sábado, 21 de janeiro de 2017

Com Temer, Brasil retoma vocação de súdito dos EUA

Com Temer, Brasil retoma vocação de súdito dos EUA

por André Barrocal — publicado 19/01/2017 00h17, última modificação 19/01/2017 07h49
As pedras e os perigos da aproximação com Washington desejada pelo atual governo
Temer
Este mostrou sua preferência (Foto: Andressa Anholete/AFP)
Donald Trump assume a Casa Branca nesta sexta-feira 20, e logo a partir de fevereiro burocratas norte-americanos e brasileiros começam a reunir-se para preparar uma agenda capaz de ajudar mutuamente o crescimento econômico dos dois países, artigo escasso lá e aqui.
Ao menos foi esse o combinado entre o magnata e Michel Temer em um telefonema em dezembro, ligação de iniciativa do Palácio do Planalto. Na conversa, o peemedebista disse contar com investimentos dos Estados Unidos, que os empresários dos dois países se conhecem bem e gostariam de ampliar os negócios.
A ligação não foi capaz, porém, de levar Trump a convidar Temer para a posse, indiferença que teria incomodado o brasileiro. É verdade que o costume em Washington é chamar apenas embaixadores para a posse, mas a falta de deferência do bilionário com o peemedebista é sintomática.
O Brasil não está no centro das preocupações de Trump, a nutrir desprezo pelos latino-americanos, vide sua intenção de expulsar mexicanos e construir um muro para impedi-los de entrar. Para Brasília, contudo, os EUA são prioridade, embora não haja uma estratégia clara para atingir o objetivo e traduzir isso em questões concretas. Temer e o chanceler José Serra buscam desde o início uma relação carnal com o país, visto como fonte de legitimação internacional do governo e de capitais capazes de empurrar o PIB.
O descompasso é apenas uma das pedras no caminho da aproximação, uma trilha cheia de perigos aos interesses nacionais, como a secreta retomada das negociações sobre a Base de Alcântara.
Serra é uma das pedras. Torceu abertamente pela candidata democrata, Hillary Clinton. Os tucanos construíram boas relações com os Clinton na gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O escolhido por Serra para embaixador em Washington, Sergio Amaral, foi porta-voz de FHC.
Antes do triunfo de Trump, Serra comentara a hipótese: “Não pode acontecer”, seria um “pesadelo”. Mais: “É preciso ser muito masoquista para ficar imaginando que o Trump vá ganhar”. Consumado o “pesadelo”, resignou-se. “Nas democracias, as decisões do eleitorado se respeitam e se cumprem não apenas por quem vence.” Viu, Aécio Neves (PSDB)?

