quinta-feira, 25 de outubro de 2018

NÃO DEIXE A DEMOCRACIA SER ROUBADA VIRA VOTO HADDAD 13 PRESIDENTE

NÃO DEIXE A DEMOCRACIA SER ROUBADA
VIRA VOTO HADDAD 13 PRESIDENTE

Entenda a estratégia criminosa nas redes sociais que pode levar
Bolsonaro ao poder

Listas telefônicas em papel, chips importados, grupos segmentados e
hibridismo entre militantes e disparadores pagos. Essas foram algumas
das estratégias utilizadas pela campanha de Jair Bolsonaro (PSL) para
criar sua extensa rede de comunicação paralela via WhatsApp. Na reta
final da eleição, ÉPOCA conversou com pessoas que mergulharam ou
participaram ativamente da construção do sistema, marcado pela
circulação de notícias falsas e financiamento duvidoso. Um dos ouvidos
pediu anonimato por temer retaliações.André (nome fictício) trabalhou
para a família Bolsonaro durante quase dois anos. No início, o serviço
se restringia à geração de peças virtuais. Em seguida, ampliou-se à
criação maciça de grupos no aplicativo de mensagens. No primeiro
semestre deste ano, a colaboração foi encerrada – entre outros
motivos, pelo desconforto crescente da agência em que André trabalhava
com o uso de notícias falsas desde o ano passado. “Saímos da campanha
quando percebemos que as chances de ele ganhar eram reais”,
contou.Para multiplicar as células no aplicativo, eram utilizadas
listas com números de celular fornecidas diretamente por funcionários
do clã Bolsonaro. Diversas listas com números telefônicos foram
retiradas pessoalmente de escritórios no Rio de Janeiro e em São Paulo
— prática comum em campanhas para driblar a legislação eleitoral, que
só permite o uso de base de dados dos próprios candidatos. Em seguida,
por telefone, cada uma das listas era associada ao perfil de um grupo
específico: jovens, mulheres, pobres, evangélicos, entre outros. Os
grupos eram criados e alimentados manualmente. Um a um, centenas de
contatos migravam do papel para a rede, sem a autorização prévia dos
usuários.Muitos deixavam os grupos, sempre inaugurados com uma
mensagem de boas-vindas que trazia as regras de utilização. Para
evitar a debandada, os disparadores enviavam mensagens privadas, com
referências nominais aos proprietários dos números. “Assim, criávamos
um ambiente mais família, menos artificial”, disse um dos informantes.
Após o grupo atingir uma estabilização de participantes, o funcionário
da agência transferia sua administração para um dos integrantes e
deixava o grupo. O procedimento era feito para que não houvesse
sobrecarga dos operadores, que ficariam livres para criar novos grupos
e cuidar da gestão deles — um desenho semelhante às pirâmides
financeiras.O professor Viktor Chagas, que monitora cerca de 150
grupos de cunho conservador e bolsonarista para o CoLAB, grupo de
pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), constatou a
presença decisiva de números estrangeiros nesses espaços. Chamam
atenção telefones com códigos de Índia, Paquistão e Arábia Saudita.
“Esses números são minoria, mas se caracterizam por uma atividade
intensa”, explicou Chagas. O informante que esteve dentro da campanha
de Bolsonaro contou que a maioria dos chips usados vinha dos Estados
Unidos, mas também havia alguns com origem em Portugal e na Argentina.
As agências que atendiam o clã do presidenciável recebiam os chips
estrangeiros em procedimento idêntico ao das listas — pessoalmente, em
encontros cercados de sigilo. A ideia era dificultar o rastreamento e
bloqueio dessas linhas.A gestão da rede de grupos de WhatsApp
acontecia toda no Telegram, aplicativo de mensagens russo. Nos grupos
dessa cúpula, de acordo com os relatos, estariam os Bolsonaros,
assessores diretos, representantes das agências contratadas e alguns
militantes de confiança. Estes dispunham de chips da campanha para
gerir braços dessa rede. Muitos recebiam o conteúdo diretamente dos
criadores, a fim de quebrar a cadeia de comando e dificultar acusações
de que a campanha veiculava notícias falsas. A preferência pelo
