quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Eletrobrás, privatização bandida

Eletrobrás, privatização bandida


Governo corre para vender, por ninharia, a empresa que controla os rios brasileiros. População opõe-se; e os países que privatizaram no passado, agora querem reestatizar
Por José Álvaro de Lima Cardoso
A essa altura dos acontecimentos está mais claro para boa parte dos brasileiros que, se os golpistas seguirem implantando o seu programa, passaremos a considerar a primeira onda neoliberal, que teve seu auge no governo Fernando Henrique Cardoso, um passeio no parque. Com o golpe e a aplicação de um ultraliberalismo agressivo, que nem o FMI recomenda mais, o Estado foi colocado na condição de vilão e principal causador da crise econômica.
Os golpistas dizem querer implantar o chamado Estado mínimo, mas essa turma, na realidade, é contra o Estado público. São contra o Estado que encaminha políticas de interesse de toda a sociedade (saúde, educação, defesa) ou que atende segmentos vulneráveis da população. Isso fica patente, inicialmente, pela voracidade do assalto ao erário que eles vêm realizando desde que assumiram, em 2016. Cortaram mais de um milhão de beneficiários do Bolsa Família, mas deram perdão de dívida de R$ 25 bilhões ao maior banco privado do país, o Itaú. Reajustaram o salário mínimo abaixo da inflação, mas tiraram impostos das petroleiras estrangeiras que somente este ano significará uma perda de R$ 16 bilhões para a União. A lista é bem longa.
A oposição que fazem é ao Estado que, mesmo moderadamente, realiza algo de positivo para a maioria da população. Recentemente, nos EUA, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em debate com uma plateia de jornalistas e empresários ultraconservadores, afirmou que o programa Bolsa Família “escraviza” as pessoas. Segundo ele, o programa não seria bom porque geraria, para quem recebe, uma dependência do Estado. Curiosamente, este mesmo deputado, que critica, em plenos EUA, um programa que combate a fome de quase 50 milhões de brasileiros, utilizando meros 0,4% do PIB, apoiou o perdão de dívida concedido pelo governo ao banco Itaú. E foi o mesmo que trabalhou pela aprovação da Medida Provisória (MP 795), que concede benefícios às petroleiras estrangeiras e que representará um prejuízo para o Estado brasileiro, em 20 anos, de R$ 1 trilhão.
TEXTO-MEIO
Os que defendem o “Estado mínimo”, na verdade querem o Estado a seu exclusivo serviço, especialmente em períodos de crises e queda das receitas. Recentemente, o dono das lojas Riachuelo e do Grupo Guararapes, em Nova York, ao lado de um grupo de empresários, lançou um manifesto, defendendo os valores liberais. O curioso é que, de 2009 a 2016, a empresa do referido empresário obteve financiamentos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em nome da Guararapes e das lojas Riachuelo no valor de cerca de R$ 1,4 bilhão. Os empréstimos foram concedidos com juros subsidiados e dinheiro público. Para essas situações, a política de Estado mínimo não vem ao caso?
Um dos eixos do programa do governo ilegítimo é a privatização do filé das estatais, o que restou da primeira onda neoliberal, na década de 1990, especialmente Petrobras, Eletrobras, BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil, Casa da Moeda, Correios. Neste momento estão preparando essas companhias para facilitar o processo de entrega para o setor privado. A prioridade agora é a Eletrobras, que pretendem privatizar rapidamente e sem debate, até abril deste ano. Estão preparando a empresa para entregar “redondinha” para o setor privado, possivelmente de capital de origem estrangeira. A empresa concluiu, por exemplo, o Plano de Aposentadoria Extraordinária, com adesão de 2.108 empregados, representando uma economia de R$ 877 milhões por ano, equivalente a 95% da meta do plano. É a lógica das privatizações, muito conhecida dos brasileiros: saneia e enxuga a empresa com dinheiro público, para repassar o ativo com altas taxas de produtividade para os investidores privados.