Serra
Arriscou-se ao torcer por Hillary (Foto: Jales Valquer/Fotoarena)
Resignação à parte, Serra tende a merecer desdém por Trump. Vizinhos dos EUA, México e Canadá mudaram seus chanceleres às vésperas da posse do magnata. A mexicana Claudia Ruiz Massieu, por exemplo, tinha reclamado de o presidente Enrique Peña Nieto convidar o xenofóbico bilionário para uma conversa. Será que Serra corre o risco de perder o cargo? E que choque seria para o tucano, autor de discretas juras de amor aos EUA em certas entrevistas.
No namoro com o Tio Sam, Serra ressuscitou uma ideia polêmica e numa área sempre sedutora para os norte-americanos, a defesa. Mandou recolocar na mesa de negociações um acordo para ceder aos EUA uma base de lançamento de foguetes no Maranhão, a de Alcântara, em troca de recompensas.
Sergio Amaral conversou sobre o tema com o subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado, Thomas Shannon. Mantida em sigilo, uma proposta foi elaborada e apresentada pelo Itamaraty a autoridades dos EUA. Teria sido rejeitada, segundo CartaCapital apurou.
Alcântara é tida como a base mais bem localizada do mundo para lançar foguetes. A partir dali, conseguem colocar satélites em órbita mais rapidamente, com economia de combustível e, portanto, de dinheiro. No fim da gestão FHC, houve um acordo, cujos termos foram ao Congresso, para ratificação. Logo em 2003, primeiro ano de mandato, Lula enterrou o projeto.
Um dos ministros a defender o arquivamento foi Roberto Amaral, então na Ciência e Tecnologia. Por seus termos, relembra ele, era um “crime de lesa-pátria”.
Os Estados Unidos impunham várias proibições ao Brasil: lançar foguetes próprios de base, firmar cooperação tecnológica espacial com outros países, apoderar-se de tecnologia americana usada em Alcântara, usar dinheiro obtido ali para desenvolver satélites nacionais. Além disso, só pessoal norte-americano teria acesso à base.
“O acordo contrariava os interesses nacionais e afetava nossa soberania”, afirma Amaral. “Os EUA não queriam nosso programa espacial, isso foi dito por eles à Ucrânia.”
Sepultada a negociação, a Ucrânia foi o parceiro escolhido em 2003 para um acordo espacial. Herdeira da União Soviética, tinha tecnologia para fornecer. Brasil e Ucrânia desenvolveriam conjuntamente foguetes para lançamentos em Alcântara, com o compromisso de transferência de tecnologia. A proposta da chancelaria de Serra aos EUA teria espírito parecido.
Uncle Sam
Os EUA pretendiam botar o bedelho na base de Alcântara. Lula enterrou o projeto
O Brasil alugaria a base em troca de grana e tecnologia. As proibições do acerto de 2002, chamadas “salvaguardas”, seriam flexibilizadas. Teria sido esse o motivo da atual recusa norte-americana de agora. A propósito: o entendimento com a Ucrânia foi desfeito em 2015, após consolidar-se por lá um governo pró-EUA.
Ao contrário de Serra, Temer não chegou a exibir paixão em público, mas em privado mostrou-se interessado, e útil, aos EUA. Em 2006, ano da reeleição de Lula, encontrou duas vezes o cônsul-geral americano no Brasil, Christopher McMullen, para conversar. Uma em 9 de janeiro, outra em 19 de junho, ambas em São Paulo.
As reuniões foram relatadas por McMullen a Washington em telegramas secretos, tornados públicos pelo WikiLeaks, especializado em vazar documentos, em 13 de maio passado, um dia após Temer chegar ao poder por causa do afastamento provisório de Dilma Rousseff.
Os telegramas deixam a impressão de que a indicação do peemedebista para vice de Dilma na eleição de 2010 foi um erro de Lula e do PT. A menos que tenha prevalecido a tese da conveniência de, em política, manter os amigos por perto e os inimigos mais perto ainda.
No primeiro encontro, segundo o telegrama, Temer não mostrara objeção à Área de Livre-Comércio das Américas (Alca), ideia enterrada no ano anterior por líderes progressistas sul-americanos, Lula entre eles, por ameaçar a economia e a soberania locais.
Teria dito que a vitória de Lula em 2002 fora “fraude eleitoral”, que o governo dele era “desapontador” e com “foco excessivo” no social, que o PT se corrompera. Diante das pauladas, McMullen anotou “com aliados assim...”, em referência à posição de Temer sobre Lula.
No despacho seguinte, sobre a conversa de junho, Temer foi descrito como “anti-Lula”, por suas críticas à política econômica, ao petista e a peemedebistas tidos como lulistas, caso de Renan Calheiros, hoje presidente do Senado. O PMDB era então dividido no apoio ao governo. Presidente da sigla, Temer pertencia à ala claudicante e reclamou “causticamente”, escreveu McMullen, “das recompensas miseráveis” do governo. Em bom português: um fisiológico descontente.
Filme
Ao divulgar no Brasil o filme sobre Snowden, Oliver Stone aventou que a espionagem da NSA de 2013 poderia ter abastecido a Lava Jato inaugurada em 2014 (Foto: Lotta Hardelin/AFP)
Temer e seus colegas deputados só mergulhariam no governo após o novo triunfo de Lula. Uma reeleição que provocaria uma guinada do petista no segundo mandato, sem as amarras ortodoxas do primeiro, previra Temer a McMullen, seu único interlocutor a traçar tal prognóstico.
Fundador do WikiLeaks, asilado na embaixada do Equador em Londres, o hacker australiano Julian Assange analisou o comportamento de Temer em uma entrevista ao escritor brasileiro Fernando Morais, divulgada na terça-feira 10.
Para Assange, o peemedebista revelou um grau “preocupante de conforto”. “O que ele terá como retorno? Ele está claramente dando informações internas à embaixada por alguma razão. Provavelmente, para pedir algum favor aos Estados Unidos, talvez para receber informações deles em retorno.”
A guinada de Lula no segundo mandato, prevista por Temer, ocorreu e foi embalada pela descoberta pela Petrobras, logo em 2007, de petróleo em águas ultraprofundas. A partir dali, o Brasil despontou como player em duas áreas delicadas para os americanos, a militar e a petrolífera. No fim de 2008, o governo lançaria uma Estratégia Nacional de Defesa, a amarrar o desenvolvimento do País ao reforço da segurança nacional.
