segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Os marajás do Judiciário e do MP, protagonistas do impeachment


Os marajás do Judiciário e do MP, protagonistas do impeachment

Juízes e procuradores ganham fortunas, lutam por mais no Congresso e, diz sociólogo, insuflaram impeachment com 'moralismo de ocasião'
por André Barrocal — publicado 02/09/2016 13h25, última modificação 03/09/2016 12h15
Dorivan Marinho/SCO/STF
STF
Ministros do Supremo Tribunal Federal durante sessão de abertura do ano judiciário de 2016, em fevereiro
Quando estava no poder, Dilma Rousseff reuniu-se certa vez com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para conversar sobre a crise política, mas o convidado só queria falar deaumento de salário do Judiciário. No comando do julgamento da petista no Senado, o ministro aproveitou para pedir por lá a aprovação de uma lei de reajuste para o STF.
O comportamento de Lewandowski, que pelo cargo simboliza o Sistema de Justiça (Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Geral da União), dá vida a um diagnóstico feito pelo sociólogo Jessé Souza. O Brasil, segundo ele, tem hoje um “aparelho jurídico-policial” bastante ativo na defesa de interesses corporativos. Uma casta jurídica, diz, “composta pelos verdadeiros marajás do Estado brasileiro” e peça valiosa no impeachment.
Do “complexo jurídico-policial” descrito por Souza, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor de ciência política da Universidade Federal Fluminense, fazem parte juízes, procuradores de Justiça e policiais federais. As duas primeiras categorias estão entre os mais altos salários pagos no serviço público e as mais caras do mundo.
O juiz Sergio Moro embolsou 651 mil reais em 2015, média mensal de 54 mil. Corregedora-nacional de Justiça até meados de agosto, Nancy Andrighi recebeu 40 mil por mês, de janeiro a julho de 2016, na qualidade de ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mesma média, em igual período, recebida pelo presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti. O procurador-geral da República,Rodrigo Janot, chefe do Ministério Público (MP), ganhou 35 mil reais por mês. Exceto em junho, quando levou 54 mil, em razão das férias.
O salário dos togados do STF é o valor máximo que deveria existir no setor público, de acordo com a Constituição. Está em 33,7 mil reais. Vários “penduricalhos” (auxílios etc) garantem ao Judiciário e ao MP contracheques mais gordos, como os de Moro, Andrighi, Robalinho e Janot.
Em algumas ocasiões, os valores explodem. Em abril, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, recebeu 86.850,59 reais. Dois meses depois, a ministra do STJ Regina Helena Costa ganhou 83.322,35 reais.
Uma lei foi enviada ao Congresso em 2015 por Dilma para disciplinar os penduricalhos e fazer o teto salarial do funcionalismo valer de fato, mas está parada entre os deputados.
Se o lobby de Lewandowki no impeachment der certo, a remuneração no STF subirá 16%, para 39,2 mil reais mensais. Valor proposto para o procurador-geral em outra lei a tramitar no Senado. As duas foram aprovadas em junho pelos deputados, os mesmos que seguram o projeto do teto.
Uma lei sancionada em julho por Michel Temer subiu em 41% os vencimentos dos funcionários do Judiciário e em 12%, os daqueles do MP. Um impacto estimado pelo Ministério do Planejamento de 2 bilhões de reais ao erário este ano.
“A casta jurídica”, diz Souza, “consegue pornográfico aumento nos seus salários já nababescos, em meio à grave crise, e mostra todo o seu descaso e descolamento da realidade social vivida pelos outros cidadãos.”
Mesmo sem reajustes, o Brasil ocupa, com folga, o posto de campeão mundial em despesa com tribunais, ao menos no Ocidente. Uma liderança apontada pelo professor Luciano da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no estudo “O custo da Justiça no Brasil”, de 2015.
