segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Com Supremo, com tudo. Só esqueceram da ONU

Com Supremo, com tudo. Só esqueceram da ONU

Stuckert/STF/ONU
Affirmanti incumbit probatio
(Brocardo jurídico em desuso no Brasil)
O silêncio do grupo Globo decide mais que qualquer juiz no Brasil. A tática agora é não pautar assuntos constrangedores ou aqueles que não podem ser sustentados sem o apelo à mentira. E é por isso que não há muitas linhas sobre o recente caso da ONU, assim como também passaram em branco os "golpes blancos en América latina" alertados pelo Papa Francisco na visita dos brasileiros ao Vaticano. Mas, in dubio, pode ser que as câmeras dos cinegrafistas da emissora tenham contraído uma espécie de vírus, no dia do registro da candidatura de Lula, e se esmeraram em imagens laterais, deixando fora de foco aproximadamente 30 mil pessoas.
Vamos falar francamente: não precisamos de professores de direito internacional para explicar que a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU vincula, obriga e gera responsabilidade. Para os que têm alergia ao direito internacional, fiquemos com a prata da casa, temos leis de sobra para assegurar os direitos políticos do candidato, leis constitucionais amplamente respaldadas pela legislação-base, sem contar a antecedência, a jurisprudência e a velha e boa "prudência" de não deixar escoar direitos irreparáveis.
Para começo de conversa, a decisão da ONU espelha a legislação pátria: o mandamento decorre dos direitos e garantias constitucionais e da tradição democrática e responsável do direito eleitoral que, mesmo nas brechas da lei que pune quem não tem "ficha limpa", é cuidadoso com o direito-síntese mais importante do nosso sistema político: o direito de votar e ser votado.
A decisão da ONU complementa o que já temos, mas também é um alerta para que, caso alguma autoridade tenha esquecido de aplicar a lei no curso de um processo não justo, que momentaneamente acalme-se e acautele esses direitos que, não por acidente, são chamados de fundamentais. Em suma, teve um dia ruim? Ficou com vontade de ligar para o carcereiro da Polícia Federal de Curitiba e exigir descumprimento de uma ordem judicial? Lembre-se que a ONU está de olho em você e, com base numa vontade que o Estado brasileiro exarou em 2009, aderindo, via Decreto Legislativo, ao mecanismo de fiscalização universal de direitos civis e políticos, a decisão é mandatória: um imenso "cumpra-se" que abarca a responsabilidade de todo o Estado brasileiro e não somente de um juiz que cometeu crime, mas ainda não foi afastado.
Não prefiro a ironia como forma de escrita, ainda mais quando estamos vivendo no limite do aceitável, quando há gente fazendo greve de fome para que outros não padeçam em consequência de uma crise total que vive o nosso país. Mas por vezes, diante do arbítrio com altas doses de cinismo, recorremos ao sarcasmo para encarar os principais responsáveis pelo agravamento da crise democrática e soberana, pois estão todos nus.
Sob os olhos do mundo, o Brasil se transformou, entre todas as tentativas em curso na América Latina, no case mais escandaloso de perseguição midiático-judicial a um líder político. Escandaloso porque erraram a mão, exageraram e provocaram uma forte reação popular e internacional. O processo de combate à corrupção, preparado para mascarar a trama via "legitimação pelo procedimento", foi desmascarado logo na origem do chamado Caso Lula, tanto pela defesa do ex-Presidente quanto por argutos juristas que identificaram e denunciaram a prática de lawfare e os atos de exceção no sistema de justiça.
Hoje é transparente o vínculo entre o golpe jurídico-midiático-parlamentar contra Dilma e o ativismo jurídico-midiático contra Lula, processos paralelos e complementares que engolfaram a democracia não apenas pelo comprometimento das eleições de 2018, mas também por revelar limites dramáticos do modelo: agora, amarrando bem – com supremo, com tudo – é possível apear presidentes ou encarcerar candidatos para evitar o acontecimento da democracia. Só se esqueceram dos expertos da ONU.
Nos encontros que temos tido com juristas e cientistas políticos de outros países, essa é a dura mensagem que o caso brasileiro está transmitindo: um alerta para todos os países que vivem a ilusão do acordo possível entre os valores liberais do (neo)constitucionalismo e os direitos dos povos historicamente desgraçados. Na hora certa, quando o mandamento do (neo)contratualismo se resume a "não pactar com a democracia" – racionalidade pós-democrática – os elitismos, incluindo o elitismo judicial, se levantam e falam grosso com los de abajo. É aí que teremos que enquadrar qualquer projeto de reforma do judiciário que se preze, mas isso é assunto de futuro.
Por enquanto, devemos celebrar. Essa decisão cautelar da ONU é muito boa para a resistência democrática, já que temos consciência de que se trata de acúmulo para fortalecer um momento mais adiante. Como já não acreditamos na justiça, será mesmo por diversão que acompanharemos a decisão do ministro Barroso arbitrando a proibição dos direitos inalienáveis de Lula, apesar da decisão-espelho da ONU. Ele vai tratar a entidade como o Cabo Daciolo trata a URSAL, provavelmente fazendo coro com o Bolsonaro, que a considera covil de comunistas.
Tentando imaginar a embaraçosa situação dos perpetradores do golpe e daqueles que agora têm nas mãos o destino de tudo isso – não só do Lula-Livre, mas de suas próprias biografias – talvez, se pudessem voltar no tempo, teriam feito tudo com mais capricho: quem sabe um juiz menos acusador, um Ministério Público menos power point, desembargadores menos apressados, ministros da Suprema Corte menos vaidosos e uma mídia menos canastrona. Poderiam ter chegado lá pisando no povo, naturalmente, mas com elegância.