Em 9 de janeiro de 2009, em telegrama confidencial a Washington, o então embaixador dos EUA em Brasília, Clifford Sobel, dizia que o Brasil caminhava para tornar-se uma “potência mundial moderna” e, mesmo que a Estratégia não vingasse na íntegra, seria capaz de “desenvolver uma força militar moderna com capacidade maior”.
A Marinha destacava-se no plano, reforço impulsionado particularmente pelo pré-sal, cujo controle inspirava cuidados, sobretudo após o anúncio norte-americano, em 2008, de reativação da IV Frota, força naval atuante ao Sul do Oceano Atlântico, pertinho do petróleo descoberto. Com a expansão desenhada para a Marinha, o Brasil sairia da 19a posição entre as forças navais mais poderosas do planeta e chegaria à 9a no fim da década de 2020, conforme o livro As Garras do Cisne, de 2014, do jornalista Roberto Lopes.
Rex
Não por acaso que o presidente da Exxon, Rex Tillerson, é secretário de Estado de Trump (Foto: Christy Bowe/Globe Photos)
O marco no salto naval viria com o submarino movido a energia nuclear, capaz de deslocar-se com mais velocidade e ficar mais tempo sob o mar do que o convencional. “O mais importante instrumento de ameaça que o País jamais possuiu”, escreve Lopes.
Apenas os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) detêm tecnologia de construção desse submarino. O projeto brasileiro é parceria com a França, acordo negociado em 2008 e selado em 2009. Custará 8,5 bilhões de reais e já consumiu 1,8 bilhão. Segundo as últimas estimativas da Marinha, deve ficar pronto em 2027 e entrar em operação para valer em 2029.
Chanceler de Lula e ministro da Defesa de Dilma Rousseff, o embaixador Celso Amorim diz que com pré-sal, investimento militar e uma política externa independente de Washington, a priorizar as relações com a Ásia, a África e a integração latino-americana, o Brasil atraiu a ira do Tio Sam. “Havia uma percepção do sistema político nos Estados Unidos de que o Brasil começava a colocar as manguinhas de fora e de que era preciso nos deter.”
A máxima “aos amigos tudo, aos inimigos a lei” dá uma pista de como pode ter ocorrido tal contenção do Brasil por parte dos EUA. Segundo um ex-ministro de Dilma, muitas informações da Operação Lava Jato contra multinacionais brasileiras, casos de Petrobras e Odebrecht, chegaram ao Ministério Público e à Polícia Federal graças aos serviços americanos de inteligência e seus aliados.
Condenado a 43 anos de cadeia por fraudes na Eletronuclear, o pai do programa nuclear da Marinha, almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, teria sido vítima de um agente infiltrado do Mossad, o serviço secreto de Israel, tradicional parceiro dos Estados Unidos.
Sócia da estatal francesa DCNS na construção do submarino nuclear, a Odebrecht acabou enredada abertamente pelo Tio Sam. Em 21 de dezembro, o Departamento de Justiça americano e a empreiteira anunciaram um acordo de leniência pelo qual a empresa pagará cerca de 7 bilhões de reais como punição (uns 5 bilhões serão pagos no Brasil) por distribuir 788 milhões de dólares em propinas (55% a autoridades estrangeiras) entre 2001 e 2016 em mais de 20 países. Várias nações latino-americanas já estudam processar a construtora, um pepino para os negócios da empresa.
As informações prestadas pela Odebrecht nos EUA serão aproveitadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no Brasil. Em fevereiro de 2015, Janot viajou a Washington com a força-tarefa da Lava Jato para conversas sobre temas incertos e não sabidos. Sabe-se apenas que não aceitou a presença de representantes do governo, na figura da Advocacia-Geral da União, nas reuniões.
No ano passado, o cineasta Oliver Stone lançou um filme sobre Edward Snowden, denunciante da espionagem em massa praticada pela NSA, agência de bisbilhotagem dos americanos que alvejou Dilma e a Petrobras. Em passagem pelo Brasil para divulgar o filme em novembro, Stone sugeriu que a espionagem da NSA, revelada em setembro de 2013, abasteceu a Lava Jato, deflagrada em março de 2014.
“Essa informação vai para algum lugar, não fica lá guardada. É usada para destruir, mudar governos, grandes empresas, a Petrobras, a empresa petrolífera da Venezuela. Isso pode levar à guerra”, afirmou, convicto de envolvimento dos EUA na queda de Dilma Rousseff.
Assange
Na entrevista a Fernando Morais, Assange revela os pecados de Serra
Na recente entrevista, Assange também cita o papel dos Estados Unidos no impeachment. Disse ter identificado “robôs” a convocar pessoas nas redes sociais da web para participar de protestos anti-Dilma. “Pensando em como são os programas americanos, vemos que essas coisas não acontecem na América Latina sem apoio americano”, disse.
E “considerando a intenção do Departamento de Estado americano em maximizar os interesses da Chevron e ExxonMobil”, o pré-sal teria sido a razão para o Tio Sam querer derrubar o PT, patrono da lei que garantia a presença da Petrobras na exploração em todos os campos.
O controle do pré-sal pela Petrobras era a base de um plano de desenvolvimento que passava pelo estímulo à indústria naval (fornecedora de navios-sonda), a construtoras de refinarias e às Forças Armadas.
Em 2009, um ano antes de concorrer ao Planalto pela segunda vez, o hoje chanceler Serra reunira-se com dirigentes da Chevron e prometera mudar a lei e liberar a exploração do pré-sal por estrangeiros sem a Petrobras, caso ganhasse a eleição. A promessa foi cumprida com a ascensão de Temer, responsável por sancionar, em novembro, lei proposta por Serra no Senado em 2015.
Foi na Exxon Mobbil que Donald Trump pinçou seu homem para o Departamento de Estado, Rex Tillerson, até aqui presidente da companhia. Pelo menos aí Serra deverá ter facilidades, caso Tillerson nutra sentimentos do tipo “gratidão”. Perspectivas de negócios não faltam no pré-sal.
Documentos