Telegram se explica por uma maior sensação de segurança.Para Viktor
Chagas, da UFF, embora equivocada do ponto de vista da
inviolabilidade, já que ambos os aplicativos são criptografados de
ponta a ponta, a estratégia pode ser útil. “O WhatsApp tem sido
responsivo, tomando medidas de segurança contra a atuação desses
grupos. No caso do Telegram, embora a plataforma tenha princípios e
políticas mais claras no geral, não temos ainda a mesma certeza de
cooperação”, apontou. Embora o estudo do CoLAB colete apenas dados, e
não conversações, Chagas observou uma veiculação massiva de mensagens
e “colinhas” de candidatos apoiados por Jair Bolsonaro em diversos
estados do país na semana que antecedeu o primeiro turno.As células de
apoio a Bolsonaro no WhatsApp se dividem em três modalidades.
Primeiro, os grupos de disparo maciço em que os usuários não podem
interagir entre si. Neles, só existe um administrador, que envia as
peças e orienta os passivos a replicar o conteúdo em suas redes. Para
esse fim, militantes usam também as linhas de transmissão, ferramenta
do aplicativo para o envio múltiplo de mensagens privadas. Depois, em
menor número, vêm os chamados “grupos de ataque”, em que também não há
diálogo, mas o administrador publica um determinado link que deve ser
atacado em massa pelos demais. Reportagens contrárias aos Bolsonaros e
enquetes virtuais como as realizadas pelo Congresso Nacional são os
alvos preferenciais. Esse tipo de célula reúne os militantes mais
disciplinados, que recebem orientações objetivas e respostas
pré-fabricadas para o conteúdo-alvo. Por último, estão os grupos
públicos, de maior organicidade e com mais de um moderador, nos quais
é permitido aos integrantes interagir.Todos os grupos monitorados por
Chagas estão nessa categoria, porque o objetivo do estudo, a longo
prazo, é identificar o padrão de comportamento dos envolvidos no
ambiente virtual. “Vários desses grupos usam imagens de avatar
padronizadas e têm uma estrutura compartimentada, com nomes
semelhantes e regionalizados, o que sugere uma estrutura
profissional”, avaliou. O pesquisador, que extrai periodicamente as
conversações desde maio deste ano, têm um banco de 767 mil interações
e verificou que, com frequência, apenas 5% dos integrantes concentram
mais da metade das mensagens. A média de participantes por grupo é de
120 usuários.Para a criação do conteúdo que abastece essa rede, as
diretrizes principais eram humor e superficialidade. “A mensagem tinha
de ser simples, para ficar na cabeça das pessoas”, disse André. “Após
junho de 2013, a força das redes ficou evidente. Essa linguagem,
percebeu-se, funcionava muito bem na Internet e tinha uma eficácia
impressionante na política”. Memes e mensagens que ironizavam
opositores eram muito utilizados. Do contratante vinha a ordem para
insistir em temas caros ao capitão reformado, como segurança pública,
ataques ao PT e à corrupção, além de explorar sua imagem “autêntica”.
Para tanto, eram repassadas à prestadora de serviços frases de efeito
que Bolsonaro já tinha dito em eventos públicos ou que ainda diria,
tudo para se antecipar e aproveitar ao máximo o ambiente
virtual.Qualquer polêmica era bem-vinda, fosse ela inicialmente
favorável a Bolsonaro ou não. Um exemplo foi a discussão com a
deputada Maria do Rosário — que processou Bolsonaro depois de ele ter
dito que ela não merecia ser estuprada por ser feia. “Eles pediram
para explorar bastante o episódio, e criamos conteúdos em cima da
discussão do politicamente incorreto, dizendo que não dá mais para
fazer piada, que o Brasil está muito chato”, contou o informante. A
segmentação permitia endereçar mensagens a grupos específicos, nos
quais a aceitação seria maior, como imagens apelativas à volta dos
militares ao poder. Nos últimos meses da colaboração, foi solicitada
maior ênfase na ação junto aos evangélicos.Desde 2016, o grupo ligado
ao candidato ventilava o desejo de contar com o apoio de Steve Bannon,
