terça-feira, 3 de abril de 2018

MATERIAL DA ODEBRECHT USADO CONTRA LULA FOI ADULTERADO, APONTA PERÍCIA

Carta de Berlim: Uma catástrofe chamada Brasil.

Cartas do Mundo

Carta de Berlim: Uma catástrofe chamada Brasil.

 

 
03/04/2018 09:12
 
 
Estes são breves apontamentos a partir de uma visita de um mês a S. Paulo e Rio Grande do Sul, mais algumas reflexões sobre momentos posteriores, às vésperas do julgamento do hábeas-corpus do ex-presidente Lula pelo STF.

As capitais destes dois estados são hoje espaços que parecem entregues ao deus-dará, dirigidas por administradores que não têm a menor compreensão da complexidade do fenômeno urbano no século XXI. Um deles mal entrou já vai abandonando a prefeitura para se candidatar ao governo do estado, de olho na presidência. O outro se revelou um proto-fascista pedindo forças federais para conter uma manifestação legítima, quando do julgamento de cartas marcadas do ex-presidente Lula no TRF-4. 

Em ambas as cidades proliferam os barracos e tabuleiros pelas ruas, lembrando aquilo que na Argentina se chamou anos atrás de “cuentapropismo”, ou seja, a viração por conta-própria diante do aumento dramático do desemprego, do subemprego, da precarização do trabalho, além da multiplicação também dramática do número de pedintes (incluindo crianças) e de  miseráveis pelas ruas, praças, e dos alojados em tendas sob viadutos. Este é um dos retratos repulsivos e deprimentes  da crise econômica profunda e da desorganização da agenda social no país, feitos que os arautos destas políticas retrógradas chamam de “normalidade” e de “recuperação”.

Por seu turno, o governo federal, entre outros descalabros, promove ataques à educação, contra as universidades e a autonomia universitária, tudo para defender a semântica do golpe de estado que assola o país desde 2016. Quando do regime de 64, era proibido chamar o Golpe de 1* de abril de Golpe: o nome a ser consagrado era o de “Revolução de 31 de Março”. Agora o governo resolve impedir que o golpe que o levou ao poder também seja chamado de “golpe”, embora seja de outra estirpe, a parlamentar-jurídica-midiática-policial. O presidente ilegítimo parece um pião a dar voltas sobre si mesmo, com dificuldades para entregar algumas das principais encomendas que recebeu, como a da “reforma” (= destruição) da previdência pública, além de estar acossado - ele e seu grupo - por denúncias de todo lado.

Diante do assassinato da vereadora Marielle no Rio de Janeiro o governo pede pateticamente que suas representações diplomáticas pelo mundo enfatizem as providências que as autoridades devem estar tomando para elucidar o caso. Hoje, este é o principal esforço do corpo diplomático brasileiro no exterior: dar a impressão de que o país está num estado “normal” de funcionamento das instituições. Mas não dá para tapar o país com  esta peneira. No mundo inteiro fontes bem informadas conhecem o estado catastrófico e catatônico em que o Brasil se encontra. É a isto que o governo reduziu o “Exército de Rio Branco”: um ajuntamento de pedintes no plano internacional.

Aparentemente os grupos direitistas que ascenderam com o golpe de 2016 têm a faca e o queijo nas mãos, podendo ditar e desditar o que bem entenderem sobre o futuro do país, inclusive o eleitoral, alijando o ex-presidente Lula das futuras eleições e traçando o rumo destas. Entretanto fica cada vez mais evidente que estes grupos - que não se entendem entre si a não ser no esforço de alijar Lula e as esquerdas da disputa e do espaço político - nada têm a oferecer senão o caos, a desordem, a baderna, a violência física, verbal, midiática e virtual, além da sua cupidez em lucrar com o butim das privatizações a toque de caixa e do desmanche das instituições públicas. O Brasil tornou-se complexo demais para caber no tabuleiro de suas ideias parcas, curtas, recessivas e retrógradas.

Os mais extremados destes golpistas puderam-se histéricos quando o STF deu um passo que não estava no seu script, qual seja, o de acenar com a possibilidade de que o ex-presidente não venha a ser preso devido às condenações sem provas de que foi vítima. Multiplicaram-se as pressões sobre os juízes do Supremo em todos os níveis para que violem a Constituição, a presunção de inocência e confirmem o estado de exceção em que o país vive desde 2016 e que venha a permitir o espetáculo circense (daqueles da antiga Roma) da almejada humilhação do ex-presidente, para servir de exemplo de que quem nasceu na senzala lá deve permanecer.