Produzir ali é uma mina de ouro, com custos de extração dignos dos sauditas. Metade da produção da Petrobras no ano passado saiu de águas ultra-profundas, 1 milhão de barris por dia, alta de 33% ante 2015. O presidente da estatal, Pedro Parente, manteve o saldão inaugurado no governo Dilma e acaba de anunciar a venda de 21 bilhões de dólares em ativos entre 2017 e 2018.
O investimento de capitais talvez seja o que há de oportunidade econômica em uma aproximação do Brasil com os EUA, quem sabe algo em comércio exterior, já que a pauta de exportações do Brasil para o mercado americano é de boa qualidade, centrada em manufaturados, ao contrário do que ocorre com a China.
O problema, diz o economista Marcio Pochmann, um estudioso das relações globais, é que os EUA são uma economia decadente e que, sob Donald Trump, tendem a adotar uma postura protecionista para brigar com a China, o grande parque fabril do planeta hoje.
O Planalto, ressalta Pochmann, poderia até tirar proveito político de uma briga dessas, com jogadas parecidas com as de Getúlio Vargas durante a Segunda Guerra Mundial, oscilante entre a Alemanha nazista e o bloco formado por ingleses, franceses, russos e americanos. Foi dessa artimanha que o Brasil arrancou dos EUA capitais para construir a primeira siderúrgica nacional. “Usar os Estados Unidos para negociar com a China não seria de todo ruim. Mas nós precisaríamos de um estadista.”
Não é o caso. 

