terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Copacabana, a princesinha do samba-canção

Cultura

Livro

Copacabana, a princesinha do samba-canção

por Pedro Alexandre Sanches — publicado 13/02/2018 00h15, última modificação 09/02/2018 18h17
O pesquisador Zuza Homem de Mello narra a história do gênero sob o prisma da geopolítica do bairro carioca
Arquivo Público do Estado de São Paulo
Plural Copacabana02_calcadao1941.jpg
No início dos anos 1940, o bairro na Zona Sul da então capital do Brasil pariu um gênero musical
Era um bairro, uma canção ou um gênero musical? Ao cabo de dez anos de pesquisas, o jornalista e produtor paulistano Zuza Homem de Mello, de 84 anos, apresenta o livro Copacabana – A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958), que interliga aquelas três dimensões (além de outras) para contar uma única e maiúscula história.
Tal como fizera no importante A Era dos Festivais – Uma Parábola (Editora 34, 2010), Zuza escreve de modo aparentemente intuitivo, mas acaba por entregar um novo tratado sobre cultura e geopolítica, de dimensões maiores que meras quatro paredes praieiras.
A obra que coloca o vulcão em erupção é o samba-canção Copacabana, de João de Barro e Alberto Ribeiro, lançada em 1946 pelo modernista carioca Dick Farney, em papos ao pé do ouvido sobre Copacabana, princesinha do mar/ pelas manhãs tu és a vida a cantar. Cinco anos mais tarde, o modernista mineiro Lúcio Alves fechava o arco luminoso ao apresentar Sábado em Copacabana, do sambista baiano Dorival Caymmi (então convertido em autor de sambas-canção), a vagar pelo bairro-canção da manhã à noite, pra passear à beira-mar, Copacabana/ depois num bar à meia-luz, Copacabana/ eu esperei por essa noite uma semana.
A geopolítica explica tudo, como a narrativa de Zuza vai demonstrar. O Estado Novo de Getúlio Vargas explorara o samba em suas variantes mais fortes, especialmente a do samba-exaltação, sob um painel cultural nacional-popular que orbitava em torno da Urca, do Cassino da Urca e de Carmen Miranda. Eurico Gaspar Dutra tomou posse em 1946 fechando os cassinos, e a boemia órfã da jogatina com grill migrou para a meia-luz das boates de Copacabana.
Valendo-se de pesquisa de Jairo Severiano, o autor ensina que apenas quatro desgarrados sambas-canção fizeram sucesso entre 1940 e 1945. Esse número saltaria para 84 composições sob Dutra, numa galeria que inclui MensagemSaia do Caminho (1946), MarinaSe Queres SaberSegredo (1947), A Saudade Mata a Gente (1948), Chuvas de VerãoNunca Mais (1949), Errei SimQue Será? (1950)...
Entre os intérpretes ainda predominavam aí os da fase anterior do vozeirão de peito rasgado, como os cariocas Francisco Alves, Mário Reis, Orlando Silva e Silvio Caldas e as paulistas Dalva de Oliveira, Isaura Garcia e Linda Baptista. Entre 1951 e 1957, fase de eleição e suicídio de Getúlio e de transferência da capital federal para Brasília por Juscelino Kubitschek, o Brasil seria inundado por 924 novos sambas-canção.
Enquanto aborda a hegemonia dos cassinos, da Rádio Nacional e do teatro de revista, o livro mapeia os rudimentos do gênero desde 1929, quando Henrique Vogeler compôs a melodia de Linda Flor (ou Yayá, ou Ai Yoyô), gravada pela vedete carioca Aracy Côrtes.
É essa a canção que abre a trilha de um subgênero que Zuza define como “um samba romântico mais lento”, para em seguida aprimorar a definição nas palavras do crítico paulista José Ramos Tinhorão, segundo quem o samba-canção era uma “adaptação levada a efeito por compositores semieruditos que, ao passarem a ser convocados como arranjadores das gravadoras, tentaram adaptar o ritmo do samba para o tipo de orquestração que elaboravam, e faziam-no simplesmente retardando o andamento”.
Nesses primórdios destacam-se o mineiro Ary Barroso, autor de Tu (lançada por Silvio Caldas em 1934), Inquietação (idem, 1935), e o carioca Lamartine Babo, autor de Serra da Boa Esperança (gravada por Francisco Alves em 1937). Caso curioso é o de Na Batucada da Vida (1934), de Ary, cujos versos de desgraça (sobre uma narradora cachaceira que adormece como um despacho/ deitadinha como um capacho/ na porta dos enjeitados) foram interpretados com alegria esfuziante por Carmen Miranda. Na Batucada da Vida só se encontraria consigo mesma em 1974, na versão hiperdramática de Elis Regina.