Se conseguirem este objetivo, a balbúrdia nas hostes golpistas não será menor do que se não o conseguirem. Não há entendimento nem programa entre eles, exceto o que importam do pior ideário neo-liberal e norte-americano. A avidez da disputa interna nas direitas transparece, por exemplo, na estupidez com que pré-candidatos que querem se apresentar como “equilibrados” se puseram a imitar declarações da pior espécie do pré- de extrema-direita quando dos tiros contra a caravana de Lula no sul do país, querendo culpar a vítima pela agressão que lhe foi feita, reproduzindo a estrutura do pensamento que culpa a mulher pelo estupro que a agrediu.

O caldo de cultura em que estas atitudes vicejam é o da rifa que partes consideráveis das classes dominantes e médias do país submetem o país, desejosas de manter seus “direitos” a ver direitos como privilégios exclusivamente seus.

Do lado das esquerdas e dos críticos do golpe também há problemas candentes. O melhor que foi produzido nestas estreitas foi simbolizado na união de figuras expressivas (Lula, Boulos, Manuela, Freixo et alii) em torno de um esforço anti-fascista. Também a reação imediata, comovente e veemente de muita gente em todo o país, diante do assassinato de Marielle. Mas há muita confusão e propostas desencontradas. Estas vão desde a procura de FHC para impulsionar uma frente anti-fascista até a pregação de uma abstrata “desobediência civil” ou ainda de uma “luta fora das instituições” que nano se sabe muito bem o que seja. Não sei que poderes mágicos o ex-presidente pessedebista teria para organizar o saco de gatos em que seu partido está transformado, sem falar em que muitos destes gatos preferem conviver com os fascistas a se verem juntos aos das esquerdas nesta tal de frente ampla, cujo provável destino seja  de ficar sem fundos que a sustentem. Além de que ele mesmo parece biruta de aeroporto, indo de um lado a outro em declarações seguidamente desencontradas. Sem falar em quem se disponha a votar em Alckmim para impedir a ascensão de Bolsonaro.

De todo modo, quem está lutando, hoje, fora das instituições é o grupo dos golpistas. É possível, e até provável que diante do desacerto que reina entre suas hostes e da sua impossibilidade de apresentar candidaturas viáveis (incluindo-se aí da extrema-direita, que dificilmente bateria um candidato de centro-esquerda ou se esquerda num segundo turno decente), este grupo - ou parte dele - venha a optar pela suspensão sine-die das eleições de outubro. O que somente ampliaria a catástrofe em que o golpe mergulhou o país. Cabe às esquerdas lutar para que este novo AI-5 não desabe sobre nós.

A mídia, em fúria, pressiona o STF

A mídia, em fúria, pressiona o STF

Nos sites da grande imprensa, hoje, sucedem-se as manifestações prometendo o caos e o fim do mundo no caso de ser concdedido o habeas corpus em favor de Lula.
Ainda bem que a estação chinesa já caiu no Oceano Pacífico, senão até a sua queda ia ser atribuída à concessão da ordem para que o ex-presidente recorra em liberdade.
Dallagnol, Carlos Fernando, Raquel Dodge, todos e qulaquer um que se disponha a fazer terrorismo dizendo que uma decisão favorável a Lula vai libertar pedófilos, estupradores, homicidas.
Em coro, Leitão, Merval, Cantanhede e outros uivam.
Exceto por São Paulo, onde a extrema-direita segue forte – aguardem para ver como a dobradinha Dória-Bolsonaro virá forte de lá – no resto do país foram “minifestações” as dos fascistas.
Vale tudo para criar um clima de histeria, como se os juízes fossem proibidos de decretar prisões para quem ofereça risco ou possa usar de poder para obstaculizar a Justiça.
Se fosse assim, como é que Moro manteve presos, por meses a fio e até mais de um ano, empresários acusados na Lava Jato antes mesmo de condenados em primeira, muito menos segunda, instância?
O que eles temem é que o Supremo, mesmo com imenso atraso e ínfima minoria, ponha um freio simbólico à escalada autoritária do Judiciário.
E ao acanalhamento que faz com que oportunistas togados, como o aspirante a Sérgio Moro do STF, Luís Roberto Barroso, possam fazer da corte um palanque político.