diretor-executivo da campanha de Donald Trump à Presidência dos EUA e
figura-chave no escândalo Cambridge Analytica. No dia 11 deste mês,
Bannon citou o Brasil como um dos possíveis integrantes do grupo
chamado “O Movimento”, idealizado por ele. Dois meses antes, Eduardo
Bolsonaro postara uma foto com o estrategista em sua conta pessoal no
Twitter. Na legenda, afirmava que Bannon estava em contato com a
campanha para unir forças, “especialmente contra o marxismo
cultural”.Nas últimas semanas, ÉPOCA entrou em grupos de apoio à
candidatura de Bolsonaro à Presidência no WhatsApp e constatou a
presença silenciosa de seus filhos Eduardo e Flávio, além de Major
Olímpio (PSL), eleito senador por São Paulo. Na sexta-feira (19),
Flávio protestou contra o banimento de sua conta no aplicativo. “A
perseguição não tem limites! Meu WhatsApp, com milhares de grupos, foi
banido DO NADA, sem nenhuma explicação! Exijo uma resposta oficial da
plataforma”, escreveu. No mesmo dia, o WhatsApp comunicou que havia
banido contas vinculadas às empresas acusadas de enviar mensagens em
massa relacionadas às campanhas políticas nas eleições deste ano.Tiago
Ramos, que trabalha voluntariamente na administração dos números de
WhatsApp do candidato ao governo do Rio Wilson Witzel (PSC) e dá
suporte à campanha virtual de Bolsonaro, contou à reportagem que, após
a decisão do aplicativo, interrompeu nos últimos dias a circulação de
mensagens em massa e também via listas de transmissão. “Não foi
orientação de ninguém, mas uma precaução minha para não prejudicar os
candidatos por uma injustiça. Tenho amigos que usam o aplicativo para
se comunicar com clientes e tiveram contas bloqueadas sem motivo”,
relata. “Eles não conseguem entender que não somos robôs. Somos
pessoas que trabalham e, quando podem, dedicam um tempo extra para
falar do candidato que apoiamos. Não há crime nenhum nisso”,
insiste.Após o resultado do primeiro turno, o PT passou a dar mais
atenção a sua estratégia nas redes. Criou dezenas de grupos regionais
em que o ingresso era possível por acesso a links distribuídos em
redes de apoiadores do partido. Neles, não era possível mandar
mensagens, somente receber conteúdo. Ao contrário do primeiro turno,
quando o uso de memes e imagens estilizadas era menos frequente e
muitos “textões” ainda circulavam, o partido e seus militantes
passaram a apostar em uma linguagem mais visual. Entretanto, algumas
das peças trazem um volume de informação considerado grande para o
perfil da plataforma, com números, textos e gráficos em uma só arte,
por exemplo.O informante avaliou a atuação petista nas redes como
rudimentar. “Se o partido tivesse estruturado uma teia com os
movimentos sociais, seria indestrutível. Eles não conseguiram
diagnosticar que as jornadas de junho surgiram no ambiente digital e a
importância que esse espaço teria dali em diante”, constatou. “O PT
não entendeu que o foco deixou de ser na rua. Tem de ‘socar’
informação pelas redes o tempo todo. Agora é tarde, mas, para ter
alguma chance, o PT precisa romper com a bolha e trazer de volta o
cara que deixou de votar no partido.”Ao constatar o protagonismo
crescente do processamento de dados, o consultor de tecnologia Caio
Almendra tentou mostrar a importância do tema a integrantes do PSOL no
Rio. “Sugeri, por exemplo, a metrificação das panfletagens em
diferentes regiões para avaliar o sucesso de cada ação e planejar
melhor as próximas, mas nunca deram atenção”, disse. Quando começaram
a circular notícias falsas sobre a vereadora Marielle Franco,
executada em março deste ano, ele apresentou ao partido uma iniciativa
orçada em R$ 110 mil que possibilitaria identificar os autores do
conteúdo. “Imagine o que poderíamos ter evitado do que está
acontecendo hoje. O valor era realmente alto para o partido, mas não
tanto se fosse dividido com outras organizações”, lamentou.Da Época

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