segunda-feira, 4 de setembro de 2017

LIMINAR DA JUSTIÇA FEDERAL

LIMINAR DA JUSTIÇA FEDERAL


Uma decisão liminar da 6ª Vara de Justiça Civil do Distrito Federal proíbe o Diário do Centro do Mundo de utilizar a palavra pela qual ficou conhecido o caso do helicóptero da família do senador Zezé Perrella, apreendido com 445 quilos de pasta base de cocaína.

Os advogados do DCM, Francisco Ramos e Caroline Narcon Pires de Moraes, estiveram em Brasília e formalizaram à juíza Gabriela Jardon Guimarães de Faria, da 6ª Vara Cível, que concedeu a liminar, que reconsiderasse a decisão.

Na sexta-feira, 25 de agosto, a magistrada decidiu mantê-la:

“A determinação de fl. 248 não me parece impossível de cumprimento, como alegam os contestantes. Ainda que a expressão “helicoca” tenha se sagrado como de uso corriqueiro pela imprensa de uma maneira geral para se referir ao episódio da apreensão de droga no interior do helicóptero de propriedade do autor, a proibição de que a mesma não seja, por ora, mais utilizada nas publicações de autoria dos requeridos é perfeitamente executável para eles, que podem (e devem) continuar a exercer o seu munus jornalístico no relato do episódio, sendo este o caso, mas com desprezo à expressão e eleição de outras em substituição”, determinou a juíza.

O DCM recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

O pedido de liminar foi apresentado pelo senador Zezé Perrella, que entrou com outra ação contra a DCM e, nesta, também contra o Google. Essa segunda ação corre na 16ª Vara Cível do Distrito Federal e o objetivo é, conforme a petição apresentada à Justiça:

“a) A retirada de todo conteúdo difamatória que associe o nome do requente às palavras “helicoca”, helicóptero ou cocaína do sítio eletrônico www.diariocentrodomundo.com.br;

b) A exclusão, do buscador Google, de todas as notícias que associem o nome do requerente às palavras “helicoca”, helicóptero ou cocaína;

c) A retirada de todos os vídeos da plataforma Youtube.”

Nesta ação, o juiz Cleber de Andrade Pinto negou liminar, em uma decisão de cinco páginas, na qual afirma que a divulgação de “informações acerca do homem público permitem que a sociedade  tenha ciência do caráter e das características deste, sendo importante instrumento de controle da atividade pública por ele exercida”.

O magistrado também cita a revelação pela Procuradoria Geral da República de interceptação telefônica entre os senadores Zezé Perrella e Aécio Neves:

“Destaque-se, ainda, que o fato de a cocaína ter sido apreendida em aeronave da propriedade da família do requerente é incontroverso, sendo, inclusive, corroborada por este.”

“Por fim, é fato notório que o requerente foi flagrado em interceptações telefônicas se autointitulando traficante de drogas.”

“Se o próprio requerente, de brincadeira ou não, assim se nomeia, homem público que é, devendo manter o decoro tanto em sua vida pública como em sua vida privada, não pode exigir, ao menos em sede liminar, que as informações trazidas pelos requeridos sejam excluídas de plano”.

O helicóptero do senador Zezé Perrella foi apreendido em novembro de 2013, em uma fazenda de Afonso Cláudio, no interior do Espírito Santo.

Trazia 445 quilos de pasta base de cocaína do Paraguai.

Foram presos os dois pilotos e mais dois homens, que ajudavam a descarregar a droga. O flagrante foi o resultado de uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Militar do Espírito Santo.

Antes mesmo da conclusão do inquérito, alguns dias depois do flagrante, o delegado da Polícia Federal Leonardo Damasceno, responsável pela investigação, deu entrevista para dizer que a família do senador Zezé Perrella não tinha nenhum envolvimento com o crime.

O helicóptero estava registrado como propriedade de uma empresa da família e um dos pilotos, Rogério Antunes, era funcionário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e ocupava cargo de confiança por indicação do filho de Zezé Perella, Gustavo, na época deputado estadual.

Mas, segundo o delegado, a aeronave foi usada sem o conhecimento do senador e de seu filho.

Todas estas informações foram divulgadas pelo Diário do Centro do Mundo, que desde o início da cobertura procurou falar com Zezé Perrella.

Eu estive pessoalmente no gabinete do deputado GustavoPerella e pedi ao assessor de imprensa que me colocasse em contato com o deputado e também com Zezé Perrella.

Deixei meu cartão, aguardando retorno, mas o assessor disse que não havia interesse da família em falar mais sobre o caso, pois a Polícia Federal já tinha inocentado Zezé Perella e Gustavo Perella.

O inquérito foi concluído sem que a Polícia Federal informasse a quem pertence a droga.

Os quatro homens presos foram colocados em liberdade seis meses depois da apreensão, no dia em que prestariam depoimento.

O helicóptero foi devolvido à família Perrella.


Quase quatro anos depois, o caso da cocaína apreendida no Espírito Santo ainda não foi julgado.

Cadê o Brasil que estava aqui? Temer vendeu


quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Cadê o Brasil que estava aqui? Temer vendeu

Por Renata Mielli, no site Mídia Ninja:

A uma semana de completar um ano do golpe, o que se vê no país é um rastro de destruição. Já dá para tirar a placa de vende-se que estava fincada no mapa do Brasil e substituir por outra: Vendido.

Os golpes têm suas datas de aniversário. No Brasil temos, por exemplo, o 30 de setembro de 1937, que instituiu o Estado Novo; o 31 de março de 1964, que deu início à ditadura militar; e, mais recentemente, o 31 de agosto de 2016, quando o Congresso destituiu a presidenta Dilma Rousseff da presidência da República.

Mas os golpes, na verdade, são processos longos, que poderiam ser melhor definidos no gerúndio. Ou seja, o golpe vai sendo gestado, tem uma data simbólica, vai sendo aprofundado e, depois de um período (geralmente de média e longa duração), vai sendo aos poucos desmontado até chegar a um acontecimento que delimita historicamente o seu término. Pelo menos tem sido assim, até agora, na maioria dos casos.

O golpe que está em curso no Brasil encontra-se no primeiro gerúndio: sendo aprofundado.