Alexandre Frota, o Ruy Barbosa dos coxinhas

Alexandre Frota, o Ruy Barbosa dos coxinhas

Acredite se quiser no grau de ridículo a que chegou a extrema-direita brasileira, a horda moralista que se vale de um bucéfalo como o pornoator Alexandre Frota para pedir o “impeachment” dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. Não é invenção minha, mas notícia do site BR18, pertencente ao Estadão:
O Movimento Contra a Corrupção (MCC) protocolou no Senado nesta terça-feira, 3, um pedido de impeachment dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, informam Igor Gadelha e Julia Lindner, do Broadcast.Alexandre Frota, integrante do MCC, foi quem protocolou o documento assinado pelo empresário Bruno Siqueira de Abreu e Lima. É difícil saber se o pedido vai para frente, mas a alegação é de que os ministros cometeram crime de responsabilidade ao decidirem julgar o Habeas Corpus de Lula, alterando jurisprudência do STF.
O quase ex-ministro da Cultura de Jair Bolsonaro é agora o Ruy Barbosa do coxismo e vira a Doutora Janaína de calças, depois de ter conseguida sua pouca notoriedade sem elas.

CM8 Internacional - 03/04/2018

CM8 Internacional

CM8 Internacional - 03/04/2018

"Lula pede que os tribunais devolvam "sua inocência" para continuar sua candidatura. Em seu último ato público antes que a Suprema Corte decida nesta quarta-feira se vai para a prisão, o ex-presidente disse que não pode ser vítima de uma mentira e que, se for aprisionado, seus sonhos não irão com ele para a prisão." (El Mercúrio, Chile)

 
03/04/2018 08:32
AFP
 
1 - NOTÍCIAS SOBRE O BRASIL

El Mercúrio, Chile

Lula pede que os tribunais devolvam "sua inocência" para continuar sua candidatura Em seu último ato público antes que a Suprema Corte decida nesta quarta-feira se vai para a prisão, o ex-presidente disse que não pode ser vítima de uma mentira e que se for aprisionado seus sonhos não irão para a prisão com ele.

http://www.emol.com/noticias/Internacional/2018/04/03/900997/Lula-pide-a-tribunales-que-le-devuelvan-su-inocencia-para-continuar-con-su-candidatura.html

Página 12, Argentina

Guerra santa contra Lula por um membro do Ministério Público da Lava Jato. Deltan Dallagnol anunciou que rezará para que o STF negue o habeas corpus para o ex-presidente. Disso o procurador que amanhã será um dia chave para a “guerra santa contra a corrupção” quando o tribunal superior decidirá se aceira ou não o HC para o líder do PT e favorito em outubro.

https://www.pagina12.com.ar/105575-guerra-santa-contra-lula-de-un-fiscal-de-lava-jato 

Esquerda.net, Portugal

Assassinato de Marielle: polícia não quis ouvir testemunhas. Reportagem de O Globo ouviu separadamente duas testemunhas que depois do crime foram expulsas do local pela polícia, que não as ouviu. Versões coincidem e contradizem o que fora divulgado até agora.

https://www.esquerda.net/artigo/assassinato-de-marielle-policia-nao-quis-ouvir-testemunhas/54157

Público Portugal

Rosa Weber, a juíza que tem o destino de Lula nas mãos. O futuro do antigo Presidente brasileiro vai estar duas vezes dependente desta juíza "à moda antiga". Esta quarta-feira poderá definir se Lula é preso já ou não. 

https://www.publico.pt/2018/04/03/mundo/noticia/rosa-weber-a-juiza-que-tem-nas-maos-o-destino-de-lula-1808850

The Guardian, Inglaterra

'Eu não penso em fugir': dentro das prisões brasileiras sem guardas. Em um país onde as prisões são vistas como bombas-relógio, um sistema de autogoverno entre os presos provou ser um sucesso.

https://www.theguardian.com/global-development/2018/apr/02/no-thought-of-escaping-inside-brazilian-prisons-with-no-guards