Aqui, gasta-se com o Judiciário 1,3% do PIB, a geração anual de riquezas do país. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, 0,14%. Na Colômbia, 0,21%. No Chile, 0,22%. Em Portugal, 0,28%. Na Alemanha, 0,32%.
“Mesmo ostentando esses números hiperbólicos, a prestação da tutela jurisdicional, no Brasil, é uma das mais morosas do mundo, refletindo a ineficiência do Estado como prestador de serviços públicos”, diz o desembargador Reis Friede, vice-presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da Segunda Região, em artigo publicado em junho no jornal O Estado de S. Paulo.
O orçamento do MP também é sui generis. Equivale a 0,32% do PIB, de acordo com o estudo de Da Ros, acima do gasto com o Judiciário de vários países. Na Itália, pátria daOperação Mãos Limpas, a Lava Jato de lá nos anos 1990 e a inspiração de Sérgio Moro no século XXI, morde 0,09%. Em Portugal, 0,06%. Na Espanha e Alemanha, 0,02%.
Tudo somado (Judiciário, MP, Defensoria Pública, Advocacia Geral da União), o Brasil possui um Sistema de Justiça de 1,8% do PIB. Algo como 100 bilhões de reais anuais.
Esse “gigantismo”, escreve Da Ros, deveria tornar o “complexo jurídico” um tema de interesse geral, devido aos efeitos macroeconômicos e nas prioridades de investimento do setor público. “O debate sobre o tipo de país que o Brasil quer ser crescentemente deverá levar em conta também o tamanho da comunidade jurídica que a sua população pode e/ou deseja sustentar”, diz.
A “casta jurídica” dona de gordos proventos, segundo Jessé Souza, foi um dos protagonistas do impeachment, análise feita por ele no livro A Radiografia do Golpe, recém-lançado pela editora Leya.
O impeachment, diz a obra, resulta de uma combinação de interesses. No topo da hierarquia, a elite econômica, insatisfeita com as escolhas feitas pelo PT. Esta elite teria dois “braços armados”, o Congresso e a mídia, influenciados por financiamento eleitoral e publicidade, respectivamente. Haveria, por fim, “um aliado de ocasião”: o “aparelho jurídico-policial do Estado”.
O “aliado de ocasião” foi decisivo, segundo o livro, para empurrar parte da sociedade à causa do impeachment. Por duas razões, basicamente.
De um lado, por identidade social. “Existe uma correspondência perfeita entre a classe média e a classe média alta que saíram às ruas com o perfil do novo tipo de operador jurídico que se instala no Estado”, escreve o sociólogo.
De outro, por oferecer um motivo para milhares de pessoas engrossarem passeatas “Fora Dilma”, a corrupção. “A Lava Jato criou um verdadeiro campeonato entre as diversas corporações jurídicas para ver quem ganha o troféu de 'guardião da moralidade pública'.”
Um “falso moralismo”, segundo Souza, pois mostra indignação com a corrupção, algo existente mundo afora, mas não com a escandalosa desigualdade social, mais típica do Brasil. Uma desigualdade para a qual a “casta jurídica” contribui com seus generosos holerites.
No caso dos magistrados, o “falso moralismo” talvez tenha ainda uma outra explicação. Ex-corregedora nacional de Justiça, a juíza baiana Eliana Calmon acha que uma das empreiteiras baianas enroscadas na Lava Jato corrompeu tribunais. “Não é possível que aOdebrecht levasse 30 anos de intimidade com o poder público, com o governo, sem a conivência do Judiciário”, diz.
O fato de o “complexo jurídico-policial” ser um “aliado de ocasião” do poder econômico, do Congresso e da mídia explica por que já se percebe um racha na coalizão pró-impeachment.
O aumento do salário de ministros do STF e do procurador-geral gera briga em Brasília. O PMDB de Temer é a favor das leis. O PSDB, segundo maior partido governista, é contra, por causa do efeito cascata. O reajuste se multiplicará a juízes e promotores pelo País, devido a regras constitucionais. Polêmica a descambar para ameaças de PSDB e DEM de romper com Temer.