Os últimos dias mostraram que Temer ainda tem capacidade política para implementar a agenda econômica que uniu os setores da elite para dar o golpe, e que tem domínio da base parlamentar para aprovar reformas que favorecem a elite política e econômica.

Só essa semana, o governo instalado anunciou a privatização da Eletrobrás e um pacote de privatização de outras 57 empresas/projetos, entre os quais mais de uma dezena de aeroportos (Congonhas, Confins, Galeão, etc.), rodovias, Loteria, até a Casa da Moeda consta da lista do que Temer pretende vender.

Os anúncios vieram acompanhados da aprovação dos grandes meios de comunicação. A Folha de S.Paulo estampou em editorial: Privatização bem-vinda, o Globo comemorou: Privatização da Eletrobrás é lado positivo da crise. A mídia vai aplaudindo seu preposto, mesmo que de forma mais discreta, afinal, negócios são negócios, amizades ou inimizades é algo a parte.

As novas vítimas do discurso de ineficiência do setor público, do combate à corrupção e do Estado mínimo se somam a já esquartejada Petrobras, e suas subsidiárias, ao leilão privado para a exploração do pré-sal, e a tentativa de repassar para a iniciativa privada a operação do satélite geoestacionário para provimento de serviço de telecomunicação no país.

E não para aí. No Congresso Nacional, o Projeto de Lei Complementar nº 79, que altera a Lei Geral das Telecomunicações, vai levar até às últimas consequências o modelo privado-comercial para os serviços de telecomunicação, acabando com a existência de um regime público para a prestação de serviços essenciais, acabando com a figura da concessão e dando para as empresas de telecomunicação a propriedade e o privilégio de explorar ad eternum um serviço público previsto na Constituição.

E tem mais: Na Saúde, o ministro Fernando Barros criou um grupo de estudo para implantar planos de saúde popular, num processo explícito de privatização do SUS, já carente de recursos e ainda mais combalido com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos públicos em saúde e educação por 20 anos.

Tem ainda a permissão de venda de terras para estrangeiros, o fim da Reserva Nacional do Cobre, e uma lista interminável de medidas que acabam com a soberania nacional.

Temer aprovou a Reforma Trabalhista, revogando direitos consagrados dos trabalhadores desde 1943. Na Reforma Política teremos o distritão, e já se fala em parlamentarismo ou semi-presidencialismo.

Como disse na coluna passada, apesar de todos os dias termos a sensação de que chegamos no fundo do poço, vem o dia seguinte e mostra que esse poço não tem fim.

Apesar dos ataques que vem sofrendo, Temer parece inabalável e segue firme e forte no propósito das elites de vender o Brasil.

A vitaliciedade torna possíveis todos os abusos e crimes de membros do judiciário

Gilmar Mendes não tem mais condições éticas de continuar como ministro do STF

Mário Augusto Jakobskind


O que se pode esperar de uma justiça cujo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, padrinho de casamento da filha do acusado de corrupção Jacob Barata Filho e favorece também Lélis Teixeira, ex-presidente da Fetranspor. E ainda o Ministério Público Federal garante que o cunhado do Ministro Mendes, Francisco Feitosa de Albuquerque Lima é sócio de Jacob Barata Filho. Mendes aliviou a barra dos dois acusados em 48 horas, concedendo-lhes prisão domiciliar, isso depois da decretação por duas vezes da prisão em regime fechado por um juiz federal do Rio de Janeiro. De quebra ainda concedeu benefícios a outros quatros que se encontravam presos no mesmo processo, fazendo com que deixassem o presídio de Benfica.

E não é a primeira vez que Mendes adota tal procedimento com acusados de corrupção, todos ricos, e que ficam em luxuosos apartamentos cumprindo penas, ou fingindo que cumprem. Em 2008, o mesmo Mendes libertou o banqueiro Daniel Dantas depois de várias vezes entrar em choque com um juiz de primeira instância que ordenou a prisão do referido. Já favoreceu a Eike Batista e até o médico Roger Abdelmassih estuprador de pacientes que pegou condenação de 180 anos, que só foi justiçado depois de muita pressão de suas vítimas.

Dantas hoje segue por aí lépido e faceiro, enquanto o delegado Protógenes Queiroz se encontra exilado na Suíça depois de ser excluído da Polícia Federal e ter prisão decretada por supostas ilegalidades na condução do processo policial contra o banqueiro protegido por Gilmar Mendes.

Além de padrinho de casamento de uma filha do carimbado Barata Filho, a esposa de Gilmar Mendes, Guiomar Mendes, trabalha em escritório de advocacia que atua para a Fetranspor e para outros negócios do empresário. E aí aparece o Ministro Gilmar Mendes afirmando em tom agressivo que não vê nada demais em julgar a questão que favoreceu Barata Filho. Ele chegou a cinicamente perguntar para repórteres que respondessem se o fato de ter sido padrinho de casamento de uma filha de Barata Filho o impediria de decidir a questão envolvendo o acusado? Ele mesmo respondeu afirmando que “não precisavam responder”. Fez a pergunta com o objetivo de jogar para a plateia, como faz habitualmente.

E Gilmar Mendes na maior cara de pau não se sentiu impedido de tomar a decisão em favor de Barata e Teixeira. Se o que aconteceu aqui no Brasil acontecesse em outro país, qual teria sido o destino final do ministro? No mínimo seria provavelmente suspenso de suas funções, por demonstrar falta de condição moral para o exercício da função, no caso a instância máxima da justiça brasileira.

Nomeado para o STF pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, Mendes tem surpreendido os brasileiros por suas atitudes que depõem contra a própria Justiça. No caso Barata Filho e Lélis Teixeira, esse acusado de pagar 150 milhões de reais ao ex-governador meliante Sérgio Cabral, em prejuízo da população, sobretudo pobre que paga passagem, o Ministro na verdade passou dos limites, tanto assim que até órgãos de imprensa que nunca fizeram objeções ao seu procedimento decidiram não mais defendê-lo por entenderem que realmente ele perdeu as condições morais.

Arrogante e agressivo contra quem o acusa, Mendes se vale de alianças com figuras e grupos que continuam ao seu lado para impor a sua vontade em qualquer circunstância. Como a cada dia que passa vai perdendo força, o que se espera agora é que a partir do episódio de visível favorecimento de acusados de corrupção, como Barata Filho e Lélis Teixeira, justiça seja feita de fato, ou seja, Gilmar Mendes não continue exercendo a função no STF. Se não for impedido, pelo menos mereceria advertência e suspensão para baixar a crista.