Les Echos, França

Brasil: tensão política aumenta na véspera do veredicto de Lula. Manifestações pela prisão do ex-presidente ocorrerão na terça-feira. O Brasil, segundo o jornal que representa os interesses financeiros na França, vai sair mais forte da crise, diriam os investidores.

https://www.lesechos.fr/monde/ameriques/0301507760220-la-tension-politique-monte-a-la-veille-du-jugement-de-lula-2165803.php

The New York Times, EUA

O ultimo alvoroço no conturbado clima político brasileiro. Críticos afirmam que uma nova série da Netflix está eivada de incorreções e provocou intensos debates.

https://www.nytimes.com/2018/04/02/world/americas/brazil-netflix-lula-corruption.html?rref=collection%2Fsectioncollection%2Famericas&action=click&contentCollection=americas&region=stream&module=stream_unit&version=latest&contentPlacement=3&pgtype=sectionfront

Brasilwire, União Europeia

A quebra da democracia no Brasil abriu a porta para o fascismo. Os últimos episódios de violência cometidos contra manifestações democráticas e populares representam uma transição para uma ditadura

http://www.brasilwire.com/the-break-from-democracy-opened-the-door-for-fascism/

2 - NOTÍCIAS DO MUNDO 

Diário de Notícias, Portugal

Dez anos de apoio à banca custaram mais de 17 mil milhões de euros.  Entre 2007 e 2017 o apoio do Estado ao sistema financeiro significou "9,1 por cento do PIB no défice e 12,3 por cento do PIB na dívida pública", segundo dados avançados pelo Banco de Portugal

https://www.dn.pt/dinheiro/interior/apoios-a-banca-custaram-mais-de-17-mil-me-em-dez-anos-9229150.html

Euronews, Portugal

Começa greve de três meses nos trens franceses. A greve dos ferroviários é de três meses. Os sindicatos anunciaram paralizações de 48 horas a cada cinco dias. Ou seja, em cada cinco dias que passem, dois serão de greve.

http://pt.euronews.com/2018/04/02/comeca-greve-de-tres-meses-nos-comboios-franceses

The Intercept, EUA

Israel mata palestinos e liberais ocidentais encolhem os ombros. Seu humanitarismo é uma vergonha

https://theintercept.com/2018/04/02/israel-killing-palestine-civilian-liberal-humanitarian/

L’Humanité, França

CGT, UNSA, SUD, CFDT: a palavra aos quatro secretários gerais das federações ferroviárias. Na unidade, os quatro sindicatos representativos da SNCF chamam os trabalhadores ferroviários de greve. O movimento difícil começa nesta terça-feira, 3 de abril. A nova reforma do sistema ferroviário, que cristaliza a ira dos trabalhadores ferroviários, pretende abrir a concorrência, transformar a empresa pública em uma empresa privada e abandonar o status de recrutamento novas contratações

https://www.humanite.fr/cgt-unsa-sud-cfdt-la-parole-aux-quatre-secretaires-generaux-des-federations-de-cheminots-653026

Le Monde, França

Manifestações de professores americanos para melhorias salariais em boa parte dos estados norte-americanos. Uma dúzia de estados cortou o orçamento da educação na esteira da crise de 2008, mas ainda não revisou, apesar de uma economia renovada.

http://www.lemonde.fr/ameriques/article/2018/04/03/manifestations-d-enseignants-americains-pour-des-revalorisations-salariales_5279830_3222.html

The New York Times, EUA

Gigantes da indústria contrarrestam a iminente ação comercial da China. Enquanto os Estados Unidos preparam medidas duras de comércio e a China retalia, os mercados acionários despencaram e algumas das maiores empresas americanas apresentaram objeções. A ideia de abordar as práticas comerciais desleais da China é popular, mas detalhes do plano do presidente Trump desencadearam uma feroz oposição.

https://www.nytimes.com/2018/04/02/business/china-us-trade-action-markets.html?hp&action=click&pgtype=Homepage&clickSource=story-heading&module=first-column-region&region=top-news&WT.nav=top-news

The Washington Post, EUA

Trump propôs a Putin uma visita à Casa Branca no telefonema de congratulações pela sua vitória nas eleições russas, dia 20 de março, afirmaram fontes russas.