Um triunvirato da aurora do samba-canção completa-se com o breve carioca Noel Rosa, numa série de sambas em modo menor, como Feitio de OraçãoNão Tem Tradução (1933), Feitiço da Vila (1934), O X do Problema (1936) e as póstumas Pra Que Mentir? Último Desejo (1938). A verve samba-cancioneira de Noel só seria desvendada no nascer dos anos 1950, quando a conterrânea Aracy de Almeida inaugurou a era dos álbuns de longa duração com dois volumes de Noel Rosa. 
Zuza
Zuza: uma revisão ao mesmo tempo rigorosa e intuitiva (Foto: Fundo Última Hora/Arquivo Público do Estado de São Paulo)
Entre 1946 e 1958, o enclave no tempo-espaço chamado samba-canção (ou Copacabana) iria constituir-se como um gênero-ponte, que levaria a política do corpo do samba ao domínio intelectual da bossa nova, sobre águas turbulentas. Os preconceitos de classe perpassam a narrativa à medida que se separam criadores “tradicionais” de “modernos” ou vanguardistas de “bregas”.
Em meio à vigência do samba-canção, o Brasil foi varrido pela influência do quente cancioneiro latino-americano, sobretudo dos boleros mexicanos e cubanos, implicitamente catalogados por Zuza como “inferiores” ao jazz e às torch songs estadunidenses de Billie Holiday, Frank Sinatra e Nina Simone. 
Na versão nacional, essas resultariam nos sambas-canção de dor de cotovelo interpretadas pela carioca Nora Ney (como Ninguém Me Ama, dos pernambucanos Fernando Lobo e Antonio Maria, 1952) e no advento, em tempos de democracia getulista-juscelinista, de duas pioneiras cantoras-compositoras, a carioca Dolores Duran, de Canção da Volta (1954), Por Causa de Você (1957) e A Noite do Meu Bem (1959), e a capixaba Maysa, de Resposta (1956) e Meu Mundo Caiu (1958).
Se a norte-americanização valorizava nossa fossa, a influência latino-americana redundava no chamado “sambolero”, ouvido como de “mau gosto” por gregos, troianos e bebês bossanovistas. Com alguma ambiguidade, Zuza afirma que tal corrente levava pecha de “música de bordel” e adquiria combustível entre as “classes menos abastadas”. Adentram no recinto Dalva de Oliveira, os fluminenses Angela Maria e Cauby Peixoto, e o gaúcho Nelson Gonçalves.
“Sua intuição privilegiada é quase inexplicável, dada a sua origem simples, filha de um carpinteiro de Rio Claro”, afirma Zuza sobre Dalva. Já Angela Maria é descrita como tecelã de origem operária, mulata de origem humilde, cantora vinculada ao nacional-popular por intermédio do bolero. Como reconhece o historiador, é ela quem vai extrapolar o circuito de boates de Copacabana rumo ao sucesso nacional, a bordo da suave Nem Eu (de Caymmi) e das desbragadas Fósforo QueimadoVida de Bailarina Lábios de Mel, todas de 1953. 
livro
São celebrados os artistas modernizadores, que passariam para a história como precursores da bossa. Entram nesse rol o Trio Surdina do (breve) violonista paulista Garoto, com Duas Contas (1953), o conjunto vocal Os Cariocas, as composições iniciais do carioca Antonio Carlos Jobim, a gravação de Chega de Saudade (1958) pela carioca Elizeth Cardoso, acompanhada pelo violão do baiano João Gilberto.
Zuza interrompe nesse momento a epopeia do samba-canção, mas deixa no ar a leitura de Tinhorão para a revolução que se avizinhava: “As velhas famílias tinham um piano, as famílias de habitação vertical não podiam ter piano. E vêm as que usam o rádio, as que vão ao cinema, as que vão usar a televisão em casa, o grande programa”. 
Ao subir para o apartamento de frente para o mar, o samba virou bossa nova e voltou as costas para o samba-canção e o “sambolero”, que, no entanto, seguiram firme trajetória, quase sempre vestidos por termos mestiços ambíguos de “caipira” a “sertanejo universitário”, de “cafona” a “brega” e tecnobrega, de forró a funk carioca. 