Se nada acontecer, o mais prejudicado será o próprio STF por manter em seus quadros uma figura como Gilmar Mendes. Com a palavra, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).  

É muito mais que uma tragédia: é mais um crime desse desgoverno golpista e lesa-pátria

Privatização da Eletrobras é uma tragédia

José Eduardo Bernardes


A proposta do governo golpista de Michel Temer de privatizar a Eletrobras é uma "tragédia" e vai afetar diretamente o consumidor. A avaliação é de Gilberto Cervinski, coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB).

O coordenador comenta a proposta do governo ilegítimo, enviada na segunda-feira (21), para que o Ministério de Minas e Energia entregue ao Programa de Parcerias e Investimentos a tarefa de vender ações da Eletrobrás, empresa responsável pela geração, distribuição e transmissão de energia elétrica.

"O que eles estão propondo é uma tragédia. Vai explodir, vai dar um choque, se você pegar e analisar, é um impacto muito grande, do ponto de vista na conta de luz", disse.

Gestão

Ao todo, a empresa administra 47 hidrelétricas, 270 subestações de energia, seis distribuidoras e possui 70 mil quilômetros de linhas de transmissão. Essas linhas atendem 12 milhões de habitantes em seis estados.

Cervinski explica que as empresas administradas pela Eletrobrás já tiveram seus gastos amortizados, principalmente pela contribuição arrecadada com as tarifas de luz pagas pelos usuários. Com a privatização, ele afirma que o povo voltará a pagar contas mais altas para cobrir novos gastos estimulados pelo próprio mercado.

Consumidor

O governo espera arrecadar R$ 20 bilhões com a privatização. A Eletrobrás já tem suas ações na bolsa de valores, ou seja, é uma empresa de capital misto. O governo brasileiro detém grande parte dessas ações, cerca de 40%, que garantem a soberania do setor elétrico nacional.

Para Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da empresa na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, são os usuários que vão arcar com os custos da privatização.

"Certamente vai aumentar a tarifa. Porque você vai revalorizar ativos amortizados, que terão que ser remunerados de novo para compensar o investidor. Deve ser algo em torno de 8% a 10%", disse.

Pinguelli lembra ainda que apesar do governo afirmar que a tática é utilizada para cobrir um rombo nas contas, revelada na semana passada, e que chega a R$ 159 bilhões, a escolha do governo golpista de privatizar a Eletrobras é ideológica.

"Esses caras aprenderam desde criancinha que têm que privatizar tudo que estiver na frente deles. Então isso é uma regra deles. Vão obter algum fundo para compensar o rombo gigantesco que foi produzido, mas muito pouco. Soberania nacional não existe na cabeça do Temer. Ele é uma espécie de governo lacaio", criticou.


Em nota, a Eletrobras afirmou que ainda não há aprovação da proposta enviada por Temer, nem modelo definido de como poderá ocorrer a privatização.

'Estamos frente a um sistema de agiotagem que paralisou o Brasil', diz economista Ladislau Dowbor

'Estamos frente a um sistema de agiotagem que paralisou o Brasil', diz economista Ladislau Dowbor