Outro racha está nos rumos da Lava Jato. Em junho, o STF impôs à operação uma derrota de caráter simbólico, ao negar a prisão de um trio da pesada do PMDB, os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá e ex-presidente José Sarney. Prisões solicitadas por Janot com base justamente na acusação de o trio tentar atrapalhar as investigações.
Mais recentemente, após dois anos de sintonia com a República de Curitiba (Moro, procuradores, policiais federais), o ministro do STF Gilmar Mendes atacou a operação.Bastou a negociação de delações premidas com executivos das empreiteiras OAS e Odebrecht indicar que tucanos graúdos serão alvejados. Mendes, como se sabe, é íntimo do ninho tucano.
O “partidarismo” da operação, diz Jessé Souza, tem agora que penetrar em terreno minado e abranger antigos aliados. “Esse é o aspecto central da crise atual. A luta de morte entre os políticos e os operadores jurídicos pelo espólio político do golpe.”
Fonte: Carta Capital

Cenas de uma CPI para tucano ver

Assembleia Legislativa

Cenas de uma CPI para tucano ver

Dominada por governistas, CPI da Merenda blinda políticos citados no esquema de pagamento de propina em contratos com o governo de SP
por Débora Melo — publicado 30/09/2016 06h10, última modificação 30/09/2016 19h35
Marco Ambrosio/FramePhoto/Folhapress
PM
A Polícia Militar reagiu com truculência ao protesto de estudantes na CPI da Merenda, no dia 14


“Vim aqui conversar com os senhores. Não preciso de advogado, vim conversar com os meus colegas.” A frase dita pelo presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo,Fernando Capez (PSDB), no início de seu depoimento à CPI da Merenda, resume o que têm sido as reuniões da comissão instalada para investigar o pagamento de propina em contratos superfaturados de merenda com o governo Geraldo Alckmin (PSDB) e ao menos 22 prefeituras paulistas.
Capez teve seu nome citado na Operação Alba Branca, deflagrada em janeiro para investigar a fraude. Ele nega envolvimento no esquema. Seu depoimento no dia 14 de setembro, o mais aguardado da CPI, frustrou expectativas. De um lado, deputados da base tucana rasgaram elogios a Capez; de outro, petistas criticaram o fato de documentos da investigação, incluindo delações premiadas, ainda não estarem em poder da CPI.
"Houve uma antecipação da vinda do presidente Capez a esta CPI. Fica difícil a gente indagar sem ter informações”, lamentou o deputado Alencar Santana (PT), único oposicionista titular no colegiado (os outros oito são governistas, incluindo presidente, vice-presidente e relator).
“Vossa excelência veio corroborar tudo aquilo que temos ouvido nesta CPI. Eu o parabenizo pela sua sensatez, pelas suas palavras. Foram palavras sinceras”, disse Adilson Rossi (PSB), vice-presidente da comissão, a Capez. “Eu tinha dez perguntas a serem feitas, mas as dez perguntas já foram respondidas pelo presidente”, emendou o deputado Chico Sardelli (PV).
investigação aponta que a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf), de Bebedouro, firmou contratos (com sobrepreço) no valor de 11,4 milhões de reais com a Secretaria da Educação de Alckmin para fornecer suco de laranja para a merenda. Dirigentes da Coaf apontam Capez como um dos beneficiários da propina. O lobista Marcel Ferreira Júlio, elo principal entre a cooperativa e os agentes públicos, acusou o tucano de ter recebido dinheiro da Coaf para sua campanha em 2014, por meio de assessores.
A suspeita foi reforçada com a apreensão de um cheque da Coaf no valor de 50 mil reais, feito em nome de José Merivaldo dos Santos, assessor do gabinete de Capez de 2010 a 2011 e da liderança do PSDB na Assembleia de 2013 a 2015. À CPI, Capez disse que sua campanha “não recebeu um centavo” de cooperativas. “Fui usado e, de vítima, fui tratado como suspeito”, disse aos deputados.
