segunda-feira, 5 de maio de 2014

"Bonnie e Clyde" retrata casal de sociopatas

'Bonnie e Clyde' retrata casal de sociopatas
O slogan publicitário da minissérie Bonnie & Clyde, que o History Channel reprisa no sábado, 09, revela de forma precisa sua abordagem da vida do casal de bandidos mais famoso da época da Depressão americana: "Quando ninguém tinha nada, eles arriscaram tudo". A história real, inclusive. Um dos produtores executivos da minissérie, Craig Zadan, fornece as pistas para entender as razões de Bruce Beresford, o diretor da minissérie, ter inventado uma Bonnie e um Clyde diferentes dos bandidos reais ou dos personagens criados pelo cineasta Arthur Penn no clássico homônimo de 1967. Zaidan define Bonnie Parker como a "primeira reality star" - ou seja, uma dessas garotas de reality show sem grande talento ou habilidade, à espera de que a celebridade a salve da vida medíocre.
Dito assim, pode parecer que a nova adaptação da história dos proscritos texanos Bonnie Parker (1910-1934) e Clyde Barrow (1909-1934) não compense as quatro horas da duração da minissérie. Ao contrário. Seria um exagero afirmar que ela seja tão boa como o filme de Arthur Penn, até mesmo porque o clássico dos anos 1960 teve melhores roteiristas (David Newman e Robert Benton) e nenhum erro na seleção do elenco, o que não se aplica à minissérie de Bruce Beresford (o diretor de Conduzindo Miss Daisy).

No entanto, há uma tentativa - ainda que mínima - de ser fiel à história da dupla de bandidos por parte de Beresford, o que não se pode dizer dos roteiristas do clássico de Penn, empenhados em acentuar o lado outsider da dupla. Glamourizando a marginalidade de Bonnie e Clyde, a produção e o roteiro de Newman e Benton levaram o filme de Penn à lista do Oscar e das melhores bilheterias de Hollywood - o filme foi um estrondoso sucesso, lançou moda e fez até a dupla Brigitte Bardot e seu namorado Serge Gainsbourg gravar uma balada em tributo aos criminosos.

O ponto de partida do clássico de Penn e da minissérie de Beresford não é o mesmo. Penn preferiu o caminho da investigação psicológica. Beresford, o da pesquisa sociológica, concluindo que a dupla de jovens bandidos - Clyde morreu aos 25 e Bonnie, aos 24 anos - era formada por sociopatas perigosos. Clyde, particularmente, era um sociopata incapaz de estabelecer uma relação amorosa por causa de sua impotência. O filme de Penn trata diretamente do assunto, ao colocar o motorista da gangue, C.W. Moss (Michael Pollard), como um possível amante dos dois. Já Beresford preferiu ignorar a sexualidade ambígua de Clyde, tratando-o como garanhão - o que, evidentemente, estava longe de ser.

Isso faz a diferença quando se pergunta a razão de Bonnie ter permanecido ao lado de Clyde quando descobriu sua impotência. Nesse ponto, Penn e Beresford concordam: Clyde buscava no poder de fogo das armas uma compensação para sua pistola disfuncional. Bonnie, autocentrada, via nessa fantasia de poder um espelho para quem fracassara na tentativa de ser uma atriz em Hollywood.

Beresford faz dela uma obcecada pelo poder da mídia promíscua, o de transformar simples bandidos em celebridades (após a morte da dupla, o xerife Frank Hamer, que orquestrou a emboscada final da dupla, vendeu vários objetos pertencentes aos dois, entre eles o saxofone de Clyde, o que comprova a fetichização do crime pela sociedade americana).

Cruzando satisfação sexual com violência, traço comum aos sociopatas, a dupla estabelece não uma relação de cumplicidade, mas de compromisso com os fetiches da Depressão americana - como os carros da Ford ou metralhadoras giratórias Thompson. Afinal, como justificou a ensaísta Liora Moriel, é bem mais fácil para um psicopata se relacionar com objetos do que pessoas. Clyde podia ser impotente, mas entendia um bocado de carros e armas, exibia o vigor de um ex-presidiário (ainda que estuprado na prisão) e impressionava a impiedosa Bonnie, que trocou a paixão física pela excitação de roubar bancos - e o prazer de matar, segundo a minissérie, que mostra a frieza com que abate a tiros um policial na cabeça e um pai de família no rosto.

O diretor Beresford faz de Bonnie uma espécie de Lilith, a encarnação feminina do demônio da tradição judaica, a serpente que teria provocado a expulsão de Adão do paraíso. É um pouco injusto. O fato é que Clyde já era bandido antes de conhecer Bonnie/Lilith, um ladrão de galinhas criado nas favelas urbanas de West Dallas. Pode ser que Bonnie, garçonete casada aos 16 anos, descendente de alemães e boa aluna na escola, identificasse em Clyde um sujeito iletrado pronto a ser dominado por uma aspirante a poeta e atriz. O fato é que, ao incorporar o dom da premonição ao personagem de Clyde, Beresford exagera, assim como ao transformar o bandido no narrador da história. Prevalece a voz de um morto, o que não é bom para a história. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Contas RC: porque tem que reprovar

Rubens Nóbrega




















A coluna é basicamente uma crônica política, que se diferencia da análise política clássica por não se prender ao factual nem à ordem ou pauta do dia. Contato com o colunista: rubensnobrega@uol.com.br




