https://www.washingtonpost.com/world/trump-proposed-putin-visit-white-house-in-march-20-phone-call-kremlin-says/2018/04/02/b0727634-367b-11e8-acd5-35eac230e514_story.html?utm_term=.6aab7bbf48f0

Telesur, Venezuela

O presidente do México, Peña Nieto, exige respeito a Trump com respeito às suas mensagens sobre o México

https://www.telesurtv.net/news/Pena-Nieto-exige-respeto-tras-mensajes-de-Trump-contra-Mexico-20180403-0004.html

3 - Artigos

Kenneth Rogoff (Project Sindicate) – Economia Política

“Irá a China suplantar a hegemonia dos Estados Unidos?”

https://www.project-syndicate.org/commentary/china-huge-population-may-hinder-growth-by-kenneth-rogoff-2018-04

Robert Reich (blog) – Pelo Mundo

“Como Trump se prepara para a guerra”

http://robertreich.org/post/172278726525

Sabrina Gasparrini (The Guardian, Inglaterra) – Pelo Mundo

“A volta de Berlusconi mostra que a Itália ainda luta com seu passado fascista”

https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/feb/21/berlusconi-comeback-italy-fascist-past-postwar-shame

Boaventura Sousa Santos (Página 12, Argentina) – Pelo Mundo

“O colonialismo insidioso”

https://www.pagina12.com.ar/105534-el-colonialismo-insidioso

Paul Krugman (The New York Times, EUA) – Economia Política

“Qual é o problema com a “Trumpland”?”

https://www.nytimes.com/2018/04/02/opinion/trumpland-economy-polarization.html?action=click&pgtype=Homepage&clickSource=story-heading&module=opinion-c-col-left-region&region=opinion-c-col-left-region&WT.nav=opinion-c-col-left-region





Créditos da foto: AFP

De Edson a Marielle. Cinquenta anos de assassinatos políticos

Antifascismo

De Edson a Marielle. Cinquenta anos de assassinatos políticos

O que esses cinquenta anos de crimes têm em comum é o fato de reiterarem uma particular acepção do termo democracia em nosso país

 
02/04/2018 16:57
Reprodução
 
Os temas de hoje desta coluna quinzenal seriam o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), aberto em Brasília na semana passada, e a negociação em curso entre a bancada ruralista e o governo federal, visando a aprovação do “autolicenciamento” ambiental. Mas é preciso falar das atrocidades sobrevindas nos últimos dias, inclusive porque são em última instância os mesmos, os responsáveis por elas e pelos crescentes desastres ambientais de que trata em geral essa coluna.
Há 50 anos, uma bala de um oficial da PM matou Edson Luís de Lima Souto, no âmbito de um protesto estudantil no Rio. Era o prelúdio de assassinatos em série perpetrados por agentes da polícia e das Forças Armadas durante os anos mais sinistros da ditadura militar, culminando na morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, causada por “lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do II Exército – SP (DOI-Codi)” [1]. Há 30 anos, o seringueiro e líder sindical, Chico Mendes, foi assassinado em sua casa, com um tiro de escopeta no peito, por fazendeiros de Xapuri, no Acre [2]. Em 14 de março de 2018, em plena intervenção militar no Rio, Marielle Franco, vereadora do PSOL, e o motorista Anderson Gomes, foram assassinados com balas de uma pistola 9 mm de uso restrito do Estado.
A lembrança dos assassinatos emblemáticos de 1968 e de 1988 objetiva sublinhar como o de Marielle Franco liga-se a uma tradição de violência política que perdura no país mesmo após o fim da ditadura. Isso posto, a execução de Marielle Franco aponta, talvez, para algo novo nessa tradição histórica sombria. Ela pode ser consequência da nova militarização da política desencadeada por Michel Temer no Rio, numa engrenagem anunciada e temida de desestabilização institucional trazida pela abertura da caixa de Pandora que foi o impeachment de Dilma Rousseff. Signo suplementar dessa radicalização da violência contra os movimentos sociais é o fato que, sábado, 18 de março, quatro dias após o assassinato de Marielle Franco, um avião despejou agrotóxicos sobre o acampamento Helenira Resende do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que ocupa uma área da empresa agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A (agroSB), no sul do Pará [3]. Eis o comunicado do MST a respeito:
“Nesta tarde o acampamento Helenira Resende em Marabá-PA sofreu um ataque dos ruralistas da agropecuária Santa Bárbara. O avião sobrevoou o acampamento despejando agrotóxicos, no momento diversas pessoas passam mal com reações alérgicas aos químicos”.
A agroSB é um grupo empresarial proprietário de 500 mil hectares de terra em várias fazendas no Pará. O grupo, que tem entre seus acionistas Daniel Dantas, do banco Opportunity [4], declara possuir 500 mil cabeças de gado. Em 2012, ele foi condenado a pagar multa de R$ 700 mil após uma inspeção pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) que “resultou na lavratura de 44 autos de infração e no resgate de cinco trabalhadores encontrados em condições degradantes de trabalho” [5]. Trata-se da mesma empresa – doadora de R$ 1,1 milhão à campanha eleitoral do PT em 2014 [6] –, em cuja propriedade fora assassinado em 2012 Welbert Cabral Costa, quando reivindicava seus direitos trabalhistas.
 