Fonte: Carta Capital

Em segredo, Brasil volta a negociar Base de Alcântara com os EUA O TRAIDOR DA PÁTRIA EM AÇÃO.

Em segredo, Brasil volta a negociar Base de Alcântara com os EUA

por André Barrocal — publicado 21/01/2017 00h14, última modificação 20/01/2017 10h32
Iniciativa partiu do chanceler Serra. A primeira oferta brasileira teria sido recusada
Marcello Casal Jr / Agência Brasil
José Serra
Serra: ele quer mais proximidade entre Brasília e Washington
Brasil e Estados Unidos retomaram secretamente as negociações de um acordo sobre o uso de uma base militar brasileira no Maranhão para o lançamento de foguetes norte-americanos. Encerradas em 2003, início do governo Lula, as conversas voltaram por iniciativa do ministro das Relações Exteriores, José Serra, interessado em uma relação mais carnal entre os dois países. 
O embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, conversou sobre o assunto com o subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado norte-americano, Thomas Shannon, ex-embaixador em Brasília. Uma proposta mantida até aqui em sigilo foi elaborada e apresentada pelo Itamaraty a autoridades dos EUA. Teria sido rejeitada, segundo CartaCapital apurou. 
A Base de Alcântara é tida como a mais bem localizada do mundo. Dali foguetes conseguem colocar satélites em órbita mais rapidamente, uma economia de combustível e dinheiro. 
No fim do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), de quem Sérgio Amaral era porta-voz, houve um acordo entre os dois países. Foi enviado ao Congresso brasileiro, para a necessária aprovação. Logo ao herdar a faixa do tucano em 2003, o petista Lula enterrou o caso. 
Um dos ministros a defender o arquivamento naquela época foi o hoje colunista de CartaCapital Roberto Amaral, então na Ciência e Tecnologia. Por seus termos, relembra ele, era um “crime de lesa-pátria”.
Os EUA impunham várias proibições ao Brasil: lançar foguetes próprios da base, firmar cooperação tecnológica espacial com outras nações, apoderar-se de tecnologia norte-americana usada em Alcântara, direcionar para o desenvolvimento de satélites nacionais dinheiro obtido com a base. Além disso, só pessoal norte-americano teria acesso às instalações. 
“O acordo contrariava os interesses nacionais e afetava nossa soberania”, afirma Amaral. “Os EUA não queriam nosso programa espacial, isso foi dito por eles à Ucrânia.” 
Enterrada a negociação com Washington, a Ucrânia foi a parceiro escolhido em 2003 para um acordo espacial. Herdeira da União Soviética, tinha tecnologia para fornecer. Brasil e Ucrânia desenvolveriam conjuntamente foguetes para lançamentos em Alcântara, com o compromisso de transferência de tecnologia de lá para cá.
Um telegrama escrito em 2009 pelo então embaixador dos EUA em Brasília, Clifford Sobel, e divulgado pelo WikiLeaks, relata uma conversa tida por ele com o então representante ucraniano na cidade e mostra a desaprovação do Tio Sam ao entendimento Ucrânia-Brasil. Os EUA não queriam “que resultasse em transferência de tecnologia de foguetes para o Brasil”.
O entendimento do Brasil com a Ucrânia foi desfeito em 2015, após consolidar-se lá um governo pró-EUA. 
Na proposta sigilosa de agora, o Brasil teria oferecido a base em troca de grana e tecnologia. As proibições do acerto de 2002, chamadas “salvaguardas”, seriam flexibilizadas. Teria sido esse o motivo da recusa norte-americana.

Fonte: Carta Capital

Paraty é o Triângulo das Bermudas da política brasileira?

Paraty é o Triângulo das Bermudas da política brasileira?



Nesses momentos de tragédias que abrem possibilidades de inesperadas mudanças no cenário político (Quem perderá? Quem ganhará?) é sempre interessante ver as reações reflexas da grande mídia pega de surpresa. Ela parece sempre ter uma “narrativa reflexa”, pronta, que se manifesta como um ato falho: descrever um mundo onde os eventos são sempre aleatórios, fora de contextos, desconectados e sempre sujeitos a “trapaças da sorte”. A morte do Ministro do STF Teori Zavascki no acidente aéreo em Paraty rapidamente foi enquadrada em uma narrativa protocolar como se a grande mídia já tivesse o resultado antes mesmo das investigações: foi tudo uma fatalidade! Não importa a existência de estranhas anomalias, depoimentos contraditórios, sincronismos e o oportuno timing dos acontecimentos. Será que a grande mídia quer impor à sociedade uma “narrativa reflexa” para criar um fato consumado? Criar uma atmosfera de pressão política nas investigações oficiais que ora se iniciam? Ou será que, desde o desaparecimento de Ulysses Guimarães em 1992, a região de Paraty se transformou numa espécie de Triângulo das Bermudas brasileiro onde impasses políticos são resolvidos de forma drástica?