Economista Ladislau Dowbor, que está lançando o livro "A Era do Capital Improdutivo", fala sobre como os mecanismos financeiros capturaram o poder político em todo o mundo, inclusive no Brasil
"Não há nenhuma razão objetiva para os dramas sociais que vive o mundo. Se arredondarmos o PIB mundial para US$ 80 trilhões, chegamos a um produto per capita médio de US$ 11 mil. Isto representa US$ 3.600 por mês por família de quatro pessoas, cerca de R$ 11 mil reais por mês. É o caso também no Brasil, que está exatamente na média mundial em termos de renda. Não há razão objetiva para a gigantesca miséria em que vivem bilhões de pessoas, a não ser justamente o fato de que 'nenhum quadro de referência emergiu para guiar as políticas e as práticas': o sistema está desgovernado, ou melhor, mal governado e não há perspectivas no horizonte."
O trecho acima é uma das passagens do livro A Era do Capital Improdutivo (Outras Palavras & Autonomia Literária), do economista Ladislau Dowbor, professor titular de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na obra, ele mostra que o ponto fundamental que define o cenário econômico e social da maior parte do mundo não é propriamente a falta de recursos financeiros, mas sim sua apropriação por corporações que utilizam esses recursos para especular em vez de investir de forma produtiva. Uma esterilização que aprofunda as desigualdades e desenha um horizonte sombrio para o futuro do planeta.
Dowbor analisa uma estrutura em rede nada trivial, na qual as corporações transnacionais dominam a (não) competição de mercado e põe o tempo todo em risco a estabilidade econômica, à mercê de seus interesses. Isso apoiado não em teorias da conspiração, mas em dados e pesquisas de instituições que mostram uma gigantesca estrutura na qual grande parte do controle flui para um núcleo diminuto e fortemente articulado de instituições financeiras, uma verdadeira "superentidade".
"Ao vermos como nos principais setores as atividades se concentraram no topo da pirâmide, com poucas empresas extremamente poderosas, começamos a entender que se trata sim de poder no sentido amplo. Agindo no espaço planetário, na ausência de governo/governança mundial, frente à fragilidade do sistema político multilateral, as corporações manejam grande poder sem nenhum contrapeso significativo", diz Dowbor no livro. “Com efeito, menos de 1% das empresas consegue controlar 40% de toda a rede.” Trata-se de instituições financeiras como Barclays Bank, JPMorgan Chase&Co e Goldman Sachs.
É esse exercício constante da captura do poder – seja ele político, jurídico ou midiático – que faz com que as grandes corporações continuem lucrando às custas de aplicações que não servem ao conjunto da sociedade. E que desestabiliza economias e governos como, segundo Dowbor, aconteceu com o Brasil.
Em seu livro, o senhor fala do poder extremamente concentrado dos grandes grupos corporativos, com uma gigantesca concentração da riqueza no planeta e que opera por meio de mecanismos financeiros, o que resultou também na captura do poder político por esse reduzido grupo. Como chegamos a esse sistema de apropriação por uma minoria tão reduzida sem as pessoas se darem conta disso?
As pessoas não entendem mecanismos financeiros. Quando você compara em uma loja um produto com outro, quando te oferecem uma prestação de R$ 69,99 e outra de R$ 79 ao mês, em geral não se vê muita diferença. O cálculo atuarial não faz parte da nossa cultura e, no sistema de educação brasileiro, nunca se teve uma aula sobre a moeda, que é o principal estruturador da sociedade. Então, há um desconhecimento profundo dos mecanismos financeiros.
Fazer aplicações financeiras – comprar papéis, não se produzindo nada – rende em média, no mundo, 7% ao ano. Sem esforço nenhum, apenas pagando uma pequena comissão a uma entidade de intermediação, corretores financeiros, coisas do gênero. O progresso da produção não é de 7% ao ano, só a China tem esse índice, mas, no mundo, esse ritmo gira em torno de 2% a 2,5% ao ano. Ou seja, produzir rende muito menos do que as aplicações financeiras.
Quem faz aplicações financeiras são os ricos. As pessoas sequer sabem o que é ganhar 7% ao ano sobre capital parado. Se você tem um bilhão de dólares e aplica a uma modesta taxa de rendimento de 5% ao ano, ganha 137 mil dólares ao dia. Quando o bilionário ganha 137 mil dólares por dia, isso entra na conta dele diariamente, e esse dinheiro se incorpora aos 5% que estão rendendo. Vira uma bola de neve e você passa ter uma massa de capitais improdutivos, imensa, que é drenada dos processos produtivos pela razão de que esse tipo de dinheiro vai atrás de onde pode render mais. Não só rende mais na aplicação financeira, como rende mais sem precisar de esforço, obviamente isso acaba descapitalizando o setor produtivo.
Ao mesmo tempo, tem-se o aumento da desigualdade, porque o 1% ou um décimo de 1% enriquece de maneira fenomenal, mas esse dinheiro não se reverte em investimento em bens e serviços. Tem-se ao mesmo tempo o aumento de desigualdade e uma relativa estagnação econômica.
Nesse sentido, é um capital improdutivo que está no título do livro.
É um capitalismo, pelo menos para as grandes corporações que dominam esses mecanismos financeiros, sem risco.
Eles podem ter risco, mas o capital tem risco quando a pessoa investe, faz um projeto de construção de casas, por exemplo, investe efetivamente em produção. Quando tratamos dos capitais improdutivos, não falamos em investimentos, mas sim de aplicações financeiras.
O risco que existe, e forte, é sistêmico, como aconteceu em 1929 e em 2008, e, provavelmente, vai se repetir adiante. Porque, de tanto extrair capital do setor produtivo e atrai-lo para processos especulativos, pode haver um colapso dos papeis por insuficiência de base correspondente produtiva.
A crise de 2008, por ter sido causada pela especulação financeira, não foi uma oportunidade de se refletir sobre o capitalismo financeiro? Perdemos essa oportunidade?