Capez
Fernando Capez depõe ao lado do presidente da CPI da Merenda, o também tucano Marcos Zerbini (Foto: Alesp)
Na véspera, em um depoimento marcado por contradições, o ex-assessor de Capez Jéter Rodrigues não convenceu os deputados da oposição de que o tucano não sabia que ele havia assinado um contrato no valor de 200 mil reais com a Coaf para eventual prestação de “serviços burocráticos”. Perguntado diversas vezes, Rodrigues insistia: Capez não sabia de nada. Os governistas exploraram a fala à exaustão.
“É óbvio que o presidente Capez não sabia de nada”, disse o tucano Carlão Pignatari. “O Capez não sabia de nada, foi tudo de sua livre e espontânea vontade?”, questionou Wellington Moura (PRB). “Capez não soube disso em nenhum momento?”, perguntou o presidente da CPI, Marcos Zerbini (PSDB), que mais cedo havia pedido aos deputados que fossem objetivos.
Em seu depoimento à comissão, o presidente da Assembleia não perdeu tempo: “Ele [Rodrigues] pode ter se embananado em alguns pontos, mas em um ponto ele foi coerente: eu não tinha conhecimento”.
O primeiro a interrogar Capez foi o deputado João Paulo Rillo (PT). O petista citou passagens da obra O Poderoso Chefão e ironizou as declarações do tucano. “Eu fico imaginando o senhor vítima. Vítima de um esquema, vítima de sua própria assessoria. Se o senhor não consegue controlar o próprio gabinete, o relatório desta CPI vai concluir, no mínimo, que o presidente da Assembleia é incapaz de presidir esta Casa”, afirmou.
Na CPI também está em curso uma estratégia para tirar o primeiro escalão de Alckmin do foco da investigação. Além de Capez, as denúncias atingem o Palácio dos Bandeirantes. Ali, o lobista Ferreira Júlio mantinha contato com Luiz Roberto dos Santos, o Moita, ex-chefe de gabinete de Edson Aparecido, secretário da Casa Civil quando o escândalo estourou. 
Quem melhor desempenha o papel de defensor de Alckmin é o deputado e ex-presidente da Assembleia Barros Munhoz (PSDB). Uma das estratégias do tucano é insistir para que as prefeituras envolvidas com a Coaf sejam investigadas pela CPI. “Falam que é a merenda do Alckmin. É a merenda de Bebedouro!”, berrou em reunião no dia 24 de agosto. A atuação teatral de Munhoz inclui gritos, pedidos de prisão e bate-boca com estudantes, que não perdem uma sessão. 
No dia 13 de setembro, a CPI recebeu o promotor Leonardo Romanelli, do Ministério Público Estadual. Sem citar nomes, ele confirmou a participação de agentes públicos na máfia. Munhoz, que em outro momento classificaria os promotores como “abutres que querem viver da desgraça dos políticos”, questionou os métodos de Romanelli. Outros governistas perguntaram se o promotor buscava holofotes.
“Todas as vezes em que agentes públicos são citados há uma tentativa nítida, clara, de desqualificar os depoentes”, disse a deputada Beth Sahão (PT), assídua nas reuniões. A oposição critica, ainda, o desprezo dos governistas paulistas pelas delações premiadas, tão elogiadas na Operação Lava Jato. “Parece que temos dois pesos e duas medidas. As delações da Lava Jato têm sido consideradas provas contundentes e levado muitos à prisão. Por que aqui a delação premiada não é levada em consideração?”, questionou a deputada Sahão.
As denúncias de corrupção na Petrobras são citadas com frequência pelos governistas na CPI da Merenda, mas em outro tom. “Para abafar um caso, inventaram outro. Querem abafar o Petrolão!”, vociferou Munhoz naquele dia.