O Brasil cai na follia

Política

Editorial

O Brasil cai na follia

por Mino Carta — publicado 12/02/2018 00h04, última modificação 09/02/2018 17h27
A palavra em italiano é a origem da nossa de um “ele” só, e significa loucura
Goethe
Retratado no campo romano, Goethe mostrou influência do carnaval de lá sobre o de cá
Goethe muito me ensinou a respeito do carnaval em Roma na segunda metade do século XVIII. Várias páginas de sua Viagem à Itália são dedicadas à descrição do evento na então capital do Estado Pontifício, que ocupava um vasto território do centro da península da costa tirrênica à adriática. A leitura do extraordinário viajante alemão me permitiu perceber a influência que aquele carnaval exerceu sobre o nosso. A começar pela palavra follia, que em italiano significa loucura, desvario, delírio. À sombra de São Pedro caía-se na follia.
Quando cheguei em São Paulo, dava-se no auge carnavalesco um desfile de automóveis pela Avenida São João de calçadas apinhadas, prevista a troca de efusões entre os passageiros dos veículos e pedestres ao ritmo do batuque. A manifestação chamava-se corso, e outras havia Brasil afora. Repetia-se a tradição romana do desfile das carroças pela via del Corso, destas os foliões atiravam para o povo nas calçadas confetti, inicialmente confeitos de amêndoas cristalizadas, mais tarde substituídos por imitações de giz.
O Brasil é o país do carnaval e do futebol, os circenses que a casa-grande se permitiu conceder aos moradores da senzala e dos mocambos para celebrizar mundialmente o País. Houve transformações de marca nativa, os confeitos hoje são de papel, o corso ganhou a participação de carros elétricos, ergueram-se sambódromos. E a follia expandiu-se como a doença de um povo cada vez mais incapaz de perceber sua desgraça.
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Nesta incapacidade, nesta tendência irrevogável de entregar-se à folia por razões menores, muitas vezes tolas, existe um nítido traço de loucura. O chamado da festa, sempre atendido mesmo longe do carnaval, para a maioria dos brasileiros talvez se deva ao impulso de afogar a melancolia atávica na alegria forçada. É um palpite generoso. De todo modo, transparecem o nosso primitivismo, o nosso atraso, a ignorância geral, que não é somente a do povão, como dizem os abastados.
Vejo gente na rua armada de pandeiros, tamborins e reco-recos, a ensaiar desde já a festa e um longo feriado, e sei que não fôssemos brasileiros as razões da invasão do asfalto seriam outras, e nem um pouco alegres. O Brasil é o único país do mundo onde a máfia está no poder e solidamente instalada. A criminalidade organizada amiúde, e em vários lugares, funciona como um poder paralelo. No Brasil do estado de exceção, a máfia encarna o próprio com a certeza de não precipitar, em quaisquer situações, a ira popular.
A folia carnavalesca é apenas um momento da follia que se aprofunda progressivamente em uma quadra da nossa história nunca dantes navegada. Comenta uma amiga, sábia brasileira moradora de Paris: os foliões dançam com a corda no pescoço. De fato, bem ao contrário do que a mídia nativa propala, a crise econômica está longe de arrefecer, o desemprego fermenta, os efeitos das reformas impostas pelos golpistas acentuam o sofrimento da população, a liquidação do País em proveito do capital estrangeiro prospera.
