PARA NÃO ESQUECER – 21 DE FEVEREIRO DE 1989
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MORRE JUAREZ ANTUNES
(Ernesto Germano Parés)
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Resisti muito à ideia de fazer este texto. Todos os que me conhecem das minhas aulas e das minhas palestras sabem o quanto ele significou para mim. Mas não achei justo deixá-lo de fora exatamente nessa série em que estou falando de todos os que se dedicaram à classe trabalhadora e ao seu povo. Então, vou tentar me limitar ao máximo em sua história e deixar de lado minhas lembranças pessoais.
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Ele gostava de contar que nascera em Estrela D’Alva, em Minas Gerais. Nasceu no dia 7 de fevereiro de 1935 e seus primeiros estudos foram na cidade natal.
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Uma vez, em uma assembleia com metalúrgicos, ele contou outra parte de sua história. Disse que foi para Volta Redonda e ingressou na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) como auxiliar de cozinha. Enquanto isso, fazia seu curso na Escola Técnica Pandiá Calógeras, mantida pela empresa, e lá aprendeu a profissão de metalúrgico, indo trabalhar na aciaria (um dos corações da usina), tendo feito carreira e chegando a ser “Mestre da Aciaria”.
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Iniciou o curso de engenharia civil em Barra do Piraí, mas interrompeu os estudos porque estava iniciando sua vida política e se filiou ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Seguia sua carreira de metalúrgico e, ao fim da ditadura militar, filiou-se ao partido sucessor do MDB, o PMDB.
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No final da década de 1970, quando o movimento sindical brasileiro estava em plena agitação, Juarez começou a participar dos debates em torno da criação do Partido dos Trabalhadores, tendo sido, com alguns companheiros da região, o fundador do PT em Volta Redonda.
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Pouco depois da criação do PT, já em 1982, a CSN o demitiu temendo a liderança que surgia, mas ele concorreu às eleições do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, Barra Mansa e Resende, vencendo o pelego que se perpetuava no sindicato apoiado pelos militares.
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Em 1984 Juarez liderou a primeira greve da CSN desde sua fundação! Ele gostava de lembrar aquilo dizendo que “a velha senhora tinha perdido a virgindade”. Na época, segundo os registros, a Usina tinha 28 mil operários e mais de 80% eram filiados ao Sindicato, o que dava muita força ao movimento.
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Em 1983 ele levou os seus companheiros e os metalúrgicos a filiarem-se à Central Única dos Trabalhadores. Foi várias vezes eleito para a Direção Nacional da entidade e sempre defendeu a Central em qualquer situação.
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Vale lembrar que, em 1984, Juarez visitou a União Soviética representando a CUT e, no ano seguinte, foi à Cuba também representando a Central.
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No início de 1986 Juarez enfrentou um dos seus momentos mais difíceis na direção do Sindicato. As duas grandes empresas estatais, CSN e FEM (Fábrica de Estruturas Metálicas), resolveram tentar quebrar sua liderança.
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Os metalúrgicos tinham aprovado uma greve pelo pagamento dos 4% atrasados do acordo de 1984 e nunca pago pelas duas empresas. Foram três dias de muito trabalho, negociações, discussões com a base, assembleias dentro da empresa porque os operários ficaram lá para garantir a integridade dos equipamentos e muitas dúvidas de nossa parte.
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No quarto dia da paralisação havia uma assembleia marcada para a Praça Brasil, bem na frente do Escritório Central da CSN e local tradicional de assembleias. O encontro estava marcado para as 17 horas e, pouco antes, alguns diretores foram para lá dar início e passar os informes da negociação. Juarez permaneceu mais um pouco no Sindicato, na sua sala.
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Quando o telefone tocou ele atendeu e era o presidente da CSN, Juvenal Osório. Dizia que a empresa aceitava pagar os 4%, parcelados. Juarez perguntou sobre a FEM e o Juvenal tirou o corpo fora dizendo que “era problema dela”. Mas que a oferta só estava mantida se a greve fosse suspensa imediatamente e o pessoal do turno da “Zero Hora” entrasse normalmente para trabalhar.
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Era um dilema: a CSN tinha cerca de 28 mil trabalhadores e a FEM tinha pouco mais de 4 mil. Mas o pessoal da FEM era muito combativo e as greves sempre iniciavam por lá. A armadilha montada era clara: os 28 mil da CSN receberiam os atrasados e os 4 mil da FEM ficariam sem o dinheiro. Ou a proposta era retirada.
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Juarez olhou para mim, descemos os andares do Sindicato em silêncio e ele pegou seu velho fusquinha. Fomos para a assembleia e eu vi e ouvi o mais impressionante discurso que um líder sindical já fez. Ele contou parte da sua vida, do alto do carro de som, e sempre falava da importância da solidariedade entre os trabalhadores.
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No final da assembleia, um fato espantoso: os trabalhadores da CSN, por unanimidade, aprovaram continuar a greve, mesmo que perdessem o dinheiro. O importante era manter a unidade com os companheiros da FEM.