Cinquenta anos de crimes contra a democracia
Independentemente do significado particular e das implicações do assassinato de Marielle na atual conjuntura, o que esses cinquenta anos de crimes têm em comum é o fato de reiterarem uma particular acepção do termo democracia em nosso país. A democracia no Brasil só é efetiva para a minoria, em geral branca, situada no topo da pirâmide da renda nacional, vale dizer, grosso modo, para os 9,2% da população que recebem cinco ou mais salários mínimos. Na realidade, ela vale mesmo apenas para os 2,2% da população que recebem de 10 a 20 salários mínimos e, sobretudo, para os 0,9% da população que recebe mais de 20 salários mínimos (IBGE, 2010).
Essa minoria saca da palavra democracia, como de sua Luger, sempre que se trata de legitimar a ordem jurídica vigente, uma das mais economicamente desiguais, socialmente excludentes e ambientalmente devastadoras do planeta. Seus principais beneficiários – o grande capital em simbiose com o Estado (o Estado-Corporação) e setores da classe média – evocam-na prontamente quando se trata de justificar a deposição de Dilma Rousseff e a sujeição sucessiva dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais à “lógica” do mercado. Não que o governo de Dilma contrariasse os interesses econômicos em jogo. Gerido pelo agronegócio, pelas mineradoras e grandes empreiteiras, e ideologicamente identificado com esses grupos, o governo de Dilma Rousseff fez um pacto de sangue com esses grupos e foi manifestamente um dos mais antidemocráticos da história recente do país. Foi, por exemplo, o governo que mais reduziu e desclassificou as reservas naturais do país [7]. Durante seu mandato, a propriedade da terra concentrou-se ainda mais, o uso de agrotóxicos aumentou como nunca, os desmatadores foram indultados e o desmatamento da Amazônia retomou sua linha ascendente. Mas isso não bastava. Com a crise econômica, o agronegócio, as mineradoras e a rede corporativa em geral sentiram-se fortes o bastante para liquidar o “entulho ambiental” ainda deixado por seu governo e para instalar de vez a “sua” democracia.
Para o Brasil real, para os que sofrem na pele o estigma de séculos de escravidão e para a grande maioria dos pobres e muito pobres, a democracia é uma palavra vazia, pois desprovida de efetividade. Segundo dados do IBGE de 2010, rendimentos não superiores a dois salários mínimos eram então o lote de 72% da população brasileira, nessa distribuição:

Fonte: IBGE, Censo de 2010
Segundo o Censo de 2016, metade dos trabalhadores brasileiros recebe hoje menos que o salário mínimo: dos 88,9 milhões de trabalhadores ocupados, 44,4 milhões recebiam em média R$ 747 por mês.
Quando a democracia deixa de ser a palavra-senha para a liberdade e os desígnios dos “mercados” e passa a significar a luta dessa grande maioria da sociedade pela justiça socioambiental, então a regra primeira do jogo democrático – o respeito à integridade física dos contendentes – é imediatamente esquecida. Essa maioria é simplesmente tratada à base de agrotóxicos e de armas de fogo. As vítimas preferenciais são pessoas como Dorothy Stang, a missionária assassinada em 2005 no Pará, ou como Marielle Franco, ambas engajadas no combate pacífico pela civilização e contra a violação pelo Estado dos direitos básicos da cidadania, direitos cuja garantia é sua primeira razão de ser: o direito à terra, às florestas, à biodiversidade, à moradia, à infraestrutura sanitária, à água potável, a alimentos saudáveis, à atuação sindical e política, à segurança, mobilidade, educação, saúde e, sobretudo, a um sistema econômico que não conduza à destruição os alicerces da vida no planeta.
 