As mentiras caracterizam os processos de privatizações no mundo todo. No caso do Brasil é mais grave, porque elas vêm num processo de golpe de Estado continuado. Divulgam, por exemplo, que a privatização da Eletrobras vai reduzir a tarifa. Porém, com certeza absoluta, irá acontecer justamente o contrário. O sistema Eletrobras vende a energia mais barata do mundo: segundo dados dos sindicatos do setor, o preço cobrado pela Eletrobras é inferior a 1/4 do preço praticado pelo mercado. Necessariamente a privatização implicará na elevação do custo de produção, com implicações no custo de toda a cadeia de produção e no aumento do custo de vida. Outra falácia é a de que a privatização iria aumentar a eficiência da empresa. Mas em 2016, a Eletrobras foi a maior empresa em receita líquida pelo 4º ano seguido. O Sistema Eletrobras, até o terceiro trimestre de 2017, já havia obtido um lucro líquido de R$ 2,2 bilhões, havia investido no ano R$ 3,764 bilhões, sendo que R$ 1,305 bilhão somente no terceiro trimestre.
Na contramão do que ocorre no mundo, os golpistas encaminham para a privatização setores estratégicos, sob todos os pontos de vista. No mundo todo, a tendência é exatamente no sentido oposto. Populações que sentiram na carne serviços privatizados de água, energia elétrica, e outros, se mobilizam para reestatizar as companhias em função dos elevados custos dos serviços e sua baixa qualidade. Ao contrário do que dizia toda a propaganda neoliberal, que iludiu as pessoas acenando barateamento dos serviços e elevação da qualidade. O jornal inglês The Guardian publicou, no começo de janeiro, artigo de Will Hutton, intitulado “Podemos desfazer a privatização. E não nos custará um centavo”. O artigo se reporta a uma pesquisa, que constata que 83% da sociedade britânica é a favor da nacionalização da água e 77% da nacionalização da eletricidade e do gás. Este é um resultado muito importante, visto que a Inglaterra, com Margareth Thatcher, foi um dos primeiros países a privatizar setores essenciais como água, gás, eletricidade, transporte ferroviário e telecomunicações. Trata-se, portanto, de uma sociedade que convive com décadas de serviços públicos essenciais privatizados. Vale observar que na Inglaterra os trabalhadores, e a maioria da população, dispõe de condições salariais muito superiores às dos brasileiros; portanto, com melhores condições de pagar por serviços privados. No caso do Brasil, que convive com enorme informalidade, baixos salários e grande precarização das condições de trabalho em geral, os efeitos da privatização sobre a qualidade de vida da população mais pobre são ainda piores.
A situação do Brasil é surreal. Um dos principais argumentos do governo para privatizar empresas estratégicas é a necessidade de melhorar as contas do governo. No caso da Eletrobras, os números variam, mas no cenário mais otimista, o governo prevê arrecadar R$ 20 bilhões. Ao mesmo tempo, os jornais noticiam que o governo está reservando cerca de R$ 30 bilhões para “obter” os votos necessários para aprovar a destruição do sistema da Previdência, votação prevista para fevereiro. Segundo levantamento do Datafolha, divulgado em dezembro, 70% dos brasileiros são contra a privatização de estatais e 21% apenas são a favor. A pesquisa constatou que a rejeição às privatizações ocorre em praticamente em todos os cortes: por região, sexo, escolaridade, ou preferência partidária. Não por coincidência, as privatizações têm o apoio da maioria, apenas entre aqueles que possuem renda superior a dez mínimos, grupo no qual 55% se dizem favor dessa política. Segundo a pesquisa, nas regiões mais pobres do país as taxas de rejeição às privatizações chegam a 78%, e mesmo entre aqueles que têm posições mais conservadoras, a desaprovação é elevada.
Os resultados da pesquisa mostram que a população brasileira não é tão desmemoriada, como alguns imaginam. O governo Fernando Henrique Cardoso promoveu um processo de privatizações que ficou conhecido como “Privataria”, em função das inúmeras ilegalidades (pirataria) que ocorreram ao longo do processo. Uma parcela expressiva dos brasileiros sabe bem o que significaram as privatizações naquele período, especialmente porque acompanhadas de elevadas taxas de desemprego. As privatizações do governo FHC foram realizadas sem nenhuma transparência e estavam eivadas de irregularidades, conforme já está foi bem registrado. De qualquer forma, foram realizadas por um governo eleito, que alguma legitimidade ainda tinha. Agora, o que dizer de privatizações feitas à toque de caixa, sem nenhuma transparência, e por um governo advindo de um golpe e seguramente um dos mais corruptos da história da República?