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Voltamos para o Sindicato e o Juarez me pediu para preparar o boletim dizendo que a greve continuava, mas não deu tempo nem de terminar! A FEM ligou para ele dizendo que também pagaria.
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Nova assembleia foi marcada para a manhã do dia seguinte e os metalúrgicos voltaram ao trabalho. Todos tinham ganho!
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Em 1985, por divergências com a direção do PT na região, Juarez se desfiliou e buscou o PDT. No ano seguinte foi eleito Deputado Federal Constituinte.
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Na Constituinte, votou a favor do rompimento de relações diplomáticas com países de orientação racista, da limitação do direito de propriedade privada, do mandado de segurança coletivo, da legalização do aborto, da remuneração 50% superior para o trabalho extra. É de sua autoria a proposta da jornada de seis horas para os trabalhadores que cumpriam turnos ininterruptos de revezamento (Inciso XIV do Art. 7º da Constituição Federal.
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Votou a favor do voto facultativo aos 16 anos, do presidencialismo, da nacionalização do subsolo, da estatização do sistema financeiro, da instituição do limite de 12% ao ano para os juros reais, da limitação para os encargos da dívida externa, da proibição do comércio de sangue, da criação de um fundo de apoio à reforma agrária, da anistia aos micro e pequenos empresários, da desapropriação da propriedade improdutiva e da estabilidade no emprego. Votou contra o mandato de cinco anos para o presidente José Sarney e a legalização do jogo do bicho.
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Em 1988 acontece a greve que já relatei várias vezes e que culminou com a invasão de tropas do Exército e o assassinato dos três metalúrgicos.
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No pleito de 15 de novembro de 1988, Juarez Antunes foi eleito prefeito de Volta Redonda na coligação Pacto Democrático-Trabalhista — composta pelo PDT e pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), e apoiado por alguns setores do PT — obtendo mais de 40% dos votos válidos. Renunciando com isso ao mandato federal, foi empossado na prefeitura de Volta Redonda em 1º de janeiro de 1989, sendo substituído na Câmara pelo suplente Jaime Campos.
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Em 21 de fevereiro de 1989, após 51 dias no exercício do mandato de prefeito, acontece o “acidente” com seu carro, perto da cidade de Felixlândia (MG), quando ia a Brasília devolver as chaves do apartamento funcional a que tivera direito durante o mandato de deputado federal.
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Sobre Juarez Antunes, vou deixar Dom Waldyr falar. “Um dos fundadores do PT em Volta Redonda, em 1986 Juarez elegeu-se deputado à Assembleia Nacional Constituinte na legenda do PDT, para a qual se transferira, obtendo 60% dos votos da população do município. Mesmo após assumir o Mandato. Em Brasília, marcava presença no sindicato que, na sua ausência, ficava a cargo do vice-presidente, Marcelo. Nas eleições de 1988, conquistou a Prefeitura de Volta Redonda”. (1)
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Sobre sua morte, novamente deixo Dom Waldyr falar: “A morte de Juarez foi anunciada. Tanto ele quanto eu estávamos jurados de morte. Na época da greve, após a missa e a manifestação de repúdio à violência que atingira a cidade, recebi um telefonema da presidente do Comitê de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, a Sada Baroud David, pedindo que eu atendesse dois policiais do grupo especial criado por Brizola para combater o ‘esquadrão da morte’, que costumava matar e jogar os corpos das vítimas em terrenos baldios e no Guandu.”
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“Recebi-os no mesmo dia na presença do padre Normando Cayotte. Na ocasião, me avisaram que havia um plano em curso para me matar e ao prefeito, em acidentes de carro simulados fora de Volta Redonda, para despistar”. (2)
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Já ouvi muitas outras versões para a morte de Juarez, mas esta é a que vale para mim. Está mais perto do que vi pessoalmente.
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VIVA JOSÉ JUAREZ ANTUNES – LÍDER METALÚRGICO E POLÍTICO COMPROMETIDO COM O POVO!
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VIVA A LUTA CONSTANTE DA CLASSE TRABALHADORA!
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(1) “O Bispo de Volta Redonda: memórias de Dom Waldyr Calheiros” – Editora da FGV – por Celia Maria Leite Costa, Dulce Chaves Pandolfi e Kenneth Serbin – Edição 2001
(2) Idem
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Nas imagens: 1 e 2 – panfletos feitos pelos vereadores (alguns desses que assinaram pelo PDT já nos traíram há muito tempo); 3 – Juarez Antunes; 4 – greve de 1987, Juarez ouve o coronel que queria apreender o carro de som do sindicato (eu estou fumando e com uma camisa marrom).
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PS. Todo o material produzido pelo Sindicato no dia de sua morte está agora no Arquivo Nacional, Projeto Memórias Reveladas, em um acervo que foi todo doado por mim (fotos, gravações, boletins, etc).