Da plateia do pequeno plenário Dom Pedro 1º, uma senhora aplaudia cada intervenção do tucano. “Isso mesmo! É verdade!”, gritava a comerciante Nina Ares, de 57 anos. Ela negou que estivesse na CPI a pedido de Munhoz e disse gostar de política, mas afirmou que não crê na existência de uma Máfia da Merenda. “Inventaram tudo isso para esconder o que acontece em Brasília", disse Ares, cujos filhos “sempre estudaram em escola estadual”. “Acho ruim [o desvio da merenda] desde que seja verdade. Mas eu não acredito nisso, não tem nada provado.”
O comportamento chamou a atenção. “Eles arrancam até aplausos da plateia, mas está tudo ajeitado”, disse Enio Tatto (PT) aos deputados. “É raro termos uma CPI, mas precisamos fazer mais este exercício aqui na Casa. Fico imaginando como seria uma CPI do trem, do Metrô, que importância isso não teria. Mas aqui em São Paulo há uma blindagem, não se apura nada. Essa CPI só foi aberta porque teve ocupação [dos estudantes] na Casa e o presidente foi citado.”
Ocupacao
A CPI da Merenda foi instalada após estudantes ocuparem a Alesp (Foto: Agência Brasil)
pressão dos secundaristas é temida pelo governo. A reunião do dia 13 foi encerrada com um pedido da oposição para que a sessão com Capez fosse realizada em um auditório maior, mas o presidente Zerbini indeferiu o pedido. Antecipando o que estava por vir, os estudantes acamparam em frente à Assembleia na madrugada do dia 14. Quando chegaram ao plenário logo após a abertura da Casa, as 17 cadeiras do mezanino que usam a cada sessão estavam "reservadas".
"Quando a gente chegou havia 17 pessoas na fila do plenário, que é o número exato de cadeiras. Eram 17 pessoas que nunca participaram da CPI e que se diziam funcionários [da Casa], mas ninguém apresentou nenhum crachá. Isso indignou os estudantes. Nós vamos resistir e pressionar para que punam os ladrões de merenda", disse Emerson Santos, de 21 anos, presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes). Os trabalhos da CPI seguem até o dia 13 de novembro, podendo ser prorrogados por 60 dias.
Com o mezanino já ocupado, os estudantes foram barrados. “Se eu não entro, ninguém entra!”, gritavam. A Polícia Militar reprimiu o protesto com spray de pimenta. Algumas pessoas passaram mal, e um manifestante acabou detido. Por volta das 10h, a sessão foi iniciada. Do lado de fora do plenário, o protesto dos estudantes continuava, e a tensão com a PM aumentava. “Governo tucano, governo ladrão! Rouba a merenda e sucateia a educação!”, bradavam. Dentro do plenário, Barros Munhoz fazia suas perguntas ao depoente, um ex-assessor de Capez, como se nada estivesse acontecendo.
A oposição reagiu, mas os secundaristas foram retirados da porta do auditório, à força, pela PM. “É uma vergonha! Estamos nos retirando da sessão”, disse a petista Marcia Lia. Na confusão, um cinegrafista foi pisoteado e se feriu. Quando os trabalhos foram retomados, a oposição criticou a truculência da PM, mas não faltaram elogios à atuação dos policiais. “Quero cumprimentar a Polícia Militar pelo belo trabalho”, disse o deputado Delegado Olim (PP). Os estudantes, que já ocupavam o mezanino, se manifestaram: “A gente apanhou!”