Fonte: Outras Palavras

Corrupção: quem o Judiciário protege

Corrupção: quem o Judiciário protege

Temer, Serra, Aécio, Rodrigo Maia… Um ano depois da Lista da Odebrecht, nenhuma investigação contra políticos conservadores avançou. Casos começam a prescrever e revelam poder partidarizado
Por Antonio Martins | Vídeo: Gabriela Leite
Em 22 de setembro de 2016, o ex-ministro Guido Mantega viveu um pesadelo. Às 7 da manhã, ele acompanhava sua esposa, Eliane Berger, em internamento para cirurgia contra um câncer (ela faleceu 14 meses depois). Foi surpreendido por uma ordem de prisão preventiva, decretada pelo juiz Sérgio Moro. Voltou às pressas para casa, onde a Polícia Federal o aguardava desde às seis, acompanhada de uma multidão de repórteres. “Faz as malas, reúne as coisas”, disse o delegado que chefiava a operação. Horas depois, diante da repercussão negativa provocada pela brutalidade do ato, Moro revogou a prisão. Um único fato havia servido de pretexto para decretá-la. Preso alguns dias antes, o empresário Eike Batista dissera vagamente – sem jamais oficializar a declaração ou oferecer circunstâncias – que havia pago R$ 5 milhões a Mantega, para obter vantagens do governo federal.
O caso do ex-ministro é um entre dezenas. Entre 2015 e 2017, as chamadas “delações premiadas”, oficializadas ou não, dominaram o notíciário pobre do velho jornalismo brasileiro. Os vazamentos de informação eram permanentes. Interessados em notoriedade, procuradores e policiais antecipavam para jornalistas o suposto conteúdo das denúncias. Repórteres e editores aéticos divulgavam as informações com estardalhaço, sem a menor preocupação em apurar sua veracidade. O país acreditou estar vivendo uma “cruzada contra a corrupção”. Os alvos principais eram políticos da esquerda. Mas de repente, tudo mudou – exatamente no momento em que vieram à tona as delações da Odebrecht.
Faz exatamente um ano – foi em 30/1/2017 – que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, homologou as delações, tomadas e negociadas durante meses, de 77 executivos da maior empreiteira do Brasil. Eles revelaram o pagamento de propinas a centenas de políticos. Destes, 108, contra os quais há evidências mais graves, foram incluídos na chamada lista de Fachin – em referência ao ministro do STF encarregado, à época, de relatar a Operação Lava Jato. Retrato da promiscuidade das instituições brasileiras com o grande poder econômico, ela inclui personalidades do PT. Mas traz também outras figuras. Por exemplo, Michel Temer, que teria recebido 10 milhões de reais. José Serra, o “Vampiro” ou “Vizinho”, com R$ 36 milhões, em quatro campanhas distintas. Aécio Neves, o “Mineirinho” – um recordista, enquadrado em cinco inquéritos. Eliseu Padilha, o “Fodão”, principal articulador político do governo, hoje empenhado em liquidar a Previdência pública. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o Inca, envolvido em corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Ao contrário das afirmações feitas por Eike Batista contra Mantega, aqui não há falas vagas, mas acusações circunstanciadas. Os 77 executivos detalharam o motivo da propina, as condições em que foi paga e em alguns casos as datas dos pagamentos e números das contas receptoras. Mas há exatamente um ano, paira silêncio quase completo na mídia. Sumiram as manchetes bombásticas. Desapareceram os trechos de documentos, destacados pelo Jornal Nacional para causar impacto.
Numa rara matéria a respeito, publicada sem destaque ontem, a Folha reconhece o pior. Não foi apenas a mída que esqueceu a delação da Odebrecht. O STF, o Ministério Público e a Polícia Federal também parecem ter perdido a memória. Dos inquéritos abertos, 94% estão parados. Ninguém foi preso. Ninguém virou réu. Apenas um político foi denunciado pela Procuradoria Geral da República – o líder do governo no Senado, Romero Jucá. Mesmo assim, Jucá, o Caju da Odebrecht, não tem motivos para perder o sono. A investigação está travada, porque o STF não a libera. Indagado pelos autores da matéria a respeito, o Supremo sequer dignou-se a responder.
Há uma suspeita fundada sobre a razão de todo este corpo mole. Os crimes prescrevem. Veja o que ocorreu na quarta-feira passada, por exemplo. Lula foi condenado em Porto Alegre, pela TRF-4. No mesmo dia, em Brasília, a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STF para arquivar um dos inquéritos em que o senador José Serra é acusado de receber R$ 20 milhões da JBF. O pretexto: Serra tem mais de 70 anos e por isso, a prescrição, que já é curta, ocorre na metade do tempo… Em São Paulo, estão igualmente prestes a prescrever as acusações contra Geraldo Alckmin e o próprio Serra, por recebimento de propina para favorecer a Odebrecht em obras como o Metrô e o Rodoanel.
Ou seja, se o STF, o Ministério Público Federal e a PF continuarem agindo como fazem há um ano, teremos em breve o seguinte cenário: Lula e alguns outros ficarão inelegíveis e poderão ser presos. Mas a Justiça brasileira permitirá que Temer, Serra, Aécio, Alckmin, Rodrigo Maia e centenas de outros políticos, denunciados pela Odebrecht, JBS e outras megaempresas fiquem livres, disputem as eleições e talvez ocupem o Palácio do Planalto.
A posição claramente partidária da Justiça brasileira é uma ameaça à democracia – mas também implica riscos aos próprios privilégios do Judiciário. Setores cada vez mais amplos da opinião pública estão se dando conta da farsa. No sábado, o filósofo Vladimir Safatle, um crítico notório do lulismo, escrevia: “a sanha anticorrupção vai até Lula e termina nele (…). Um país onde Lula é condenado e Temer é presidente e Aécio Neves senador é algo da ordem do escárnio”.
Ou seja, os farsantes podem estar dando um tiro no pé, porque as duas consequências políticas à vista são muito desfavoráveis a ele. A primeira, o próprio Safatle enuncia: se a conciliação, tão tentada por Lula, mostrou-se incapaz de sensibilizar as elites, talvez seja necessário um novo tipo de governos de esquerda – ao estilo jararaca, não mais paz e amor. Segunda consequência, mais específica. O Judiciário está se desmoralizando rapidamente. Muito em breve, precisará entrar na pauta nacional uma vasta reforma deste poder profundamente elitista, perdulário e conservador. Tanto partidarismo de Moro e do TRF-4 quanto o corpo mole na apuração das delações da Odebrecht podem se voltar contra aqueles que os praticam.