Pentacampeão de assassinatos políticos
Há cinco anos consecutivos o Brasil permanece o país em que mais se matam ativistas que lutam por terra, pela defesa do meio ambiente e pelos direitos humanos em geral, de acordo com a Global Witness, uma organização internacional que monitora as relações entre exploração de recursos naturais, pobreza e direitos humanos. Somos pentacampeões mundiais em assassinatos de pobres com pretensões a direitos humanos. Nesse contexto, o agronegócio é, de longe, o que mais mata. Um mapeamento feito pela BBC Brasil mostra que o arco do desmatamento na Amazônia Legal é palco de 87% desses crimes. Entre 2016 e 2017, dois em cada três mortos nessa região eram sem-terra, trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas [8].
A Figura abaixo, publicada pela ONG Defenders of the Earth, mostra a posição de inconteste liderança do Brasil em 2016 no cômputo dos assassinatos pela posse da terra e pela defesa do meio ambiente, perpetrados na maior parte a mando de mineradoras, madeireiras e fazendeiros.
 
Se o critério primeiro de democracia é a obrigatoriedade de lidar com os conflitos sociais por outros meios que a eliminação física do adversário, então o Brasil é um dos países menos democráticos do mundo. Segundo o último relatório da Anistia Internacional, de fevereiro de 2018, “a maioria dos assassinatos documentados de defensores e defensoras de direitos humanos em todo mundo aconteceram no Brasil”. Como afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional:
“O que acompanhamos com muita preocupação no último ano é que o Brasil tem liderado o número de assassinatos de diversos grupos: jovens negros do sexo masculino, pessoas LGBTI, defensoras e defensores de direitos humanos, grupos ligados à defesa da terra, populações tradicionais e policiais. Temos a polícia que mais mata e que mais morre. Infelizmente o Brasil é o país do mundo onde ocorre o maior número de assassinatos destes grupos. Isso deixa evidente o quanto o Estado tem falhado na preservação da vida, na forma com que as forças de segurança atuam e na responsabilização pelas vidas perdidas ao longo de anos” [9].
Também segundo o Observatório do Terceiro Setor [10]: “Somente nos nove primeiros meses de 2017, 62 defensores dos direitos humanos foram assassinados, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Entre o dia 1º de janeiro e 20 de setembro do último ano, o Grupo Gay da Bahia registrou 277 pessoas LGBTIQ assassinadas no país, o maior número desde o início da compilação dos dados, em 1980. A população carcerária chegou ao recorde de 727 mil pessoas, sendo 60% negras e 40% presas preventivamente (ainda aguardam julgamento). Somente em janeiro de 2017, ocorreram rebeliões nas penitenciárias do Amazonas, Roraima, Rio Grande do Norte e Paraíba, o que resultou na morte de 123 pessoas”.
 