GLEISI DIZ QUE, NO CASO ONU, GLOBO FAZ O QUE MAIS SABE: DISTORCER OS FATOS

LENIO STRECK: TRATADOS SÃO TRATOS QUE DEVEM SER CUMPRIDOS

Juiz do TRF4, que manteve Lula preso, trata vice general de Bolsonaro como amigo

Juiz do TRF4, que manteve Lula preso, trata vice general de Bolsonaro como amigo

Publicado em 20 agosto, 2018 9:26 pm
De Rodrigo Mattos no UOL.
Durante evento público no Clube Militar, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desembargador Thompson Flores, que manteve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preso, e o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), candidato a vice de Jair Bolsonaro (PSL), trocaram gentilezas e se trataram como “amigos”. O juiz de 2ª instância foi convidado para dar uma palestra na instituição sobre o “Poder Judiciário na conjuntura da política nacional”. Em sua fala, Flores citou o caso Watergate para lembrar que autoridades foram presas e a “República não veio abaixo”.
Em julho, o desembargador do TRF4 Rogério Favreto deu uma decisão para soltar Lula em seu plantão judiciário. Seu colega de Tribunal João Pedro Gebran Neto soltou determinação em sentindo contrário. O presidente do TRF4 decidiu a questão pela manutenção de Lula preso.
Nesta segunda-feira (20), o desembargador deu palestra para cerca de 60 militares. Foi recebido por Mourão com a classificação de “meu dileto amigo”. Ao final da palestra, o magistrado agradeceu ao general Mourão “estimado amigo” e, em seguida, recebeu um presente do militar.
“O desembargador é meu amigo pessoal. É um homem que tem uma competência extrema na questão do direito. Acho importante para os integrantes do clube que eu trouxesse alguém. Porque fica muita dúvida [sobre questão eleitoral]”, contou Mourão, que negou relação do convite com a decisão sobre Lula.
“Não, em absoluto. É uma questão de amizade minha com ele. Eu fui comandante no Sul, já o conhecia de outros tempos. Se não conheço as pessoas, trouxe alguém mais próximo.” Anteriormente à palestra, os dois conversaram sobre reminiscências.
Thompson Flores não quis falar com jornalistas ao final da palestra. O Clube Militar é uma associação privada nacional, com sede no centro do Rio de Janeiro. Seu objetivo é atender oficiais militares e suas famílias com sedes recreativas espalhadas pelo país. Atualmente, é presidido por Mourão.
(…)
Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, e o presidente do TRF4, desembargador Thompson Flores, em evento no Clube Militar. Foto: Reprodução/UOL