E tem mais, muito mais. O favorito das próximas eleições está na iminência de ser preso, condenado ao sabor de indícios e convicções por tribunais da Inquisição, enquanto o presidente ilegítimo, Michel Temer, consegue livrar-se na Câmara de duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República, por corrupção, obstrução da Justiça e formação de quadrilha, ao ser flagrado em fatais diálogos gravados por Joesley Batista, da J&F.
Além de Temer, outros oito políticos foram denunciados pelo então procurador Rodrigo Janot no caso da gangue do PMDB: o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima, Rodrigo Loures, ex-deputado e “homem da mala” dos 500 mil reais, Eliseu Padilha e Wellington Moreira Franco, atuais chefes da Casa Civil e da Secretaria-Geral da Presidência.
Apenas nessa denúncia, a quadrilha é acusada de saquear diversas empresas estatais e órgãos públicos, como Petrobras, Furnas, Caixa Econômica, Ministério da Integração Nacional e Câmara dos Deputados. O esquema teria movimentado ao menos 587 milhões de reais em propinas.
As provas da rapinagem estão mais do que expostas. No bunker de Geddel, em Salvador, a Polícia Federal encontrou uma quantia equivalente a 51 milhões de reais, em moeda nacional e estrangeira. Identificado como “Angorá” na planilha da Odebrecht, Moreira Franco foi citado 34 vezes em uma única delação, a de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da empresa. Operava em perfeita sintonia com Padilha, também conhecido como “Primo”, “Fodão” e “Bicuíra” na lista da empreiteira.
Líder do governo no Senado e ex-ministro do Planejamento de Temer, Romero Jucá, aquele do “grande acordo nacional”, tornou-se recordista de inquéritos autorizados pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, com base nas delações de executivos da Odebrecht. São cinco no total. O peemedebista divide a liderança do rankingcom Aécio Neves, ex-presidente do PSDB e senador por Minas Gerais.
O chanceler tucano Aloysio Nunes Ferreira também passou a ser investigado por receber 500 mil reais em caixa 2 da empreiteira. O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), por sua vez, responde a dois inquéritos abertos a partir das delações da Odebrecht e pode ser alvo de outro, baseado em depoimentos de executivos da J&F. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Eunício Oliveira, são conhecidos na planilha da Odebrecht como “Botafogo” e “Índio”, respectivamente.
Com o aval decisivo da (in)Justiça brasileira, a partir da Suprema Corte que haveria de ser a guardiã da lei, e da mídia nativa, como de hábito abjeta propagandista da criminalidade organizada, “A Máfia no Poder” cabe como título de um teorema amplamente demonstrado. Assistimos à obra-prima da dinastia lusitana de Avis, origem do Estado patrimonialista, conforme mestre Raymundo Faoro ensina, ou seja, deste Brasil, a merecer as feições finalmente assumidas. 
Percebo ser enfático, e isto não me agrada. Espero pela compreensão dos nossos leitores, no papel e no site, muitos sócios fiéis de CartaCapital. E este núcleo resistente, a leitores como Antonio Mattar, Williams Costa Cantanhede, Fernando de Paulo, Airton Brisolla, Érica Avida e Sebastião Meurer, que nesta edição abrem a seção de cartas, nos dirigimos e com eles estaremos até o derradeiro alento.