Diariamente 100 mil voos comerciais partem pelo mundo. Segundo pesquisa feita pela revista Newsweek, o transporte aéreo registra média de 0,01 morte a cada 100 milhões de milhas viajadas e os aviões estão cada vez menos vulneráveis a tempo ruim – de 20% na década de 1950 para 8% atuais de acidentes provocados por condições meteorológicas. A cada milhão de decolagens, registram-se 0,9 acidentes fatais – clique aqui.

Mas quis a “trapaça da sorte” (expressão usada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso no sua mensagem de pesar) vitimar o ministro Teori Zavascki quando estava prestes a homologar 77 depoimentos de delação premiada de executivos da Odebrecht – o ministro tinha autorizado para a próxima semana as oitivas de confirmação das delações e na sua última entrevista Teori avisou que iria trabalhar durante o recesso do STF “em face da excepcionalidade”, nas palavras dele.

Essa “excepcionalidade” refere-se à verdadeira bomba-relógio dos nomes envolvidos na delação, começando com o atual desinterino Michel Temer (citado 43 vezes na Lava-Jato), passando pelo presidente do Senado Renan Calheiros e chegando ao ministro das Relações Exteriores José Serra, além de deputados e senadores.

Em política não há coincidências (e nem mesmo “trapaças da sorte”), mas sincronismos. As mentes mais cartesianas e conformistas tendem a rotular a hipótese dos sincronismos de “teorias da conspiração”, assim como  diligentemente os especialistas aéreos chamados às pressas pela grande mídia já se adiantaram em dizer, diante de elegantes infográficos – pelo menos mais bem desenhados do que os PowerPoints do Dellagnol .

E por que não há “coincidências”?  Porque em política sempre alguém vai perder e muitos outros ganharão tempo, vantagem ou mesmo a vitória definitiva e alguma questão que sempre está próxima de um evento “trágico”. “Timing” e “oportunismo” são as noções centrais em eventos sincrônicos, capazes de criar uma constelação de “coincidências significativas” que vão muito além das “trapaças da sorte”.


Eventos trágicos como nesse acidente aéreo abrem de imediato uma guerra de narrativas. Mas, principalmente, põem à tona “atos falhos” da grande mídia: sempre quando ela é pega de surpresa mobiliza o que podemos chamar de “narrativa reflexa” ou protocolar. Um verdadeiro mecanismos de defesa para defender a realidade que os telejornais querem sempre construir para os telespectadores: um mundo onde os eventos estão fora de contexto, desconectados, aleatórios e sujeitos às “trapaças da sorte”. Onde os fatos ou são obras dos misteriosos desígnios de Deus, ou de alguma maldição gregoriana – “o anos de 2016 não acabou...”, lamentam apresentadores TV.

Grande mídia pega de surpresa


A narrativa reflexa midiática começou com a descrição de que o avião envolvido no acidente era de “pequeno porte”. Nas primeiras horas, esse foi o termo para designar o modelo do avião, algo assim como um “teco-teco” bimotor. Associado com o cenário de chuva e suposta visibilidade zero, começava a construção rápida da narrativa de uma fatalidade.

Claro que mais tarde a grande mídia corrigiu essa informação inicial ao mostrar através de infográficos que não era um avião pequeno. Na verdade, um Beechcraft C90GT King Air, semelhante a um avião executivo, exceto pela motorização, com voice recorder – gravador de voz. Mas a percepção de um avião frágil diante das condições meteorológicas ficou na construção da narrativa da fatalidade.

 Além disso, outros dois elementos marcaram essa narrativa reflexa, quase um ato falho, da grande mídia: contradições sobre as condições meteorológicas de Paraty no momento do acidente e a imediata especulação sobre um novo nome para o lugar da relatoria da Lava Jato no STF.