Fonte: Outras Palavras

Boaventura: depois das “democracias de mercado”

Boaventura: depois das “democracias de mercado”

O regime que era opção das elites desde a queda do Muro de Berlin regrediu, após 2008, para uma democracia esvaziada. Mas é apenas um interregno. Virá um novo momento, ainda incerto
Por Boaventura de Sousa Santos | Imagem: Paul Robeyrolle, Liquidação (1999)
Estamos num interregno. O mundo que o neoliberalismo criou em 1989 com a queda do Muro de Berlim terminou com a primeira fase da crise financeira (2008-2011) e ainda não se definiu o novo mundo que se lhe vai seguir. O mundo pós-1989 teve duas agendas com um impacto decisivo em todo o mundo. A agenda explícita foi o fim definitivo do socialismo enquanto sistema social, econômico e político liderado pelo Estado. A agenda implícita consistiu no fim de qualquer sistema social, econômico e político liderado pelo Estado.
Esta agenda implícita foi muito mais importante que a explícita, porque o socialismo de Estado estava já agonizante e, desde 1978, procurava reconstruir-se na China enquanto capitalismo de Estado na sequência das reformas promovidas por Deng Xiaoping. O efeito mais direto do fim do socialismo de tipo soviético na esquerda foi o ter desarmado momentaneamente os partidos comunistas, alguns deles há muito já distanciados da experiência soviética. A agenda implícita foi a que verdadeiramente contou; por isso, teve que ocorrer de maneira silenciosa e insidiosa, sem queda de muros. Assistiu-se, depois de 1989, à difusão sem precedentes da ideia da crise da social-democracia, que implicava uma forte intervenção do Estado na concessão de direitos sociais e econômicos. A secundá-la, a ortodoxia neoliberal doutrinava sobre o caráter predador ou, pelo menos, ineficiente do Estado e da regulação estatal.
O desarme da social-democracia foi disfarçado durante algum tempo pela nova articulação das formas de dominação que vigoram no mundo desde o século XVII: capitalismo, colonialismo e patriarcado. As reivindicações sociais passaram a orientar-se para as agendas ditas pós-materiais, os direitos culturais ou de quarta geração. Estas reivindicações eram genuínas e denunciavam modos de opressão e de discriminação repugnantes. Incidiam especificamente em dois eixos da dominação, o colonialismo (racismo, monoculturalismo) e o patriarcado (sexismo e hetero-sexismo).
O modo como as reivindicações foram orientadas fez crer aos agentes políticos que as mobilizaram (movimentos sociais, ONGs, velhos e novos partidos) que podiam levá-las a cabo com êxito sem tocar no terceiro eixo da dominação – o capitalismo. Houve mesmo uma negligência do que se foi chamando política de classe (igualdade, distribuição) em favor das políticas de raça e sexo (reconhecimento da diferença). Essa convicção provou-se fatal no momento em que o regime pós-1989 caiu. A dominação capitalista, reforçada pela legitimidade que criou nestes anos, virou-se facilmente contras as conquistas anti-racistas e anti-sexistas na busca incessante de maior acumulação e exploração. E estas, desprovidas da vontade anti-capitalista ou separadas das lutas anti-capitalistas, sentiram e sentem muitas dificuldades para resistir.
TEXTO-MEIO
Nestes anos de interregno resulta evidente que a agenda implícita visava dar total prioridade ao princípio do mercado na regulação das sociedades modernas em detrimento do princípio do Estado e da comunidade. No início do século XX, o princípio da comunidade fora secundarizado em favor da rivalidade que então se instalou entre os princípios do Estado e do mercado. A relação entre ambos foi sempre muito tensa e contraditória. A social-democracia e os direitos econômicos e sociais significaram momentos de trégua nos conflitos mais agudos entre os dois princípios. Esses conflitos não eram resultado de meras oposições teóricas. Resultavam das lutas sociais das classes trabalhadoras que procuravam encontrar no Estado o refúgio mínimo contra as desigualdades e os despotismos gerados pelo princípio de mercado. A partir de 1989, o neoliberalismo encontrou o clima político adequado para impor o princípio do mercado, contrapondo a sua lógica à lógica do princípio do Estado, que foi  colocado na defensiva.
A globalização neoliberal, a desregulação, a privatização, os tratados de livre comércio, o papel inflacionado do Banco Mundial e do FMI foram sendo executadas paulatinamente para erodir o princípio do Estado, quer retirando-o da regulação social, quer convertendo esta numa outra forma de regulação mercantil. Para isso, foi necessária uma desvirtuação radical mas silenciosa da democracia. Esta, que no melhor dos casos fora encarregada de gerir as tensões entre o princípio do Estado e o princípio do mercado, passou a ser usada para legitimar a superioridade do princípio do mercado e, no processo, transformar-se ela própria num mercado (corrupção endêmica, lobbies, financiamento de partidos, etc.). O objetivo era que o Estado passasse de Estado capitalista-com-contradições a Estado capitalista-sem-contradições. As contradições passariam a ser exteriorizadas para a sociedade, e as crises sociais a serem resolvidas como questão de polícia e não como questão política.
Vivemos, pois, um período de interregno. Não sei se este interregno gera fenômenos mórbidos como o interregno famosamente analisado por Gramsci. Mas tem certamente assumido características profundamente dissonantes entre si. Nos últimos cinco ou dez anos, a atividade política em diferentes países e regiões do mundo adquiriu facetas e traduziu-se em manifestações surpreendentes ou desconcertantes.
Eis uma seleção possível:
