Finalmente, o senhor tem alguma informação sobre o paradeiro dos jornalistas James Foley, norteamericano desaparecido aqui há seis meses, e do italiano Domenico Quirico, do italiano La Stampa, perdido há cerca de um mês aproximadamente?

Presidente Bashar al-Assad: Alguns jornalistas entraram ilegalmente na Síria, pelas áreas onde os terroristas estão ativos. Houve casos em que nossos soldados conseguiram libertar alguns jornalistas que haviam sido sequestrados por terroristas. Seja como for, sempre que temos informação sobre jornalistas, mesmo que tenham entrado clandestinamente em território sírio, nós transmitimos a informação ao país dele. Até o presente, não há qualquer informação sobre os dois jornalistas que o senhor citou.