Em ano eleitoral, o samba cai de boca na política

Cultura

Carnaval 2018

Em ano eleitoral, o samba cai de boca na política

por Radio France Internationale — publicado 12/02/2018 00h30, última modificação 09/02/2018 17h48
Será que o brasileiro decidiu levar a revolta para o sambódromo? Antropólogo e presidente da Portela analisam o fenômeno
Reprodução / Facebook
Paraíso do Tuiuti
A Paraíso do Tuiuti terá alas críticas à reforma trabalhista e aos paneleiros na Sapucaí
Pecado é não pular o Carnaval", provoca a Estação Primeira de Mangueira, numa referência ao prefeito do Rio de Janeiro e pastor evangélico, Marcelo Crivella. "Desobedecer para pacificar", canta a Mocidade Independente de Padre Miguel. "Liberte o cativeiro social", pede o coro do Paraíso do Tuiuti. "Salve a imigração", sauda a Portela.
Em São Paulo, a Império da Casa Verde usa a Revolução Francesa para falar do caos na política brasileira, com guilhotina e tudo. Será que o brasileiro decidiu levar a revolta para o Sambódromo? A RFI Brasil conversou com o antropólogo Roberto DaMatta, autor do livro "Carnavais, Malandros e Heróis", e com o presidente da Portela, Luiz Carlos Magalhães, para entender o fenômeno.
O Brasil como um "monstro Frankstein", carente "de amor e de ternura". "Troca um pedaço de pão por um pedaço de céu." "Ganância veste terno e gravata, onde a esperança sucumbiu." O samba-enredo da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis arrancou aplausos antes mesmo do Carnaval, e deverá ser um destaques do panteão carioca em 2018.
A escola de samba manda um recado ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella, pastor evangélico que cortou grande parte das verbas destinadas ao evento. A política, aliás, nem sempre esteve tão presente na avenida, como nos conta o presidente da Portela, Luiz Carlos Magalhães.
"A tradição de enredos críticos é de algumas escolas", explica Magalhães. "Por exemplo, uma tradição da Caprichosos de Pilares, uma escola que passa hoje por enormes dificuldades, não se sabe nem se ela vai desfilar... E a São Clemente, que é uma escola mais crítica, mais irônica. As outras não têm muito esse perfil, trazem mais enredos culturais. Esse ano é que houve essa mudança de rumo", afirma.
Para o presidente da Portela, "o povo ficou mais informado, com todo esse malefício dos escândalos". "Ele ficou mais politizado, se decepcionou com os políticos que elegeu. Isso de alguma forma deve ter um efeito muito grande, assim nós esperamos, nas eleições [de 2018]", continua. "No campo das marchinhas, quase inexistentes hoje, é onde a crítica é muito mais direta", afirma Magalhães.
Carnaval como espelho invertido da sociedade brasileira
"O Carnaval de certa forma revela o fundo da sociedade brasileira", analisa o antropólogo Roberto DaMatta. "Ele inverte, traz o fundo do poço para cima, como virar uma bolsa de cabeça para baixo ou uma roupa do avesso. Numa sociedade brasileira, onde tudo é proibido, uma sociedade que teve também reis, imperadores, que teve uma aristocracia pesadíssima com escravidão negra, uma sociedade que é patronal, familística, e que, como em quase todas as sociedades tradicionais (como no caso romano ou na França pré-revolução Francesa), estavam inscritos na dinâmica destas sociedades determinados momentos orgiásticos, onde se podia fazer tudo", diz DaMatta.
"Evidentemente está acontecendo uma mudança, é popular. E popular no Brasil não tem a ver com cidadania, como no caso francês – foi o povo quem fez a Revolução Francesa", afirma. "Acho que nos últimos anos a ênfase na escola de samba diminuiu, e acho que vai diminuir mais, por causa do problema com a política, o populismo. [...] Não haverá mais dinheiro para distribuir para a escola de samba, e esse carnaval que aparece nos blocos, um carnaval atomizado como sempre foi – várias coisas acontecendo ao mesmo tempo – tiram a centralidade das escolas de samba, o que é uma mudança razoável", diz o antropólogo.
O carnaval brasileiro começou na sexta-feira 9 e vai até a terça-feira 13.