  • o agravamento sem precedentes da desigualdade social e a passagem da riqueza envergonhada para a riqueza ostentada;
  • a intensificação da dominação capitalista (erosão dos direitos sociais), colonialista (intensificação do racismo, xenofobia, islamofobia, anti-semitismo) e patriarcal (sexismo, feminicídio) traduzida no que chamo fascismo social em suas diferentes formas (fascismo do apartheid social, fascismo contratual,  fascismo territorial, fascismo financeiro, fascismo da insegurança);
  • a reemergência do colonialismo interno na Europa com um país dominante, a Alemanha, que se aproveitar da crise financeira para transformar os países do sul numa espécie de protetorado informal, particularmente gritante no caso da Grécia;
  • o golpe judiciário-parlamentar contra a Presidente Dilma Rousseff, um golpe continuado com o processo de impedimento da candidatura de Lula da Silva às eleições presidenciais de 2018;
  • a saída unilateral do Reino Unido da União Europeia;
  • o fim presumível do conflito armado na Colômbia;
  • o colapso ou crise grave do bipartidismo centrista em vários países, da França à Espanha, da Itália à Alemanha;
  • a emergência de partidos de tipo novo a partir de movimentos sociais ou mobilizações anti-política, como o Podemos na Espanha, Cinco Stelle na Itália, AAP na Índia, Alternative für Deutschland na Alemanha; a constituição de um governo de esquerda muito moderado em Portugal com base num entendimento sem precedentes entre diferentes partidos de esquerda;
  • a eleição presidencial de homens de negócios bilionários com fraca ou nula experiência política, apostados em destruir a proteção social que os Estados têm garantido às classes sociais mais vulneráveis, sejam eles Macri na Argentina ou Trump nos EUA;
  • o ressurgimento da extrema-direita na Europa com o seu tradicional nacionalismo de direita, mas surpreendentemente portadora da agenda das políticas sociais que tinham sido abandonadas pela social-democracia, com a ressalva de agora valerem apenas para “nós” e não para “eles” (imigrantes, refugiados);
  • a infiltração de comportamentos fascistizantes em governos democraticamente eleitos, como, por exemplo, na Índia do BJP e do presidente Modi, nas Filipinas de Duterte, nos EUA de Trump, na Polônia de Kaczynski, na Hungria de Orban, na Rússia de Putin, na Turquia de Erdogan, no México de Peña Nieto;
  • a intensificação do terrorismo jihadista que se proclama como islâmico;
  • a maior visibilidade de manifestações de identidade nacional, de povos sem Estado, nacionalismos de direita na Suíça, e na Áustria, nacionalismos com fortes componentes de esquerda na Espanha (Catalunha mas também País Basco, Galiza e Andaluzia) e na Nova Zelândia, e nacionalismos dos povos indígenas das Américas que se recusam a ser encaixados na dicotomia esquerda/direita;
  • a agressividade sem paralelo na gravidade e na impunidade da ocupação da Palestina pelo Estado colonial de Israel;
  • as profundas transformações internas combinadas com estabilidade (pelo menos aparente) em países que durante muito tempo simbolizaram as mais avançadas conquistas das políticas de esquerda, da China ao Vietnã e a Cuba;
  • o colapso por uma combinação de erros próprios e interferência grave do imperialismo norte-americano de governos progressistas que procuraram combinar desenvolvimento capitalista com a melhoria do nível de vida das classes populares, no Brasil, Argentina e Venezuela; o novo rosto e a nova tática do imperialismo norte-americano que, em vez de impor ditaduras por via da CIA e forças militares, promove e financia iniciativas de “democracia-amiga-do mercado” através de organizações não-governamentais ultra-liberais e evangélicas e de desenvolvimento local, protestos com slogans ofensivos para as personalidades, os princípios e as políticas de esquerda, protestos na medida do possível pacíficos, mas que, em situações mais tensas, pode envolver ações violentas que depois, com a cumplicidade das mídias nacionais e internacionais, são atribuídas aos governos hostis, isto é, governos hostis aos interesses norte-americanos.
Este elenco deixa de fora os problemas sociais, econômicos e ecológicos que talvez mais preocupem os democratas em todo o mundo, tal como não menciona a violência familiar, urbana, rural ou a proliferação das guerras não-declaradas, embargos não declarados, o terrorismo e o terrorismo de Estado que estão destruindo povos inteiros (Palestina, Líbia, Síria, Afeganistão, Iêmen) e a convivência pacífica em geral. Neste sentido, este elenco é um elenco de sintomas e não de causas.
Mesmo assim, serve-me para mostrar as características principais do interregno em que nos encontramos: a democracia liberal nunca teve capacidade para se defender dos anti-democratas e fascistas com os mais diversos disfarces; mas hoje o que mais surpreende não é essa incapacidade; são antes os processos de incapacitação movidos por uma força transnacional altamente poderosa e intrinsecamente antidemocrática – o neoliberalismo (capitalismo como civilização de mercado, de concentração e de ostentação da riqueza), cada vez mais geminado com o predomínio do capital financeiro global, a que tenho chamado o “fascismo financeiro”, e acompanhado por um cortejo impressionante de instituições transnacionais, lobistas e meios de comunicação social.
Estes novos (de fato, velhos) inimigos da democracia não querem substitui-la pela ditadura. Em vez disso, buscam descaracterizá-la ao ponto de ela se transformar na reprodutora mais dócil e na voz mais legitimadora dos seus interesses. Mas, como ilustra o elenco de sintomas acima, é um processo com muitas contradições.
O que virá depois deste interregno?