O conveniente cenário meteorológico


Os primeiros repórteres em Paraty ao vivo falavam que no momento do acidente não chovia forte e com visibilidade. Algumas horas depois, as testemunhas selecionadas começaram a descrever um cenário de muita chuva e visibilidade zero.

E nas simulações e infográficos dos telejornais, tome animações com nuvens, raios muita água caindo. E a ênfase constante na ausência de torre de controle na pista de Paraty (comum nas pistas de pouso do Litoral Norte) e na dependência exclusiva de contato visual para a aproximação dos aviões – fato cotidiano para os pilotos experientes naquela região.

Algumas testemunhas escolhidas eram pilotos de embarcações turísticas próximas ao local do acidente, muitos deles levando turistas a passeios naquele momento. Como assim? Muitas chuva, visibilidade zero e turistas querendo conhecer a baia de Paraty? Estranhamente, nas edições posteriores das falas desses pilotos foram cortados trechos nos quais falam de “clientes” ou “turistas” nos barco com eles no momento do acidente. Por que? Para eliminar a informação contraditória na construção de um cenário de rigorosas condições meteorológicas?

Apesar das investigações estarem apenas começando, a grande mídia parece ter o resultado final: foi tudo “trapaça da sorte” – o homem errado, no lugar errado e na hora errada. 


“Fumaça branca” e “Vejam bem o que vão dizer ao País!”


Mesmo que um pescador tenha declarado que um dos motores soltava uma “fumaça branca” (Jornal Nacional, 20/01). Seu testemunho ficou simplesmente solto no meio de uma simulação do percurso do avião fatídico com o indefectível Globocop, sempre enfatizando as nuvens e a pouca visibilidade.

E ainda, dado momento, o repórter se gabando de ter ajudado outro avião que, naquele instante, se aproximava da pista de Paraty e não tinha visibilidade suficiente – muito conveniente para a pauta da Globo, rápida no gatilho para impor o seu diagnóstico reflexo junto a opinião pública como fato consumado e pressionar as investigações .

Como se a Grande Mídia dissesse: “vejam bem o que vocês vão dizer!”. Mesmo que seja para tirar do contexto e reverter o sentido da afirmação filho de Teori Zavaski, o advogado Francisco Zavascki. Depois de, em maio de 2016, ter postado no Facebook denúncia de supostas ameaças ao pai e à família (“se algo acontecer à minha família, vocês já sabem onde procurar...”), em tom irônico Francisco disse logo após o anúncio da morte do pai que “seria muito ruim para o País ter um ministro do Supremo assassinado”.

Como sempre retirando do contexto, o JN transformou essa afirmação amargamente irônica em uma fala críptica, como se alertasse à Aeronáutica, Ministério Público e Polícia Federal: “vejam bem o que vão descobrir e dizer ao País!”. Mais um argumento para sustentar a sua narrativa reflexa cuja conclusão só pode ser essa: só nos resta nos resignarmos diante dos misteriosos desígnios de Deus.


Carmen Lúcia rise again


Mal confirmada da morte do ministro do Supremo e muito antes dos corpos serem retirados da fuselagem submersa do avião, rapidamente apresentadores e comentaristas começaram a especular sobre quem seria designado para substituir o sensível cargo de relator da Lava-Jato no Supremo e colocar as mãos nas delações da Odebrecht guardadas na sala-cofre do terceiro andar do tribunal.

A imagem é muito conspiratória, mas parecia que todos estavam apenas aguardando algum sinal para rapidamente entrar em cena e fazer, ansiosos, suas apostas e comentários. Algo parecido com aqueles os obituários prontos nas gavetas de redações sobre personalidades que notoriamente estão próximas do fim.

De imediato, a reportagem da Globo colou na ministra Carmen Lúcia chegando a Brasília, enquanto a comentarista de política da Globo News Chris Lobo declara em tom messiânico: “o século XXI é o século do Judiciário...”. Depois de rifar o Ministro da Justiça Alexandre de Moraes e o desinterino Temer na crise do terror tocado pelo TCC nas prisões do País, as apostas da Globo vão agora para a presidenta do Supremo. Personagem sempre presente nas telas da Globo nesse ano, desde o massacre do presídio em Manaus.