MPF DESAFIA ONU E LEI BRASILEIRA PARA PEDIR LULA FORA DAS ELEIÇÕES

A dor dos venezuelanos, o fascismo dos que alimentam o ódio e a vergonha que me assola

A dor dos venezuelanos, o fascismo dos que alimentam o ódio e a vergonha que me assola

GERALDO MAIA/Agência Brasil
Uma tristeza imensa invade meu coração diante das cenas recorrentes de desumanidade e imensa miséria moral, em que centenas de "brasileiros cristãos", moradores da região de Roraima, munidos de bombas caseiras, álcool e fósforos incendeiam covardemente abrigos e acampamentos onde vivem mulheres, homens e crianças venezuelanas.
Os chamados "cidadãos de bem e cristãos" são retratados expulsando mulheres e crianças venezuelanas de 5 anos a ponta- pés, aterrorizando- os até a fronteira e fazendo barricadas na BR-174 para impedir que voltem até mesmo para buscar seus pertences.
Documentos, roupas e brinquedos incendiados. Humanos como nós, nossos irmãos, acuados, humilhados e aterrorizados. Uma cena que eu vi apenas na fronteira da Síria recentemente.
Ainda que tenha havido um roubo envolvendo um imigrante venezuelano, para os "cristãos" ali presentes, todos mereciam uma punição medieval coletiva?
Mereciam ter suas tendas incendiadas , suas vidas destruídas e suas esperanças sequestradas?
Em que país estamos nos transformando? Somos um país construído por milhões de refugiados e imigrantes, por milhões de sírio- libaneses como meus avós, por italianos e japoneses que fugiam da miséria e da fome, e que aqui construíram uma nação, prosperaram e escreveram a nossa história.
Em que país estamos nos transformando?
No país dos sonhos dos fascistas, onde reinam o ódio ao estrangeiro, o desprezo pelas minorias e a intolerância aos mais fracos ou aos mais vulneráveis nesse momento?
O ódio e o fascismo alimentado por alguns veículos, por "filósofos" xenófobos e racistas e por figuras políticas nefastas têm nesses "cristãos brasileiros", que atearam fogo nos abrigos de Roraima, apenas uma parte de seus rebentos.
Em que país estamos nos transformando?
No Brasil de 1930, com os Camisas Verdes do Integralismo? Ou voltamos ao Brasil de 1946 em que um articulista chamado Oliveira Vianna, diante de uma das levas de imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil, escreveu que "o japonês é como o enxofre, insolúvel".
Voltamos à década de 1940 em que alguns dos principais jornais do país publicavam charges atacando os japoneses (chamados de "enxofre amarelo", atacando os judeus que chegavam a São Paulo e os italianos do sul (chamados então de "carcamanos imprestáveis")?
Ou voltamos, para deleite de candidatos boçais fascistas ou "filósofos" odiadores que não concluíram sequer o ensino fundamental, aos anos de 1947 e 1948, em que articulistas de algumas revistas da época se referiam aos sírios e libaneses, em sua maioria cristãos, como "maometanos perigosos"?
Sim, os mesmo japoneses, italianos, sírios e libaneses que, poucos anos mais tarde, prosperariam , fundariam lojas e fábricas e dariam empregos a milhares de brasileiros, e construiriam o maior e mais respeitado hospital da América Latina. 
A que ponto regredimos?
Um dos agressores brasileiros, em Roraima, assim como seus inspiradores o fazem cotidianamente, usava o nome de Deus enquanto chutava a mala e as pernas de uma mulher venezuelana que caminhava, as prantos, em direção à fronteira entre os dois países.
Como jornalista, embaixadora da paz e ativista pelos direitos dos refugiados no mundo todo, a tristeza e uma de suas filhas mais velhas, a vergonha, inundam hoje o meu coração.