O senso imoral de justiça de Moro e Bretas

O senso imoral de justiça de Moro e Bretas

As leis são filhas do seu tempo. São utilizadas em boa medida para impedir o livre arbítrio dos seres humanos em nome da boa convivência em sociedade. E servem à domesticação, como já apontou Foucault.
Leis são construídas a partir dos interesses de quem tem mais força pra fazê-las. A escravidão foi legal no Brasil até 1888. Homens brancos que torturavam suas posses negras agiam amparados pela lei.
Não há mérito em cumprir a lei quando ela é injusta, imoral, corrupta e atenta contra os interesses de grupos ou da sociedade como um todo.
Os juízes Sérgio Moro e Marcelo Bretas foram flagrados em ato imoral e indigno, o de receber quase 5 mil (sendo que Bretas é casado com juíza e a família recebe o dobro) de auxílio moradia quando têm apartamento na cidade onde atuam.
Ambos alegam que há legalidade no ato. A legalidade dada por uma decisão de outro juiz. No caso de Bretas o juiz também usa o auxílio moradia tendo apartamento na cidade em que trabalha.
É a consagração da imoralidade em segunda instância. A lei que criou o auxílio moradia no serviço público de 1990 é clara. Ela deve ser usada em caso de a pessoa ter de servir o Estado em cidade onde não vive há pelo menos um ano. Não é para ser usada como complementação salarial. E muito menos porque algum servidor não teve reajuste.
É catatônica, neste sentido, a resposta dada por Moro. É a resposta de alguém que se acha não só acima da lei, mas do sentido prático de justiça.
Esse sentido de justiça precisa ser confrontado. Não é justo que um juiz faça uso de algo que o resto da sociedade não tem por corporativismo enquanto policiais morrem ganhando 3 paus por mês. E professores tenham que trabalhar em dois períodos pra não ganhar nem isso. E que essa mesma justiça permita a criação de leis em que um trabalhador possa ser contratado por 4,50 reais a hora.
Essa justiça é inclementemente injusta. É preciso democraticamente lutar contra o moralismo sem moral de Moros e Bretas. Eles são o império da lei, mas de uma lei que é socialmente injusta. E que não interesse à ampla maioria da população.

Fonte: Fórum

Nota 1.000 na redação, cotista e filha de pedreiro e telefonista, ela vai ser médica

Nota 1.000 na redação, cotista e filha de pedreiro e telefonista, ela vai ser médica