Naquela sessão marcada pelo tumulto, a sinceridade de Barros Munhoz surpreendeu os colegas. “Minha posição é defender o governo do Estado. Eu não escondo de ninguém. Ninguém me pediu, é por convicção”, disse o tucano. Em outro momento, quando Capez admitiu não ter sido convocado a depor pela Procuradoria-Geral de Justiça, a oposição criticou a morosidade da investigação. O petista Alencar Santana perguntou a Munhoz se ele não achava que mais pessoas teriam de ser ouvidas pelo Ministério Público. “Sim, acho”, respondeu o tucano. “Só isso que o senhor acha?”, devolveu Alencar. “Já sou corajoso demais de achar isso”, apressou-se Munhoz. Todos riram.
Fonte: Carta Capital

O impeachment do ministro Gilmar Mendes e a pantomima de Curitiba


O impeachment do ministro Gilmar Mendes e a pantomima de Curitiba

Um dos elementos mais constrangedores da crise política-institucional é a partidarização do Judiciário
por Roberto Amaral — publicado 16/09/2016 13h20, última modificação 16/09/2016 13h43
Tânia Rêgo/ Agência Brasil
Pedido de impeachment de Gilmar Mendes
Grupo de juristas protocolaram no Senado Federal um pedido de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes, acusado de conduta partidária no exercício do cargo.
Um dos elementos mais constrangedores da grave crise político-institucional de nossos dias, que ameaça engolfar de vez os fundamentos da democracia representativa, é a partidarização em curso do Poder Judiciário, instituição já de si pouco republicana e que, não obstante, pretende pairar acima dos demais poderes, exatamente ele, o único que não deriva da soberania popular.
Protegidos seus membros por uma vitaliciedade injustificável, foge o Judiciário como um todo e o Supremo Tribunal Federal em particular, de qualquer transparência, blindando-se, anacrônico Olimpo, em uma irresponsabilidade monárquica e em um corporativismo auto-protetor que estimula comportamentos não condizentes com o exercício da magistratura.
Essa partidarização do Poder Judiciário é tanto mais assustadora quando se soma à presente partidarização do Ministério Público, de que são exemplo as peripécias dos procuradores que atuam na denominada operação Lava Jato
A quem cabe chamar ‘as partes’ ao bom-senso?
A Corte Suprema pode ser avaliada pelo que fazem e deixam de fazer seus membros, julgando e deixando de julgar, silenciando e falando. Última instância à qual pode recorrer o cidadão, a judicatura suprema, exige, por isso mesmo, de seus pares, imparcialidade, integridade, prudência e decoro.
O Código de Ética da Magistratura condena a incontinência verbal, o prejulgamento e a revelação de inclinação ou voto futuro em causa sujeita a julgamento, e veda a um só tempo a filiação partidária e a expressão de preferências políticas.
A Constituição Federal (Art.95, parágrafo único, III) refere-se a “atividade político-partidária” para estabelecer seu crivo à hipótese mais larga de filiação política que é a filiação programática, a associação de interesses político-eleitorais e finalmente, a judicatura comprometida, de que é/tem sido contundente exemplo o comportamento do ministro Gilmar Mendes.
Conhecido pela imprensa como “aquele que não disfarça”, o ministro, atua, tanto no STF quanto no TSE, como em suas entrevistas, em suas palestras, em suas aulas, em seu Instituto, como líder de uma facção partidária, agredindo os princípios constitucionais da impessoalidade e da imparcialidade, além de desafiar permanente e deliberadamente os limites comportamentais estabelecidos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
No exercício do cargo de ministro do STF, Gilmar Mendes eiva de parcialidade um Tribunal que por definição constitucional deve perseguir a isenção e que chega mesmo a reivindicar o papel de ‘poder moderador’ da República.
Na presidência do TSE é ameaça à lisura da Justiça. Ameaça antecipada por Dalmo de Abreu Dallari no artigo Degradação do Judiciário, publicado na Folha de S.Paulo em 8 de maio de 2002.
Escrevia o antigo professor da Faculdade de Direito da USP: “Se essa indicação [a de Gilmar Mendes para o STF] vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.
Como se vê, Dallari não estava exagerando.