Está surgindo nos últimos meses de 2017 um conjunto de estudos a respeito de como se perdeu a oportunidade. A crise poderia ter gerado uma volta a certa regulação ao ordenamento do sistema financeiro. O que aconteceu é que, de um lado, essa bolha financeira gerada pelos grandes bancos teve seu buraco compensado com dinheiro público – cerca de 4 trilhões de dólares nos Estados Unidos e outros tantos na Europa – que normalmente seria destinado a investimentos em infraestrutura, políticas sociais, saúde, educação e outras do gênero, mas foi desviado para bancos. Esse cenário possibilitou a criação da política de austeridade, que promove um empobrecimento da população em proveito dos bancos.
Nesse movimento se geraram tensões políticas, mas apenas embriões de uma possível volta a uma política de regulação. Nos Estados Unidos, se negociou a lei Dodd-Frank, que substitui a lei que assegurou a estabilidade financeira durante 30 anos no pós-guerra, a Glass Steagall. Logo no início da crise em 2008, se avançou com essa regulamentação, e assim que os bancos voltaram a ter os bolsos cheios e a situação se tranquilizou, com as populações aceitando a tal da austeridade, começaram a liquidar a lei Dodd-Frank e se voltou ao sistema de caos financeiro de hoje. Saiu essa semana um estudo sobre fraudes financeiras dos grandes bancos, como as praticadas pelo Bank of America. As multas que eles têm que pagar por fraudes e atos do gênero chegam a 340 bilhões de dólares. Esse é o nível da fraude. Estão se sentindo à vontade de novo, eles mesmo dizem: “happy days are back”.
A Europa tentou um movimento de regulação, mas não avançou, só um pouco na Inglaterra. Quanto ao Brasil, o país já tinha liquidado a regulação financeira que estava no artigo 192 da Constituição Federal de 1988 e limitava os juros e os processos especulativos. Esse artigo foi liquidado por meio de uma PEC em 1999 e uma emenda constitucional em 2003. Não se aproveitou a oportunidade de por ordem no sistema.
Esse dado sobre as fraudes e as multas mostram que o crime compensa, já que os ganhos continuam superiores às multas...
Não só compensa como gera um poder suficientemente grande para que esses processos se tornem legais. Por exemplo, de toda essa gente que criou esse caos a partir de 2008, ninguém foi preso. Eles são fortes o bastante para criar um sistema jurídico paralelo, com acordos pelos quais as empresas pagam uma multa para a qual já fizeram provisão. Sabem que estão fazendo errado, pagam, mas não obrigados a reconhecer culpa. Ninguém é preso. Pagam a multa e continuam no mesmo processo. No nível mundial, temos o Bank of America, o Deutsche Bank, o Barclays, Morgan, todos os grandes bancos estão nesse processo. Eles têm força para dobrar a legalidade.
O segundo eixo disso é que nós temos cerca de 60 paraísos fiscais no planeta, e esses mesmos bancos têm um mecanismo de transferência internacional, já que hoje não se carrega mais notas, só sinais magnéticos. Então, quando você pega mais de 200 mil empresas no Panamá... Como é que cabe? Você tem ilhas com mais empresas do que habitantes.
Grande parte desses recursos migra para os paraísos fiscais, hoje, em ordem de grandeza, são em torno de 21 a 31 trilhões de dólares, dados de 2012, quando o PIB mundial era de 73 trilhões. O resultado é que esses capitais que resultam das poupanças não são reinvestidos para desenvolver o país, tampouco pagam impostos porque vão para paraísos fiscais. E o dinheiro nem fica nos paraísos fiscais, continua nas mãos do Bank of America, do Barclays etc e segue rendendo para os diversos bancos. É um sistema disfuncional.
Nesse caso, de acordo com sua análise expressa no livro, é preciso estabelecer uma governança global, já que cada país tem sua política e é necessário controlar esse fluxo que hoje está sob domínio das corporações.
Atualmente, os mecanismos financeiros são variados, desde os chamados derivativos, que também são chamados de transfer pricing, até o high frequency trading... Há um glossário de termos dos diversos mecanismos utilizados.
Gosto de citar o exemplo da Shell na Nigéria porque é muito simples e faz as pessoas entenderem. O petróleo extraído lá pertence ao país e o acordo que a Shell tem é pagar um imposto sobre seus lucros. A companhia vende o petróleo extraído para uma empresa laranja nas Ilhas Virgens Britânicas, a um preço muito barato, e o lucro é muito pequeno com a transação. Em vista disso, não paga muito imposto na Nigéria. Essa empresa laranja revende a preço cheio no mercado internacional, tem um lucro fenomenal, e está numa ilha em que não se pagam impostos.
O fato de se desviarem os recursos financeiros da produção é um desastre econômico. Permitir que uma imensa parte da população, apesar das novas tecnologias e do grande esforço de trabalho, continue pobre enquanto uma parcela mínima tem esse enriquecimento, é um problema de justiça social, um problema ético. Mas quando as pessoas estão vendo que não há retorno para elas, começa a gerar um caos político, não temos mais no mundo pobres que apenas dizem “sim, senhor” e tudo bem. Por mais que se construam muros entre os EUA e o México, entre palestinos e israelenses, ou se coloquem mais bases militares no Mediterrâneo, o equilíbrio político entre as regiões pobres do mundo e as ricas, e mesmo dentro desses países, não vai ser restabelecido.
Os dois terços dos norte-americanos que nos últimos 40 anos têm somente umas dezenas de dólares a mais na sua renda não acreditam mais no sistema político, por isso votam no Trump, como votariam em outro. Na França, nem os socialistas nem os republicanos, que dividiam o poder desde sempre, chegou ao segundo turno. Os ingleses votarem de maneira idiota e irrefletida a favor do Brexit, a Polônia voltar a um regime fundamentalista e religioso, o caos em todo Oriente Médio... É só olhar o mundo. Sem falar do Brasil, Venezuela, Argentina...
Se você rompe a lógica do ciclo econômico, rompe o sentimento de justiça social, de ser remunerado quem merece. É uma ruptura sistêmica. O dinheiro navega no planeta enquanto os governos estão se fragmentando em 200 pontos de decisão diferentes, não há sistema que funcione dessa maneira.