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Beatriz Servilha estuda Libras há dois anos e conta que chorou ao ver que o tema da redação do Enem era sobre surdos: “Filha de pobre também pode ser médica”.
Da Redação*
Beatriz Albino Servilha, de 19 anos, atribui suas vitórias aos pais: ao pedreiro Junior e à telefonista Renata. Sempre quis provar a eles que “filha de pobre também pode ser médica”. Depois de tantos obstáculos, o casal descobriu que a jovem estava entre os 53 candidatos que tiraram nota 1.000 na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Depois, viu o nome dela na lista de aprovados em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foram gritos ao telefone e choro de comemoração.
“Era meu 3º ano tentando entrar na faculdade. Eu sabia que minha família não teria condições de manter meus estudos. Mas, mesmo assim, nunca me direcionaram para outra área. Nossa situação financeira não me impediu de correr atrás do que eu queria”, conta Beatriz.
A jovem foi aprovada no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) pela cota de estudantes de escola pública, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo. Ela cursou o ensino médio em uma Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) do Rio de Janeiro. No último ano, percebeu que “estava zerada em matemática, em física e em conhecimentos básicos” – e então procurou um cursinho.
“Consegui uma bolsa de estudos porque minha prima havia estudado lá e passado na UFRJ. No meu segundo ano no preparo para o vestibular, continuei com a bolsa porque tirei nota boa na redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)”, conta.
Ela defende a política de cotas por ter vivenciado a dificuldade de uma estudante de escola pública conseguir recuperar o que não aprendeu no ensino médio. “Isso não é sistema de benefício a ninguém. É a forma de o governo corrigir um erro que é deixar o negro de lado, negligenciar a educação do pobre. Por anos, não tive matemática nem biologia”, revela.
Surdos
Quando recebeu a prova do Enem e viu que o tema da redação era “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”, Beatriz começou a chorar. “Não acreditei. Comecei a estudar Libras há dois anos, para me comunicar com uma amiga surda”, conta.
Ela havia se tornado intérprete da língua de sinais para os seguidores da igreja que frequenta. “Não achei tão difícil, porque tenho contato direto com a comunidade surda, que me impulsionou a continuar”, afirma Beatriz.
A jovem conta que, na redação do Enem, argumentou sobre a falta de intérpretes capacitados para atuar nas salas de aula. “Não basta formar qualquer tipo de profissional. Existem aqueles que têm capacidade de trabalhar em tribunal, em teatro, em igreja ou em escolas. A sociedade é muito ignorante e não vê Libras como algo importante e oficial”, diz.
“Há um tempo, fui levar minha irmã a uma unidade de pronto-atendimento e vi três surdos lá, desamparados, porque nenhum funcionário sabia língua de sinais. Ninguém pensa nisso”, completa.
*Com informações do G1
Foto: Arquivo pessoal

Fórum publica texto de Maringoni que a Folha se negou a dar por “falta de calor”

Fórum publica texto de Maringoni que a Folha se negou a dar por “falta de calor”

COMO A FOLHA DE S. PAULO TRATA O CONTRADITÓRIO
 
Neste domingo (4), o caderno Ilustríssima, da Folha de S. Paulo, publicou extenso artigo de Armínio Fraga e Robert Muggah, fazendo um diagnóstico da política externa brasileira e traçando rumos para o futuro. Postei ontem mesmo o texto aqui no Facebook.
 
Achei o texto superficial e muito ruim.
 
Escrevi ao editor do caderno, cujo nome omito, para saber da possibilidade de publicarem uma réplica, que eu pretendia escrever.
 
Eu sei ser impossível a um editor se comprometer a publicar algo ainda não escrito. Daí minha cautelosa questão.
 
Para minha surpresa, ele negou, de cara, a possibilidade.
 
Eis nossa troca de mensagens
 
MINHA MENSAGEM AO EDITOR
 
Prezado [Editor do caderno Ilustríssima],
 
Como vai?
Li, neste domingo, o artigo “Reformas para o Brasil ganhar espaço no tabuleiro mundial”, assinado por Armínio Fraga e Robert Muggah.
 
Não se trata apenas de discordância com o texto, mas me espanta que peça tão superficial e repleta de meias-verdades seja publicada em tão largo espaço.
 
Gostaria de saber se há possibilidade de a Ilustríssima publicar o contraditório que pretendo escrever.
 
Atenciosamente,
Gilberto Maringoni
 
A RESPOSTA DO EDITOR
Caro professor,
Não tenho como dar uma resposta a partir de seu email abaixo. É uma sugestão muito genérica. A princípio, no entanto, posso dizer que não vejo muito calor nesse debate.
 
Grato,
[Editor do caderno Ilustríssima]
 
MINHA TRÉPLICA
Caro [Editor do caderno Ilustríssima]
Espanta-me ver que o editor de um caderno de ideias atue para interditar as mesmas. Mais espantoso é que este editor não “vê calor” no tema central da inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho pós-2008, em meio à crise por nós enfrentada.
 
Paciência. Quero apenas enumerar algumas das muitas insuficiências das linhas cometidas por Armínio Fraga e Roberto MuggaH, no artigo “Reformas para o Brasil ganhar espaço no tabuleiro mundial”:
 
1. Dizem os autores: “A ordem liberal internacional está sob ataque. O compromisso assumido sete décadas atrás pelos países ocidentais quanto a segurança comum, mercados abertos e democratização está perdendo a força”.
Armínio e Muggah parecem não conhecer a história das últimas sete décadas. O compromisso do pós-Guerra não foi liberal, mas um pacto de compromisso entre liberais e desenvolvimentistas para a superação do liberalismo materializado por um século de supremacia britânica. Este desembocou em duas guerras mundiais e uma crise no centro do sistema. Temos aqui quase um consenso na historiografia das relações internacionais. E não se trata de um período unívoco. Nele tiveram lugar diversas fases da Guerra Fria, o unilateralismo estadunidense, a ascensão da China e a tendência à multipolaridade;
 
2. “O populismo reacionário e a crescente desigualdade de oportunidades e de renda nas economias mais avançadas também têm sua parcela de culpa”.
Armínio e seu colega jogam conceitos na base do “se colar, colou”. O que é “populismo reacionário”? Reacionário em relação a qual ação? Por que existem “crescentes desigualdades de renda” em tais economias?
 