"Não sou escravo de nenhum senhor": Tuiuti desfila contra retrocesso

Carnaval 2018

"Não sou escravo de nenhum senhor": Tuiuti desfila contra retrocesso

por Ana Luiza Basilio — publicado 12/02/2018 11h55, última modificação 12/02/2018 13h04
Escola de samba faz críticas à Reforma Trabalhista e a perda de direitos sociais dos trabalhadores no governo Temer
Mauro PIMENTEL / AFP
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Último carro da escola faz crítica ao presidente Michel Temer e à Reforma Trabalhista

Quarta escola a cruzar a Sapucaí no primeiro dia de desfile do grupo especial no Rio de Janeiro, a Paraíso do Tuiuti investiu em um tom político, carregado de críticas sociais. Com o enredo, “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”, dos compositores Claudio Russo, Moacyr Luz, Dona Zezé, Jurandir e Aníbal, a escola recontou a história da escravidão no Brasil, nos 130 anos da Lei Áurea, propondo uma reflexão sobre a exploração do trabalho humano.
Ao som do refrão “Meu Deus! Meu Deus!, se eu chorar não leve a mal, pela luz do candeeiro, liberte o cativeiro social”, a escola surpreendeu já na comissão de frente, chamada “O Grito da Liberdade”. Os passistas representaram escravos negros amordaçados, com grilhões nos pulsos e corpos ensanguentados de tanto apanhar do senhor do engenho, também negro.

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A escravidão não acabou
Com 29 alas, a escola explorou o tema das mais diversas formas, representando o trabalho escravo rural, o tráfico de escravos, o trabalho informal e relembrando a publicação do primeiro jornal da imprensa negra no Brasil, “o Mulato”, em 1833.
Também não faltou um olhar contemporâneo ao tema, que buscou mostrar a perda de direitos sociais no atual cenário político. Na ala “Manifestoches”, a Tuiuti ironizou os manifestantes que pediram o impeachment da presidenta Dilma. Os passistas vieram à avenida segurando panelas e envoltos em patos que faziam menção à campanha da Fiesp “Não vou pagar o pato”. As mãos que pendiam sobre as cabeças de cada um, os colocavam como manipulados.
Ala critica perda de direitos trabalhistasNa ala “Os Guerreiros da CLT”, a escola explorou a sobrecarga dos trabalhadores. Os passistas vieram segurando carteiras de trabalho e artefatos em vários de seus braços.
O último carro da escola representou um novo navio negreiro com a ala dominante se impondo sobre os trabalhadores. Destaque para a representação de um vampiro neoliberalista que trajava uma faixa presidencial, com clara alusão à figura de Michel Temer que, com o apoio do Congresso, colocou em prática a Reforma Trabalhista e perda de direitos dos trabalhadores.
Ponto alto da passagem da escola, o carro Neo-Tumbeiro foi bem recebido pela arquibancada e bastante comentado durante o desfile, a não ser pelos comentaristas da Globo que, entre risos incômodos, se limitaram a chamar o destaque de vampirão e ignorar a crítica feita ao governo Temer.
Sem problemas de ordem técnica, a escola encerrou “o melhor Carnaval de sua história”, como afirmou o presidente Renato Thor à reportagem do jornal O Globo. A escola falou em superação após o acidente com um carro alegórico durante o desfile de 2017, que causou a morte de uma componente.
O desfile foi bastante comentado e elogiado nas redes sociais. A escola chegou a ser trending topics no Twitter e não faltaram posts criticando o silêncio da Globo e comemorando o desfile “histórico”.