Pode um ministro do STF antecipar seu voto mediante declarações à imprensa sobre questão sob julgamento do STF, agredindo o art. 36 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que proíbe o magistrado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”?
Pode um juiz agredir o Código de Ética da Magistratura que exige (art. 1º) de seus membros conduta norteada “pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro”?
Pode o ministro Gilmar falar sobre questões sob julgamento e votar como líder do antipetismo e como líder, no STF, da oposição ao governo da presidente Dilma Rousseff?
Gilmar Mendes permitiu-se buscar os holofotes no episódio da indicação de Lula para o ministério de Dilma, por ele acusada de estratagema que visava a inviabilizar eventual julgamento do ex-presidente. Foi pródigo em diatribes, que a imprensa registrou.
Não obstante, nomeado relator de discutível mandado de segurança interposto pelo PSDB e seu satélite PPS contra a posse de Lula na Casa Civil, não se sentiu impedido, não teve o pejo de conceder liminar sustando a nomeação -- ajuizada, aliás, por advogado que atua em escritório integrado por sua cônjuge.
Foi-se o tempo em que o juiz só falava nos autos.
Em artigo publicado na imprensa ("Judicatura e dever de recato", Folha de S.Paulo, em 13 de setembro de 2015), Ricardo Lewandowski, então presidente do STF, escrevia:
“A circunspecção e discrição sempre foram consideradas qualidades intrínsecas dos bons magistrados, ao passo que a loquacidade e o exibicionismo eram – e continuam sendo – vistas com desconfiança, quando não objeto de franca repulsa por parte de colegas, advogados, membros do Ministério Público e jurisdicionados”.
Foi-se o tempo em que os ministros, essencialmente recatados, só recebiam as partes em seus gabinetes. Evandro Lins e Silva estranhava a promiscuidade de juízes, partes e advogados nos bares e restaurantes de Brasília, onde se trava e muitas vezes se decide a campanha eleitoral dos candidatos aos tribunais superiores.
É ‘o protagonismo extramuros’, que Mendes também desenvolve em palestras para empresários, agenciadas por instituto de que é dono, e participando de convescotes reunindo políticos com interesses notórios no STF e no TSE.
Senão, vejamos. Após almoço com líderes do PSDB, o ministro Gilmar Mendes pede abertura de processo visando à cassação do registro do Partido dos Trabalhadores. 

Apesar de o Regimento do STF precisar em 30 dias o prazo para devolução dos autos sob pedido de vista, Mendes sentou-se por longos 18 meses sobre o processo que julgava a ADI interposta pelo Conselho Federal da OAB para declarar inconstitucional o financiamento privado das eleições.
Em seu voto de longas e cansativas cinco horas, o ministro anuncia que estava tentando impedir o que qualificou de "manobra" do PT mancomunado com a OAB!
Recentemente, permitiu-se declarar, em mais um arroubo de sua conhecida incontinência verbal, que considera a chamada ‘Lei da Ficha Limpa’, originária de iniciativa popular, obra de bêbados, e criticar a lei eleitoral que, como presidente do TSE tem a obrigação funcional de fazer respeitada.
Justamente preocupada com tanto atentado à ordem jurídica, a Folha cobrou mais responsabilidade do STF. Após registrar sinais de comprometimento de Gilmar Mendes com os interesses do presidente do PSDB e ex-candidato Aécio Neves, aconselha os ministros a evitar “atitudes que destoem das práticas do Judiciário” (editorial "Seguir a cartilha", de 30 de maio de 2015).
O jornal não esconde seu alvo: “Isso vale especialmente para o ministro Gilmar, que agora acumula a presidência do Tribunal Superior Eleitoral com a da segunda turma do Supremo, responsável por julgar os processos da Lava Jato”.
O ministro com nada disso se importa, e por nada disso se emenda.