3. “A despeito de terem se beneficiado da ordem liberal internacional, muitos países latino-americanos, especialmente o Brasil, reagem de forma ambígua diante do fim desse quadro e até parecem aliviados. Isso é um erro”.
Se Armínio e Muggah acompanhassem os debates sobre os rumos da economia brasileira a partir do célebre debate entre desenvolvimentistas e liberais – em especial entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, em 1944-45 – não escreveria o que escreve. Tenho vontade de enviar a ele meu livro sobre o tema, publicado pelo IPEA, em 2010. Fizessem isso, veriam que a adesão brasileira à ordem global, hegemonizada pelos EUA, nunca foi um caminho suave.
 
4. Para compreender o agnosticismo latino-americano, é preciso recuar ao nascimento da ordem liberal internacional, em 1945. (…) Sua face institucional inclui a Organização das Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional…”
A criação da ONU ensejou uma dificílima articulação que levou em conta a hierarquia entre países e a força relativa de cada um. Após 1949, a Organização foi pesadamente criticada pelo establishment norteamericano. Para Armínio e Muggah, não existe disputa política, ordem é coisa que cai do ceu e História significa um desfiar contínuo de fatos, coisas e datas.
 
5. “Essas entidades, algumas das quais excluíam os países latino-americanos, tinham por compromisso a difusão do Estado de Direito, a democratização, a preservação de mercados abertos…”
Uma pergunta: colocamos a deposição de Jacobo Árbenz (1954), na Guatemala, o golpe no Brasil (1964) e no Chile (1973), entre vários outros, na conta da “difusão do Estado de Direito” e da “democratização”?
 
6. “A ordem liberal internacional endossou a ideia de um jogo de soma positiva, e não o de soma zero (no qual um perde o que o outro ganha) que prevaleceu por séculos”.
Ótimo. Só falta explicar como se deu isso. Armínio e Muggah deveriam buscar conhecer a história de um organismo chamado Cepal.
 
7. “A partir dos anos 80, o comprometimento latino-americano perdeu ainda mais força, apesar do colapso da União Soviética (1989). A maioria dos países da região encarava com desconfiança as terapias de choque (muitas vezes mal implementadas) impostas pelo Consenso de Washington”.
“Encarava com desconfiança”? Tucanaram a década perdida? Países como México, Brasil e Argentina quebraram ao longo da crise da dívida. Armínio e Muggah fazem tábula rasa dos efeitos da crise norteamericana e da adoção do dólar flexível, a partir de 1972-73. Essas medidas possibilitaram a externalização da crise dos EUA e sua recuperação ao longo dos anos 1980, algo verificável através da consulta de qualquer gráfico da evolução de seu PIB. My God!
 
8. “A partir da presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), contudo, o Itamaraty e sua estratégia tradicional foram deixados de lado”.
Armínio e Muggah precisam estudar mais um pouquinho. Certamente desconhecem a linha crescentemente nacionalista do Itamaraty a partir da política externa para o desenvolvimento, de Vargas, passando pela Política Externa Independente de Janio e Jango, pelo Pragmatismo Responsável de Geisel, até chegar à Política Externa Altiva e Ativa, de Lula. Fizessem isso, perceberiam que a estratégia dominante do MRE tende mais para essas diretrizes e que as políticas externas de Castello Branco, Collor de Mello, FHC e Temer é que deixam de lado uma tradição em curso.
 
 
9. “Enquanto o Brasil advogava maior cooperação entre as nações em desenvolvimento, a expansão acelerada dos negócios privados e públicos brasileiros em regimes antiliberais causou preocupações quanto ao compromisso do país com a ordem liberal internacional”.
Armínio e Muggah chegaram agora de Marte? Nosso comércio internacional com a América Latina, Ásia e África se multiplicou por cinco, na média, e contou com entusiasmado apoio empresarial nesses anos. Até mesmo com um dos países do “eixo do mal”, o Irã, essa adesão foi forte. Veja-se notícia da Agência Brasil, de 11 de abril de 2010: “Daqui a um mês, no dia 15 de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai a Teerã, no Irã. Antes, chegará ao país o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, que comanda um grupo com 86 empresários brasileiros”.
 
Há muito mais na diatribe do banqueiro e do ongueiro. Praticamente cada parágrafo embute uma meia verdade ou uma ignorância interessada. Não quero aborrecer a você, caro [Editor do caderno Ilustríssima], com um debate que não provoca “calor”.
 
Falar nisso, vejo também que a queda acentuada da circulação dos jornais se dá pelo fato do público sentir cada vez menos “calor” no que lê. A voz monocórdia de banqueiros pode render alguma receita publicitária, mas cada vez menos a simpatia do leitor.
 
Saudações,
 
Gilberto Maringoni


Fonte: Fórum