Mas esse caos que fragiliza a democracia também não dá chances para que o poder das corporações possa aumentar ainda mais?
Não tenho dúvida. E elas estão se organizando. Veja como financiam as eleições, universidades, think tanks, estão comprando até as revistas acadêmicas. Estão construindo a sua legitimidade, pois estão articuladas a nível mundial, e os governos não. Inclusive o sistema multinacional, representado pelas Nações Unidas, está sendo capturado rapidamente pelas próprias corporações financeiras.
O senhor falou dessa estratégia de captura e existe um dado no livro sobre a força dos lobbies, citando o exemplo da Google, contando hoje com oito empresas de lobby contratadas apenas na Europa, além de financiamento direto de parlamentares e de membros da Comissão da União Europeia.
As somas são gigantescas. A Google se dá ao luxo de contratar senadores americanos para viajar a Bruxelas e pressionar homens públicos europeus. Há uma estruturação de poder global que, por sua vez, é dominado essencialmente por mecanismos financeiros.
No EUA, o lobby é legalizado. Aqui, não é e acabou o financiamento empresarial – embora seja provável que continue existindo o caixa 2 e outras formas de burlar essa proibição. Nesse processo com impeditivos do ponto de vista formal, a importância da mídia tradicional aumenta ainda mais nesse jogo da captura da política por esse poder financeiro-econômico?
Aqui a captura do poder se deu de maneira extremamente ampla. Temos a presença das multinacionais, não sei se você reparou, mas todas as multinacionais instaladas no Brasil financiam políticos da mesma maneira que a Odebrecht e outras empresas nacionais, mas não há uma só multinacional mencionada estrangeira nesse processo.
Os americanos estão intervindo pesadamente porque têm interesse em desestabilizar o processo que estava em curso na América Latina, mas, além da apropriação da mídia, há uma tradicional penetração dos poderes econômicos no Judiciário. Curiosamente, o conjunto das medidas tomadas agora, que são uma regressão para o Brasil, são ditadas por um presidente com 5% de apoio e um Congresso eleito por um sistema ilegal, financiado por corporações.
Visto por outro ângulo, com o presidente Lula e em determinado momento com a presidenta Dilma, um grupo tem a presidência e diz-se que está no poder, mas ele tem que entregar uma série de ministérios porque não tem maioria no parlamento. Tem apenas parte do Executivo, não tem o Judiciário, o parlamento, nem a mídia.
Quem criou essa crise é quem está no poder. Essas outras forças tiveram a capacidade de estrangular o que o Banco Mundial chamou de “Década de Ouro”, quando o Brasil teve resultados fantásticos.
No livro o senhor fala dos quatro motores da economia brasileira: as exportações, a demanda das famílias, as iniciativas empresariais e as políticas públicas. Como o poder financeiro afetou esses motores e acabou travando a economia?
É importante entender que a gente sabe fazer funcionar a economia. Na Europa do pós-guerra houve a elevação dos salários, fortes investimentos em políticas sociais e infraestrutura, forte presença reguladora do Estado. A grande demanda por parte da população gerava mercado para a produção crescente. E era uma política financiada em grande parte pelo Estado, mas como existia um aumento da demanda, havia como consequência um aumento de produção e os impostos indiretos tanto sobre o consumo quanto sobre as empresas, e os diretos sobre a renda, passaram a alimentar o caixa estatal para que se continuasse a financiar a dinamização da economia. Esse é o caminho. Isso funcionou na crise de 1929 nos EUA, com o New Deal, funcionava na Europa, com o Welfare State, que depois se chamou de social democracia, e também na China, cuja economia tem a importância dos produtos importados, mas é essencialmente o mercado interno que domina. Funcionou na Coreia e, agora, em Portugal, que ao invés de austeridade, que na prática é tirar dinheiro dos pobres para dar aos ricos, dinamiza a base de consumo da população, o principal motor da economia.
Nós temos hoje um dado mostrando que temos 61 milhões de adultos inadimplentes no Brasil, ou seja, gente que não consegue nem pagar sua própria dívida, quem dirá consumir. Quando se travou o consumo, travou-se também a produção das empresas. Se vangloriam que abaixaram a inflação, mas na verdade quebraram a economia. Travou-se a produção e assim se gera desemprego, o que reduz mais ainda a capacidade de consumo. O país entrou num processo descendente. 
Com as empresas produzindo menos e as pessoas consumindo menos, o governo arrecada menos com impostos. Então, o governo que chegou ao poder em nome de restabelecer o equilíbrio fiscal está aprofundando o contrário. Corta investimentos sociais e em infraestrutura, mas, como paralisou a economia, isso faz entrar menos dinheiro ainda. Reduziu os gastos, mas reduziu ainda mais as entradas. Isso é um crime contra a teoria econômica.
Uma das principais críticas no segundo mandato de Dilma se baseava no crescimento da relação entre dívida pública e PIB, quase um fetiche entre economistas com viés liberal. Essa relação caiu no governo Lula e, na crise econômica, voltou a subir. Mas entre o começo do primeiro e o início do segundo governo FHC, essa relação dobrou...
O estoque de dívida do Japão é de 250% do PIB. Isso não tira pedaço, o Japão está indo bem. Nos Estados Unidos, é mais de 100%. O problema não é esse estoque – que é dinheiro das pessoas que têm dinheiro e não da população em geral, dos bancos que têm o nosso dinheiro. Compram títulos da dívida pública, tudo bem, só que no Brasil, quando foi criado, em julho de 1996, o sistema de taxas elevadas de juros sobre a dívida pública, permitiu-se aos bancos se financiarem aplicando em títulos em vez de buscarem fomentar a economia. Naquela época o índice estava em um patamar de 25% para uma inflação já baixa. Enquanto nos EUA é 0,5%, na Europa é 0,75%, e no Japão é zero. Esse é o problema, quando o banco pega o meu dinheiro, minha poupança, paga uma merreca e aplica em títulos do governo.