Anomalias e “coincidências significativas”


(a) A mensagem subliminar involuntária no prefixo do barco da Marinha


De todas as embarcações em torno da fuselagem do avião parcialmente submersa, uma foi destacada, com longos e demorados planos em todos os telejornais: uma embarcação cinza da Marinha  com um sugestivo prefixo em letras maiúsculas e minúsculas: GptPNSE-04.

O “pt” destacado em caixa baixa começou a alimentar versões anti-petistas nas redes sociais de que o “mecânico do avião era Lula” ou o que é pior: Dilma mandou matar Teori Zavascki!

Involuntariamente, o prefixo da embarcação lembra a suspeita mensagem subliminar do Jornal da Globo durante a crise do suposto “Apagão Aéreo” após o acidente com o avião da TAM em São Paulo em 2006. No selo do telejornal que anunciava a suíte de reportagens, via-se um letreiro de aeroporto de partidas e chegadas cuja animação mostrava a combinação de letras “PT”, antes de formar as palavras “Vítimas do Apagão Aéreo”.


(b) O estranho interesse pela ficha técnica do avião


Duas semanas antes do fatídico acidente, a ficha técnica do avião Beeechcraft teve um estranho pico de visualizações: repentinamente no dia 03/01 pulou para 1.885 acessos, voltando nos dias posteriores a zero até o dia do acidente.

Pessoas repentinamente interessadas na compra da aeronave? Estranho para um aparelho transferido para o empresário Carlos Alberto em outubro de 2016.

Foram informações do jornalista Chico Malfitani repassadas pelo engenheiro da Politécnica USP Leonardo Manzione. Pode não significar nada, mas dentro de um contexto no qual o filho de Teori Zavascki alertava sobre ameaças contra o pai transformasse em anomalia que deveria ser levada em contada numa investigação - clique aqui.


(c) O Triângulo das Bermudas da Política brasileira?


O acidente aéreo e a morte do ministro Teori Zavascki ocorreu na mesma região onde em 12 de outubro de 1992 o helicóptero que levava o deputado Ulysses Guimarães a caminho de Angra dos Reis caiu sem deixar sobreviventes. Estavam a bordo, além do ex-senador Severo Gomes, sua mulher e o piloto.

Distantes 24 anos no tempo, os dois episódios guardam uma série de estranhos sincronismos.

Ambas personalidades vinham de um processo de impeachment e, naquele momento, eram peças-chave nos destinos políticos do País.

Ulysses seria o próximo presidente com a queda de Collor, enquanto Zavascki tinha nas suas mãos as fortemente guardadas 77 delações que podem mudar drasticamente o futuro político para 2018.

Assim como Zavascki, durante o processo do impeachment de Collor, Ulysses recebeu estranhas sugestões  e ameaças de morte. Primeiro, em um destempero verbal do intempestivo Collor: “pela idade e pelas doenças aquele velho senil já deveria estar morto!”.

A outra foi insólita: no dia 27 de setembro, um grupo de apoiadores a Collor se reuniu em frente à Casa da Dinda para fazer uma “pajelança”, em defesa do mandato do presidente – haviam boatos de que aquele local havia se transformado em um centro de macumba, com rituais de magia negra.

Collor autorizou que dez manifestantes entrassem. A coordenadora do grupo, uma senhora, chamou a atenção dos repórteres ao gritar repetidas vezes “Ulysses vai morrer! Já era para ter morrido e não deu certo!”.

Vinte quatro anos depois, novamente ameaças de morte a outra peça-chave política e a morte posterior.

Além disso, esses dois episódios distantes no tempo têm como pano de fundo crises carcerárias. Lá em 1992 o Massacre do Carandiru (2 de outubro de 1992) e aqui a série de mortes e decapitações em penitenciárias do Norte do País – no momento do acidente em Paraty, a Polícia Militar preparava-se para invadir o presídio de Alcaçuz, RN.

No Massacre do Carandiru em 1992, para muitos analistas, nascia o facção de crime organizado PCC, organização agora por trás da nacionalização da crise penitenciária.

Será que esses sincronismos apontam para um modus operandi na política brasileira que ainda as pessoas não se deram conta desde a redemocratização após a ditadura militar? Ou então a região de Paraty transformou-se num Triângulo das Bermudas brasileiro onde impasses políticos são drasticamente resolvidos?