Contas RC: porque tem que reprovar

Nem a milionária propaganda financiada com dinheiro público nem o recorrente discurso do autoelogio de Ricardo Coutinho conseguem encobrir o descalabro administrativo agravado pela incompetência que emerge da análise das contas do governador. A imagem de governante sério e operoso vendida por uma avassaladora (alguém aí disse ‘tsunâmica’?) campanha publicitária não resiste a um simples cotejo com a realidade da Paraíba. Muito menos a uma auditoria da qualificada e percuciente equipe do Tribunal de Contas (TCE), como aquela que passou um pente-fino na execução orçamentária do Estado no segundo ano do Ricardus I.
Tanto é assim que apenas um dado bastaria para justificar a reprovação das contas do governador pelo próprio Tribunal e, muito mais, pela Assembleia Legislativa: naquele período, a gestão comandada por Ricardo Coutinho aplicou pouco mais de 20% da receita líquida do Estado na manutenção e desenvolvimento do ensino. Pior: no desespero para tentar fechar a conta dos 25% (mínimo fixado pela Constituição da República em seu art. 212), o governo valeu-se até de gastos com o ensino superior que, como todo mundo sabe, é atribuição da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), detentora de autonomia administrativa, financeira e orçamentária (apesar do esforço de Ricardo Coutinho para acabar com tal prerrogativa da instituição).
Mesmo assim, mesmo juntando as despesas com o terceiro grau (que foge à esfera de competência do Estado, que deve cuidar prioritariamente do ensino fundamental e médio, conforme também manda a Constituição), ainda assim o governo não conseguiu atingir o piso de gastos com a educação. De acordo com os auditores do TCE, mesmo com todo o malabarismo contábil empreendido o que o governo de Ricardo Coutinho destinou à manutenção e desenvolvimento do ensino chegou a pouco mais de 24% da grana que arrecadou com impostos e transferências federais. Tirando o ensino superior da parada, o percentual baixa à casa dos 20%.

Parecer do MP é pela reprovação
No parecer defendido diante dos conselheiros do TCE, em 27 de janeiro deste ano, quando do julgamento das contas 2012 do governador, a Doutora Elvira Samara Pereira de Oliveira, Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas da Paraíba, firmou o entendimento segundo o qual a falha apurada pela Auditoria (insuficiência de recursos para educação) não lhe deixou alternativa a não ser emitir “parecer contrário à aprovação das presentes Contas de Governo”. Detalhando o que os auditores encontraram na prestação de contas do chefe do Executivo, a Procuradora-Geral do MP/TCE ressalta que “mesmo incluindo os gastos com a educação superior, para fins de limite em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – MDE, o percentual representou apenas 24,22% da receita de impostos e transferências, não cumprindo o mandamento constitucional”. Ainda citando trechos do relatório de auditoria, ela revela que “a participação do ensino superior no bolo da aplicação mínima dos recursos de impostos e transferências leva uma significativa parcela desses. Para se ter ideia precisa dessa participação, (...) verifica-se que, no exercício de 2012, excluindo-se o valor referente às despesas com educação superior (R$ 200.587 mil) realizadas com recursos do tesouro (...), o percentual de aplicação na manutenção e desenvolvimento do ensino atinge apenas 20,83% da receita líquida de impostos e transferências, no presente exercício”.

Até obra de arte incluída no ‘bolo’
Outra revelação curiosa que se extrai do relatório de auditoria e do parecer do MP/TCE diz respeito à inclusão entre as despesas com educação de uma obra de arte (para enfeitar uma Central de Aulas) que o governo tentou ‘empurrar’ nas contas para alcançar os 25% que efetivamente não aplicou em manutenção e desenvolvimento do ensino. A esse respeito, a Procuradora-Geral lembra que nos termos do art. 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a LDB, manter e desenvolver o ensino significa promover e garantir na prática o Direito à Educação, gastando o dinheiro do povo na remuneração e aperfeiçoamento dos professores e na compra de material didático-escolar e não em ‘obra de arte’. Segundo a Doutora Elvira Samara, além de indevida a absorção do ensino superior ministrado por instituição estadual, nessa matéria também não há “a mínima possibilidade de inclusão de gastos desconectados com a efetividade do desenvolvimento do ensino público”.

TSE: ato doloso de improbidade

Em julgamento realizado no mês de novembro de 2012, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve decisão do TRE paulista que indeferiu o registro de candidatura de José Luiz Rodrigues ao cargo de prefeito do município de Aparecida (SP). O alcaide foi enquadrado na Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990), modificada pela Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), e considerado inelegível porque aplicou em educação, em vez dos 25% determinados pela Constituição, apenas 22,85% da receita de impostos e do que recebia do Governo Federal. Com isso, ele teve contas rejeitadas por ‘irregularidade insanável’. O que ele fez configurou ‘ato doloso de improbidade administrativa’. Pelo que está no relatório de auditoria e parecer do MP/TCE, Ricardo Coutinho fez a mesmíssima coisa por aqui, em 2012. Dizendo de outro modo, não fez o mínimo que deveria fazer pela educação pública sob sua responsabilidade. Bem ao contrário do que dizem sua miliardária publicidade ‘institucional’ e sua impagável retórica autopromocional.