Signos de resistência
Nem tudo, porém, é negativo no pântano brasileiro. Alguns fatos esparsos podem ser interpretados como sintomas do início de uma reação da sociedade à ofensiva de crimes contra os direitos humanos e da natureza no Brasil. Há um ano, em março de 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por violações dos direitos indígenas e a finalizar num prazo máximo de 18 meses o processo de demarcação do território tradicional dos Xukuru de Ororubá, localizado no município de Pesqueira, em Pernambuco. Iniciado em 1989, esse processo de demarcação gerou até agora diversos assassinatos de indígenas. Como afirmou o cacique Marcos Xukuru, cujo pai foi assassinado, “no tempo em que o Estado brasileiro demorou para demarcar a terra indígena, na Serra do Ororubá, o povo Xukuru conviveu com assassinatos, ameaças e criminalizações. Nosso direito à terra foi negado pelo Estado”. É claro que essa condenação por uma Corte Internacional foi e será ignorada pelo governo de Michel Temer. Mas ao preço de um isolamento internacional cada vez maior.
Esse isolamento externo torna-se agora ainda maior com o assassinato de Marielle Franco. A ONU enviou mais uma advertência ao governo brasileiro sobre o estado calamitoso dos direitos humanos no país e os deputados da União Europeia fizeram um apelo para suspender as negociações visando um acordo de livre comércio com o Mercosul.
No plano interno, o Brasil chora hoje, inconsolável, a perda de uma mulher que exprimia a esperança de 46 mil votos no Rio de Janeiro e que se tornou, mais que nunca, a porta-voz da luta contra a intolerância e contra o desprezo visceral das elites por seus concidadãos. Parece possível afirmar, contudo, que seu assassinato, ao invés de intimidar, suscitou uma indignação generalizada, acordando-nos de uma letargia que de há muito perdurava. No mesmo sentido, lançar agrotóxicos sobre os acampados de Marabá provocou uma reação contrária ao pânico e à humilhação que esse atentado abominável visava. Em resposta ao primeiro (que eu saiba) ataque de guerra química no país, o MST reocupou na madrugada do dia 19 de março a Fazenda Cedro também do Grupo Santa Bárbara, como se lê em seu Tweeter: “As famílias reocuparam a área como um ato de Resistência após a AgroSB fazer pulverização na área sobre o Acampamento Helenira Resende”. E em 20 de março, 600 mulheres do MST ocuparam a sede da Nestlé em São Lourenço, no sul de Minas Gerais, para protestar contra a exploração irregular e sem estudo sobre a capacidade de reposição do Parque das Águas pela multinacional. Já entre 2001 e 2004, a Nestlé foi ré num processo por exploração sem autorização e por desmineralização da água do poço Primavera, iniciada em 1997 [11]. No atual contexto internacional de escassez crescente de recursos hídricos, a exploração voraz desses recursos no Brasil pelo Big Food é, em todo o caso, o ponto principal da pauta do Fórum Internacional das Águas, em curso em Brasília. Mas o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) acaba de dar resposta à altura. É ainda talvez prematuro afirmar que o jogo está virando. Mas há sinais vitais a demonstrar que o povo brasileiro não está vencido.
[2] Seus assassinos, Darly e Darci Alves da Silva, foram condenados a 19 anos de detenção, mas saíram do presídio 11 anos depois e continuam fazendeiros em Xapuri.
[3] Cf. Marcos Aurélio Ruy, “Avião joga veneno sobre famílias de sem terra no PA”. Portal Vermelho, 18/III/2018.
[4] Cf. Blake Schmidt (Bloomberg), “Sempre polêmico, Daniel Dantas fica bilionário com pecuária”. Exame, 15/VI/2017.
[5] Agropecuária Santa Bárbara Xinguara pagará R$ 700 mil em acordo com o MPT. Agência Brasil, 10/XII/2013 e “Comunicado: Agropecuária Santa Bárbara não desmata florestas no Pará”. EcoDebate, 28/I/2009.
[6] Cf. “Grupo de Daniel Dantas fez doação ao PT, diz jornal”. CartaCapital, 25/IX/2014.
[7] Cf. E. Bernard, L. A. O. Penna & E. Araújo, “Dowgrading, Downsizing, Degazettement, and Reclassification of Protected Areas in Brazil”. Conservation Biology, 28, 2, 2014, pp. 1523-1739: “O aumento recente em frequência e extensão de casos de Redução, Declassificação ou Reclassificação de áreas protegidas reflete uma mudança na política governamental”.
[8] Cf. Amanda Rossi, “Amazônia desmatada concentra 9 em cada 10 mortes de ativistas por conflito no campo”. BBC Brasil, 26/VII/2017.
[9] “Brasil lidera número de assassinatos de diversos grupos de pessoas em 2017, aponta Anistia Internacional em novo relatório”. Anistia Internacional, 21/II/2018.
[10] Cf. “Brasil é líder no mundo em assassinatos de LGBTs, ativistas e negros”. Observatório do Terceiro Setor, 28/II/2018.
[11] Cf. Procuradoria da República em Minas Gerais, “DNPM atende recomendação do MPF e impede Nestlé de explorar poço de água mineral em São Lourenço/MG”, 22/IV/2004.
 
Luiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 2a edição, 2016. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do coletivo Crisálida, Crises SocioAmbientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização.


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