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Olhar crítico desde a esquerda: a economia

 
Diálogos do Sul

Ladislau Dowbor: "as pessoas sequer sabem o que é ganhar 7% ao ano sobre capital parado"
O Lula pegou a Selic com 24,5%, baixou para 14%, e a Dilma baixou isso para 7,25%. Ao mesmo tempo, ofereceu às famílias enforcadas em juros, empresas e pessoas físicas, taxas mais baixas nos bancos oficiais, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, o que aliviou essa população mas tirou a principal forma de ganho de todas as elites e da classe média alta. A partir de meados de 2013, não se tem mais governo, mas uma guerra. Aí a lógica é política, não é econômica. Foi assim que pioraram todos os indicadores.
Naquele momento, o rentismo acabou com a conciliação política.
Perfeito. Acabou o que era representado pela Carta aos Brasileiros, de junho de 2002, em que o Lula disse que respeitaria os contratos. O “esquemão” que o presidente Fernando Henrique Cardoso montou era muito simples: você corta a inflação, faz o acordo com os bancos – que precisavam desse acordo porque, com a economia globalizada, não se consegue entrar com uma moeda que muda de tamanho todo dia – que perderam uma gigantesca fonte de renda à época, a inflação. Você perdia seu dinheiro todo dia, mas o banco sempre recuperava. O que eles perderam com inflação, Fernando Henrique entregou de volta em forma de taxa Selic. Eles podiam ganhar 25% pagos por meio de dinheiro público.
Criou-se um sistema de “desvio dos impostos”, que por lei deveriam servir para investimentos públicos e para políticas sociais, mas passaram a ser desviados para os bancos. Por isso Fernando Henrique foi aumentando a carga de impostos, que era a forma de captar mais dinheiro para transferir. E aumentou em particular os impostos indiretos, que hoje são 56% de toda a carga tributária, que prejudica os mais pobres.
Naquele momento foi gestado um modelo para preservar os ganhos das instituições financeiras.
Exatamente. Lula, em junho de 2002, fez a Carta aos Brasileiros dizendo que manteria os contratos, mas chegou um momento em que a população brasileira ficaria estrangulada. Como não havia mais o artigo 192 da Constituição, o governo não tinha poder de interferência sobre a taxa de juros de pessoas físicas e jurídicas, só sobre a Selic. Hoje, existe uma taxa do rotativo do cartão de 480%. Uma piada. Economista que me visita não acredita. Nós estamos frente a um sistema de agiotagem que paralisou o país.
O senhor fala dessa questão do endividamento dos Estados nacionais no livro, e de como as instituições conseguem acabar capturando esses governos por conta disso. Como se dá esse processo?
No livro, cito o Wolfgang Streeck que diz: antes, o governo tinha que responder à cidadania; agora, ele responde aos intermediários financeiros. Antes se calculava quantos votos têm, hoje se calculam quantos empréstimos.
É só contar a quantidade de governos eleitos pela esquerda, e com programas de esquerda, que acabam fazendo política de direita. Não é porque são bandidos, mas porque há uma grande pressão – e não é só uma pressão nacional, mas mundial, já que envolve grandes bancos como o Citibank, Santander etc. Por isso Temer não está nem aí se só 5% da população o apoia, quem o está apoiando são os três grupos que dão a nota de investimento para um pais. O peso externo, a confiabilidade dos mercados pesa mais que o interesse nacional.
E os bancos recebem para dar essa nota.
Isso é denunciado pela The Economist.
O senhor falou dos governos de esquerda e da relação que se estabelece com o poder financeiro. Como a esquerda pode sair dessa armadilha? Existe um modelo a ser adotado hoje?
Não diria nem de esquerda, mas eu chamaria de capitalismo civilizado. E produtivo. Você pode pegar o livro do (Joseph) Stiglitz, Reescrevendo as Regras (Rewriting the Rules of the American Economy: An Agenda for Growth and Shared Prosperity), e a fórmula está aí. Vai encontrar isso em inúmeras propostas, como a do Bernie Sanders nos EUA e a do (Jeremy) Corbyn na Inglaterra.
O caminho é extremamente simples. No caso brasileiro, tem que se usar as reservas, o compulsório, os bancos públicos, o BNDES, para reforçar empréstimos a baixo custo para a população e para as empresas. Dinamizando a capacidade de as famílias consumirem, mesmo aumentando o buraco – o que não é necessário porque o Brasil tem 400 bilhões de dólares em reservas e pode convertê-los –, reforçando o consumo das famílias isso se traduz em consumo imediato, que vai redinamizar as empresas, pois os estoques vão se reduzir e elas vão voltar a produzir. Se voltar a produzir, vão voltar a empregar, temos um efeito multiplicador. Com mais consumo das famílias e mais empregos, é mais dinheiro em forma de impostos e isso cobre o buraco inicial. É assim que funciona o crédito.
Não estamos em crise de capacidade produtiva, mas em uma crise de paralisia gerada pelo sistema financeiro. O caminho é claro, não tem mistério. O problema é conseguir o poder político correspondente para impor isso, porque você não vai poder montar uma coisa dessas com a população pagando 400% de juros. O banco, dentro desse tipo de proposta, tem que voltar a ser aquilo para o qual foi criado e estava no artigo 192 da Constituição: o sistema financeiro nacional deve servir para o desenvolvimento equilibrado do país. Coisa que qualquer banqueiro deveria saber fazer. Você põe uma agência bancária, identifica na sua cidade empresários locais e vê que ali tem uma fábrica de sapatos mas não tem curtume, porque não investiram. O banco, como financiador, vai estimular o processo produtivo e gerar lucro para o dono da empresa, que vai poder pagar o empréstimo. Ou seja, é o banco a serviço do desenvolvimento, e não o desenvolvimento a serviço do banco. Acaba com o que os americanos chamam de “o rabo abanando o cachorro”.
Para concluir, o senhor citou, nesse aspecto de modelos, Sanders e Corbyn, mas nenhum brasileiro. A esquerda brasileira pensa pouco na economia?
Não. Na situação atual, se fizer a proposta como descrevi aqui, vão dizer: você está brincando, sabe quem está no poder?
A esquerda tem imensa dificuldade, apesar de ter várias propostas surgindo, como a da Fundação Perseu Abramo e outras de estratégia para o Brasil. Há tempos atrás nós fizemos com Ignacy Sachs e Carlos Lopes uma proposta com uma visão de elementos básicos para uma economia funcionar. São 13 eixos, sendo todos já experimentados onde foram instalados.
O que trava é que não estamos mais numa democracia. Temos decisões trágicas para o país tomadas por um Congresso eleito de forma ilegal e com um presidente que tenta salvar a pele, além de uma mídia que bate palmas. Estamos vivendo uma curiosa estrutura formalmente legal, mas que, a meu ver, não é democrática.
O senhor enxerga saída a curto prazo?
Não a curto prazo. E a presença de um Trump nos Estados Unidos é muito ruim para nós, estimula visões racistas, conservadoras e destruidoras do meio ambiente, veja que se retomou a destruição da Amazônia... Estamos com grupos nacionais e internacionais que estão se lambuzando na entrega do petróleo do país. O pessoal diz que voltou o investimento externo... Claro, estão comprando a preço de banana, se apropriando do país.
Na realidade, para mim e para outros economistas preocupados com interesse nacional e não com rentabilidade financeira, é difícil fazer propostas quando não temos a força política necessária para as mudanças que temos que fazer. Uma impotência institucional.
(*) Publicado em Rede Brasil Atual

PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS SEGUE A LÓGICA DA SUBORDINAÇÃO

Privatização da Eletrobras segue a lógica da subordinação

Eduardo Maretti


O anúncio da privatização da gigante Eletrobras pelo governo faz parte da lógica que preside o Brasil desde o golpe de 13 de março de 2016 que derrubou a presidente legítima Dilma Rousseff e deu posse ao vice, Michel.

“O Estado está perdendo cada vez mais a capacidade de planejamento e de definição de políticas públicas e objetivos estratégicos. Passa por Petrobras, Eletrobras, BNDES, bancos públicos. Trata-se de um projeto que objetiva tirar a capacidade de planejamento e de estabelecimento de políticas públicas do Estado e do país”, diz o economista Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econômica Federal no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

Imediatamente após o anúncio, a Bovespa disparou e o principal índice (Ibovespa) subiu 2,01%, chegando a 70.011 pontos. “Isso só quer dizer que a empresa vai se valorizar do ponto de vista de suas ações, que estavam desvalorizadas. Só que não quer dizer nada do ponto de vista estratégico, de longo prazo, sobre a soberania nacional, o planejamento do setor”, avalia Mattoso.

“O país não vai ter mais o controle sobre o preço, a decisão vai ser privada. É um crime contra a soberania nacional. A empresa pode ser comprada por uma estatal chinesa, uma multinacional europeia. Estão desconstruindo os instrumentos de coordenação de uma área importantíssima e indispensável para o crescimento e, sobretudo para a produção e indústria nacional.”

Em artigo, a presidenta Dilma também utiliza o termo “crime” para se referir à privatização: “Será um crime contra a soberania nacional, contra a segurança energética do país e contra o povo brasileiro”.

Para Mattoso, a política segue a já conhecida “lógica de subordinação aos interesses privados, estrangeiros e do mercado financeiro”. De acordo com essa lógica, o setor hidrelétrico brasileiro será controlado por empresas privadas e muito possivelmente estrangeiras. “Não teremos mais a capacidade de planejar a produção e distribuição de energia.”

Mattoso menciona outro comentário “apropriado” de Dilma no Twitter, chamando a atenção para os riscos de se privatizar o sistema: além do preço da energia, o risco de apagão.