Atentos a tantos descaminhos um grupo de juristas brasileiros – Celso Antônio Bandeira de Melo, Fábio Konder Comparato, Álvaro Ribeiro da Costa, Sérgio Sérvulo da Cunha, Eny Moreira e este escriba -- ingressaram na presidência do Senado Federal com pedido de impeachment do ministro Gilmar Ferreira Mendes, nos termos do Art. 52, inciso II, da Constituição Federal, e da lei nº 1079/1950.
Acusamos formalmente o ministro de comportamento partidário, pois no exercício de suas funções judicantes tem-se mostrado extremamente leniente com relação a casos do interesse do PSDB e de seus filiados, tanto quanto rigoroso (mas desprimoroso em seu linguajar pouco canônico) no julgamento de casos de interesse do Partido dos Trabalhadores e de seus filiados, nomeadamente os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, não escondendo, pois se considera acima das leis, sua simpatia por aqueles e sua ojeriza por estes.
São nossas testemunhas o escritor Fernando Morais, a historiadora Isabel Lustosa, o jornalista e escritor José Carlos de Assis, o ex-deputado Aldo Arantes, o historiador e professor Lincoln Pena. O dr. Marcelo Lavenère, ex-presidente do Conselho Federal da OAB, é o advogado que acompanhará o processo no Senado Federal.
O recebimento da denúncia depende de decisão pessoal do presidente do Senado, senador Renan Calheiros, ameaçado, como outros senadores, por diversos processos correndo no STF.
Se o presidente do Senado sentir-se constrangido em face da decisão que haverá de adotar, como não se sentirão os magistrados brasileiros e seus jurisdicionados de um modo geral? A ação, pois, não é contra um ministro determinado, mas em defesa da magistratura e do direito brasileiro, ora achincalhado.

Teatro burlesco
A imprensa foi chamada nesta última quarta-feira 14 para entrevista coletiva mediante a qual seria anunciada, como o foi, a de há muito prometida denúncia contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois, ao fim e ao cabo é esse o desideratum de toda a faina policialesca corrente: assassinar politicamente o ex-presidente Lula.
No centro do histrionismo digno da fase mais decadente dos teatrinhos da velha Lapa, no Rio de Janeiro, sobressaíram as dificuldades cênicas do procurador Deltan Dallangnol, tentando suprir a ausência de elementos com uma retórica canhestra e uma adjetivação de bar de esquina, que está a cobrar uma palavra de seu chefe, o Procurador Rodrigo Janot.
Faltaram aos procuradores as provas que o direito pede, e sobraram as convicções que um certo fundamentalismo estimula. Mas acusar sem provas é mais do que irresponsabilidade, pois se transforma em crime de difamação. Similar à pantomina da República de Curitiba, vem à lembrança aquela outra do esquecido coronel Job Lorena de Sant’Anna, apresentando o resultado do IPM sobre o ‘atentado do Riocentro’, quando um sargento morreu no exato momento em que auxiliava um oficial do exército (na chefia da operação) na montagem de uma ação terrorista felizmente fracassada.
O coronel, valendo-se também de projeções e muitos desenhos e muita inventividade e adjetivos a granel, anunciou em entrevista para a qual também foi chamada a grande mídia, que lhe deu os espaços requeridos, que os responsáveis pelo atentado frustrado e pela morte do militar ‘eram os comunistas’, milhares de jovens que no interior do Riocentro – um gigantesco Centro de Convenções na Barra da Tijuca, RJ, se preparavam para ouvir Chico Buarque de Holanda. Jovens que seriam assassinados se a bomba não tivesse explodido no colo do sargento auxiliar do capitão terrorista.
O que estamos a ver, e viver, porém, não passa de mais um capítulo na sucessão de episódios lamentáveis que caracterizam, após o golpe continuado, a gradual implantação da ‘ditadura constitucional’. A tentativa de eliminação de Lula é apenas mais um episódio, violento, mas apenas mais um numa sucessões de agressões planejadas. Outras virão.

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Fonte: Carta Capital