“Vender a Eletrobras é abrir mão da segurança energética. Como ocorreu em 2001, no governo FHC, significa deixar o país sujeito a apagões”, escreveu Dilma. “O resultado é um só: o consumidor vai pagar uma conta de luz estratosférica por uma energia que não terá fornecimento garantido. Já entregaram as termelétricas da Petrobras. Pretendem vender na Bacia das Almas nossas principais hidrelétricas e linhas de transmissão”, acrescentou.

Em entrevista coletiva na manhã de hoje, o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, com discurso semelhante ao do presidente da Petrobras, Pedro Parente, prometeu preços melhores ao consumidor de energia elétrica. “Com a eficiência e redução do custo, nossa estimativa é de que no médio prazo tenhamos uma conta de energia mais barata”, previu. Segundo ele, a privatização será concluída até o primeiro semestre de 2018.

Eletronuclear e Itaipu

Num primeiro momento, o governo não pensa em incluir a Eletronuclear e a Usina de Itaipu no processo de “desestatização” da Eletrobras. No caso da Eletronuclear, responsável pela energia nuclear do país, porque precisaria mexer na Constituição. Quanto a Itaipu, porque é uma empresa binacional e o governo brasileiro precisa negociar com o Paraguai. “Por mais que o Paraguai esteja sob controle do mesmo tipo de política, não é fácil, isso pode levar cinco, 10 anos”, diz Mattoso.

A capacidade instalada da Eletrobras é de 47 mil megawatt (MW), com previsão de chegar a 49,49 mil MW com obras de usinas em andamento. A companhia possui 47 usinas hidrelétricas, 114 termelétricas a gás natural, óleo e carvão, duas termonucleares, 69 usinas eólicas e uma usina solar, próprias ou em parcerias, em todo o país.

“O governo fica na ótica fiscal e não trata da questão estratégica de coordenação, planejamento e criação de políticas públicas, de constituição de mecanismos para o crescimento. É disso que deveria estar se tratando. A discussão sobre o crescimento não existe”, diz Mattoso.

O pior, destaca, é que o próximo governo “vai pegar um país destruído”, com cada vez menos mecanismos de planejamento estratégico por parte do Estado.



Fonte: Rede Brasil Atual

O SILÊNCIO DO SERTÃO

O silêncio do Sertão

Leonardo Casalinho



Lagarto, em Sergipe, sedia o campus de saúde da única universidade federal do estado.

Não suficientemente feliz com a construção do novo espaço da universidade no governo Lula – que abriu a possibilidade de um curso de medicina cujos alunos participam do atendimento da rede pública de saúde desde o primeiro ano de faculdade, ajudando a prefeitura e o entorno no atendimento da população –, a UFS (veja PS do Viomundo) concedeu ontem (21/08) ao ex-presidente um título de honoris causa.

Na cerimônia, um jovem egresso dos corredores da mesma universidade, hoje professor naquela instituição, faz um discurso que ressalta a importância de programas como PROUni, Fies e etc…

Até aí, nada de incomum.

Passado o discurso, o jovem caminha em direção ao ex-presidente, trajado de toga, bem ao estilo “titulações acadêmicas”, Lula estica a mão num sinal claro de cumprimento e abraça o jovem, este, também trajado à caráter, cai no choro.

Um choro copioso. Um choro de alegria.

Um choro que termina em soluços também copiosos de agradecimento pela oportunidade de ter podido forjar toda uma vida (de aluno que ingressou na universidade através de políticas públicas e hoje é professor de uma universidade federal) a partir de uma ação governamental.

Passado o recebimento do título, o presidente segue caminho ao interior do Sergipe, sendo – também de maneiras não incomuns nos últimos dias – recebido por milhares de pessoas tanto nos atos e cerimônias como no meio das estradas desse sertão.

Coisa de não mais que 40 minutos de adentrar seu ônibus, a caravana encontra o povoado de São Domingos, onde cerca de mil e quinhentas ou duas mil pessoas esperam o presidente na beira da estrada – praticamente um mar vermelho na apertada estrada pela qual viajava a caravana.

Avistada a multidão, o presidente desce à cabine do veículo e acena, como faz todo político que é recebido por seus aliados, porém, algo mágico estava por acontecer naquele chão tão historicamente esquecido pelo resto do Brasil.

Abre-se a porta. Aglomera-se a multidão ensandecida por uma foto, um carinho, um aperto de mão ou algo que o valha.

O calor já bastante forte de um dia normal de “inverno” (33ºC) torna-se praticamente insuportável dada a quantidade de pessoas se empurrando. Aparece o ex-presidente da república e logo um microfone lhe surge à mão.

Para sair de Lagarto, mesmo com a segurança da universidade impedindo a entrada dos populares com grades de isolamento, Lula demorou não menos que 40 minutos para percorrer um percurso de 60 metros. Dito isso, sigamos o relato…

O presidente, que acabou praticamente sumindo no meio da multidão dado sua estatura não muito privilegiada, diz as primeiras palavras: “Oi, gente!”, e a população vai à loucura.

Ele segue…

“Pessoal, eu quero muito falar com vocês… Mas eu tenho outras agendas marcadas pra hoje e na última eu demorei quase uma hora para chegar ao ônibus. Se vocês puderem, por favor, abrirem para que eu chegue até o carro de som pra conversar com vocês…”

Assim se deu algo incrível.

Com um pedido simples o nordestino de 71 anos dividiu a multidão a sua frente.

Abriu-se o mar vermelho que se estapeava na beira e no meio da estrada para que passasse o que era alguém que estava para aquele povo assim como a água está para a sede ou como um prato de comida está para quem tem fome.

Da balburdia fez-se a paz. Da algazarra fez-se a tranquilidade. Da multidão emanou o silêncio…

E era nesse silêncio que residia a grandeza do ato.

Aquele silêncio contava algo além do respeito por um grande líder. Era sim, naquele silêncio, que morava a reciprocidade e a cumplicidade daqueles que sabem o quanto sua vida mudou a partir das ações daquele homem.

Afinal, por que não abrir um simples caminho de 100 metros para aquele que abriu a porta para uma vida mais digna para milhões e milhões de pessoas como aquelas?


OS: A Universidade Federal de Sergipe (UFS) tem 68 cursos de pós-graduação e 1.400 professores, dos quais 1.200 são doutores.